Fate/Legends - Ashe escrita por Lanko


Capítulo 11
Ashe - Reminiscências VI: Invasão


Notas iniciais do capítulo

Ashe aventura-se pela primeira vez fora da tribo dos Arqueiros de Gelo. Descobrirá lugares novos, assim como inimigos e algo a mais com alguém.



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O grupo saiu da tribo dos Arqueiros de Gelo com treze pessoas: O capitão Emrik, três soldados, Ashe, Sejka, Alvin, dois pescadores, dois lenhadores, uma herbalista e dois guardas de Francesca.

Ashe e Alvin estavam fascinados pela viagem. Subiram um pequeno morro, viram vastas florestas, montanhas que ultrapassavam as nuvens, cordilheiras que se estendiam como muralhas de rocha por um vasto horizonte. Até flagraram um lobo bebendo água em um riacho, fugindo assim que avistou o grupo.

Sejka já fizera o trajeto diversas vezes. – Esperem até chegarmos em Arëndal! É lindo!

Adentraram uma floresta por uma estrada natural. Era por onde as carruagens traziam frutas, peixes, ervas, madeira e animais abatidos de volta para a tribo dos Arqueiros de Gelo. Da tribo, redes costuradas, roupas, cartas de familiares, armas, barracas e presentes eram enviados àqueles que defendiam Arëndal de invasores.

As enormes árvores bloqueavam a luz do Sol, que atravessava em feixos pelas folhagens. O canto dos pássaros e o barulho das folhas ficavam mais altos e frequentes, como algo se fechasse sobre o grupo. Uma sensação de inquietude apoderou-se de Ashe e Alvin.

– Animais atacam de qualquer lugar, certo? – Perguntou Alvin.

O capitão Emrik riu. – Claro que não. Lobos, chacais e auroques não atacam grupos tão numerosos como o nosso. Até os ursos nos deixarão em paz, a menos que invadíssemos o território dos filhotes.

Ashe reconheceu que era bem mais frio fora da aldeia, até colocando uma peça de lã nas costas. Ainda assim era um frio perfeitamente aceitável. Não entendia por que alguns estavam tremendo. Até o capital Emrik esfregava as mãos de vez em quando.

Saíram da floresta e caminharam mais uma hora pela tundra até avistarem o lago Arëndal.

O lago era imenso, uma mancha cristalina cercada de outra floresta de pinheiros e duas montanhas ao fundo. A água brilhava, passáros voavam e haviam vastas camadas de grama verde ainda não coberta pela neve. Pequenos atracadouros de madeira serviam de porto para os barcos pesqueiros.

– Todos ao trabalho! Vocês sabem o que fazer! – Gritou Emrik

Sejka adentrou a floresta, seguida pelos dois amigos, a outra herbalista e os dois guardas de Francesca.

– Aquela área ali é cheia de ervas. Vamos colher elas até meio-dia, quando paramos pra almoçar. A comida é boa, peixe fresco, amoras, maçãs. Com sorte alguma carne. Tem muitos animais por aqui, mas eles ficam mais no fundo da floresta.

Ashe e Alvin andavam pelo lugar. Sejka cumprimentava outros herbalistas que encontrava. Ashe pensava: Se me atacassem aqui, o que eu poderia fazer? Muitas árvores, rochas no chão, lugar desconhecido. Pensou mais um pouco enquanto olhava ao redor. Tenho aliados, um acampamento inteiro perto. As árvores também podem me esconder. Só não posso ser encurralada.

Ao meio-dia o grupo se reuniu no acampamento para almoçar. Haviam dezenas de pessoas, entre trabalhadores e guerreiros.

– Grankjar! Aqui! – Acenou Sejka.

O homem ruivo sentou-se junto ao trio, abraçando Sejka. – Como vai? – Perguntou ele.

– Bem! E você? – Disse ela.

– Também. Essa é minha última excursão. Volto pra tribo em uma semana.

– Que maravilha! – Sejka o agarrou no pescoço e o beijou.

Ashe corou. Alvin olhou pro lado. Grankjar passara por vinte e dois invernos, um homem feito e ótimo guerreiro. Passava a maior parte do tempo em Arëndal. Ashe não o conhecia bem, mas ouvia histórias dele contra invasores de outras tribos. Ao ser substituído, ele passaria mais tempo com Sejka.

