Fate/Legends - Ashe escrita por Lanko


Capítulo 14
Ashe - Reminiscências VIII: Demacia


Notas iniciais do capítulo

E aí, pessoal, desculpem pela demora. Como sabem, o site ficou fora do ar por mais de 20 dias. E confesso que não tinha escrito nada nesse período todo. Também coincidiu com provas e outras coisas. Por sorte, a maior parte do capítulo já estava escrita antes do site cair, por isso só tive que completá-lo e editá-lo.
E como foi difícil editar esse! Ficou bem comprido, e olha que consegui diminuir bastante. Mas, vendo por outro lado, tomem como uma compensação por ficar tanto tempo sem atualizar!

Retornando à história, passaram-se quatro meses depois da batalha contra Krahäer e o inverno acabou. Ashe se tornou uma caçadora e precisará fazer uma viagem a Demacia. E como dito no final do capítulo anterior, ela ganhará suas primeiras "bases teóricas" que a influenciarão em seu caminho para mudar Freljord. E também encontrará um Campeão que a marcará muito bem, pelo menos no início. Bem, na verdade encontrará dois, mas um deles não terá tanto destaque assim.

Então, avante com a história! E não deixem de comentar!



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Um alce parou, observando os arredores antes de concluir que era seguro beber água no riacho.

Finalmente. Ashe estava deitada, coberta por neve e folhas de árvores havia três horas, esperando algum animal aparecer. Se virou de lado e posicionou o arco, calmamente mirando no pescoço do alce. O zunido da flecha fez o animal levantar a cabeça, tarde demais.

Ashe e seu parceiro se levantaram, derrubando a neve e as folhas que estavam sob seus corpos. Camuflagem, um método de caça em que os caçadores se escondiam no terreno e esperavam uma presa aparecer para o abate. Escolheram ficar próximos do riacho, onde animais certamente apareceriam para beber água ou comerem peixes.

– Esse vai dar carne pra vários dias. – Disse Goran, o caçador que era seu mentor.

Goran passara por vinte e oito invernos, catorze em caçadas. Era um dos mais experientes e talentosos caçadores da tribo dos Arqueiros de Gelo e fora incumbido pela própria Francesca a ser o mentor de Ashe. Ele também participara da batalha contra Krahäer, quatro meses atrás. Era um dos arqueiros do lado leste e lutara ao junto com sua mãe. Goran treinou e instruiu Ashe por uma semana antes de finalmente sair com ela em uma caçada.

– Muito bom, Ashe, pra uma primeira vez. Muito bom mesmo.

– Obrigada.

Caminharam para o ponto de encontro, onde se encontrariam com outros caçadores. Não era muito comum se espalharem tanto, mas agora que precisavam de mais comida na tribo, era necessário cobrir mais terreno, mesmo que isso implicasse alguns riscos. Ashe lembrou que foi assim que sua mãe se perdera em sua primeira caçada e quase morrera. Devia ter sido por isso que ela a colocara com um caçador tão experiente e de confiança como Goran.

– Tinha passado por catorze invernos, assim como você, quando fui caçar pela primeira vez. Mas não conseguimos nada naquela caçada. E ficamos dias procurando alvos! Fiquei bem triste. Só na terceira caçada consegui abater algo, uma ave ainda por cima. Você pegou um alce, e dos grandes. Ótimo sinal!

Ashe sorriu. A tribo plantava certos alimentos, mas isso não era suficiente, ainda mais sem o lago Arëndal. Tinham que buscar comida em florestas, lagos, no mar e até em outras tribos. Os caçadores eram as pessoas que faziam isso.

Eles eram especializados no abate de animais para obter carne para a tribo, mas também colhiam frutas e sabiam pescar. O que os diferenciava era que eram pessoas treinadas e capacitadas para irem muito mais longe do que um aldeão ou guerreiro poderia, passando dias ou até semanas fora da tribo, nos rigores de Freljord, mesmo sozinhos. No caso de Ashe, já eram quatro dias.

Era preciso aproveitar muito bem os suprimentos que carregavam, pois poderiam não ter como repor antes de voltarem. Ao mesmo tempo, tinham que viajar com muito pouco peso, por isso o arco e flecha eram as armas de escolha dos caçadores. Alguns levavam espadas e adagas para eventuais emergências, mas pra muitos o arco bastava. Eram leves e ajudavam na movimentação e na ocultação no terreno pois não faziam barulho, além de permitirem ataques à distância, o que dava mais segurança.

– Goran! Ashe! E aí, como se saíram? – Três caçadores já estavam no ponto de encontro.

– Muito bem! Olhem só o que ela conseguiu! – Goran mostrou o alce e os homens aplaudiram. Ashe ruborizou.

Ficaram ali mais uma hora, compartilhando histórias e caças abatidas, quando os outros quatro caçadores retornaram e todos voltaram para a tribo.

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A tribo dos Arqueiros de Gelo ainda demonstrava os sinais da devastação provocada pela batalha contra os Auroques Boreais quatro meses atrás. Várias casas não tinham sido reconstruídas, meros escombros no chão. Os materiais disponíveis foram para os reparos das barreiras e passarelas. A tribo estava muito mais vazia, gerando um sentimento de desolação.

Sofreram muitas baixas na batalha. Isso piorou com a chegada do inverno, com várias casas com reparos improvisados. E o inverno foi brutal, com diversas nevascas assolando a região. Choveu muito também, o que dificultou ainda mais as coisas. Várias pessoas ficaram doentes e até sucumbiram pelo frio. Isso já acontecia com casas em perfeito estado, mas piorou com as casas danificadas pelo ataque. Muitas famílias tiveram que se juntar, o que aumentava o risco de algum contágio.

Pra piorar, descobriram que a catapulta de Krahäer atingira um dos depósitos de alimentos. Perderam um terço dos suprimentos para o inverno. O racionamento teve que ser mais rígido e ser ativado mais cedo do que o esperado. Ninguém morreu de fome, mas foram quatro meses sofridos.

Juntando as perdas em combate com as perdas por doenças e pelo frio, perderam trezentas e oitenta e seis pessoas das mil e oitenta e três da tribo. Mais que um terço da população. Contaram em mais de quinhentas as perdas de Krahäer, que devem ter aumentado substancialmente no inverno, pois sua mãe dissera que ele queria os suprimentos da tribo pra alimentar sua horda. Se os próprios Arqueiros de Gelo passaram um inverno sofrido, não queria nem pensar como outros passaram sem os estoques provenientes de meses de preparação e trabalho no lago Arëndal.

E as perdas poderiam aumentar, pois várias pessoas ainda estavam doentes pela gripe freljordiana. E era contagioso. Por isso a tribo parecia tão vazia, as pessoas estavam se evitando. Os curandeiros faziam o melhor que podiam, mas além de ser difícil tratar a doença, também faltavam recursos. Ashe agoria se dirigia à casa de Sejka.

– Sejka?

– Ashe…

A voz fraca denunciava o péssimo estado da garota. A casa de Sejka tinha sido atingida pela catapulta, e ela foi dormir na casa de Ashe. Mas no fim do terceiro mês do inverno, ela começou a passar mal, tossir e não ter forças para mais nada. A gripe freljordiana a pegara.

– Como está? Melhorou?

– Acho que um pouco…

– Voltei da minha caçada. A primeira. Abati um alce e trouxe uma parte do lombo pra você.

– Obrigada…

Sejka sentou-se na cama e comeu o suculento pedaço de carne. Ashe observava a aparência dela: os cabelos negros e lisos agora estavam embaraçados, sua pele pálida, o olhar cansado. Ela também estava bem mais magra, pois perdera muito peso durante o inverno e depois da gripe mal conseguia comer.

– Por que não volta pra minha casa? Aqui está ventando um pouco, isso é ruim pra sua gripe.

– Não, Ashe…eu saí de lá justamente por causa da gripe. Isso é contagioso, imagina se eu passo pra você e sua mãe. Aliás, você nem devia estar aqui. Só os curandeiros deveriam me ver.

– Minha mãe teve umas tosses, mas um remédio resolveu tudo já. E eu nem sequer espirrei durante o inverno inteiro. Você não precisava ter saído.

Sejka revirou os olhos. – Então não vamos arriscar a sorte, certo? Eu estou melhorando. Até costuro umas redes e roupas de vez em quando.

Ashe não tinha o que responder pra isso. – Ok, eu vou indo então.

