Além dos Mortais escrita por Ádrila Agnes, victor hugo


Capítulo 30
Epílogo




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Savana sentia os fios da consciência indo e vindo a todo momento, assim como Luki, Drake, Dean, seu pai. Ainda assim, eles eram apenas como vultos embaçados, falando rápido demais para que ela pudesse entender qualquer coisa, por mais que se esforçasse. Imaginou que Luki diria a ela que precisava descansar apenas, mas aquilo não era algo que ela se sentia capaz de fazer.

Ela sentiu vontade de refutar o próprio pensamento. Havia exilado Pandora, a Grande Deusa, de toda a Criação, será mesmo que seria incapaz de fazer qualquer outra coisa agora? Apesar de tudo, mal podia esperar para testar seus novos limites, se é que alguma coisa havia mudado.

Bem... Tudo havia mudado, ela deduziu, por fim. A guerra havia os transformado em outras pessoas. Sierra e Brianna haviam perdido o planeta em meio a tudo aquilo, Dean se mostrara mais forte do que parecia e Drake... bem, Drake havia mudado o mundo.

Mesmo sem trocar qualquer palavra com qualquer um deles desde que tudo havia acontecido, de alguma maneira ela podia sentir que agora tudo estava mudando. E que ela tivera uma participação muito grande naquilo. Seu pai estaria orgulhoso. Sua mãe também.

E, bem, para sua própria surpresa, pela primeira vez lhe ocorreu aquilo: que ela havia salvado o mundo.

E, pela primeira vez em semanas, ela pôde sorrir.

͏...

Brianna usava algumas bandagens nos braços, mas não parecia mal. Para falar a verdade, Brianna nunca parecia mal, Drake notou. A não ser, claro, quando se tratava de sua irmã. Como era agora.

Brianna não tivera grandes ferimentos durante a batalha, mas vivia na enfermaria, visitando a irmã, que estava internada desde então. Ela e Drake tinham se esbarrado bastante nos últimos dias, por entre aqueles corredores.

– Oi, humano - ela esboçou um sorriso, sentando-se ao lado dele.

– Oi, etê - o rapaz cumprimentou, forçando-se a sorrir.

– Como esta a Savanna? - ela perguntou, claramente puxando assunto. Aparentemente, já não se sentia estranha perto de um mortal.

– O Luki tá com ela. Estou esperando notícias.

O rapaz humano sorriu. Brianna deu um tapinha no ombro dele.

– Boa sorte com esse namoro, Mason. Tenho certeza que ela vai tornar a sua vida muito mais... - Ela parecia estar escolhendo a palavra certa - Agitada. - Sorriu com o canto dos lábios - Ainda mas agora que perdeu seus poderes....

– Não quero ser um peso morto para a equipe, Brianna. Os guardas do palácio andaram me ensinando um novo estilo de luta que não existe na Terra; além disso, eu fiz três anos de esgrima quando era criança.

– Acha mesmo que conseguiria lidar contra uma ameaça alienígena, usando apenas artes marciais e uma dessas espadas medievais da Terra?

Deu de ombros, decidindo mudar de assunto.

– E a Sierra?

– Ela vai poder sair daqui a algumas horas. Ela pode parecer delicada por fora, mas é uma das pessoas mais fortes que eu conheço.

Drake sorriu.

– Eu sei que é.

Houve silêncio por alguns segundos, cada um deles imerso em seus próprios pensamentos até que, ainda para o espanto de Drake, Sierra voltou a falar.

– Como você está se sentindo com tudo isso? - era notável que ela estava tentando ser delicada.

– Hum... Com tudo isso o que?

Sierra coçou a nuca.

– Ahn... Você sabe. Sobre Pandora e o Mason Original. Sobre ela ter escolhido você para destruir o Império Solar. Sobre os alienígenas!

Drake desviou seu olhar para a janela por alguns segundos, claramente desconfortável com o rumo da conversa. Não imaginava que poderia se acostumar com aquilo um dia. Ás vezes, todo aquele lance de Pandora ainda parecia meio surreal para ele.

– Não sei aonde você quer chegar - ele tentou desconversar.

– Ah, qual é, Drake! - ela cruzou os braços - Não tem medo do que as pessoas vão pensar de você?

Eles se encararam por alguns instantes. Mesmo involuntariamente, Drake se lembrou dos primeiros dias com a garota, quando ela estava claramente incomodada com o fato de ele ser um humano. Ao contrário dela, muitos alienígenas certamente nunca se conformariam com aquilo: com o fato de ele ser humano.