– E seus dois amigos? Nunca os vi aqui.

– Essa é Ashe, a filha da senhora Francesca. E esse é Alvin, filho do Bjorn. – Disse Sejka.

– Ah, meus respeitos então, jovem dama! – Disse ele para Ashe. – E você garoto, treinando muito?

– Sim! Sou muito bom com a espada! – Respondeu Alvin.

– Mas ele é lento! Não conseguiu nem pegar a Ashe no Urso e a Bela Donzela. – Provocou Sejka.

– Não sou não! Ela que é rápida demais!

– Mesmo? Quão rápida? – Surpreendeu-se Grankjar.

– Muito mesmo! Você tinha que ver, querido, ela atirava mais rápido do que conseguíamos acompanhar e não errava! E ela fazia isso correndo! – Disse Sejka.

Ashe ruborizou. A amiga exagerou, mas estava grata pelo elogio.

– Quem dera tivesse alguém assim por aqui. – Disse Grankjar. – Temos ótimos lutadores, mas quase ninguém atira muito bem. Isso é um pesadelo na hora de caçar. Temos que encurralar os bixos e eles sempre fogem. Depois de tanto ensopado, peixe e frutas, um pouco de carne cairia muito bem.

Ashe lembrou que sua mãe a colocaria em um grupo de caçadores. – Vocês não tem caçadores aqui?

– Não, eles caçam em áreas mais silvestres. – Disse Grankjar. – Você não está com frio, não?

Todos, até o experiente guerreiro, estavam usando agasalhos extras, mas Ashe usava apenas um por cima das roupas.

De novo? Pensava Ashe. - Não, estou bem.

– Ela é estranha assim mesmo. – Zombou Alvin.

– Você é que treme com qualquer coisinha! – Rebateu Ashe. Todos riram e Alvin corou de vergonha.

O grupo almoçou ensopado de verduras, acompanhado de peixes cozinhados com cebolas e frutas. Grankjar e os soldados retornaram aos seus postos, lenhadores voltaram a cortar lenha, dois pescadores empurraram um barco no lago e Sejka e os herbalistas voltaram para a mata. Ashe e Alvin a seguiram.

– Vamos ir mais pro fundo! Vamos voltar ainda hoje, afinal. – Sugeriu Alvin.

O trio adentrou pela floresta, seguidos pelos dois guardas de Francesca. Encontraram uma clareira e um pequeno córrego.

– Hm, deve ter algumas plantas interessantes por aqui. – Disse Sejka.

Um dos guardas se afastou para “atender a natureza”.

– Eu vou seguir o córrego um pouco. – Disse Alvin, correndo.

– Espera! Não vai sozinho e… - Mas Ashe foi ignorada e o rapaz desapareceu mata adentro.

Ashe suspirou. Mas também estava curiosa. Andou em direção oposta à de Alvin. Não iria se afastar muito, apenas bisbilhotar os arredores. A floresta era densa, algumas árvores mais grossas formavam sombras enormes e isso piorava quando o Sol era bloqueado por nuvens, o que causava arrepios em Ashe.

Ela continuou andando, até avistar o guarda que se afastou do grupo. Ele estava encostado em uma árvore. Será que ele está bem? Ashe se aproximou e o chamou, não obtendo resposta. Ficou estarrecida ao ver a garganta do homem cortada.

Não pensou em mais nada. Disparou de volta pra clareira. Precisava avisar os outros. Então um grito ecoou pela mata. Sejka! Ashe correu e viu o segundo guarda ser morto por um homem de armadura negra. O atacante então correu em direção à Sejka, que fugiu mata adentro. Ashe instintivamente pegou seu arco e levou uma flecha à arma, tensionando o máximo que pôde e então disparando. A flecha atingiu o pescoço do invasor, que caiu no chão, tremendo e golfando sangue, parando de se mexer em seguida.

Ouviu alguém vindo por trás e ao se virar levou um forte esbarrão, sendo jogada ao chão, o arco caindo de suas mãos. Um homem a agarrou pelo pescoço, sufocando-a, e a empurrou contra uma árvore, levantando-a meio palmo acima do solo. Em vão, ela tentava socar e chutar o homem, que devido a sua armadura, somente ria.