Quando ela se aproximou da porta, Sejka disse: - Ei, Ashe. Obrigada… - A arqueira sorriu.

Ashe foi para casa, onde Francesca conversava com Bjorn. – Oi, mãe! Oi, tio Bjorn!

– Ashe, como vai, garota? – Disse Bjorn.

– Bem. Acabamos de retornar da caçada. Consegui um alce!

– Mesmo? Excelente, Ashe! – Disse ele. – Francesca, eu vou indo. Tenho que me preparar para amanhã.

– Até mais, Bjorn. – Respondeu Francesca. – Um alce? Surpreendente, Ashe.

– Aonde o tio Bjorn vai amanhã?

– Para Demacia.

Ashe arregalou os olhos. – Demacia? Por quê?

– Para comprar remédios, materiais de construção e comida. Os remédios são os mais importantes. Logo teremos falta e isso vai ser um problema.

Ashe só ouvira falar de Demacia por histórias de Bjorn, que já viajara pra Cidade-Estado algumas vezes. Parecia um outro mundo. – Eu posso ir? Queria ver Demacia!

– Hm…vou permitir.

– Essa foi fácil. – Disse Ashe.

– Haha. É porque realmente gostaria que você visse o mundo, Ashe, pra não ficar presa em Freljord. Valoran é uma terra vasta. Demacia não é um lugar perigoso, e gostaria que você expandisse seus horizontes um pouco. Se você não tivesse me perguntado, eu teria.

Ashe se surpreendeu. – Então eu aceito. O que tenho que fazer?

– Vou enviar uma pequena expedição com artefatos, tecidos, peles de animais, objetos artesanais e outros para serem trocados ou comprados pelos mercadores de lá. Lá eles usam dinheiro, moedas de ouro e prata para comprar e vender, não distribuem as coisas como aqui.

– As coisas de Demacia não são pra todos?

– Lá é um lugar bem diferente, Ashe. Eles não tem os problemas que temos aqui. Algumas coisas são de todos e outras não, assim como nossa casa é só nossa. Mas lá tem um pouco mais de abundância e não precisam por exemplo, racionalizar comida.

Ashe estava intrigada. Agora sim iria para Demacia.

– Bjorn vai liderar a viagem. Ele já foi pra lá algumas vezes. Alvin também vai.

Ao ouvir o nome dele, o coração deu um pulo. Se lembrou como Bjorn os olhou enquanto ela consolava Alvin pela morte de Marla. Ela olhou pra sua mãe. Será que ela ou Bjorn suspeitavam? Ashe e Alvin nunca falaram nada sobre o relacionamento secreto deles. Não que eles se vissem com frequência, afinal todos tinham suas funções na tribo. O inverno deixou as pessoas a maior parte do tempo em casa e depois ela virara caçadora. Alvin ficava na forja e também treinava com os guerreiros.

– O que foi, Ashe?

– Nada. A expedição é amanhã né?

– Sim. Vou mandar Goran pra cuidar de você também. Vá descansar. Vocês devem demorar uma semana pra irem e voltarem.

– Tudo isso?

– É uma viagem longa. Não menos do que cinco dias. E vocês só ficarão um dia em Demacia. Preste atenção no que Bjorn falar.

– Tá.

– Quero que leve isso. Deve ter um valor razoável em Demacia. – Francesca lhe entregou um colar de pérolas brancas.

– Que lindo! Nunca vi isso!

– Foi seu pai que me deu como presente de casamento.

Ashe estava chocada. – O quê? E você vai…

– A situação está difícil, Ashe. Se não conseguirmos esses remédios, muitos vão morrer. Incluindo sua amiga.

– Mas… - Ashe ainda não conseguia aceitar.

– Eu sei, Ashe. Também não estou feliz. Karl de vez em quando achava ostras com pérolas dentro enquanto pescava em suas caçadas. Ao longo dos anos ele foi juntando-as. Ele esperava vender tudo em Demacia ou Noxus, mas então me conheceu. – Riu Francesca. – Ele acabou fazendo um colar, unindo as pérolas num fiapo de corda e me deu de presente quando casamos. Eu o usei até ele… - Francesca parou por um segndo. - Então eu o guardei. Não tive coragem de usar durante batalhas.

– Então é um tesouro seu!

– Que não é mais valioso do que a vida das pessoas daqui. Seu pai era uma boa pessoa, Ashe. Como ele se sentiria se soubesse que eu quis guardar um colar em vez de trazer remédios?

Esse argumento fez Ashe ficar em silêncio. Afinal, era a verdade.

– Eu te devo desculpas, Ashe. Eu ia te dar o colar no seu décimo quinto inverno.

– Tudo bem. Você está certa, mãe.

Depois de jantarem, Ashe se deitou e olhou o colar de pérolas em suas mãos. Era a única coisa que ela tinha de seu pai. E agora teria que se desfazer dele numa nação estrangeira.

Não é justo, pensava. Dormiu segurando o colar.

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A carruagem que partiria para Demacia saiu às nove da manhã. Estava cheia de vasos, estatuetas antigas, peles de animais e objetos artesanais. Estavam em seis: Bjorn era o líder. Ashe e Alvin os novatos. Goran, Riska e Vaeke eram caçadores experientes.

– Até chegarmos à fronteira vão ser uns dois ou três dias de viagem, conforme as condições do tempo e da estrada. Fiquem atentos aos arredores. Às vezes caçadores inimigos ou bárbaros aparecem por aqui. – Explicava Bjorn.

– Bárbaros? – Perguntou Ashe.

– Nômades. Se mudam toda hora e saqueam tudo que veêm pela frente. Demacia e Noxus nos chamam de “bárbaros do gelo”, mas os verdadeiros bárbaros ficam nas montanhas Ironspike, perto de Noxus. Embora isso não os impeça de migrarem pro oeste de vez em quando.

– Eles não tem tribos? – Perguntou Alvin.

– Não se incomodam com isso. Simplesmente vão onde tem comida, não se preocupam em estocar, nada disso. Além disso, algumas tribos mais pro sul também brigam com Demacia de vez em quando por terra. Eles por sua vez, nos consideram todos farinha do mesmo saco.

Ashe quase falou que todos eram freljordianos. Mas não era hora de debater isso, ainda mais com estranhos ao redor. Goran era seu mentor, um homem alto, de barba e cabelos pretos curtos e olhos igualmente negros. Mas ainda assim não era íntima dele. Riska era a única mulher além dela do grupo. Era também uma experiente caçadora. Cabelos marrom-avermelhados, com olhos castanhos e muito magra. Ashe achava que ela devia correr muito. Ela portava uma espada curta e um adaga. Vaeke era o último caçador, de cabelos e olhos quase iguais aos seus. Tinha uma longa barba e um machado de lâmina dupla. Reparou que ela e Goran eram os únicos equipados somente com arcos. E por fim, Alvin, que trazia espada e escudo, igual o pai.

Os dois evitavam se olhar. Era até engraçado. Ninguém os repreenderia, mas por algum motivo também não queriam espalhar aos quatro ventos que gostavam do outro.

Ou seja, na verdade não estavam tão íntimos assim. Não pareciam realmente um jovem casal. Embora ela quisesse que fossem. Mas os últimos acontecimentos não colaboraram nem um pouco. Era difícil sair de casa nas nevascas e chuvas que assolaram a tribo durante aqueles meses de inverno.

– Querem ouvir uma história? – Perguntou Bjorn.

– Ah, velhote, qual é. – Zombou Riska.

– Ashe gosta de histórias. – Disse Goran.

– Bah! Se ao menos fossem verdadeiras… - Replicou Riska.

– E se forem? – Disse Ashe.

Os três caçadores a encararam por alguns segundos. Então todos começaram a rir, até Alvin. Ashe corou de vergonha.

– Hahahaha…ai ai, essa é boa! – Gargalhava Riska.

– Bjorn, o que é que você tá falando pra ela? – Perguntou Vaeke.

– Ei, mesmo que não sejam verdadeiras servem pra passar o tempo e refletir. – Respondeu Bjorn.

– Refletir o quê? Que existiam armas de Gelo Verdadeiro e uma Bruxa de Gelo que aparecia debaixo da cama das crianças? – Zombou Alvin.

Os outros também riram. Ashe queria esbofeteá-lo.

– Ok, pessoal, sem histórias. – Disse Bjorn, para o desapontamento de Ashe.

