Fate/Legends - Ashe escrita por Lanko


Capítulo 7
Ashe - Reminiscências III: Ideais Diferentes


Notas iniciais do capítulo

Ashe tenta elaborar uma estratégia de como prosseguir na Guerra do Graal.
Além disso, tem um choque cultural ao comparar esse mundo com Runeterra, o que a faz lembrar de uma trágica história que a marcou profundamente...



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Ashe tinha mil pensamentos percorrendo sua mente em relação à situação:

O que faço quando encontrar outro Campeão? Me apresento primeiro? Isso poderia relaxar conhecidos, mas também daria todas as informações a um inimigo. Mas parece ser a única opção sem que nos matemos desnecessariamente.

Somente um pode viver no final…será mesmo verdade? A realização de um desejo também é bom demais. Muito conveniente. Aram poderia ter outros planos? Mas aquela conversa me deu valiosas informações. Confirmou que meu invocador está participando contra a vontade e que Aram não tem controle ou influência sobre ele e possivelmente os outros. Significa que também não poderia controlar quais campeões seriam invocados. Então ele não teria motivos para estar mentindo, mas…

– Meu Deus, são 9h30 da manhã!

Ashe se virou e viu seu invocador olhando pra um relógio na parede. Um pouco de remorso a preencheu. Ela nem sabia o nome dele.

– Com licença, senhor… - Disse Ashe.

– John Donovan. – Ele respondeu.

– Ashe. Sr.Donovan, eu lhe devo desculpas.

– Por quê? – Ele pareceu perplexo.

– Nosso primeiro contato não foi muito amigável, não é mesmo? Mas você não era quem eu esperava, por isso, minhas desculpas. – Respondeu Ashe.

– Bem, na verdade eu não te culpo, até ontem eu também achava isso tudo loucura…mas o que você quer dizer que “eu não era o que você esperava?’’ – Perguntou John.

– Como você vê, sou uma Campeã da League. Você é um invocador. Nas batalhas nos Campos da Justiça, o invocador escolhe um campeão para a luta e tem total controle sobre ele. Apenas conversamos mentalmente e eles podem adotar nossas opiniões e agir de acordo, mas tudo é definido por eles.

– Continue, por favor.

– Achei que ia ser apenas uma marionete de um invocador de outro mundo, controlada por alguém ganancioso atrás de poder a qualquer custo, capaz de qualquer coisa. Me enganei. Você também está nisso contra sua vontade e ouvi o que disse para o Conselheiro Aram. – Disse Ashe, levemente sorrindo.

– Obrigado…espero que possamos resolver esse problema. – Disse John.

– Então gostaria de discutir um pouco de estratégia com você. Primeiro, eu… - Ashe foi interrompida por um estranho barulho.

– É o telefone, um minuto.

– Alô? Chefe? O prédio da empresa? – John ficou branco – Ah…sim, me ligaram e contaram, estava aguardando alguma mensagem…o quê? Está na TV também? Entendo…

Ashe deixou que John tratasse de seus assuntos. Ela olhou ao redor do apartamento, vendo diversos objetos que não fazia idéia pra que serviam. Outros eram óbvios e familiares. Abriu a porta de vidro da sacada e olhou a vista da cidade.

Construções tão altas. E existem várias. Nem Demacia tem tantas.

Quando foi invocada, ela estava num quarto, com um homem desmaiado no chão. Ela pretendia confrontar seu invocador sobre a Guerra, mas não pôde evitar de ajudá-lo, devido a um ferimento grave no braço. Ashe achou que ele ia simplesmente morrer por perda de sangue e a tinha invocado no desespero, quando percebeu uma sensação familiar naquele quarto.

Era a fonte dos Campos da Justiça. A energia era idêntica. Supôs que ele estivesse se curando, embora a fonte original curasse qualquer ferimento em meros segundos. Pegou uma toalha e a amarrou firme para estancar o sangue. Em seguida o arrastou para a cama.

Ashe não tinha o menor conhecimento médico, ainda mais em outro mundo, rodeada de coisas desconhecidas. Só podia torcer para o melhor. Ela não queria de maneira alguma ser controlada naquele jogo de morte, mas também não podia deixar o homem morrer na frente dela, sem ela conhecer totalmente a situação. E estava grata por ter pensado nisso. John Donovan era tão vítima como ela.

Ainda bem que não me ceguei pela raiva. Não só um inocente teria morrido com meu consentimento, como eu também.

O trabalho não terminou por aí. Durante o resto da noite John ardera em febre. Pegou outra toalha, molhou-a e a colocou sobre a teste dele. Por vezes ele parecia estar delirando, murmurando palavras, como “frio”,“neve”,“flechas”, “avalanche”, entre outras.