– Ora, ora, veja só o que temos aqui… - Ele estava tão próximo que Ashe podia sentir seu hálito. – Ah, você eu vou levar pra casa, lindinha…

Ashe sufocava e pânico a percorreu quando o homem alisou seu rosto e seus cabelos, sorrindo. Não!Não!

– LARGA ELA!

Alvin, escudo e espada curta empunhados, correu em direção ao homem. O invasor largou Ashe, mas antes que empunhasse sua arma, Alvin saltou e o derrubou no chão, cravando a espada no peito do inimigo. Alvin se levantou, removendo sua espada, agora tingida de vermelho.

– Ashe? Tudo bem?

Ashe tossiu, recuperando o fôlego e acenou com a cabeça. Alvin colocou as mãos nos ombros de Ashe.

– Você tá tremendo! Tá machucada?

– Não…eu…Alvin… - Gaguejava Ashe. Barulho de passos a interrompeu.

– Tem mais deles! – Alvin a pegou pela mão, puxando-a mata dentro.

– Meu arco!

– Deixa pra lá! Onde é o acampamento?

– Eu não sei…espera! É por ali! Eu lembro daquela pedra! Pra direita!

Os dois correram, torcendo para que realmente fosse o caminho certo. O coração de Ashe disparava enquanto fugiam dos perseguidores. Ouviram gritos: - ASHE! ALVIN! – Era Sejka.

– AQUI! – Gritou Alvin a plenos pulmões.

Encontraram Sejka e o capitão Emrik com meia dúzia de homens.

– Por Avarosa, vocês estão bem? O que aconteceu? – Perguntou Emrik.

Em resposta, duas flechas cravaram em árvores próximas. – Crianças, pro chão! – Gritou Emrik. – Homens, escudos em posição!

Meia dúzia de escudos foram erguidos. Ashe, Sejka e Alvin deitaram no chão. Momentos de tensão se passaram, mas nada aconteceu.

– Ali! Dois deles fugindo!

– Batedores. – Disse Emrik. – Se estão tão fundo em Arëndal, pretendem atacar. Reúnam todos os trabalhadores e mande-os de volta à tribo! Francesca tem que enviar reforços imediatamente!

– Sim, senhor!

O trio foi levado para o acampamento. Tudo que fora pescado, colhido e armazenado era colocado nas carruagens.

– Ashe, Alvin, me desculpem. Eu…eu entrei em pânico e saí correndo. – Desculpou-se Sejka.

– Não, não é culpa sua. Você não sabe lutar e se não tivesse alertado o capitão não teríamos encontrado vocês. E tinham dois deles na nossa cola. – Respondeu Alvin.

– Mas isso não me faz sentir melhor. Eu abandonei vocês! – Disse Sejka. – E se tivessem se perdido? Fui eu que levei vocês ali!

– Sejka, esquece isso. Estamos todos bem, não é mesmo? – Respondeu Alvin. Isso acalmou a garota.

– Entrem na carroça! Vocês dois vão partir agora. – Gritou o capitão Emrik.

– E a Sejka? – Perguntou Alvin.

– Ela vai ajudar a carregar as outras duas carroças. Eu prometei à senhora Francesca que vocês estariam de volta antes do anoitecer, lembram? E uma batalha vai acontecer. – Esclareceu Emrik.

– Mas… - Alvin ia argumentar.

– Está tudo bem, Alvin. Estarei bem atrás de vocês. Vão! – Disse Sejka.

Alvin e Ashe entraram na carroça, empilhada de lenha, ervas e algumas peles de animais. A carruagem partiu de Arëndal, de volta à tribo dos Arqueiros de Gelo.

– Ashe. Você não falou nada desde a nossa fuga. Você está bem? – Perguntou Alvin.

– Estou. Só um pouco…nervosa.

– Entendo. Foi assustador, não?

– Eu…matei alguém. Alvin, eu matei uma pessoa!

– Ele matou nossos guardas. Ia matar a Sejka. Ia matar você.