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Dois dias depois chegaram a fronteira com Demacia, perto do Rio da Serpente. Havia uma cidade, que impressionou Ashe, Alvin e Riska, os três que faziam a viagem pela primeira vez. Haviam centenas de pessoas, talvez milhares, comida à ceu aberto, casas de pedra e outras coisas. Ashe sentiu a mudança climática e se incomodou um pouco.

Mas nada a prepararia para o terceiro dia, quando finalmente chegaram na capital Demacia. Ashe saiu da carruagem e ficou boquiaberta. Até os que já visitaram a Cidade-Estado ainda se impressionavam. Isso é impossível!

Vastas torres de mármore branco erguiam-se soberanas, brilhando com a luz do Sol, Ao fundo, no centro, o palácio de Demacia se encontrava ainda mais imponente e majestoso, com seus entornos e torres cobertas de ouro maciço, uma construção que parecia uma montanha de tão vasto. A cidade era circundada por uma muralha gigantesca de granito, que fazia a barreira de madeira da tribo dos Arqueiros de Gelo parecer um palito de dente em comparação. Ashe não acreditou quando Bjorn disse que tinha mais de dez metros de altura e era mais grossa do que casas inteiras.

Sendo uma arqueira, não deixou de reparar em pequenas janelas no topo da muralha. Haviam arqueiros nelas, o que significava que muitos arqueiros demacianos podiam atirar de uma posição extremamente segura, protegidos por paredes de granito. Fora dessas pequenas áreas protegidas, com certeza havia espaço para milhares e milhares de arqueiros nos corredores da muralha. Mais impressionante ainda era a extensão da muralha, que lembrava uma cordilheira de montanhas de Freljord.

– Tio Bjorn, quantas…pessoas vivem aí? – Ashe quase perguntou tribos.

– Dizem que mais de um milhão.

Ashe não conseguia acreditar. Nem imaginar essa quantidade. A tribo dos Arqueiros de Gelo era uma das maiores e possuia pouco mais de mil habitantes. Quando os Auroques Boreais invadiram com mil homens reunidos, aquilo parecia uma horda. E Demacia tinha mais de um milhão de habitantes?

Ao se aproximarem de um enorme portão, um guarda fez um sinal para que parassem. Dezenas de homens de armaduras brancas e douradas cercaram a carruagem. Ashe, Alvin e Riska estavam tensos. Devia ter no mínimo cinquenta homens ali.

– Não se preocupem, o capitão quer saber nossas intenções. Vão apenas inspecionar a carruagem pra saber o que estamos levando pra dentro da cidade. – Bjorn tranquilizou todos.

Os seis freljordianos desceram e foram revistados, Ashe e Riska por duas soldados mulheres. Em seguida, fizeram o mesmo com a carruagem.

– Capitão Stonewall. – Disse Bjorn.

– Bjorn. Faz tempo que não o vejo. – Replicou um soldado que se destacava dos demais.

– Quase dois anos.

– Bem, já sabe né. O de sempre.

Bjorn acenou com a cabeça e por fim o grupo foi autorizado a entrar na cidade.

– O que ele quis dizer? – Perguntou Riska.

– Que ao sairmos tenho que dar uma pequena parte do dinheiro que conseguirmos na cidade. – Respondeu Bjorn.

– Hmph. E depois se dizem “cidade da moral e da justiça”. – Ironizou Vaeke.

– “Cidade da moral e da justiça?” – Perguntou Ashe.

– Eles falam que Demacia é isso. Mas falar e ser são duas coisas bem diferentes. – Respondeu Vaeke.

– Não reclamem. Isso facilita nossa entrada. Tenho esse acordo com ele há anos. – Respondeu Bjorn.

Ashe pensava nisso. “Cidade da moral e da justiça.” Pra quem vivia em Freljord como uma terra de ninguém, o apelo era evidente. Ficou ainda mais curiosa e ávida em ver a Cidade-Estado.

– Ok, eu, Ashe e Alvin iremos pro oeste com os tecidos e artefatos. Riska e Vaeke pra parte leste com as peles e objetos artesanais. Goran cuida da carruagem. Deixem as armas aqui ou os guardas vão prendê-los. Só eles ou cidadãos autorizados podem portar armas dentro da cidade.

Reluntantemente, Ashe deixou seu arco na carruagem. Ela pegou um saco de tecidos enquanto Alvin e Bjorn carregavam alguns vasos e estatuetas dentro de caixas. Ficou olhando de um lado para o outro, vendo espantada multidões andarem tranquilamente pelas ruas, as centenas de construções, entre casas, praças, fontes, estátuas, monumentos e outros. As ruas eram de pedra, limpas e fáceis de caminhar.

Por que Freljord não é assim? Então algo estalou em sua mente.

– Tio Bjorn…Avarosa, Serylda, Lissandra…elas não tinham um império como esse. O senhor disse que a antiga Freljord era mais poderosa que Demacia e Noxus combinadas, mas nós nunca fomos assim, não é mesmo? Nem de longe. Armas de Gelo Verdadeiro, que nunca derretem e inquebráveis, não existem. Se não os demacianos já estariam andando com elas por aí. – Ashe suspirou. – Como eu fui ingênua…

– Ei, Ashe… - Disse Alvin antes de Bjorn responder. – Eu sei que as histórias significavam muito pra você. Eu também gostei de algumas. E…lamento quando eu tirava sarro de você sobre isso de vez em quando. Eu estou tão chocado quanto você. Eu nunca esperaria isso. Até entendo esse choque de realidade que você está passando.

– É…essa é a palavra, “choque de realidade”. Eu estava pensando: como eles construíram tudo isso? Como sustentam tanta gente? – Perguntava Ashe.

– Ashe, só porque são consideradas histórias, não quer dizer que uma vez Freljord não tenha sido próspera. Demacia não foi construída em um dia. O problema é que nós decaímos ao longo do tempo e eles surgiram e continuaram a crescer. – Explicou Bjorn.

– E as Três Irmãs? Toda aquele história épica de Observadores…acho que a história oficial é, afinal de contas, a verdadeira. - Dizia Ashe, desapontada. – Avarosa e as irmãs deviam ser apenas pessoas mesquinhas e sedentas por poder, e decidiram assassinar seu próprio sangue pra governar tudo…

– Não diga isso. A história dos Observadores é muito pouco conhecida, é verdade, mas conseguiu sobreviver até hoje por algum motivo. – Disse Bjorn.

– É, colocar crianças pra dormir. – Replicou Ashe.

O trio caminhou pelas ruas de Demacia, cada uma mais impressionante que a outra. Era meio-dia e Ashe se sentia tonta pelo calor da cidade. Bjorn e Alvin não aparentavam nenhum desconforto. Começou a andar mais devagar, sem muita atenção e acabou esbarrando em uma pessoa.

– Desculpe…

– Olha por onde anda, bárbara de merda.

– O quê? Seu filho da… - Rugiu Alvin.

– Alvin. – Interrompeu Bjorn. – Deixe passar.

– Mas…

– Eu sei. Mas eles nos veêm assim e não vão mudar tão cedo. Vamos. Temos uma tarefa a fazer. Ashe, você está bem?

– Sim, desculpe…é que está muito quente e fiquei meio tonta.

– Vamos voltar pra carruagem e almoçar. Deve ser fome. – Disse Bjorn.

– Quer ajuda, Ashe? Você tem suor na testa. – Perguntou Alvin, estendendo a mão.

– Tudo bem, eu posso caminhar.

– Que estranho, você mal se incomoda com o frio e agora tá derretendo que nem neve. – Disse Alvin.

– Pois é…

O grupo se reencontrou na carruagem e embora muitas coisas tivessem sido trocadas ou vendidas, os negócios não estavam indo muito bem, pois não estavam cumprindo os requisitos da missão: 80 potes de remédios e diversos quilos de tijolos, ferro e madeira para reparos na tribo. Esse era o essencial. Depois tentariam comprar ferramentas, como equipamentos agrícolas, lamparinas, óleo, cordas, correntes e outros. Tinham conseguido apenas 27 potes e muito pouco de materiais de construção.

– Vinte e sete potes não vão dar. – Disse Bjorn. – O tratamento dura um certo tempo e o mínimo pro número atual de doentes seria cerca de 70 potes, mas é melhor 80 pra garantir algum estoque. Esse é o melhor remédio que existe e vem em quantidades razoáveis.

