Bubble Wrap escrita por Mirchoff


Capítulo 3
Capítulo III – Cause I'm already out the door, I'm already out of here


Notas iniciais do capítulo

Quem é vivo sempre aparece, certo?
Gente, ouçam a música do título, sério. É Sunday Best, do Augustana. ♡



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Won’t let me breath ‘cause I can’t forget

All those nights I danced with her

Assim que Reyna olhou pela janela, a aula de Álgebra não lhe parecera tão ruim assim.

Os raios de sol iluminavam todo o campus escolar, fazendo com que a grama parecesse mais verde e os passarinhos cantavam como se soubessem que aquele era um dia digno de se admirar. As folhas de outono voavam, douradas e vermelhas, com o vento. A garota podia sentir o cheiro de madressilva e do café com chantilly do refeitório, além do habitual aroma de chiclete de morango que impregnava a maioria das salas de aula.

E, claro, ela viu um carro muito familiar estacionado atrás dos muros de ferro que separavam o universo da escola de todo o resto. Encostado no capô, um dos pés apoiados na lataria e um cigarro entre os dedos, se encontrava Leo Valdez.

Mesmo que ainda possuísse as mesmas olheiras profundas, o rapaz parecia tão radiante quanto o sol. O brilho voltava a seus olhos pouco a pouco. Vestia o mesmo tipo de traje de sempre, as calças skinny e os pesados coturnos. O ar frio do inverno que se aproximava o permitia usar sua jaqueta de couro preferida, mas agora ela permanecia no banco traseiro. No fundo, ele queria sorrir. Se perguntassem, ele diria para qualquer um que o motivo de sua felicidade, aquela felicidade clandestina e tão sua, era (e sempre foi) Reyna Arellano, no momento sentada numa sala do terceiro andar e provavelmente enrolando uma mecha dos cabelos negros no dedo.

Ela sempre fazia aquilo.

No entanto, ninguém perguntou. Leo não sorriu. E muito menos acreditava em seu momento tão poético. Ele apenas tragou o cigarro lentamente, então soltando a fumaça pelos lábios lentamente. O rapaz sabia que não devia fumar, mas amava aquela sensação. Enquanto as pessoas diziam que ele estava morrendo lentamente, Leo se sentia cada vez mais vivo.

Ele sabia. Papo furado de fumante. Não importava.

Deu pequenas batidas no cigarro, então erguendo os olhos para os prédios da escola. Tinha se formado anos antes e definitivamente não sentia falta nenhuma de tudo aquilo, a não ser quando ele e Nico fugiam de professores furiosos que os pegavam pichando os muros. Isso era diversão. Ou todas as vezes em que ele fugia pelo portão de trás para comer algo decente na lanchonete mais próxima. A comida daquela escola não podia ser, de fato, comestível.

Valdez esperava que eles tivessem mudado de cozinheira. Nenhum aluno merecia aquilo.

Leo ajeitou os óculos de sol na ponte do nariz, imaginando em qual sala Reyna estaria. Talvez fosse História, ou Redação. Embora não fosse admitir, ele sentia falta de quando os dois perambulavam pela cidade, rindo no carro e reclamando sobre as mesmas coisas. E então ele se inclinaria e afastaria o cabelo da garota de seu rosto anguloso, colocando uma mecha atrás da orelha. Diria que ela era a coisa mais bonita que ele já havia visto. Reyna, então, reviraria os olhos e diria para ele ir caçar o que fazer, mas Leo saberia que ela gostou do elogio. Ele sempre sabia.

– Você sabe que observá-lo não vai fazer a sua nota melhorar. – alfinetou Annabeth, de brincadeira, inclinando-se para mais perto da amiga. – a menos que você peça algumas aulas particulares a Leo. Eu duvido que de fato estudassem. Ele nem é tão esperto assim.

– Cale a boca. – Reyna resmungou, virando-se para ela. – você vai fazer isso para sempre, é?

É que Chase quase tinha tido um surto ao ser informada de que Leo Valdez tinha deixado seu orgulho de lado e tentava reatar com Reyna, e que sua melhor amiga não o tinha enxotado de casa com uma vassoura ou um rolo de amassar pão. Ou soltado os cachorros em cima dele assim como o próprio Leo fez quando um garoto idiota, do curso de inglês, tinha ido atrás dela numa tarde qualquer. Reyna ficara mortificada, mas o garoto nunca mais a procurou. E Annabeth sempre torcera por Leo e Reyna, mesmo que ele tirasse sua paciência.

Mas, argh! Leo podia ser tão infantil, tão teimoso, tão estúpido e... Eles simplesmente funcionavam. Se encaixavam. Annabeth adorava isso, apesar de tudo, mas não gostava nada de quando o casal dizia "ter ido estudar" no apartamento de Valdez.

Ah, por favor, ela não tinha nascido ontem e tanto Leo quanto Reyna sempre foram péssimos em Álgebra.

– É para isso que amigos servem. – a loira deu de ombros, pousando a lapiseira em seu caderno livre de rabiscos, o oposto de todos os que Reyna tinha. – ele vai te levar para casa?