– Isso não torna as coisas mais fáceis. Eu sei que lutamos contra invasores, mas nunca pensei que fosse tão brutal…ver alguém morrer na sua frente…

– É, eu sei. Eu também matei um.

– Ele…aquele homem ia me sequestrar. Você me salvou, Alvin. Obrigada. - Ashe sorriu timidamente pra ele, deixando o rapaz encabulado.

– Hã…não foi nada.

– Claro que foi! Você se jogou em cima dele! Você poderia ter se ferido! Ou… - Ashe não completou. - E teria sido culpa minha. Foi um descuido meu.

– Quando eu vi você ali daquele jeito…Simplesmente reagi, sem pensar. Então eu tinha matado ele. Ashe, se alguma coisa tivesse acontecido com você…

Ashe olhou para Alvin. Dessa vez nenhum deles desviou o olhar. Alvin se aproximou e alisou seu rosto. O coração de Ashe disparou, mas ela não se moveu. O rapaz foi se aproximando, até seus rostos estarem quase colados. Então tocou seus lábios com os de Ashe, que retribuiu.

Foi um beijo rápido e desajeitado, o primeiro de ambos, mas que no fundo sabiam que cedo ou tarde viria.

– Desculpe. Talvez… - Dizia Alvin.

– Não. Tudo bem. – Replicou Ashe.

Trocaram mais um beijo, mais longo que o anterior, mas igualmente desajeitado. Ambos sorriram para o outro. Alvin alisava os cabelos loiros de Ashe. Então ela o abraçou, fechando os olhos ao se aconchegar entre o ombro e o pescoço dele. Ele a apertou contra si e continuou a alisar seus cabelos.

Permaneceram assim até a carruagem chegar na tribo dos Arqueiros de Gelo.

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– Haviam batedores inimigos lá? O que os NOSSOS estavam fazendo? – Gritava Francesca. – Eu mandei MINHA FILHA pra lá!

As notícias do ataque em Arëndal circulavam pela tribo. Francesca ordenou uma mobilização imediata. Bjorn e outros guerreiros se reuniram.

– Quero todos prontos e equipados o mais rápido possível. Temos que chegar lá antes do anoitecer. – Disse Francesca.

– Qual nossas estimativas, senhora Francesca? – Perguntou um guerreiro.

– Temos cerca de trezentos homens. Alguns serão despachados para reforçar Arëndal agora mesmo. Outros vão precisar de mais tempo pra se organizarem. Preciso nomear capitães para comandá-los.

– Quantos homens de armas? Arqueiros? Cavalos? – Agora Bjorn perguntava.

– Duzentos homens de armas, setenta arqueiros e uns vinte cavalos, sem contar os das carruagens.

– Equipamentos? – Perguntou outro.

– Cento e vinte armaduras de metal completas. – Foi Bjorn que respondeu. - Cerca de cem armas, entre espadas e lanças. Vamos precisar de machados de lenhadores e equipamentos agrícolas pra armar todos. Flechas não serão problema.

– Cento e vinte homens com armaduras então. – Pensou Francesca. – Envie cento e sessenta guerreiros para Arëndal. Os quarenta não equipados deverão ficar atrás das linhas de combate, de reserva. Os equiparemos com as armaduras dos inimigos ou dos nossos que morrerem.

Ashe estremeceu com a ordem fria da mãe.

– Não possuímos as estimativas deles. – Continuou Francesca. – Também temos que considerar que podem contornar Arëndal e atacar a tribo. Então vou deixar metade dos arqueiros e mais quarenta guerreiros. Com sorte, sobrarão armas para eles. Todos os cavalos vão pro lago. Teremos uma defesa de setenta e cinco homens, uma quantidade razoável.

– Mais se os garotos ajudarem. – Disse um homem.

– Eles não estão prontos! Seria suicídio! – Rugiu Bjorn.

– Vamos pará-los lá e se vierem pra cá, os cercaremos. Quero três homens com cavalos vigiando as rotas entre Arëndal e a tribo. Equipe-os com berrantes, cornetas ou o que for necessário. Eles devem avisar qualquer movimentação suspeita. Cento e sessenta homens de armas e trinta e cinco arqueiros. Contando conosco, temos duzentos guerreiros indo para Arëndal.