– Porra, eles só compram nossas coisas a preços ridículos. – Dizia Riska.

– Não iríamos conseguir melhores preços. Voltem ao trabalho. – Disse Bjorn.

Ashe, Alvin e Bjorn estavam em uma rua com um enorme chafariz. Ashe melhorou de seu mal-estar depois do almoço (e também depois que o Sol enfraqueceu um pouco). Bjorn conseguiu uma boa barganha por alguns vasos.

Ashe viu uma loja de jóias. Ela apertou o colar de pérolas de seu pai no bolso e se aproximou, olhando a vitrine. Muitas eram de ouro e enfeitadas com diversas pedras que Ashe nem sabia os nomes, incrivelmente lindas.

Ela entrou na loja e reparou que não havia nada com pérolas brancas como o seu colar. As pedras preciosas da loja estavam unidas por fios de seda e por pequenas correntes feitas de ouro e prata. Já suas pérolas estavam unidas através de um fiapo de corda, única maneira que seu pai encontrou de unir as pérolas num colar.

Ashe sentiu o desânimo percorrê-la. Os colares que ela via eram magníficos e o dela era extremamente rudimentar. E ela nem sabia quanto valiam pérolas brancas. Talvez não valessem nada, já que não havia nenhuma joía ali feita com elas.

O dono da loja veio em sua direção. Ashe não deixou de reparar o olhar de desprezo e desconfiança dele, sendo substituído por uma máscara de cordialidade ao se aproximar. Ashe detestou isso.

– Boa tarde, jovem senhorita. Deseja algo?

– Estou pensando.

O homem suspirou e disse com desdém: - Certo…qualquer coisa me chame. Embora eu duvide. – Ele se virou e voltou ao balcão.

Ashe cerrou um punho. Ela não iria vender o colar do pai, presente pra sua mãe, pra um sujeito desses. Era até capaz dele oferecer uma ninharia por ele, igual como os outros comerciantes demacianos faziam com as mercadorias que eles trouxeram. Isso ela não ia aceitar. Saiu da loja à passos rápidos.

Bjorn estava do lado de fora.

– Ashe? O que você foi fazer ali?

Vê-lo com um saco de mercadorias e três novos potes de remédios a fez sentir remorso. Ela tinha ido lá pra conseguir algum dinheiro para comprar o que a tribo precisava e saiu sem nada por orgulho.

Não. Fiz o certo. É por isso que nos tratam como bárbaros.

Tinha ido lá vender isso. – Ashe pegou o colar de pérolas do bolso e o mostrou a Bjorn. – Mas o dono foi muito rude. Vou vender em outro lugar.

Bjorn arregalou os olhos e passou a mão pelo colar. – Ashe? Como…como esse colar está com você?

– Você o conhece?

– Claro! Sua mãe o usou quando se casou com seu pai. Foi o presente dele. Todos na tribo sabem disso. Por Avarosa, o que ele está fazendo aqui? Não me diga que…

– Sim. Mamãe pediu para vendê-lo para comprarmos o que precisamos. Mas não consegui fazer isso ali. E com todos oferecendo ninharias por qualquer coisa nossa…eu sei que pode parecer egoísmo ou sentimentalismo, tio Bjorn, mas eu não conseguiria aceitar vender esse colar dessa maneira.

– Eu entendo perfeitamente, Ashe. Ah, Francesca...que exagero! Ashe, talvez não precisemos vender o colar.

Ashe ficou espantada. Não esperava isso.

– Pobre Francesca… - Dizia Bjorn. – Ela lutou e sacrificou muita coisa por nós. Não é justo que tenha que perder algo tão importante assim. Então, se não conseguirmos um preço que realmente faça a diferença no que precisamos, não o venderemos, ok?

Ashe sorriu. Não havia pensado nisso. – Certo! Só o venderemos se fizer diferença!

– Ei, você aí, fedelha! – Gritou alguém.

Ashe e Bjorn se viraram. Era o dono da loja de jóias que Ashe acabara de sair.

– O que está fazendo com esse colar? – Gritou o vendedor.

– Ele é meu. Qual o seu problema? – Respondeu Ashe.

– Guardas! Guardas! Ladrões! – Gritou o homem.

Ashe estava estupefata. Ele estava chamando ela de ladra!

– Eu não roubei! É da minha mãe!

– O que está acontecendo aqui? – Dois guardas com lanças e armaduras se aproximaram.

– Essa bárbara roubou um colar da minha loja! – Disse o comerciante.

– Não roubei nada! – Rebateu Ashe.

As pessoas pararam pra assistir o que estava acontecendo e logo uma multidão se reuniu em torno deles.

– Você nega que entrou na minha loja?

– Não. Mas eu não ia comprar nada. Eu queria vender esse colar.

– Queria vender o colar! Que piada! Guardas, como uma bárbara dessas poderia ter um colar de pérolas? Ela o roubou quando saiu da loja! Confesse!

– Ashe nunca roubaria. O colar é da mãe dela. – Respondeu Bjorn, pondo-se a frente.

– É a palavra de outro bárbaro! – Gritou alguém da multidão. Vários concordaram.

Mais dois guardas se aproximaram: - O que está acontecendo aqui?

– Esse senhor diz que a menina roubou um colar da loja dele. – Respondeu outro guarda.

– Não roubei nada! – Exclamou Ashe.

– Deixe-me ver isso.

Um dos guardas tentou puxar o colar da mão de Ashe, que o puxou de volta.

– Me devolve!

– Solta, ladra!

O colar se partiu e as pérolas se espalharam pelo chão em várias direções.

– Não! Não! – Ashe tentou juntar as pérolas, em vão. A maioria se espalhou entre os pés da multidão.

Algumas pessoas riram.

– Olha só! Parece uma vira-lata atrás de migalhas! – Gritou alguém da multidão.

– E agora? – O vendedor de jóias levou as mãos à cabeça. - Olha só o que ela fez! Quem vai pagar pelo prejuízo?

O soldado atirou a outra metade do colar ao chão e apontou a lança para Bjorn: - Bárbaro. Você terá que pagar pelo prejuízo do comerciante.

– Mas o colar era nosso! E foi você que o puxou! – Esbravejou Bjorn.

Um dos soldados acertou com o cabo da lança no estômago do freljordiano, que caiu sob um joelho.

– Tio Bjorn!

– Olha o respeito, bárbaro. Eu pedi pra menina devolver a mercadoria e ela se recusou. Agora vocês irão pagar o prejuízo ou irão presos. – Disse o soldado com desprezo.

A multidão aplaudiu o guarda. Alguns gritavam Bárbaros! Ladrões!

– O colar NÃO era dele! – Gritou Ashe para o soldado.

Outro soldado a esbofeteou e Ashe caiu no chão. Pra sorte dela, o homem que a golpeara usava uma luva de couro e não aço, ou ela teria perdido dentes, ou pior, fraturado algum osso da face.

Ashe levou a mão ao rosto, agora vermelho pela pancada. Olhou ao redor e viu os soldados encarando ela e Bjorn, dois com as lanças apontadas. Viu a multidão de olhares furiosos esbravejando, os chamando de ladrões e vagabundos. Alguém atirou uma maçã na direção dela, errando por pouco. Só então Ashe percebeu a situação que se encontrava. Começou a tremer.

– Menina. Você confessa ter roubado esse senhor? – Perguntou o guarda.

– Eu..n-não… - Ashe queria falar, mas a voz não vinha. Sentiu lágrimas escorrerem pelo rosto.

– Chorar não vai adiantar, menina. Confesse logo e ainda podemos acertar tudo sem recorrer a medidas drásticas. – Disse outro soldado.

– E-era da…minha…

– Senhores! – Disse Bjorn e os olhos se voltaram para ele. – A menina não roubou o comerciante. O colar era da mãe dela e ela queria vendê-lo pra conseguirmos dinheiro pra comprarmos mantimentos pra tribo. O vendedor a tratou mal e ela saiu da loja. Foi isso!

– Que mentira deslavada! – Gritou o comerciante. – Ela estava olhando tudo por um bom tempo, até me aproximei dela e perguntei o que ela queria. Ela falou que só estava olhando e logo depois foi embora. Quando eu olho pela janela, ela estava mostrando o colar roubado pra esse homem!

– É verdade! – Gritou alguém. – Ela realmente estava mostrando o colar para o bárbaro!

