Noite de Natal escrita por That Crazy Lady
Notas iniciais do capítulo
História de como a Ell e o Vince deram o primeiro beijo!Dedicada à Madu, que faz anos hoje. Parabéns, terceira idade!
Eu fiquei pronta cinco minutos antes do horário programado.
Baixei o frasco de perfume em cima da escrivaninha e abri a janela para dissipar o cheiro floral. Havia uma pilha de roupas jogadas em cima da cama – resultado da minha completa incapacidade de decidir o que vestir – que estava me dando agonia, mas resolvi ignorá-las por ora. Meu coração batia tão forte nas costelas que quase me deixava tonta, afinal.
Por que eu estou tão nervosa?
O fato de eu conseguir acertar uma flecha no meio exato de um alvo em movimento sem nem pensar, mas não ser capaz de me acalmar o suficiente para um encontro é uma ironia extremamente infeliz.
Apoiei-me com os braços na janela aberta e senti o vento noturno castigar meu cabelo perfeitamente ajeitado com babyliss. Fechei os olhos. Sentia as camadas de rímel pesando meus cílios a cada piscada e o gosto vago do batom impresso na boca, mas isso não me incomodava; estou acostumada com maquiagem. O realmente irritante era o C em fogo no interior de meu antebraço direito, exposto ao mundo sem cobertura alguma. Quase me sentia nua com ele ali, me encarando, competindo com a as tatuagens para ver quem ganhava mais atenção.
Senti vontade de esfregar os olhos, mas me contive para não acabar parecendo um panda.
O som da porta do quarto se abrindo me fez voltar os olhos para o batente. Lince estava de bermuda velha, cabelo bagunçado e cara meio amassada de quem cochilava até poucos segundos atrás. Ele me observou de cima a baixo e soltou um sorriso torto claramente desconfortável.
– Não – cortei de cara.
– Qual é, até você precisa concordar que tem perna demais aí – ele disse mesmo assim.
– Não tem, não. Cala a boca.
– Aquele sanguessuga... – ele protestou, hesitando no meio do argumento. – Vai que ele pensa que isso daí é um convite!
Crispei os lábios.
– Não vai! Deus, Lince, você não pode só dizer que eu estou bonita e mandar eu ter juízo? Confia em mim – reclamei, a última frase saindo mais baixa e mais nervosa.
Ah, ótimo. Ele com certeza tinha captado minha ansiedade.
Lince trocou o peso de um pé para o outro e se apoiou no batente. Ele me observava como se precisasse fazer um tremendo sacrifício.
– Você está bonita – cedeu. – Juízo.
– Obrigada. Terei.
– Mas, se ele for engraçadinho com você...
– Eu chuto ele entre as pernas, jogo os saltos e saio correndo.
– Essa é a minha garota.
Trocamos um último longo olhar, ele e eu sorrindo vagamente, antes de a campainha soar.
Meu coração disparou de novo. Ah, droga, preciso me acalmar.
– Você atende? – pedi. – Eu só vou... Hã... Retocar um pouco a maquiagem...
– Não precisa pedir duas vezes.
Lince desapareceu corredor afora. Trotei ruidosamente até a porta – tec-tec-tec, saltos – e a fechei. Apoiei a testa na madeira por alguns segundos. Inspira. Expira. Devagar.
Quando soube que estava pronta, girei a maçaneta com cuidado e caminhei calmamente até a escada.
E aí, só faltava a trilha sonora e a câmera lenta para eu me sentir num filme.
Meu irmão e Vince estavam parados, conversando (amigavelmente?) na base da escada e, consequentemente, sala de estar. Quando me viu, no entanto, Vincent desviou toda a sua atenção para mim. Ele estava estonteante. Calça, camisa salmão e sapatos sociais, além do paletó de um terno. Nenhuma gravata, como, honestamente, eu já esperava. O cabelo parecia arrumado, mas não com gel, e senti vontade de correr os dedos por ele e sentir a textura. A mão esquerda estava no bolso; a direita, segurando uma única e pequenina flor branca.
O mais importante para mim, porém, foi o sorriso que se abriu em seu rosto.
Ele se aproximou de mim e, trocando a flor de mãos, ofereceu-me a direita para que eu terminasse de descer as escadas. Sorri-lhe de volta. Ele se lembrara do pequeno detalhe de que sou canhota, e isso, por algum motivo, me deixou mais confortável.
– Senhorita – Vince me cumprimentou assim que pisei no chão da sala. Ergueu minha mão e beijou-a com lábios frios, bem levemente. Não consegui reprimir os arrepios que me atravessaram.
– Ah, para! – reclamei, secretamente adorando o gesto. Puxei gentilmente a mão de volta. – Você fica bem de terno.
– Você fica bem de saltos – ele devolveu na mesma moeda. Roupas-que-estamos-usando-mas-detestamos-usar, volume 1. Girou a flor na mão e lançou um olhar de esguelha para Coron, que observava tudo com a cara meio fechada. – A gente devia ir, não queremos chegar atrasados.
Vince estendeu a mão para meu irmão, que a apertou, pela cara dele, com mais força do que seria estritamente necessário.
– Quero ela de volta antes da meia noite – declarou.
– Estaremos aqui onze e cinqüenta e nove – Vince respondeu no mesmo tom.
Precisei reprimir um sorriso.