– Devia mandar mais arqueiros! – Disse Ashe, fazendo todos os olhares se voltarem à ela. – Um homem nos disse que era difícil caçar ali pela falta de arqueiros, e os poucos que tinham não eram muito bons. A floresta é fechada, mas o lago é um lugar bem aberto.

– O capitão Emrik chegou com relatório da situação! – Todos se viraram para o mensageiro, ignorando Ashe.

– As ordens foram dadas. Vão! Já irei me juntar a vocês. – Disse Francesca.

Todos se retiraram e Francesca apoiou-se sobre um joelho em frente à Ashe.

– Por Avarosa, Ashe. – Disse Francesca, pondo uma mão sob a cabeça da filha. – Você quase me mata do coração. Me falaram que você foi atacada.

– Sim, mas o Alvin me salvou. Não me feri. E eu matei um. Sobre os arqueiros…

– Esqueça isso. Você sabe os riscos que enfrentou? Somos mulheres, Ashe. Se puderem, não vão nos matar. Vão nos capturar e…e… - Francesca não precisou completar. Ela abraçou fortemente Ashe. – Por Avarosa, Ashe, você é tudo que me restou. Se alguma coisa acontecesse…

Ashe quase chorou. Ela foi apertada com mais força.

– Eu vou indo. Mas já vou voltar. Fiquei aqui e espere. Entendido?

– Sim, mãe.

– Boa garota. – Sua mãe se levantou e andou até a porta.

– Eu perdi meu arco. – Era algo irrelevante diante da situação, mas Ashe só queria dizer alguma coisa antes de sua mãe ir embora. Francesca parou e se virou, sorrindo.

– Amanhã fazemos outro. Vamos pintá-lo com alguma cor também.

Ao vê-la partir com as tropas, Ashe sentiu um forte aperto no peito, algo que nunca sentira antes. Viu que suas mãos tremiam.

– Ashe!

– Sejka! O que está acontecendo lá?

– Horrívél, tinha gente lutando por toda parte. Depois que vocês saíram, o capitão Emrik soou o alarme e todos se juntaram. Então eu e os outros aldeões saímos de Arëndal. – Sejka falava freneticamente. – Ashe, Grankjar está lá! Lutando!

– Calma! Vai ficar tudo bem! Minha mãe e o tio Bjorn estão marchando com duzentos homens. – Disse Ashe, acalmando a amiga.

– Ashe! Sejka! – Alvin se aproximou.

Olhos azul-turquesa se encontraram com os castanhos. Ela se sentia aliviada ao vê-lo, mas também constrangida. Desviaram o olhar.

– Alvin? Tudo bem? – Sejka estranhou o silêncio súbito do rapaz.

– Sim. Na verdade eu é que devia te perguntar isso. – Disse ele.

– Obrigada, Alvin. – Respondeu Sejka.

– Minha mãe chamou vocês para jantarem em casa. Por favor, venham.

Ashe e Alvin se olharam novamente. Caso Sejka não estivesse ali talvez eles não ficariam tão envergonhados. Mal sabiam os dois que ela estava tão preocupada com Grankjar que nem reparou em nada.

O constrangimento declarou que, por enquanto, o que aconteceu na carruagem ficaria só entre eles.

– Olá, crianças! – Disse Marla, a mãe de Alvin. – Vou preparar o jantar pra vocês. Sei que estão muito cansados e passaram por muita coisa. Durmam aqui hoje, por favor.

Jantaram muito bem, com Marla fazendo o melhor que podia para levantar o astral dos três, que vez ou outra riam ou comentavam algo. Mas a tensão era evidente em todos. Ashe, por sua mãe. Alvin e Marla por Bjorn e Sejka por Grankjar.

Os três sentaram próximos à lareira, em silêncio. Marla lavava a louça, recusando a ajuda deles. Passaram-se cinco horas de tédio, mas ninguém conseguia dormir.

– Não quer vir mais perto do fogo? Já é meia-noite. – Convidou Alvin.

– Não, a lareira está quente demais. Eu não sei por que vocês estão tão perto. – Respondeu Ashe.