– Quanto custava esse colar? – Perguntou o soldado ao comerciante.

– Hein? Hm..deixe-me ver… - Pensava o vendedor. – Seis moedas de ouro, acredito. Vou querer mais duas moedas de ouro, pela perda de tempo e por toda a confusão. – Sorriu, mostrando os dentes.

Bjorn estava estupefato. Passaram o dia inteiro vendendo a maior parte das coisas que trouxeram da tribo e conseguiram pouco mais que uma moeda de ouro. Seis moedas seriam impossíveis de arranjar, quanto mais oito. Provavelmente nem se vendessem tudo que tinha na tribo dos Arqueiros de Gelo.

– Seis moedas de ouro pelo colar e mais duas por toda a confusão e vocês podem ir. – Disse um soldado.

– Mas…meu senhor, viemos aqui vender mercadorias para conseguir remédios e suprimentos pra tribo que passou por um ataque em pleno inverno! Não temos esse dinheiro! – Disse Bjorn.

– Então irão presos. Confiscaremos tudo que vocês tem e repassaremos o valor ao comerciante. O que faltar vocês cumprirão em tempo de prisão. – Respondeu um dos soldados.

A multidão aplaudiu. Bjorn estava boquiaberto. Ashe tremia. Não! Não pode ser! Não fizemos nada!, pensava. Agora iam perder tudo, inclusive os próprios remédios, suprimentos e materiais que eles compraram. Até a carruagem. E ainda ficariam presos.

– M-mas..mas.. – Ashe tentava dizer, mas estava muito chocada e amedrontada pelos soldados e pela multidão furiosa.

Bjorn a trouxe pra perto. – Calma, Ashe. Senhores, não foi isso que aconteceu…

– Silêncio! – Gritou um soldado, apontando a lança. – Prendam eles! Parece que há outros bárbaros pela cidade. Iremos encontrá-los e também os interrogaremos pra ver se estão roubando pela cidade!

A multidão aplaudiu novamente. – Isso é absurdo! – Disse Bjorn.

– Calado! Serão levados pro calabouço de Demacia.

– Por favor…Ashe é apenas uma menina.

– Ela irá pra uma prisão feminina.

Um dos guardas riu. – Quanto tempo será que ela vai durar lá? Ultimamente prenderam cada louca…

– É…aquela que matou o marido fatiando ele em picadinhos, colocando as partes em sacolas e jogando no lixo ou aquela que tacou fogo nos filhos…

Ashe ficou ainda mais chocada e Bjorn furioso: - Vocês estão tirando sarro?

– Prendam os dois!

“Cidade da moral e da justiça?”, pensava Ashe, tremendo. Que justiça é essa?

Bjorn foi cercado e um dos homens puxava Ashe pelo braço, que tentava resistir.

– O que está acontecendo aqui? – Alguém gritou da multidão.

A voz de espanto das pessoas fez os guardas pararem as duas prisões e ver quem estava vindo. Os soldados arregalaram os olhos e assumiram posição de sentido. Um homem alto, de olhos e longos cabelos negros e uma túnica branca extremamente bem adornada, com diversas partes de ouro, se aproximou, acompanhado por um brutamontes de olhos castanhos e cabelos curtos da mesma cor, que também estava com uma túnica branca, mas com ombreiras, braçadeiras e caneleiras de aço, além de uma espada enorme. Três guardas com armaduras esplêndidas vinham atrás.

– Pelo amor…deixe os guardas fazerem o serviço deles. – Disse o bruto de cabelo castanho.

– Quieto, Garen. Alguém pode me explicar a razão desse tumulto? – Perguntou o homem de cabelos negros. Eram dois jovens.

Um dos soldados bateu no peito e respondeu: - Senhor! Esses bárbaros roubaram um colar dessa loja de jóias. Acabaram quebrando a bijuteria e não podem pagar por ela, então estamos efetuando a prisão. Tem outros bárbaros por aí, e vamos investigar se estão furtando também.

O homem de cabelos negros olhou para Ashe, que tremia e segurava a si mesma, quase se abraçando, de joelhos no chão. Ele se aproximou e se apoiou sob um joelho, sorrindo.

– Olá.

–O-oi.

A multidão soltou um grito de espanto e até alguns soldados ficaram boquiabertos.

– É melhor conversarmos de pé, não? – O homem estendeu a mão, e Ashe instintivamente a pegou, sendo erguida por ele. A mão dele era quente e macia, ao contrário da dela, que estava fria e rígida.

– Tudo bem, ninguém vai te machucar. Quero só conversar, ok? – Disse ele.

– Senhor, não é necessário, ela me roubou e… - Interrompeu o comerciante.

– Quem se atreve a desafiar minha vontade? – Imediatamente o vendedor se calou e o som do aço ecoou da armadura dos soldados que fizeram posição de sentido. Ashe estremeceu com a firmeza da voz.

– E então, é verdade o que ele diz? – Perguntou ele.

– N-não. – Respondeu Ashe. Ela engoliu um soluço.

– Senhor, aconteceu o seguinte… - Ia dizendo Bjorn.

– Não dirigi a palavra a você.

Os quatro guardas avançaram um passo e Bjorn também se calou. O homem voltou-se para Ashe:

– Ei, fique calma. Só quero te ajudar. Pode me explicar o que aconteceu? – Perguntou o homem, bem devagar e num tom baixo.

Isso fez Ashe recuperar a calma. Esse homem não faria mal algum, concluiu ela. Ele era bonito, olhos negros penetrantes, muito bem vestido. E não parecia mais velho do que os jovens na própria tribo dos Arqueiros de Gelo. Ela respirou e contou o que houve:

– O colar é da minha mãe. Foi presente do meu pai. Pouco antes do inverno fomos atacados por outra tribo. Conseguimos nos defender, mas destruíram muitas casas e muitos ficaram doentes pelo frio. Então viemos aqui comprar remédios, suprimentos e materiais. O colar era pra ser vendido pra ajudar nisso.

– Posso ver o colar? – Perguntou o homem.

Só então Ashe percebeu que ainda segurava metade do colar. Tinham sobrado cinco pérolas e metade do fiapo de corda que as unia. Ela deu o colar ao homem, que o analisava, curioso. Por fim, o homem retomou a palavra:

– O comerciante diz que você entrou na loja. É verdade?

– Sim.

– Ele disse que perguntou se você queria algo e você disse que estava apenas olhando. Em seguida você saiu e ele te viu pela janela mostrando o colar a esse homem. É verdade?

– Sim, mas eu não roubei nada. – Respondeu Ashe. A multidão vaiou, mas os guardas bateram as lanças no chão e o silêncio retornou.

– Por que entrou na loja? – Perguntou o homem.

– Para conseguir dinheiro pra comprar o que precisamos. Entrei na loja pra vendê-lo, mas eu não queria. Olhei as jóias ao redor e todas eram muito mais bonitas. Eu achei que não ia conseguir muito por ele e hesitei. E o vendedor me tratou mal. Então fui embora pra vender em outro lugar.

– Mentira! Eu perguntei se ela queria algo! – Gritou o vendedor.

– Mas perguntou com desprezo. Porque sou de Freljord. – Respondeu Ashe.

O vendedor ficou boquiaberto e ia responder, mas parou quando viu a mão do homem de cabelos negros pedindo silêncio.

– Se você precisava tanto de dinheiro assim, por que pelos menos não perguntou a ele o preço? – Continuou o homem.

– Porque ele é da minha mãe! Ela é a líder da tribo. Ela sacrificou muitas coisas pra nos manter vivos. É a única coisa que tem do meu pai. Eu não ia vender pra ele por uma ninharia que não faria diferença, eu preferiria levá-lo de volta. E agora…e agora… - Ashe olhou a outra metade do colar no chão, com apenas duas pérolas ligadas na corda e limpou lágrimas que escorriam dos olhos.

O homem pegou a outra metade do colar. Só restavam duas pérolas, totalizando sete com as cinco da parte que Ashe tinha segurado, quase nada do que havia antes.

– Como ele se partiu?

– Um guarda o puxou da minha mão e eu puxei de volta. – Respondeu Ashe.

– Obrigado, menina. Já ouvi o bastante.

Ashe aguardava o veredito. Estranhamente, ela estava calma. Aquele homem de alguma maneira a tranquilizara. E ao contrário dos outros, a ouviu. Ele faria justiça, ela tinha certeza.

– Comerciante! – Gritou ele. – Quanto vale esse colar?