O ferimento estava fechando e Ashe decidiu deixá-lo repousar em paz. Ela não demonstrava, mas estava extremamente cansada. Participara de uma batalha muito dura nos Campos da Justiça, teve problemas com alguém depois da luta, uma comemoração que durou bastante e de repente estava em outro mundo. A adrenalina e a sensação de perigo ao desconhecido a mantiveram acordada e atenta, mas conforme as horas passavam o quadro se alterava.

Mas não se permitiu dormir. Não queria de maneira alguma que o invocador acordasse e a encontrasse dormindo. Poderia ser perigoso, pois não sabia se ele teria controle sobre ela como nos Campos da Justiça.

Se distraiu vendo a paisagem da cidade, as diferentes luzes que observava e com diversos pensamentos e planos de ações. Se assustou ao ouvir um barulho imenso e um objeto enorme voando pelo céu, com algumas luzes piscando. O cálice chamado Santo Graal lhe dera conhecimento básico do mundo e da era em que estava, e com isso sua mente lhe disse que aquilo era um avião, mas mesmo assim não conseguiu esconder o choque.

O sol nasceu e mais algumas horas se passaram. Ashe já passara dias sem dormir nas campanhas militares em Freljord, estudando, planejando ou mesmo em dor e prantos diante de situações que ela não via saída, sem ninguém por perto para lhe dar apoio. Mas mesmo ela tinha limites.

Estava a ponto de ceder quando John acordou. O possível perigo, a dúvida e raiva por estar ali fizeram a adrenalina voltar. Mesmo Aram não percebeu sua fadiga. E ela quis manter assim, fazendo John retorná-los à base, quando ela ainda tinha mais perguntas a fazer.

Por fim, John terminou seus assuntos: - Você não vai acreditar. O prédio onde trabalho foi interditado depois do ataque da Assassin. Eles acham que ele pode desabar. Mas eu sei que não. A Assassin desceu pela lateral e fez dois cortes enormes. Foi apenas isso, mas eles acham que a estrutura está rachando. Sem falar do elevador destroçado no subsolo e a zona no andar que eu trabalho.

– Alguma coisa poderia ligar você a esse incidente? – Perguntou Ashe.

– Não. Nem encontraram as facas da Assassin. Aquele Aram limpou tudo. Bem, a prefeitura está investigando. Com isso todos estão de licença do trabalho, o que na verdade é ótimo, já que agora sou um alvo procurado. – Disse John.

– Me conte sobre o ataque da Assassin. – Disse Ashe.

John contou tudo, sobre as facas ricocheteantes, o ferimento, a estranha reação dela diante do extintor, a habilidade de teleporte, a fuga de táxi, a descida insana pela lateral do prédio, a descrição: cabelos ruivos e roupas pretas.

– Hm, esse bloqueio de memória vai ser um problema. Nada do que você falou me lembra alguém. – Disse Ashe.

– O que não entendo é como ela foi direto até mim. Como ela me encontrou e sabia que eu era um invocador? – Perguntou John.

– Aram disse que você sabia a resposta pra isso. Não faz alguma idéia? – Respondeu Ashe.

– Não, nada. – Disse John.

– Isso é estranho. Ela encontrou você, mas não o perseguiu até aqui. Por que ela não invadiu sua casa? Se ela tem recursos pra saber onde você trabalha, saberia desse lugar também… - Disse Ashe.

– Meu endereço é sigiloso porque…. – Disse John, que arregalou os olhos como se tivesse descobrido algo.

– É isso! – Exclamou ele.

– O quê?

– Faço trabalho voluntário na cidade. Isso me deixou com certa fama aqui, tanto que tive que me mudar e pedir para o endereço ficar em sigilo.

– Certo, mas como isso explica o ataque?

– Foi durante o teleporte pra aquela sala de vidro! Eu estava voltando pra casa, lembra? Eu estava de carro e o Graal me abduziu. O carro caiu da ponte. Aqui é uma cidade pequena, então essa notícia bizarra correu por todos os lados. Ela deve ter ligado os fatos. Foi por isso que ela foi atrás de mim!

– Sim, faz todo o sentido. Mas agora temos dois graves problemas… - Disse Ashe.

– Quais?

– Primeiro: Estamos numa Guerra de vida ou morte, onde só um sobrevive no final. Enquanto todos estão anônimos, você é famoso na cidade inteira. O acidente te deixou mais ainda. E agora o lugar que você trabalha está em destaque também.

John engoliu em seco. Ele concordava com ela.