Alvin na verdade só queria que Ashe se aproximasse dele. Suspirou. Ela não entendeu o convite. Então reparou que Ashe estava sem luvas e agasalho de lã. A face a as mãos dela estavam rosadas pelo calor, o que ele não conseguia entender, pois ela estava bem mais afastada da lareira do que ele, que ainda sentia frio. Ele não podia ser tão fraco assim. Até Sejka, que era a mais velha, estava grudada ao fogo.

Então uma trombeta soou. Os guerreiros da tribo dos Arqueiros de Gelo voltaram. Ou o que restou deles. Ao atravessarem o portão, era evidente o que tinha acontecido.

Eles perderam, pensou Ashe, chocada.

Vozes gritavam nomes. Pessoas se aliviavam ao se reecontrarem com alguém ou choravam pelos que morreram. Bjorn estava entre os primeiros, e foi abraçado por Alvin e Marla. Curandeiros preparavam remédios, curativos e camas improvisadas em suas casas. Mulheres traziam bebidas quentes para todos.

Francesca estava no final da linha, caminhando ao lado das carruagens transportando feridos, sendo uma das últimas a entrar, pra alívio de Ashe.

Elas se abraçaram fortemente. As vestes de Francesca estavam manchadas de sangue e havia um corte em seu antebraço esquerdo. Até o cabelo loiro estava empapado de vermelho em alguns lugares.

– Está ferida? – Perguntou Ashe.

– Não, não, querida, estou bem. Só esse corte. Foi uma flecha de raspão. O sangue não é meu. – Sussurrou Francesca, completamente abatida.

Os portões se fecharam e havia uma enorme correria pela tribo. Sejka se aproximou, desesperada: – Ashe! Você viu o Grankjar?

– Não, talvez ele esteja nas carruagens.

– Sim, é claro, por que não pensei nisso antes? – A garota correu em direção às carruagens, mas foi interceptada pelo capitão Emrik. Ele colocou a mão no ombro de Sejka e baixou a cabeça.

– Garota…sinto muito.

– NÃO!

– Lamento mesmo.

Ashe se aproximou da amiga. – Sejka…

A garota de cabelos negros chorava e soluçava. Ashe a abraçou.

– Ashe…Ele era tudo que eu tinha…

A garota loira não tinha palavras para consolá-la. Francesca recebeu um curativo no braço e Bjorn se aproximou.

– Francesca. Temos que decidir nosso próximo passo.

– Eles não vão atacar de noite. Irão comemorar e se embebedar pela vitória em Arëndal. Virão somente de manhã, ao meio-dia com sorte. Verifique os feridos e veja quem ainda pode lutar. Dê as armaduras e armas de quem não estiver para os que ficaram aqui de guarda. Mande-os dormir para que descansem.

– Sim, senhora.

Francesca fechou os olhos e respirou profundamente. Ashe se aproximou, com Sejka ainda soluçando por sua perda.

– Mãe? O que aconteceu?

– Ah, Ashe, eles eram tantos. Tantos. Só na hora descobrimos isso. – Suspirou Francesca. – Krahäer, o que será que ele fez?

– Quem?

– Krahäer. O líder de uma tribo à noroeste daqui, os Auroques Boreais. Já batalhamos algumas vezes, mas nada muito sério. Eles tem menos população do que nós e problemas com outra tribo próxima. Mas quando a batalha começou em Arëndal…parecia que estávamos enfrentando três ou quatro tribos…Lutamos por horas, mas enfim tivemos que recuar. Saímos daqui com duzentos homens. Encontramos com mais oitenta guerreiros em Arëndal. Ainda assim parecíamos superados numa proporção de quatro pra um. Tivemos muitas baixas, sem contar os feridos. E amanhã ele virá aqui, para tentar nos subjugar.

Francesca bebeu uma caneca de chá antes de continuar.

– Você estava certa, Ashe. Eu devia ter levado mais arqueiros. Eles eram numerosos, mas a floresta e o lago os afunilavam. Mesmo um arqueiro ruim acertaria alguma coisa. Mas não se preocupe. Atacar uma aldeia é arriscado, mesmo com os números que ele dispõe. Ele terá que quebrar nossas barreiras e teremos muitos arqueiros nas passarelas. O terreno é mais aberto que o do lago Arëndal, mas ainda assim temos a vantagem. Vou descansar um pouco agora. Traga sua amiga, ela também precisa dormir.