O coração de Ashe afundou. O comerciante sorriu e respondeu imediatamente:

– Seis moedas de ouro. E mais duas pela perda de tempo e pela confusão. Um total de oito moedas de ouro.

– Certo. – Respondeu o homem.

Os guardas avançaram um passo e aguardavam a ordem para prender os dois freljordianos. Ashe estava tremendo de novo, não acreditando no que acontecia.

O homem pegou algo dentro do bolso e se aproximou dela, que recuou um passo. Ele pegou o braço dela e o estendeu, de maneira gentil. Ela ia puxar o braço quando ele colocou oito moedas de ouro em sua palma.

– Aqui. Pelo colar que o Estado de Demacia danificou.

Ashe estava estupefata, assim como todos ao redor. Ela notou que o companheiro dele chamado Garen sorria.

– Mas, senhor! – O comerciante interveio. – O colar era meu e foi roubado!

– O colar era seu?

– Sim!

– Eu lembro que uma vez meu pai pediu um colar ao senhor para minha mãe. Foi enviado ao Palácio um lindo colar de diamantes e safiras, numa corrente de ouro puro.

– Sim, é verdade! Meu senhor, suplico que não se deixe enganar por essa bárbara e…

– Silêncio.

O comerciante se calou e as pessoas sussurravam entre si.

– Como eu dizia, chegou ao Palácio um colar numa corrente de ouro puro. Não acredito que você tenha decaído a ponto de unir pedras preciosas por um fiapo de corda. – O homem jogou as duas metades do colar de pérolas brancas para o comerciante.

O comerciante olhou os fiapos e não acreditou.

– Isso…isso não é possível…ela fez alguma coisa! – Exclamou ele.

– Você tinha mesmo um colar de pérolas brancas na sua loja? São pedras bem raras de se encontrar. – Disse o homem.

– Bem, eu…acho que sim.

Acha?

– Talvez…quer dizer, certamente… - O comerciante corou de vergonha.

– Guardas! – Gritou o homem. O comerciante pareceu alarmado. – Dispersem a multidão. Foi tudo um mal-entendido e está resolvido.

O comerciante suspirou aliviado e os guardas começaram a pedir pras pessoas voltarem a circular. Ashe ainda estava boquiaberta. Ela não pôde deixar de perguntar:

– Quem é você?

O homem pareceu surpreso com a pergunta e o amigo chamado Garen riu.

– Sou Jarvan Lightshield, o Quarto.

O nome não significava nada pra Ashe. Bjorn sussurou em seu ouvido.

– É o filho do rei.

Ashe não soube explicar por que, mas quase se ajoelhou. Jarvan a impediu.

– Não é necessário. – Ele virou-se para o comerciante. – Você deve duas moedas de ouro à ela.

– Eu? Por quê? – Perguntou o comerciante, chocado.

– Pela perda de tempo e pela confusão.

Garen riu novamente e o comerciante ficou vermelho. Retirou duas moedas de ouro do bolso e as entregou para Ashe, sem olhá-la.

– Não era necessário… - Disse ela.

– Era sim. Ele poderia ter evitado tudo isso se tivesse olhado o colar de perto. Quase te manda pra prisão por isso. Então ele mereceu. Venha beber algo pra se acalmar.

Antes que Ashe pudesse responder, o jovem príncipe a empurrou com a mão para uma barraca de sucos. Bjorn também bebeu.

– Peço desculpas pelo colar. Tinha muito valor sentimental, não é mesmo?

– Sim. – Ashe estava com as duas metades com as sete pérolas restantes. – Mas…por que você acreditou em mim?

– Porque meu pai é o rei. Temos muitas responsabilidades com o povo. Quando você contou a história da sua mãe, que é a líder da sua tribo, que ela sacrificou muito por vocês, e que abriu mão do colar para ajudá-los, eu soube que você estava dizendo a verdade. – Ele sorriu e olhou pro chão depois. – Meu pai também teve que fazer sacrifícios e escolhas difíceis.

Ashe olhou espantada para Jarvan. Ela quase colocou a mão sobre a dele como que para confortá-lo, mas não o fez.

– É o fardo da liderança. É preciso suportar para uma causa maior. – Disse ele.

– Que causa? – Perguntou ela.

– Demacia tem que trazer paz e justiça à Runeterra. Outras nações desejam atender seus caprichos e desejos a custa de todos os outros, o que só gera mais conflito. Noxus, por exemplo. Eles dizem que a liberdade é que engrandece o homem e uma nação, mas eu digo que não. As pessoas precisam é de ordem. Ordem para trazer tranquilidade, certeza e segurança às pessoas. E só um Estado e um líder forte podem fazer isso.

Jarvan bebeu um pouco de suco antes de continuar.

– Noxus diz que os fortes sobrevivem e os fracos sucumbem. Mas eu pergunto: é um pecado ser fraco? É um pecado não querer ser forte? É um pecado querer apenas uma vida pacífica, mesmo que não tenha nada de espetacular? É um pecado precisar da ajuda de outros? São todos que precisam mudar o mundo? Se ser fraco é um crime, então a justiça é a força? Esse ideal ameaça o mundo inteiro, e somos nós, demacianos, que devemos combatê-lo.

– Ei, ei, calma aí… - Disse Garen. Jarvan o ignorou.

– Ordem é o que define Demacia. Todos precisam ajudar aos outros. Um sozinho não pode ganhar às custas de todos. Temos um rei e nobres que o aconselham. Guiamos as pessoas, lhes dizendo o que podem ou não fazer. Nos pagam tributos, e em troca nós os protegemos e damos muito mais: segurança, paz, justiça. Uma vida digna. Esse é o caminho de Demacia, o caminho da ordem! Para isso temos que manter um exército forte, mas sabe o que é mais importante do que isso?

– O quê? – Perguntou Ashe.

– A moral e a cultura do povo. É o que determina o sucesso e o fracasso. Nossa cultura é que todos em Demacia são parte de algo maior do que nós mesmos. Somos muito fortes internamente por causa disso. Nossa moral é determinada por nossas realizações. Quanto mais sucesso e prosperidade temos, mais as pessoas estarão propensas a seguir o mesmo caminho. Por outro lado, quanto mais fracasso e corrupção tivermos, mais o povo estará propenso a fazer o mesmo.

Moral e cultura do povo. Essas duas palavras se encravaram na mente de Ashe. Ela não conseguia dizer qual era a moral ou a cultura de Freljord.

– E como se cria moral e cultura? – Ela perguntou.

– Através do exemplo. Como líder, eu consigo fortalecer o espírito do povo, influenciar sua conduta e construir bases que manterão a nação próspera, segura e seguindo em frente mesmo muito tempo depois que eu me for.

Ashe estava espantada. Até Bjorn se impressionou.

– Calma, Jarvan, ela não deve estar entendendo nada do que você está falando! – Disse Garen.

– Não, por favor, continue! – Disse Ashe.

Jarvan sorriu.

– O mais importante é a visão. Sem visão, a nação e o povo morrem. E ser rei é transformar essa visão em realidade. E qual é a minha visão? Demacia, um exemplo para o mundo, a Cidade da Luz símbolo da justiça, da igualdade, da paz, onde todos vivem em harmonia e segurança, a maior de todas as nações, a que garantirá a soberania de todas as nações, a qual ninguém ousará desafiar pois arriscará a ira de Demacia. Mas como eu disse antes, o povo precisa estar inspirado, com moral e com uma cultura definida. E pra isso precisa de líderes fortes. Só a liderança pode fazer isso.

– E como se lidera? – Perguntou Ashe.

– Inspirando confiança. Agindo. Inspiração é tudo. Posso estar falando muito, mas detesto as aulas de filosofia, história e política que sou obrigado a atender. Algumas poucas coisas ficaram na minha mente, como o que eu te disse agora, mas sou um homem de ação. As pessoas precisam de comida, segurança e outras coisas, e enquanto isso os nobres e conselheiros ficam fazendo reuniões e conversando. É preciso ação! Sem ação, sonhos e visões não passam de ilusões! E pra ter ação, é preciso ter inspiração!

Ashe estava boquiaberta, olhando com a mais profunda admiração para Jarvan Lightshield IV. Inspiração, pensava ela. Sim, é isso que falta em Freljord. Inspiração. Jarvan não sabia, mas essa palavra nunca mais seria esquecida por Ashe.