– E segundo, isso significa que o invocador da Assassin é extremamente inteligente. Em menos de um dia ele teve a calma e a perspicácia de ligar seu acidente ao teleporte forçado do Graal, única coisa que poderia provocar o “acidente bizarro”. Se ele conseguiu fazer isso, os outros também poderiam. Ainda mais se falarem sobre esse caso do prédio, “é o lugar onde o famoso Sr.Donovan trabalha”.

– Meu Deus…

– Calma. Isso significa que também podemos fazer o mesmo. Alguma outra “notícia bizarra”?

John pegou um jornal e o colocou sobre uma mesa.

– Esse é o único jornal de Springfield, o Spring’s News. Se alguma coisa acontecer na cidade, vai estar aqui. Mas não acredite em tudo que ler, eles são sensacionalistas e distorcem várias coisas pra poderem vender cópias.

– Eu sei como é… - Respondeu Ashe.

A primeira página era dedicada ao acidente de John.

– Drogas e bebidas, hein? – Perguntou Ashe.

– Ei! Você sabe que o teleporte foi a causa do acidente! – Disse John, constrangido.

– Eu sei, eu sei! – Riu Ashe.

A segunda página era um histórico das atividades de John na cidade.

Isso é ruim, qualquer coisa que ele fizer vai ser noticiada pela mídia. Mesmo em outro mundo essas coisas nunca mudam…

A terceira página enfim dispunha de outras notícias da cidade. Uma falava sobre o início da campanha eleitoral do prefeito Thomas Wintergate pela reeleição. Sua filha Amanda era a principal cabo eleitoral, que conseguiu fazer que adversários apoiassem Wintergate, e o jornal questionava que tipo de “favor” ela poderia estar fazendo.

– Foi por causa dele que me atrasei e estava na ponte. Ele apareceu na sede do trabalho voluntário e houve briga com os membros. Não leve essa última parte do “favor” a sério, é um jornal sensacionalista. – Disse John, preocupado.

Ashe não sabia, mas John teve um sonho com ela, onde um tal Alto Conselheiro cobrava Ashe “um favor por um favor”.

A outra notícia era sobre a morte de uma vítima de um assalto. A vítima tinha sido ferida por uma faca no abdômen, foi levada ao Hospital Geral de Springfield, mas não resistiu aos ferimentos e morreu. O jornal afirmava ter uma fonte interna que dizia que a vítima poderia ter sido salva, mas houve “descaso médico” e “incompetência”.

– A vítima foi esfaqueada uma hora antes de sermos invocados. Não poderia ser obra da Assassin. E a última parte é só pra causar polêmica, pra variar. Não respeitam nem isso. – Suspirou John.

– Eles nunca respeitam. – Concordou Ashe.

A quarta página só falava sobre o jogo que seria realizado daqui a alguns dias entre Springfield e Summerfield, uma cidade vizinha. As outras páginas não tinham nada demais, classificados, propaganda, lista de vendas, entre outros.

– John, quero voltar ao lugar onde você foi atacado. – Disse Ashe.

– O quê? Por quê?

– Está em toda a mídia daqui, certo? Os outros invocadores e campeões saberão que aquilo foi um ataque relacionado à Guerra do Graal. Eles podem querer investigar o lugar. Podemos encontrar alguém e tentar um diálogo.

– E se não houver diálogo?

– Então lutamos.

John estava estupefato. – E matamos eles assim, tão fácil?

– John, não se iluda. – Dessa vez os olhos de Ashe brilharam e seu tom foi mais frio. – Aparece um cálice com imenso poder mágico, que diz realizar qualquer desejo. A única condição é eliminar os outros seis concorrentes. O que te garantia que os outros iriam se recusar a participar, depois de saberem disso? Você realmente acredita que ninguém iria querer tal poder? Que ninguém teria um grande desejo, seja ele egoísta ou altruísta, para ser realizado?

Ashe continuou:

– Às vezes nós não escolhemos o fardo que carregamos. Você não escolheu participar. Eu também não escolhi ser invocada. Poderia estar em Freljord. Você não quer matar ninguém, mas outros querem te matar. Eu também não queria ter que matar ninguém, mas se me matarem, tudo pelo que lutei será perdido.

Silêncio imperou sobre a sala. Ashe sabia que tinha sido dura, mas John precisava ouvir isso.

– Você está certa. Não tenho como rebater isso.

– Desculpe. Mas se dependemos tanto do outro como Aram disse, precisamos estar na mesma página. Ainda mais se não houver…outro jeito.

Ambos engoliram em seco. Nenhum deles queria pensar dessa maneira, mas era necessário ser realista.

– Por isso iremos hoje mesmo ao seu escritório. Não precisamos entrar. Apenas inspecionaremos a área ao redor.

– Certo.