Ashe e Sejka compartilharam a cama e surpreendentemente, dormiram com facilidade, a despeito do barulho e dos gritos na aldeia.

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Eram sete da manhã quando Ashe acordou. Francesca já estava coordenando a defesa da tribo. Sejka ainda dormia, e Ashe a deixou assim, saindo sem fazer barulho.

O desjejum era servido em público, pelo esforço conjunto de todas as famílias da tribo para fortalecerem os homens e mulheres que defenderiam a tribo do ataque que viria. Pão, frutas, sopa, peixes e até mesmo carne era servida aos soldados. Ninguém estava preocupado em manter estoques, não com a guerra à caminho.

– Mãe! Preciso de um arco.

– De jeito nenhum. O que você pensa que está fazendo? – Francesca estava incrédula.

– Você disse que eu era uma arqueira de verdade. Que disparava até melhor do que você com a mesma idade. – Replicou Ashe.

– Por Avarosa, Ashe, fique em casa até tudo isso acabar.

– Eu posso ajudar! Você sabe disso!

– Vai me ajudar ficando em segurança.

– Por favor. Prometo que recuo se estiver perigoso.

– Ashe, é uma batalha. Qualquer lugar será perigoso.

– Então que diferença faz? Se perdermos, você já disse o que acontece conosco.

Francesca estava boquiaberta. Não esperava aquilo.

– Avarosa batalhava nessa idade. – Era a pior coisa que Ashe poderia ter dito.

– Não acredito nisso! Você NÃO VAI arriscar sua vida por causa de uma história pra dormir, uma LENDA!

– Nossa tribo é nomeada em homenagem à ela. Não é uma lenda.

– Pelo amor de Av… - Francesca se recusou a pronunciar o nome. – Ashe, NÃO.

– Deixe-a ajudar, Francesca. – Bjorn disse.

– Bjorn, fique fora disso. – Ameaçou Francesca.

– Alvin me contou o que aconteceu em Arëndal. Ela matou um homem à sangue frio.

– E quase foi morta por outro. – Devolveu Francesca, rangendo os dentes.

– E eu a salvei. – Alvin apareceu. – Senhora Francesca, deixe-me protegê-la. Ela pode nos ajudar. Quase ninguém aqui atira como ela.

– Alvin, você é uma criança . Quem você acha que vai proteger? – Esbravejou Francesca.

– Protegi Ashe. – Lembrou Alvin, olhando para a garota loira.

Francesca não teve o que responder. Até Ashe foi pega de surpresa pelo comentário, mas não desviou o olhar. Pelo contrário, até sorriu para Alvin.

– Vamos precisar de todas as forças que tivermos, Francesca, e você sabe disso. Os rapazes estão sendo equipados agora mesmo. Até algumas garotas se voluntariaram. Mais importante do que homens de armas, precisamos de arqueiros agora. Arqueiros bons.

Francesca levou uma mão ao rosto, incrédula.

– Fizemos a contagem dos homens. Perdemos noventa e seis homens em Arëndal, mais que um terço. Outros vinte e cinco não conseguirão lutar mais. Das forças originais de duzentos e oitenta, temos agora cento e cinquenta e nove homens, soldados legítimos. Noventa homens de armas e sessenta e nove arqueiros.

Bjorn deixou isso pairar no ar alguns segundos e continuou:

– Temos mais cinquenta e quatro garotos e dez garotas, todos voluntários, de doze a dezesseis invernos. Aldeões somam mais oitenta e oito. Mas a experiência e habilidade deles é nula. Estão sem armaduras e com armas improvisadas. Com Ashe teríamos setenta arqueiros legítimos, dos oitenta e quatro disponíveis.

– Oitenta e quatro arqueiros e duzentos e vinte e sete homens de armas. Isso coloca nossa força de defesa em trezentos e onze homens. Apenas a metade disso são soldados de fato. Krahäer está com mil guerreiros, de acordo com os batedores.

Silêncio pairou sobre o grupo por um longo tempo.

– Dê à ela um arco e flechas. – Disse Francesca.