– Calma, garota, ele impressiona todas com isso, haha! – Riu Garen. – Quantos anos você tem?

– C-catorze. – Respondeu Ashe.

– Catorze! Jarvan, o que você acha que vão pensar se souberem que você tá jogando papo pra cima de uma garota de catorze anos? – Gargalhou Garen.

Ashe corou.

– Eu não estou… - Ia dizendo Jarvan.

– Príncipe Jarvan! Com licença, Majestade! – Se aproximou uma pessoa. Os três guardas em armaduras esplêndidas o impediram de se aproximar.

– Tudo bem, deixem-no passar.

– Obrigado, majestade! E parabéns pelo seu aniversário! O senhor viu as últimas notícias? O que acha da proposta de Reginald Ashram de criar a League of Legends?

– Ideia tola, duvido que irá funcionar. Como um mundo virtual vai substituir os conflitos do mundo real? Como resolveremos nossas disputas através de mentiras e ilusões?

– C-certo. E sobre…

– Isso é tudo.

Os guardas retiraram o homem.

– Quem era ele? – Perguntou Ashe.

– Um repórter. Ele só queria uma notícia e eu dei a ele. – Respondeu Jarvan.

Ashe não fazia a menor ideia do que eram “repórteres”, mas não disse nada.

– Não acho que fez certo. Não devia ser tão direto. Eu acho que a ideia pode funcionar. – Disse Garen.

Jarvan bufou.

– Sobre o que ele estava falando? – Perguntou Ashe.

– Reginald Ashram¹. Um poderoso mago que participou da última Guerra Rúnica, uns quinze anos anos atrás. Pra evitar que uma nova guerra destrua Runeterra, ele quer criar o Instituto da Guerra e uma organização chamada League of Legends. De acordo com Ashram, os magos criariam um mundo virtual onde as nações enviariam seus mais poderosos guerreiros para combaterem e os resultados seriam aceitos no mundo real. Sem ninguém morrer de verdade. Tudo para evitar que uma nova Guerra Rúnica aconteça e destrua o mundo.

– E isso não é bom? – Perguntou Ashe.

– A intenção é boa, mas duvido que a ideia vá funcionar. A nação que perder pode simplesmente atacar no mundo real e pronto. Por que aceitariam um resultado que a desfavorecesse no mundo real? Reginald Ashram terá que lidar com essa contradição primeiro. Substituir combates reais por ilusões…você acha que isso funcionaria, Garen?

– Não sei. Teria que ver com meus próprios olhos. Se ele conseguir criar isso, talvez eu seja um dos primeiros a me voluntariar pra testar essa League. – Respondeu Garen.

– Você com sua espada e eu com minha lança. Acho que não teria nem graça. Sabe usar uma arma, senhor? – Perguntou Jarvan a Bjorn.

– Uso um machado razoavelmente bem. Me manteve vivo até agora, pelo menos. – Respondeu Bjorn. Os três homens riram.

– Eu sei usar um arco! Minha mãe é a melhor, mas sou a segunda arqueira da tribo! – Disse Ashe, orgulhosa.

– Hm… - Disse Jarvan, cético.

– É verdade. Na invasão que sofremos de outra tribo, ela esteve no combate e matou vários. Poucos disparam um arco como ela. – Assegurou Bjorn.

– Olha só, já estamos formando um time. Temos espada, lança, machado e arco. Poderíamos nos encontrar de novo – Brincou Garen. – O lanceiro poderia proteger a arqueira. – Garen deu uma cutucão em Jarvan com um sorriso zombeteiro.

– Garen…

– De qualquer maneira, essa League of Legends ainda teria que ser implementada. E mesmo que fosse, Jarvan tem muitos deveres, eu estarei no exército e a mocinha vai estar enrolada em cobertores em Freljord. – Disse Garen antes que Jarvan o repreendesse.

– Sim. Duvido que algum de nós aqui entrará pra essa League of Legends. Ashram está louco. Esse “Instituto de Guerra” não tem a menor chance de ganhar poder político ou influência em Runeterra. Então a possibilidade de encontrarmos a garota novamente, ainda mais num campo de batalha virtual, é praticamente zero. – Disse Jarvan, olhando para Garen.

Ashe foi apanhada de surpresa pela franqueza do príncipe. Mas era verdade. Ele seria, merecidamente, o rei da maior nação de Runeterra, e ela voltaria para a tribo dos Arqueiros de Gelo em Freljord, um pequeno pedaço de terra num oceano de gelo e vento.

– Ele te deu parabéns… - Disse Ashe.

– Ah, sim. Completei meu décimo oitavo aniversário quatro dias atrás. – Respondeu Jarvan.

– Parabéns… - Disse Ashe.

Garen riu alto e Jarvan ficou sem graça.

– Obrigado…

– É melhor irmos, Jarvan. Outra reunião de conselheiros vai acontecer e seu pai queria você nessa. – Disse Garen.

– Ele sabe que não suporto essa faladeira de políticos. São as ações que fazem um homem. – Respondeu Jarvan.

– Ashe, nós também temos que ir comprar o que precisamos. – Bjorn aproveitou a deixa para chamar Ashe e irem embora. Pelo tanto que conhecia dela, ela poderia ficar enchendo o príncipe de perguntas e ficariam ali o dia inteiro.

– Certo… - Disse Ashe, desapontada.

– Bem, foi bom conversar com vocês. Espero que isso os deem uma nova visão de Demacia. – Disse Jarvan.

– E de Freljord também! – Disse Ashe. Ela quase disse que não eram bárbaros, mas seria rude demais.

– Sim, também, com certeza. – Sorriu Jarvan. – Vocês deram uma ótima impressão.

– Eu sabia! – Disse Garen.

Jarvan deu um empurrão em Garen pelo comentário. Ashe não percebeu o que Garen insinuou e achou que o príncipe se referia ao comportamento deles.

– Até mais, príncipe Jarvan! Não vou esquecer o que disse! – Disse Ashe.

O príncipe pareceu surpreso. – Mesmo?

– Sim! Foi inspirador! – Disse Ashe, sorrindo.

Jarvan parou e encarou a jovem freljordiana por alguns segundos.

– Que bom. – Disse o príncipe. – As garotas da corte ficam aborrecidas quando falo sobre essas coisas.

– Sério? Como? – Ashe estava genuinamente espantada.

Garen riu de novo. – Bem, pelo menos UMA garota não dorme ouvindo seu blábláblá sem fim, Jarvan!

– Garen… - Disse Jarvan. – Até mais. Talvez algum dia nos veremos de novo. E boas compras! Tenho certeza que vocês conseguirão tudo que precisam!

Ashe tocou o saquinho com as dez moedas de ouro e sentiu vontade de chorar. Aquele homem salvara todos da tribo. Sem nenhuma obrigação ou interesse, apenas porque era o certo a se fazer.

– Príncipe Jarvan! Obrigada! Obrigada… - Gritou Ashe. Por fim, o príncipe Jarvan e seu amigo Garen desapareceram de vista. Só então ela percebeu que não tinha dito seu nome a ele. Nem ele perguntado. Era talvez um sinal de que nunca mais se veriam, mas isso não a deixou tão triste. Afinal, era a realidade das coisas, ele seria um rei e ela voltaria pra uma pequena tribo numa terra desolada. Mas nunca esqueceria o que aconteceu hoje.

– Estou tão grata por ter vindo, tio Bjorn. Esse encontro valeu tudo que passamos aqui! Eu devia até agradecer aquele comerciante pela confusão. – Disse Ashe, com os olhos brilhando.

– Ashe, por Avarosa, ele é o príncipe de Demacia… - Disse Bjorn.

– Sim, e tivemos a chance de conversar com ele! Não foi inspirador? Inspiração. Moral e cultura. É por isso que Demacia é tão forte. É isso que falta em Freljord! – Disse Ashe.

Bjorn suspirou. Então era isso. Mas claro que ele não deixou de reparar na admiração de Ashe pelo príncipe. E mais surpreendente ainda, ele pareceu retribuir no final, quando a olhou. Se ela fosse demaciana…pensou Bjorn.

– Vamos, Ashe. Temos que encontrar os outros e comprar nossas provisões.

Em duas horas, já haviam comprado tudo que precisavam e mais um pouco. Dos 80 potes de remédios necessários, decidiram levar 100. Compraram muitos suprimentos e diversos materiais de construção e utensílios. Decidiram comprar outra carruagem e cavalos para levar os extras. Ainda sobraram três moedas de ouro.