– Bem... Eu preciso ser sincero... Nesse momento, eu não ligo.

Ele sorriu. Ela também.

Mas, no fundo, os dois sabiam que ele estava mentindo.

͏...

Dean se sentia... exausto. Quer dizer, ele adoraria dizer que estava amando passar todo aquele tempo com Jake, que aquilo foi o que ele desejara desde que haviam se apaixonado – e, mesmo em segredo, começado a sair juntos -, mas ter que ver o rapaz passando por longas e dolorosas sessões de cura com Luki – ou mesmo com Loki e seus conhecimentos míticos ancestrais – chegava a ser torturante para ele.

Mas aquilo era o melhor a se fazer, não é? Grande parte da essência de Jake fora seriamente danificado quando ele fora possuído por Pandora, mas, de alguma maneira, Dean sentia que havia alguma cura. De alguma maneira, Jake poderia ser salvo. E, mesmo que isso pudesse mudar tudo entre eles – aquilo era culpa dele, com certeza. Deveria ter protegido o rapaz -, ele tinha que fazer aquilo. Pelo seu Jake.

– Dean, eu sinto muito... – a voz de Sierra, sentada ao seu lado, era quase sussurrada. Dean imaginou que ela devia estar sofrendo bastante pelo que acontecera com o menino. Era óbvio que estaria. Certamente teria pesadelos com todas as mortes pelas quais se sentia responsável todos os dias. O rapaz sabia que ele próprio não suportaria tudo aquilo.

– Vai ficar tudo bem – ele respondeu, segurando fortemente a mão de Jake. O rapaz loiro, sentado frouxamente em uma cadeira de rodas ao seu lado, não deu nenhuma indicação de que tivesse percebido aquele gesto. Não vinha sentindo ou fazendo muita coisa desde “o evento”. Era quase como se ele estivesse em coma.

– Eu sei que vai.

Sierra sorriu para ele. Ao parar por mais de um segundo para observá-la, pôde notar as olheiras sobre seus olhos, a pele pálida, os olhos marejados. Mesmo naquelas condições, ela era capaz de consolar alguém.

– A gente já enfrentou coisas piores, não é? – Dean tentou sorrir. Eles já haviam passado por muita coisa juntos, era verdade, mas agora, sem Jake, ele não imaginava que qualquer coisa fosse mais fácil...

Ele suspirou. Um suspiro triste.

– Você precisa conversar com o Drake – ele aconselhou. Sierra arqueou uma das sobrancelhas, claramente incomodada com a mudança no rumo da conversa.

– Dean, por favor...

– Sierra, coisas assim não devem ser escondidas, sabia?

Ela se levantou, em nenhum momento deixando de olhar para os dois rapazes, sentados lado a lado, com as mãos dadas, os olhares infelizes, a aparência cansada. E aquela imagem, de alguma maneira, conseguiu convencê-la. Eles não esconderam o seu amor. Por que ela faria algo assim?

͏...

Ver Drake esperando do lado de fora, esperando por qualquer notícia sobre as condições de Savana, era algo que Luki ainda estranhava. Imaginou que não fosse algo que ele fosse se acostumar tão cedo.

Imaginou o que a Savana de seis meses atrás diria sobre aquilo. Certamente diria que ele estava mentindo. Ela... e um humano? Aquilo era absurdo, quase que um crime. Ao imaginar isso, por algum motivo ele sorriu.

– Ela está melhor – foi o que ele disse a Drake, o humano. O rapaz da Terra esboçou um sorriso.

De alguma maneira, ele parecia ser uma pessoa completamente diferente do que o curandeiro conhecera há algum tempo. Não era um rebelde. Era um herói, um agente de transformação. Ainda assim, algo nele causava certa inquietação em Luki.

– Savana ainda vai precisar de algum tempo de descanso para se recuperar completamente e...

– Luki, para – Drake interrompeu – Não acha que está na hora de você parar com isso? Eu gosto de Savana, tá legal? Eu não quero, sei lá, planejar algum golpe de estado e pôr fim em...

O curandeiro riu. Uma risada baixa e breve. Aquilo fez com que Drake parasse de falar.

– Isso aqui está mudando, Drake. Você pode não perceber isso ainda, mas reis, rainhas, presidentes e patriarcas tem se reunido bastante nesse pouco tempo, sabia? – o rapaz humano não sabia. Não teria como saber – Temos discutido sobre essas coisas.

– Essas... coisas?

– Humanos. A Terra. Toda essa história de Pandora.