– Não vou te desapontar, mãe. – Disse Ashe.

– Ashe, vamos deixar uma coisa clara. Você passou por apenas treze invernos. Não se iluda com todos os elogios que recebeu durante seus treinos. Você dispara muito bem, é verdade, mas você não dispara melhor do que um adulto treinado ou um caçador. Só estou autorizando você porque vários aqui, como Bjorn, estão mandando os filhos e até filhas para essa batalha. Não posso proibi-la só porque é a filha da líder da tribo, quando você mesma se voluntariou. Não quando vários outros da sua idade estão dispostos ao sacrifício. Estamos entendidas quanto ao por que de eu deixar você participar?

– Sim. Eu nunca me iludi com os elogios. Mas sei o que posso fazer. Você também sabe.

– Se eles colocarem escadas para escalar os muros, você vai sair dali imediatamente. Entendeu?

– Sim.

– Você também vai ficar o mais longe possível de mim. – Disse Francesca, para espanto de Ashe.

– Por quê?

– Porque sou a líder da tribo. Serei um alvo cobiçado e a última coisa que preciso é minha filha do lado pra servir de alvo extra. – Ashe engoliu em seco e Francesca se virou para Alvin. – Proteja-a.

– Com minha vida. – Respondeu Alvin.

– Vamos rezar para que não chegue a tanto. – Replicou Francesca.

Ashe e Alvin se dirigiram ao mestre de armas, que entregou à Ashe um arco e três aljaves cheios de flechas. Subiram na passarela da muralha de madeira que circundava a tribo.

Eram mais de dois metros de grossas estacas de madeira, com três fileiras de grossura servindo de paredes contra animais, nevascas e invasores. Um corredor de madeira, acessível por escadas, fora construído no alto dessa barreira para dar terreno alto aos defensores.

Como sua mãe disse, seria muito difícil e custoso invadir a tribo. Os portões eram mais grossos e feitos de ferro, mas eram mais vulneráveis devido as dobradiças que os abriam, além de providenciar uma entrada maior para invasores.

Dezenas de homens formavam uma muralha humana em frente aos portões, escudos, lanças e espadas prontos para parar qualquer investida. Muito mais estavam aos arredores, tanto para impedir atacantes que invadissem por outros lugares como para reforçarem os portões. Haviam também dezenas de arqueiros, muito mais do que os trinta e cinco que Francesca levara para Arëndal.

Mas a verdade era que metade das defesas estavam improvisadas.

– Ashe, eu fico na sua frente com o escudo e você dispara sempre que possível. – Disse Alvin.

– Tá. Não se descuide também, Alvin. Se eles usarem escadas nós saímos daqui. Foi o que prometemos pros nossos pais. – Disse Ashe.

O rapaz acenou com a cabeça. Ele estava com uma espada e uma adaga na cintura, mas precisava das duas mãos para erguer o pesado escudo de aço. Mas enquanto sua função fosse apenas bloquear flechas que viriam na direção de Ashe, não faria diferença.

Ashe e Alvin não deixaram de reparar que muitos que estavam ao redor não eram guerreiros, mas aldeões e até jovens como eles. Ashe tinha proteções de couro fervido e um capuz cobrindo sua cabeça. Alvin conseguiu um elmo, mas ainda não tinha forças para suportar o peso de uma placa peitoral, então também viera com couro fervido. Mas esses aldeões e jovens não tinham nem isso.

Passaram-se duas horas, mas às nove e meia, surgiram os primeiros batedores inimigos, cavalgando com as bandeiras verdes da tribo dos Auroques Boreais.

O exército de Krahäer foi surgindo, mais e mais, uma horda de homens. Ashe e Alvin estavam boquiabertos. Alguns ao redor estavam pálidos. Nunca viram tantas pessoas reunidas, ainda mais guerreiros.

Mil guerreiros, pensava Ashe. E nós temos trezentos e onze defensores, metade disso de pessoas comuns.

Ashe fez uma prece silenciosa à Avarosa.


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Notas finais do capítulo

A seguir, o primeiro interlúdio, mostrando o ponto de vista da mãe de Ashe. Como ela vê a situação? Mais importante, um pouco de sua história.



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