Reyna suspirou, buscando o aparelho celular em sua bolsa e então estendendo-o a ela. Annabeth sorriu ao clicar no ícone de mensagens.

cinema. hj. n discuta. xx leo

– Pague a sua própria pipoca. – devolveu.

– Eu sempre pago a minha pipoca!

– Reyna. – a outra a encarou, séria. – você nunca paga a própria pipoca. Fala sério.

Arellano apenas bufou, virando-se para frente.

Não devia faltar muito tempo para que a aula terminasse. Ela se surpreendeu ao se ver olhando pela janela, para o carro encostado na rua do portão. Será que os bancos ainda tinham cheiro de couro novo em folha? Não sabia se Leo ainda mantinha os cordões com pingentes astecas amarrados no retrovisor. Talvez ele ainda guardasse os chicletes de menta no pequeno compartimento do painel. Pra falar a verdade, Reyna não se lembrava se eram de menta ou hortelã...

– Ei, a aula acabou.

Não saberia dizer de quem a voz pertencia. Ela reuniu suas coisas e ajeitou a alça da bolsa sobre o ombro, segurando os livros que não tinha conseguido guardar. Atravessou os corredores da Ithaca High com agilidade, desviando-se daqueles que achavam legal simplesmente atrapalhar o caminho das outras pessoas.

A escola, fundada há mais de cinquenta anos, era um conjunto de quatro prédios muito próximos, separados apenas por um pátio. No maior deles se encontravam as salas de aula, a administração e o antigo auditório, que não era usado há muito tempo

A não ser, é claro, por alunos que queriam passar algum tempo a sós (se é que você me entende), ou simplesmente dormir. Dois dos amigos de Reyna que já tinham se formado, – Dakota, o viciado em Kool-Aid e a dona do maior número de medalhas das olimpíadas escolares, Gwen –, eram conhecidos pelo "Incidente do Saco de Dormir". Depois de criar um evento numa rede social, eles conseguiram reunir cem alunos armados com nada mais, nada menos que sacos de dormir e travesseiros no auditório, organizando uma soneca coletiva que fez a diretora se perguntar o porquê de certos alunos tinham dado entrada no colégio, mas não compareceram às aulas. A pobre Sra. Lupen2 quase arrancou os próprios cabelo, mas deu detenção para todos ali.

Voltando ao assunto, no segundo prédio se encontrava o refeitório e os dois auditórios novos. No terceiro, a parte preferida de Reyna: a biblioteca, e a sala da diretoria (de longe, a parte que a garota menos gostava). No quarto, por fim, uma piscina coberta para natação e a sala de computação no andar de cima.

Ithaca High ainda possuia um campo de futebol e quadra de vôlei/basquete, mas Reyna absolutamente detestava o uniforme de educação física. Ninguém merecia aquela coisa horrorosa! Sem falar dos chuveiros nos vestiários, ela preferiria beijar Ronald-come-meleca a entrar debaixo daquelas coisas...

– Epa! Já tá me dispensando de novo? Poxa...

Ela se virou de súbito, nem percebendo que já estava quase atravessando a rua em direção ao ponto de ônibus. Leo pôs as mãos nos próprios quadris, fingindo uma careta de irritação, mas começara a rir segundos depois.

Céus, Reyna tinha se esquecido de como ele se vestia bem.

Leo não era fã de todas aquelas marcas de roupas que faziam sucesso na época. Ele não tinha grana e nem interesse em tê-las. Mas, mesmo assim, fazia muito tempo desde o dia em que ele percebeu que talvez calças praticamente nos joelhos e tênis coloridos não eram tão legais assim. Então, era quase sempre o mesmo tipo de calças justas, as mesmas camisetas de bandas conhecidas e aquelas nem tão conhecidas assim. Os coturnos, com os cadarços sempre desamarrados, as pulseiras de couro em ambos os pulsos. No dia, a única coisa diferente era sua camiseta preta sem mangas.

Reyna nunca tinha visto aquela camiseta antes. Foi o bastante para que ela se lembrasse de que, hey, o tempo passa e dois dias antes eles nem namoravam mais.

Não que estivessem namorando novamente. Não. Ela transferiu o peso do corpo de um pé para o outro, um pequeno sorriso de boca fechada quando ele estendeu a mão para seus livros. Não disse nada, apenas abrindo a porta do passageiro. Leo nunca tinha aberto portas para ela, talvez somente no primeiro encontro, e a garota gostava disso.

Ela nunca quis um namoro dos sonhos. Os dois concordavam que tudo que era perfeito, era chato. Se consideravam um par de esquisitos e estava bom assim: macarrão instantâneo com ketchup, sem salada antes das refeições, sempre rindo nas horas mais inconvenientes e sempre calados quando todos os demais estão rindo. Leo não gostava de acordar cedo, Reyna detestava fazer o café da manhã, os dois não tinham paciência para quem não gostava de Star Wars.