– E por último, eu gostaria de um favor. Tem um quarto onde eu possa descansar? Com tudo isso que aconteceu, ainda não dormi. – Disse Ashe, dessa vez claramente exausta.

– Claro, tem outro quarto aqui.

John lhe mostrou o quarto de visitas. Estava bem arrumado e limpo. Essa era a parte mais importante.

– John, a noite iremos ao seu escritório, quando as ruas estiverem desertas. Então, quando?

– Às sete horas já está tudo deserto. É uma área comercial, sem entretenimento ou outras coisas. As pessoas só vão lá pra trabalhar e voltam pra casa ou vão pra outra área da cidade.

– Perfeito. Então devo acordar em torno das três da tarde. Pretendo que você me mostre a cidade. Como uma arqueira, preciso conhecer o terreno a fundo. E não gostei do que vi. Muito fechado, muitas casas e lugares que podem servir de cobertura. Pouco espaço de manobra para mim. Lugares abertos seriam melhores caso eu tenha que travar batalha.

– Vou pensar nesses lugares. E Ashe…obrigado por me ajudar…você sabe.

Ashe não conseguiu esconder a surpresa.

– Ah…não foi nada. Nos vemos logo. – E fechou a porta, torcendo para que seu rosto não tenha ficado ruborizado e logo dormiu.

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Quando Ashe acordou e se dirigiu à sala, ficou surpresa com o cheiro que vinha da cozinha.

– Preparei um desjejum pra nós dois. Nem jantei com tudo que aconteceu.

– Eu também. – Ashe sorriu.

A refeição para John era simples, mas Ashe estava impressionada com a variedade de comida. Arroz, frango, salada de alface, cebolas, tomates, batatas, ovos, pimenta, sal e suco de laranja.

– Não estou acabando com suas reservas de comida, não é mesmo? – Disse Ashe, claramente constrangida.

– O quê? De maneira alguma, na verdade fiz até pouca coisa. – Disse John.

Ashe não podia acreditar. Refeições como aquela eram raras em Freljord. Mesmo nas Cidades-Estado mais ricas, a maior parte das pessoas não comiam tão bem. O Instituto da Guerra era uma exceção.

– E o seu arco?– Perguntou John, mudando de assunto.

– Deixei no quarto. Deve estar se perguntando se ele é de gelo mesmo. Sim, de Gelo Verdadeiro. Esse material é quase inexistente, e vem das profundezas mais gélidas e misteriosas de Freljord. É inquebrável. Isso me salvou a vida várias vezes. – Riu Ashe.

– Quanto aos lugares abertos que você mencionou, temos uma grande praça, um estádio, um parque, algumas ruas mais abertas, com menos prédios. São espaçosos, igual as planícies de neve de Freljord, mas sem o vento e as montanhas congeladas! Você vai achar perfeito! – Riu John.

– Como você sabe disso? – Perguntou Ashe, atônita.

John ficou em silêncio alguns segundos. Ashe olhava pra ele.

– Bem, pela geografia de terras congeladas daqui, eu supus que Freljord também teria essa semelhança. – Mentiu John. Como ele poderia dizer que viu tudo num sonho?

– Mas eu nunca te disse nada sobre Freljord. Nem que vim de uma terra fria, com planícies de neve e montanhas congeladas. – Disse Ashe. Os olhos azuis encaravam John fixamente.

– O arco de gelo só pode ter vindo de um lugar assim! – John disse, no desespero.

A refeição foi interrompida e o silêncio era tenso.

Ele está mentindo. Mas como ele sabe dessas coisas?

– John, conte-me a verdade.

– O Graal me mostrou. Quando toquei a gema que te invocou tive uma visão dessa terra de gelo. Era como se eu estivesse lá. Vi uma planície enorme coberta de gelo, montanhas que passavam das nuvens e podia até sentir o vento daquele lugar. Depois acho que desmaiei. – Disse John.

Não era uma mentira, afinal ele realmente vira aquilo. Mas não precisava mencionar que viu Ashe. E que tinha sido através de um sonho, não através da gema de invocação.

– Ah, agora faz sentido. Por que ficou com medo de me falar isso? – Ashe estava muito mais relaxada.

– Eu não sabia que era sua terra. Só agora suspeitei, pelo seu arco de gelo. – Disse John, mais tranqüilo também.

A refeição foi finalizada sem problemas. Estavam prontos para saírem, quando John disse:

– Ashe, você vai sair…assim? – Perguntou John.

– Assim como? – Rebateu Ashe imediatamente.

– Suas roupas não são nem um pouco comuns por aqui. Você vai achar atenção. Ainda mais com o arco. – Disse John.

– Não se preocupe. Veja.