– Olha, Luki, você acha que eu quis que isso acontecesse? Que a Terra fosse quase destruída? Que milhares de pessoas, aliens, sei lá, morressem? Que eu sabia que isso ia acontecer? – Drake levantou o tom de voz. Aquilo não pareceu incomodar o netuniano.

– É engraçado como você insiste em acreditar que, todo esse tempo, eu estava errado.

Drake não disse nada. Tinha os punhos cerrados, como se precisasse de muita força para continuar calmo.

– Você é um Mason. Pandora amou um de seus antepassados há muito, muito tempo. E olha só o que aconteceu com o mundo depois disso... – Luki lançou um olhar triste ao redor – Agora que você apareceu, essa guerra, todos esses anos de segredos, contrapontos, ideologias... Está prestes a ruir.

Drake abriu a boca para falar algo, mas não sabia o que dizer.

– Savana não vai gostar nada disso... – o netuniano disse – Vai ser difícil pra ela passar por tudo isso, depois de tudo o que já aconteceu.

– Eu estarei com ela – Drake disse com uma firmeza que fez Luki suspirar e dar as costas para ele. Não diria que acreditava nele, afinal, ele era um humano, mas esperava que ele estivesse dizendo a verdade. Por que ele sabia que aquilo ia muito além do bem-estar de Savana. O futuro do mundo estava em jogo.

E ele odiaria ter que admitir que Drake teria um papel fundamental em tudo aquilo.

͏...

Drake estava debruçado sobre a janela do hospital quando Sierra o encontrou. Precisou tomar folego antes de ir até ele. Era estranho que ela tivesse imaginado aquele momento algumas vezes antes, mas nunca imaginou que fosse assim, com ele parado tão perto do quarto onde Savana dormia, debilitada.

Imaginava que Savana era sua amiga, apesar de tudo. E aquilo fez com que ela se sentisse pior do que já se sentindo.

Ela pigarreou, chamando a atenção de Drake para si.

Agora, já não poderia voltar atrás.

– Drake, nós precisamos conversar.

͏...

– Vai mesmo voltar para a Lua? – Luki perguntou.

Loki assentiu. Continuavam a caminhar por uma pequena trilha de paralelepípedos dourados que ligava o castelo de Hélio a uma pequena nave mal estacionada. Alguns homens, criados, carregavam algumas malas para lá.

– Eu vi muitos amigos caírem mortos no campo de batalha, Luki, e os que sobreviveram, levaram seus poderes ao limite, incluindo eu mesmo...

Luki sabia disso. Sabia que naquele momento - e provavelmente dali em diante - Loki, e provavelmente todo o seu povo, teriam que aprender a lidar com as sequelas da guerra, mesmo tendo os poderes muito reduzidos. Era uma nova era para a Lua e seus habitantes.

– E eu preciso de um tempo pra mim. - Ele completou, o netuniano sabia que isso aconteceria algum dia, claro, mas se sentia angustiado por ter que se despedir do seu melhor amigo, principalmente naquele momento.

– Você deveria esperar até que Savana acordasse, sabe? Se despedir dela, talvez algo tenha acontecido com seus poderes também...

Loki riu. Uma risada rápida, sem muito humor.

– Luki, se algo importante estivesse acontecendo com Netuno agora, você já não estaria lá? – Loki, sempre com um olhar de sabedoria, perguntou. Luki percebeu onde ele queria chegar – Tem acontecido muitos movimentos contra o governo solar por lá. Quer dizer, muita gente de lá ainda acha que com Pandora tudo era melhor...

– E você vai se envolver nisso, não é?

– Eu lutei pelos planetas por todo esse tempo. Não vai ser agora que eu vou parar.

Luki assentiu, pensativo. Sabia que Loki estava certo. A luta não acabaria agora. Ambos sabiam disso.

– Tá bem, tá bem... Eu dou um jeito nisso aqui.

Loki sorriu. Luki estendeu o braço para ele.

Os dois trocaram um aperto de mãos.

– Não seja muito duro com Drake, tá bem? As intenções dele são boas.

Luki franziu o cenho, mas logo teve que confirmar com um movimento da cabeça.

– É. Eu sei que são.

͏...

Savana usava o seu melhor vestido. O cabelo estava preso em uma trança e tinha incontáveis anéis em seus dedos. Estava linda. Mais linda do que nunca. E feliz também. Enfim saíra daquela cama do hospital, onde passara todo aquele tempo. Enfim podia passar todo o tempo que quisesse com Drake, Dean, Luki, seu pai. Sem preocupações nem nada.