____________________________________________________
Vincent tinha, de alguma forma, arrumado um carro. Talvez fosse alugado, talvez fosse roubado, ou talvez fosse dele e simplesmente estivesse escondido em algum lugar durante todo aquele tempo. De toda forma, era um carro; preto, novo e meio reluzente. Ele parou em frente à porta do carona.
– Aqui, eu trouxe pra você. Só estava esperando o momento certo.
Ele se aproximou um passo, ergueu a mão, colocou meu cabelo para trás da orelha e encaixou a pequena flor logo acima. Com ele tão próximo, eu podia sentir sua respiração em meu rosto.
Vince cheirava a cappucino.
– Obrigada – agradeci.
– Eu teria trazido uma que combinasse com seu vestido, mas um passarinho me contou que você pretendia usar preto.
– Passarinhos fofoqueiros, esses de hoje em dia.
– Ainda assim, você está mais bonita do que eu imaginei.
Havia alguma coisa na forma em que ele disse “bonita” que me fez ter vontade de abraçar seu pescoço e...
– Devo abrir a porta para você? – Vince prosseguiu num tom cavalheiro.
Meu sorriso aumentou.
– Absolutamente não.
______________________________________________
Ele me levou até o topo de um dos morros que circundam a cidade.
Riacho Dourado não é famosa por muitas coisas. Mas a cidade está, afinal, num lugar privilegiado. A vista em qualquer um dos morros, mesmo que não no topo, é maravilhosa; e, pensando nisso, a prefeitura construiu um pequeno mirante – que não era nada mais do que uma varanda relativamente grande enfiada no meio da terra – para os pouquíssimos turistas poderem aproveitar.
À noite não tinha tanta graça; é escuro demais, exceto pelas luzes das cidades próximas. Mas o pedaço privilegiado da população de Riacho Dourado sempre gostou de dar festinhas ali.
Depois de mais ou menos dez minutos rondando o lugar, Vince e eu nos encostamos na mureta do mirante; ele observando a festa e eu, a vista. Seu cotovelo roçava levemente no meu.
– Você por acaso já jogou 10 perguntas, bella? – ele soltou curiosamente.
– Eu acho que não. – Dei um gole leve na minha bebida. – Como exatamente isso funciona?
– Cinco perguntas pra mim, cinco perguntas pra você. Vale tudo, menos mentir.
– Parece simples. – Mordi levemente o lábio inferior. – Hmm, ok, eu topo. Quem começa?
– Eu – Vince alegou de cara. Um meio-sorriso dançou em seus lábios. – Qual a cor da sua calcinha?
Sofri momentaneamente de alguma coisa horrível, parecida com uma tosse e uma risada, que me deixou vermelha até a testa.
– É sério?
– Claro que é.
– Ah meu Deus. – Precisei de uma pausa para respirar. – É azul. E agora eu quero saber a cor da sua cueca.
– Nossa, não é engraçado? Também é azul!
– Mentira!
– Você pode acreditar na minha palavra ou ver por si mesma.
Dei-lhe um tapa no braço.
– Certo – Vince continuou, parecendo achar graça extrema na situação. – Comida favorita.
– Isso está parecendo uma dessas entrevistas de revista de fofoca – zombei.
– É... Mas você concordou em jogar.
Revirei os olhos.
– Macarronada. Com molho ao sugo e pedaços de salsicha.
– Sofisticado.
– Buhuhu, qual a sua, então?
– O negativo.
– Tá, tá. Esqueci.
– Com quanta frequência você se esquece de que eu sou um meio-vampiro?
– Ah, qual é. Sério? Isso é uma pergunta do jogo?
– Vamos dizer que sim.
– Com frequência alarmante. Quantas outras garotas já jogaram 10 perguntas com você, Vince?
– Por quê? Você está com ciúmes?
– É a minha vez de perguntar.
– Duas. Você está com ciúmes?
Crispei os lábios e virei o rosto. Uma camada de cabelo caiu, protegendo-me da visão de Vince, ao que fui imensamente agradecida.
– Não quero responder a essa.
Vince, no entanto, não é o tipo que aceita um não como resposta. Em uma pegada firme, ele puxou minha cintura para perto e grudou nossos quadris com facilidade estonteante; em segundos, minhas narinas foram invadidas por seu hálito e minha boca, pelo gosto da sua língua. Não foi exatamente esperado, mas foi bom – muito bom. Fechei os olhos e retribui o beijo, finalmente subindo meus dedos na direção de seu cabelo. Eram tão sedosos que senti vontade de despenteá-lo todo, no meio de metade de Riacho Dourado, e que se foda o resto do mundo.
Mas ele afastou os lábios... Em algum ponto em que já não me lembrava mais qual foi a última vez que respirei. Seu abraço continuou, no entanto; uma das mãos afastou meu cabelo do ombro direito e ali ele postou um único beijinho comprido.
– Você ainda não me disse se ficou com ciúmes – declarou então. Soltei uma risadinha nervosa.
– Seu ego precisa tanto assim de uma massagem?
– É só curiosidade – ele respondeu. Porém, quando ergueu o rosto e fez contato visual comigo, a pouquíssimos centímetros de distância, estava impresso na sua expressão que não era. Dei de ombros, sem querer dar o braço a torcer.
– Não é como se eu quisesse pegar herpes bucal.
– Dio mio, bella, você é tão teimosa – Vince exclamou de volta, rindo.
– É claro que sou!
E isso gerou outro de muitos, muitos beijos ainda por vir.
Não quer ver anúncios?
Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!
Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!