Um brilho dourado, semelhante ao da aparição do Graal, envolveu Ashe. Ela agora estava em um belo vestido azul, tão claro que era quase branco, que descia até seus joelhos. Suas proteções na perna foram substituídas por um par de saltos altos da mesma cor.

– O que você fez? – Perguntou John espantado.

– O Graal dá essa habilidade. Ele sabe que a Guerra tem que ser discreta e não posso andar por aí de armadura. Posso escolher um modelo. Em combate meu vestido original, minhas proteções e minha capa voltarão.

– Está ótimo. Elegante. Parece uma nobre européia. – Disse John.

Mas algo ainda incomodava John, e relutantemente, ele disse o que era.

– E….você pode fazer o mesmo com o cabelo?

– O que tem o CABELO?

– É que não tem ninguém com essa cor nesse mundo. É isso! – Disse John rapidamente.

Surpreendentemente, a expressão de Ashe ficou melancólica, seu olhar triste e a voz pesarosa.

– Ele não foi sempre assim. – Disse num tom baixo.

John sabia. Nas duas primeiras vezes que a viu, ela era loira. Nos outros dois sonhos, os cabelos dela estavam brancos.

– Não posso mudar o cabelo. Vamos.

John pensava: Ela reclamou da minha fama, mas agora vai chamar mais atenção do que eu.

John tinha alugado um carro, pois a seguradora ainda não tinha dado retorno. Ashe olhava a cidade atentamente. Pra surpresa de John, na verdade quase ninguém se espantou com ela.

A arqueira se impressionava como as pessoas andavam calmamente pelas ruas. Não via armas, medo ou desânimo. Mas o que mais a chocou foram os supermercados. Ela pediu para John parar em um e saiu explorando o lugar como uma criança, boquiaberta.

Ashe nunca tinha visto tanta comida em um só lugar. E as pessoas andavam por ali como se fosse a coisa mais comum do mundo. Ela não acreditou quando John disse que qualquer um podia pegar qualquer coisa, em qualquer quantidade. Todos colocavam as mercadorias em um carrinho, pagavam tranqüilamente, guardavam tudo em um carro e iam embora sem problema algum.

John aproveitou e comprou várias coisas, já que agora haveriam duas pessoas em seu apartamento. Ashe não pediu nada em especial quando perguntada, apenas acompanhou as compras, incrédula quando via as pessoas passarem sem interesse por enormes estoques de sal, pães, batatas, carnes e diversos outros alimentos.

O caixa reconheceu John e não pôde deixar de perguntar sobre Ashe:

– O senhor é John Donovan! O cara da Liga Solidária! Ela está com você? Ela é…marcante. Nunca a vi por aqui.

– Ela é…da Noruega. Veio pra…financiar alguns projetos da Liga. – Respondeu John.

– Uau, investidores estrangeiros em Springfield!

Ashe não fazia a menor idéia do que estavam falando, mas não disse nada. Guardaram as mercadorias e foram explorar a cidade, e Ashe ficou atônita quando viu que haviam muitos outros mercados pela cidade.

Mergulhou em pensamentos, sobre Freljord, de memórias antigas, mas que nunca esquecera. E que ainda a assombravam…

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O vento frio castigava a tribo de Avarosa. Mesmo os mais protegidos tremiam, e ainda nem era inverno. Em alguns lugares a neve afundava boa parte da perna das pessoas.

Ashe caminhava, com sua túnica e capa brancas, o cabelo loiro se agitando pelo vento. Tinha acabado de sair de uma reunião com os anciões da tribo. As notícias eram ruins. Os estoques de comida agüentariam até o inverno, mas com um controle rigoroso e sofrido, e mesmo assim não dariam para todos e a caça estava escassa. Pra piorar, outras tribos estavam guerreando, e Avarosa podia ser um dos alvos, então os melhores homens de combate tinham preferência.

Era algo normal em épocas de guerra, mas era impossível não causar ressentimento entre as pessoas comuns. Todos sabiam lutar, mas nem todo mundo era um soldado de fato. Civis apenas empunhavam algum objeto afiado e tentavam defender suas famílias.

Os anciões da tribo pressionavam Ashe para atacar alguma tribo vizinha para conseguirem comida. Ela recusava, pois teriam retribuição. E se perdessem, a retaliação seria muito pior. Ela mandou enviados a três tribos com uma proposta de cooperação mútua, mas vários dias depois, nenhum ainda havia retornado. Uma família tinha desertado a tribo.

Essas notícias corriam. Muitos estavam insatisfeitos. Alguns queriam guerra. Seu arco de Gelo Verdadeiro, o mesmo usado por Avarosa, a líder que deu o nome à tribo, impunha respeito, mas ela ainda era uma garota de 17 anos, inexperiente, e na visão de muitos, ingênua.