Ela ouviu alguns passos ecoando pelo longo corredor que terminava em seu quarto. Ela logo tratou de abrir as portas, imaginando que seria seu pai, ou mesmo Drake. Para sua surpresa, usando um volumoso vestido de plumas esverdeadas e joias brilhantes, era Mayrise que estava ali. Seu olhar analítico e o nariz empinado eram inconfundíveis.

– Mayrise – Savana cruzou os braços.

– Savana, você está linda – vindo daquela mulher, não parecia um elogio.

– Achei que papai tivesse te mandado embora daqui.

A rainha riu. Uma risada fria, mas ao mesmo tempo amargurada.

– Eu não posso me despedir de você, minha querida?

– Nós duas sabemos que não é o que você quer fazer.

Um silêncio se instalou entre as duas por algum tempo, até que Mayrise voltasse a dizer algo.

– Seu pai fez questão de fazer com que todo o Sistema Solar me odiasse.

– É o que você merece.

– Por que? O que eu fiz? Quais crimes eu cometi? Ter te avisado sobre a guerra? Ter amado um rei insensível?

Savana cerrou os punhos.

– Não chame meu pai de insensível. Não chame o seu rei de insensível. Poderíamos jogá-la em uma masmorra por séculos para que se arrependesse desta sua presunção, Mayrise.

A madrasta pareceu avaliar a ideia de Savana. Por fim, ela deu de ombros. Parecia um gesto estranho.

– Seu pai deve estar orgulhoso de você, princesa.

E, dizendo isso, a mulher que já não era rainha, deu as costas para Savana e saiu pelo corredor. Em momento algum abaixou a cabeça ou olhou para trás. Savana imaginou que um sorriso arrogante estaria presente em seu rosto. Não se importou.

– Adeus, Mayrise.

͏...

Mesmo enquanto dançavam, Drake podia perceber algo estranho em Savana.

– Aconteceu alguma coisa? – ele perguntou, desviando-se de um casal ao seu lado. Arquiduques de Saturno, com uma expressão nada agradável em seu rosto ao devolver seu olhar. Savana encolheu os ombros.

– Você acha que vai ficar tudo bem? – ela foi logo ao assunto.

– Acho que você não deveria estar pensando nisso.

– Mas...

– Vamos só... Aproveitar o momento, tudo bem? – ele estava sorrindo. Era o sorriso mais bonito que Savana já vira, em toda a sua vida. Se perguntou, não pela primeira vez, quando passara a dar tanto valor á Drake.

Retribuindo ao sorriso, ela ajeitou uma mecha do cabelo ruivo atrás da orelha. Ficou encantadora, sem nem mesmo precisar de persuasão para isso. Para falar a verdade, sentia-se esgotada demais para voltar a usar aquele dom tão cedo – tentara algumas vezes, admitia, mas não surtira efeito algum.

Não se importava, sinceramente. Todos haviam sobrevivido, aquilo era suficiente para ela. Sua família, seus amigos, Drake.

– Se qualquer coisa acontecer, sabe... – Drake começou, subitamente nervoso – Eu vou estar com você, você sabe, né?

Ela sorriu.

– É claro que eu sei, seu bobo.

O humano continuou olhando para ela por alguns segundos, como se esperasse que ela dissesse algo. Savana notou que o amuleto de Pandora já não pendia no pescoço do rapaz. Aquilo era bom.

Mas ela não disse nada. Se aproximando, deixou que seus lábios se tocassem. Não um beijo quente, mas um beijo apaixonado. E aquilo era suficiente.

͏...

Todas as cadeiras estavam ocupadas. Savana e Drake lado a lado, assim como Dean e Jake – com aquela aproximação deles, não fora surpresa para ninguém quando Dean admitiu que amava o rapaz de Plutão e que, em algumas semanas, partiria para alguma das luas com ele, em busca de alguma cura para a doença, se é que podia chamar assim, dele -, Brianna e Sierra estavam de frente aos dois rapazes. Luki se acomodara ao lado de Sierra.

Notou que Savana e Drake trocavam algumas palavras de carinho de segundos em segundos, o que fazia com que Brianna esboçasse careta de nojo, brincando. Sierra ria, mas ele sabia que ela se sentia incomodada. Dean dava algumas colheres de sorvete para Jake, os olhos brilhando. Apesar de sua situação, ele tentava se alegrar com o que pudesse. O próprio netuniano sorriu, feliz pela felicidade dos outros.

– Estamos juntos nessa, não é?

– Juntos. Sempre. – foi a resposta.


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Notas finais do capítulo

E, assim, uma fase da história de Savanna termina de ser contada...
Espero que tenham gostado :)

~ Orgulhosamente, Ryan e Adrila



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