– Bem, vamos ver o que mais precisamos. – Pensava Goran.

– Acho melhor guardarmos essas três moedas. Quando precisarmos voltar aqui, já teremos um pouco de dinheiro. – Disse Ashe.

– Uma sábia decisão, Ashe. É melhor voltarmos pra Freljord. Já temos bem mais do que o necessário. – Disse Bjorn.

–---=/=----

Bjorn, Alvin e Vaeke foram na carruagem da frente. Goran comandava a segunda, com Ashe e Riska. Dois dias depois, chegaram na tribo dos Arqueiros de Gelo. Foram recebidos com festa pelas pessoas, surpresos com as duas carroças cheias de coisas.

– Bjorn! Como você conseguiu tudo isso? – Perguntou Francesca.

– Você não vai acreditar, Francesca. – Respondeu Bjorn.

– Primeiro, mãe…tenho que te entregar isso. – Disse Ashe, devolvendo o que sobrou do colar de pérolas.

– Você não o vendeu? E como ele se partiu? – Perguntou Francesca.

– É uma longa história…- Respondeu Ashe.

Enquanto descarregavam as carruagens, Ashe e Bjorn contaram a história para Francesca.

– O príncipe de Demacia! – Exclamou Francesca. – Se não fossem essas carruagens cheias, eu não acreditaria nisso!

Francesca remendara o colar, que agora só tinha sete pérolas onde antes dezenas preenchiam o fiapo de corda. Ela ficara extremamente preocupada na hora que contaram sobre como foram cercados por guardas e uma multidão, mas tudo isso foi esquecido com a heróica intervenção de Jarvan IV.

– Desculpe, as outras pérolas foram perdidas. – Disse Ashe.

– Não se preocupe com isso, querida. O que importa é o que esse colar representa. E isso sempre estará aqui. – Disse Francesca.

Ashe se sentiu aliviada com isso. Ela ainda iria contar sobre a ótima conversa que tivera com Jarvan, sobre inspiração, moral e cultura. Talvez eles conseguissem começar algo para mudar Freljord. E realmente torná-la próspera, como nas histórias das Três Irmãs.

Então um curandeiro se aproximou:

– Senhora Francesca! A garota Sejka está em condição crítica. Ela pediu pra ver Ashe.

– O quê? Me leve até lá agora! – Disse Ashe, alarmada.

Ashe, Francesca, Alvin, Bjorn e o curandeiro entraram na casa.

– Posso falar com Ashe a sós? – Não era uma pergunta. Sejka queria privacidade e sua voz estava fraquíssima. Os outros quatro se retiraram.

– Sejka, não se preocupe, nós trouxemos remédios! Você vai ficar bem! – Disse Ashe, alisando os emaranhados cabelos negros da amiga, outrora perfeitamente lisos. A viagem pra Demacia demorara uma semana, mas para Sejka parecia que meses se passaram.

– Não, Ashe, é tarde.

– Não diga isso!

– Mas eu sei. Meu caso é grave. O remédio não ajudaria em nada. – Sejka tossiu e cuspiu sangue.

– Por Avarosa… - Disse Ashe, chocada.

– Viu? Então…antes de eu ir, deixa eu te dizer uma coisa.

– Você não vai…

– Shh…Venha aqui perto. Preciso te dizer isso.

Ashe obedeceu e Sejka sussurrou em seu ouvido por um longo tempo. Ashe estremeceu a cada palavra dita pela amiga. Quando terminou, a garota de cabelos negros sorriu para a amiga loira.

– É isso. Prometa que vai pensar. – Disse Sejka.

Ashe ficou em silêncio por um longo tempo, sem saber o que dizer. Por fim, respondeu: - Prometo.

– Bom. Bom… - Sejka fechou os olhos e relaxou.

– Sejka? Sejka! – Ashe saiu correndo e chamou o curandeiro.

Mas não adiantou de nada. Sejka morrera.

–---=/=----

O enterro de Sejka foi realizado à noite. Ashe e Alvin choraram muito. Ashe perguntou se poderiam enterrar Sejka no pequeno local onde costumavam brincar de o Urso e a Bela Donzela. Francesca concedeu o pedido.

Ninguém conversou, fora as ocasionais mensagens de apoio das pessoas. Era sempre difícil quando alguém tão jovem como Sejka morria.

Aos poucos, as pessoas retornaram para suas casas, que estavam sendo reparadas ou reconstruídas. Os remédios e os suprimentos ajudariam a evitar muitas outras mortes e os utensílios tornariam várias coisas mais fáceis. Mas Ashe não podia de pensar que justo Sejka ela não conseguira salvar. Francesca pôs uma mão em seu ombro.

– Vamos, filha? Só estamos nós aqui.

Ashe olhou ao redor. Só estavam ela, sua mãe, Bjorn e Alvin no local. Ela e Alvin acenaram com a cabeça.

– Vou daqui a pouco. Pode ser? – Perguntou Ashe.

– Claro. Vou preparar um chá enquanto isso. – Francesca e os dois homens se retiraram.

Ashe olhava para a camada de neve e a lápide de pedra com o nome da amiga. Estava pensando no que ela lhe disse antes de morrer.

“Ashe. Eu estava pensando, por que nascemos em Freljord? De todos os lugares, por que aqui?

Tivemos algumas alegrias, mas no fundo é sempre essa vida triste e miserável. Nada nunca vai mudar aqui. Então eu queria te pedir pra pensar seriamente em ir embora. Não, não diga nada. Apenas me escute.

Eu sei que você adora aquelas histórias de Avarosa e que no fundo imagina em fazer o mesmo. Mas seja realista. Não existe nada aqui. Então…por favor, vá embora. Vá para Demacia ou Noxus. Você certamente conseguirá viver em um desses lugares. E o mais importante: irá viver com dignidade, sem medo do amanhã, desconhecendo se vai morrer de fome ou pelo frio, ou por uma flecha perdida de alguma outra tribo buscando saques.

Leve o Alvin com você. Haha, você achou que eu não percebi nada, não é mesmo? E os pais de vocês certamente também sabem. Então…vão. Vão viver. Saiam desse lugar amaldiçoado. Sejam felizes.

Eu sei o que você pretende fazer, Ashe. Você quer transformar Freljord igual as histórias que Bjorn conta. Quer que esse lugar vazio e inóspito vire uma grande nação. Eu admiro isso, mas também te amo, Ashe. E por isso preciso abrir seus olhos. Se você tentar fazer isso, além de não conseguir, Freljord vai te exigir tantos sacrifícios de você poderia empilhar todos eles e fazer uma torre até a Lua.

Lembra? Nem as Três Irmãs e todo o poder que tinham conseguiram mudar esse lugar. Freljord é um lugar sem esperança, uma armadilha da morte. Você agora é uma caçadora e abate presas. Mas a verdade é que aqui nós todos somos meras presas.

As pessoas morrem em suas terras, mas aqui em Freljord, é a terra que nos mata. Freljord clamou as vidas dos nossos antepassados. Clamou Avarosa, Serylda, Lissandra, clamou todas elas, por mais poderosas que fossem. Clamou seu pai. Clamou meu amado Grankjar. Clamou Marla, a mãe do Alvin. Clamou todas aquelas pessoas na batalha no inverno. Está me clamando agora. E se você insistir no que pretende fazer, depois de te fazer sofrer muito, Freljord também vai clamar você, Ashe.”

Ashe fechou os olhos e respirou profundamente. Ela observou a lápide por mais alguns segundos e então retornou para casa.


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Notas finais do capítulo

¹ - Reginald Ashram fundou a League of Legends com dois outros Alto Conselheiros. Ele também fez o pacto com Kayle e outras coisas, mas acabou desaparecendo misteriosamente, quase como o Aram, o vilão da história. Alguns dizem que ele é o Jax...

Esse é o penúltimo capítulo do passado de Ashe antes de voltarmos à Guerra do Graal. Espero que tenham gostado. Ashe ganha um pouco de influência de Demacia, e mais pra frente, também ganhará de Noxus. E a morte de Sejka também ficará marcada.

Quanto a Jarvan, Ashe tem uma visão inicial dele totalmente diferente do que teve no Capítulo 8: Batalha em Outro Mundo, não é mesmo? O que será que aconteceu? As respostas eventualmente virão.

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