Ashe já tinha sofrido alguns atentados à sua vida e não era amadora em termos de combate. Mas nesses dois anos em que havia assumido a liderança da tribo, ela não conseguira fazer muito progresso. Alguns tinham ficado gratos por não se envolverem tanto em batalhas, mas quando a fome chegou, esses mesmos agora queriam guerra.

Ela caminhava quando viu dois jovens quase escondidos conversando. Era uma garota e um rapaz, bem mais alto que ela. Não pareciam ter passado de catorze ou quinze invernos. Eles foram para atrás de uma casa, sorrateiramente. Ashe suspeitou que o rapaz pudesse estar ameaçando a garota e os seguiu. Ela se aproximou e se escondeu atrás de uma tábua. Eles entraram num cômodo da casa, mas era possível ouvir o que diziam:

– Eu quero fazer pela sua bunda. – Disse o rapaz.

– Um pão inteiro. – Respondeu a garota.

– Meio pão.

– Meio pão mais um peixe.

– Fechado.

A garota abaixou as calças, assim como o rapaz. Gemidos e grunhidos eram ouvidos, e o som do contato dos dois. Ashe saiu dali. Olhou pra sua mão e viu que estava tremendo. Suas pernas pareciam que iam ceder. Ela segurou as lágrimas e foi em direção a praça, com o coração afundado, onde teria que fazer um pronunciamento sobre a situação da tribo.

Dez minutos depois, Ashe subiu em um palanque improvisado. Várias pessoas da tribo haviam se reunido. Alguns anciões estavam presentes, embora já soubessem o que ela iria falar. Só queriam ver a reação do povo.

– Povo de Avarosa! Passamos por um momento difícil, assim como passamos por muitos outros, mas iremos prevalecer!

Alguns murmúrios de aprovação e balanços de cabeça deram um pouco de tranqüilidade para Ashe. Isso já seria difícil com um pouco de aprovação, ficaria muito pior sem.

– Sei que muitos desejam a guerra com tribos vizinhas, mas eu digo, mais uma vez, que isso NÃO irá resolver nossos problemas. NÃO teremos guerra!

Agora as vozes de desaprovação eram várias. Alguns xingavam.

– E quem vai alimentar minha família? – Gritou um.

– E a minha? – Gritou outro.

– Enviei representantes pra três tribos vizinhas para propor acordos de cooperação. Eles também passam por dificuldades e podemos nos ajudar. – Disse Ashe.

– “Nos ajudar”? Não temos comida nem pra nós e ainda vamos ter que ajudar outras tribos? – Gritou uma mulher.

– E por que eles nos ajudariam? Seria mais fácil nos invadirem! Então vamos invadi-los antes! – Gritou outro.

Vários concordaram, inclusive as mulheres e algumas crianças, que nem lutariam na batalha.

– Isso NÃO vai resolver os problemas! Podemos vencer, pegar a comida deles e com isso matá-los de fome. E algum dia teremos a represália, se não deles, de outra tribo. E outra tribo pode simplesmente atacar nós dois depois que tivermos sangrado o outro até a beira da morte. – Gritou Ashe.

– Aqui é Freljord! Lutamos diariamente por nossas vidas! Por que agora seria diferente? – Gritou alguém.

Os gritos de aprovação foram muitos.

– E no inverno? Se não atacarmos agora não teremos forças no inverno! – Gritou outro.

– Ela não quis nem vingar a própria mãe! Por que diabos iria lutar por comida? – Gritou outro.

Aquilo foi demais para Ashe.

– OUÇAM-ME! – Gritou furiosa.

O silêncio demorou a vir, o que mostrava a impaciência da turba.

– Podemos viver pra sempre como saqueadores e sendo saqueados. Ou podemos tentar uma união, cooperar por espaços férteis, pelos lagos e por proteção. Ou esse ciclo NUNCA acabará. Precisamos nos unir! – Dizia Ashe.

– De novo isso? – Gritou alguém.

– A única coisa que eu quero unir é comida ao meu estômago! – Gritou um homem e gargalhadas explodiram.

Ashe se desesperou. Quando a ridicularização começava, um líder perdia todo o respeito. Agora era o momento decisivo. Se fraquejasse, seria expulsa. Ou morta. Ou pior, tremeu Ashe.

– Muito bem! Vocês querem a guerra? – Perguntou Ashe.

Agora eles estavam animados. Finalmente tinham convencido a teimosa garota.

– Vocês tem certeza que vão vencer?

Um rugido foi ouvido da multidão.

– Então deixem-me fazer algumas perguntas a vocês. Você, senhor, quantos filhos tem? – Ashe apontou para um homem na multidão.

– Apenas um, princesa Ashe.

– Qual a idade dele?

– Passou por onze invernos.

– E você, senhor, quantos filhos tem? Qual a idade deles? – Ashe apontou para outro homem.

– Tenho dois, princesa. Um menino e uma menina. O garoto passou por nove invernos e a menina por doze.

– E você, senhor?

– Não tenho filhos, princesa. Espero um dia ter, mas as condições atuais não permitem.

– E o senhor?

– Também não possuo filhos, princesa. Eu e minha mulher pretendemos ter, mas não agora. Meu irmão tem uma filha que passou por dezesseis invernos e pretende se casar em breve.

Ashe perguntou a mais alguns e depois esperou um pouco. Todos estavam mais calmos agora que a líder deles pareceu ter concordado com eles e agora havia feito perguntas tão pessoais, mostrando que queria conhecê-los e que se importava.

– Mesmo que com grande dificuldade, nossas provisões aguentariam até o inverno. Mas, por suas famílias, vocês lutariam e venceriam por elas? - Perguntou Ashe, com força.

A concordância foi total, vários gritos de “sim”, “claro”, “à guerra” ecoaram.

– A leste, está a tribo dos Martelo de Gelo… - Disse Ashe, escolhendo uma tribo vizinha qualquer.

Os gritos agora eram totais, as pessoas brandiam armas, panelas, foices, enxadas, até varas de pesca. Estavam exultantes com a escolha do alvo. Ashe esperou o silêncio voltar para continuar. Ela então juntou o máximo de força que pôde na voz:

– E assim como vocês, eles TAMBÉM tem famílias, crianças com poucos invernos e outros que pretendem formar famílias. E agora eu pergunto a vocês: Vocês destruiriam essas famílias, assim, tão facilmente? Depois de matarem os homens e invadirem a tribo, o que faremos? Matamos os rapazes jovens para que não se vinguem? E o restante? Serão deixados pra morrerem de fome? As mulheres serão simplesmente mortas ou estupradas, e as crianças? As adotarão, pra ter mais bocas para alimentar? Ou olharão nos olhos delas enquanto as matam, seja com armas ou pela fome?

Eles não esperavam aquilo. Alguns se entreolharam.

– E agora eu pergunto a vocês: Se vocês estão tão decididos a atacarem com todas as suas forças por suas famílias, para salvá-las da fome, então me respondam porque ELES não defenderiam suas famílias com o mesmo vigor, ou até mais, por lutarem em casa? Por que eles não defenderiam as famílias deles da morte, do estupro e da fome?

Alguns pareciam chocados. Ashe esperou um pouco mais antes de continuar:

– Agora eu faço a pergunta definitiva: E se perdermos? Depois de mortos, quem irá defender a família de VOCÊS? QUEM defenderá seus filhos de serem mortos? QUEM defenderá suas mulheres e filhas do estupro e da morte que eles trarão?

Aquilo os atingiu em cheio. O silêncio permaneceu por vários segundos.

– Não impedirei ninguém. Quem quiser ir à guerra, pode ir. Mas não volte aqui.

Ninguém se moveu ou falou coisa alguma. Então os murmúrios começaram. Ashe esperou. Ela ainda tinha uma última coisa a dizer:

– Entendem? Mesmo que ganhemos, teremos baixas e famílias destroçadas. E quem cuidará delas? E aqueles que nunca sequer poderão formar uma família? Todos querem ter ou ver seus filhos crescerem. As outras tribos também. Estamos separados por bandeiras com símbolos e cores diferentes, mas somos do mesmo sangue.

Alguns olhavam pra baixo, outros concordaram sorridentes, mas ainda havia um terceiro grupo, que não estava satisfeito. Queriam a guerra assim mesmo.

– Enviei emissários à três tribos vizinhas. Esperem pela resposta. Se conseguirmos cooperar, não precisaremos atacar um ao outro pra ter um rápido acesso a um lago ou campo. Ambas nossas famílias não precisam sangrar.

Um homem levantou a mão e Ashe lhe deu a palavra:

– Tudo muito bonito, mas e se eles não aceitarem? Ou nos atacarem?

A maioria concordava com essas dúvidas.

– Se não aceitarem, não poderemos forçá-los. Tentaremos continuar em paz e seguindo nosso caminhos sem sangue.

Alguns desaprovaram o comentário.

– Agora, se eles tentarem nos atacar ou nos sabotar… - Ashe empunhou seu magnífico arco de gelo. – Então aí teremos GUERRA! Não se iludam! Eu não desejo derramamento de sangue, mas NÃO vou hesitar em derramá-lo caso vocês e suas famílias estejam em perigo! Esse é o arco da própria Avarosa! Ele é conhecido e temido por toda Freljord por ter matado a Bruxa de Gelo, seus lacaios e até mesmo os exércitos da lendária Serylda! Qualquer um que nos desejar mal, será por ele enfrentado e abatido! Somos os descendentes de Avarosa, os avarosianos!

A multidão rugiu, mesmo os descontentes. Depois de muitos gritos e aplausos, as pessoas começaram a se dispersar. Ashe sorriu, aliviada. Eles aceitaram sua proposta.

– Muito bem, Ashe. – Se aproximou um dos anciões – Você mostrou força. Mas isso só vai durar até a chegada do inverno, ou mesmo antes.

– Estou ciente disso. – Respondeu friamente. – E não irei desapontá-los.

– É melhor que não. – Se aproximou um homem, acompanhado por outro dois. – Nós iremos cobrá-la. Muitos, mesmo com seu discurso, querem a guerra. Vamos te dar um voto de confiança. Mas só um. – E se afastou.

Ashe sabia disso. Se não conseguisse melhorar a situação, o desastre irromperia de todos os lados. Ela poderia ser deposta e morta, ter uma guerra entre sua própria tribo, o que logo levaria à uma invasão externa.

Ashe se despediu e saiu do palanque, andando em direção a sua casa. Então ela viu, chocada, a garota que há pouco tempo tinha vendido seu corpo por um pouco de comida. Ela estava presente no discurso, e agora encarava Ashe, com olhos vazios, mas que a arqueira sabia que estavam cheio de ódio.

A garota percebeu que Ashe a olhava. Sem rodeios, ela cuspiu no chão, virou as costas e foi embora. Sentiu como se tivesse sido estilhaçada.

Não. Não faça isso. Estou tentando fazer o melhor. Pra você e pra todos.

Mas como ela poderia dizer isso? Sua falta de habilidade não estava resolvendo o problema de alimentação da tribo, e aquela garota tinha se prostituído para conseguir comer. O "melhor" dela não significava nada.

No caminho, passou por diversas pessoas, algumas a cumprimentaram, outros estavam cabisbaixos e desanimados. Na esquina, não acreditou quando viu o garoto que havia trocado a comida pelo corpo da garota.

Por que você fez aquilo? Por que aceitou?

Ashe se dirigiu a ele, mas sua raiva esmoreceu. Ela olhou o garoto e viu o mesmo olhar vazio, desprovido de vida, de esperança, da garota. Ashe fechou os olhos.

Isso também é culpa minha.

Ela queria chorar. Caminhou rápido até sua porta, a mão tremendo de nervosismo. Um homem se aproximou e Ashe se recompôs o melhor que pode:

– Sim? – Perguntou.

– Princesa Ashe! Eu retornei da missão na tribo dos Ursos de Freljord. – Respondeu o homem.

Ashe estava tão desnorteada que nem havia reconhecido o homem que ela mesma enviara. Um pequeno raio de esperança se formou.

– E o que eles disseram?

– Disseram que de maneira alguma cooperariam conosco.

Ashe se sentiu ainda mais fraca.

– E não foi só isso, princesa. Disseram que fracos como nós não deveriam existir em Freljord. Quando saí, percebi que estavam forjando armas e armaduras, e vários homens treinavam. Eles estão se preparando para a guerra, e agora que acham que estamos fracos, podem nos atacar. E logo.

O aperto que Ashe sentiu no peito foi indescritível. Seus olhos estavam arregalados de incredulidade.

Não. Não.

– Entendi. Obrigada pelo esforço. Lhe darei uma recompensa mais tarde, preciso…planejar.

– Às ordens, princesa Ashe.

Ashe entrou e caminhou a passos rápidos para seu quarto. As lágrimas escorriam pelo seu rosto. Pelo menos não tinha chorado na frente do mensageiro ou aquilo ia percorrer toda a tribo.

Ela se ajoelhou no pé da cama e afundou a cabeça no travesseiro, chorando freneticamente. Ela tinha falhado. Eles SERIAM atacados, e apesar do discurso no palanque, eles poderiam ser aniqüilados. Mesmo se vencessem, teriam muitos mortos. E lutando em casa, isso significaria baixas de mulheres, crianças, jovens e velhos.

Poderia ficar ainda pior caso os outros emissários voltassem com respostas semelhantes das outras duas tribos vizinhas.

Afogou suas mágoas mais alguns minutos. Pegou seu arco e o olhou, como se esperasse uma resposta dele.

Avarosa…mãe…o que eu faço? O quê?

Continua...


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Notas finais do capítulo

A seguir, a primeira batalha da Guerra do Santo Graal entre Campeões!