E, afinal, era bom do jeito que era. Reyna era tudo o que Leo poderia pedir, e ele era tudo o que ela poderia pedir. Simples assim.

– Oi. – disse ele, os dois dentro do carro. Mãos apoiadas no volante, mas o motor permanecia desligado.

– Oi, Leo.

Silêncio. Muito, muito desconfortável. Reyna ergueu os olhos para o retrovisor. Os cordões ainda estavam lá.

Pra falar a verdade, estava tudo do jeitinho que ela se lembrava. O cheiro do couro dos bancos ainda era agradável, os chicletes (de hortelã, na verdade) ainda estavam ali, assim como a mochila surrada de Leo no banco de trás e uma de suas jaquetas. Quando ele finalmente deu partida no carro e ligou o rádio, o CD do The Fratellis já estava na sétima faixa. Oh, you could cut me and I wouldn’t bleed, I’m not even sure if you could say I was with you, or call you mine anymore...

– Como vai a escola? – perguntou ele, em algum momento.

– Bem. – respondeu ela, simplesmente. – trabalhos, provas e tal. Como vai... ?

Leo permaneceu quieto, o cenário da cidade passando pelas janelas do carro rapidamente. Reyna devia ter imaginado que ele não gostaria de falar daquele assunto, não naquele momento.

Silêncio. O silêncio era sempre melhor.

–x–

– Meu Deus. – Leo ainda tinha o saco de pipoca nas mãos. – foi o pior filme que eu já vi. Foi sim.

– Eu pensei que – riu Reyna. – o pior filme que você já tivesse visto fosse aquele com a minha atriz preferida. Sabe, o meu filme preferido.

Ele suspirou.

– E é. Ela é terrível, o filme é terrível. Mas esse foi pior.

Os dois tinham assistido um daqueles filmes de ação que todo mundo dizia serem ótimos, mas nem eram tanto assim. Muito efeito especial mal mastigado para o gosto de Reyna, e ela manteve suas mãos muito bem entrelaçadas em cima das próprias coxas. Não queria que Leo as procurasse. Não queria que ele medisse seus dedos como costumava fazer, sempre murmurando algum comentário sobre como a garota era toda miúda. Ou como os dedos dela se encaixavam nos vãos dos dedos dele e como Leo amava isso.

Reyna amava, também. Mas não naquele dia, não naquele momento.

Era uma situação esquisita. Como aquela vez que ela e a ruivíssima, um tanto desastrada e artista nata, Rachel Elizabeth Dare conseguiram fazer uma bagunça tremenda em um dos laboratórios da escola durante um trabalho em dupla. Havia líquido azul e suspeito fumegando em cima das mesas, no chão e nas paredes, e ninguém tinha muita vontade de chegar perto para ver se aquilo causaria danos muito graves. Os outros alunos simplesmente piraram e Reyna teve que tapar os ouvidos para que pudesse pensar em meio a todos aqueles gritos. Fala sério! Era só líquido azul, suspeito e fumegante! Que mal tinha? Era por esta e outras razões que a garota definitivamente detestava química na prática.

No entanto, naquele dia, Rachel apenas riu e disse que era melhor colocar a culpa em algum garoto muito tapado. Ela apontou para um Travis Stoll que tentava desesperadamente usar seus últimos minutos de bateria para registrar o caos por meio de fotos. Ele tinha uma espécie de blog de fofoca, onde contava todos os podres de todas as pessoas possíveis. Reyna deu de ombros, mas tinha certeza de que veria seu nome no banner da semana seguido de “Explodindo laboratórios? Nós esperávamos mais de você, RA-RA!”.

Ao contrário de Rachel, que tinha levado tudo na brincadeira e ainda comentava sobre o incidente com um sorriso no rosto, Leo não estava facilitando as coisas para Reyna. Ele lançou um daqueles olhares de cachorro caído do caminhão da mudança para ela. A garota, por sua vez, apenas desviou sua atenção para os cartazes de outros filmes.

Leo suspirou, passando as mãos pelo próprio rosto.

– Como vai a sua irmã? – perguntou, quando eles já estavam no estacionamento. – faculdade, huh?

– É. Ciências políticas.

– E você... ?

Díos, ele estava completamente sem assunto. O que estava acontecendo?

– Eu ainda não sei. – suspirou ela. – penúltimo ano. Ainda tenho algum tempinho.

Foi quando ele se precipitou à sua frente, abrindo a porta do passageiro sem dizer uma palavra sequer. Reyna congelou. Leo simplesmente entrou no carro, do outro lado, como se não tivesse feito nada de mais. Ele nunca tinha feito algo como aquilo! Leo não fazia coisas desse tipo!

Lentamente e muito desconfiada, entrou no carro também.

Sabe, Leo nunca teve uma noção de tempo muito boa. Conhecera Reyna quando ela mal tinha completado quinze anos, e ele estava em seu último ano na Ithaca High. Enquanto a garota tinha um cronograma escolar grudado na parede (e Leo rira muito daquele negócio), ele não tinha nem ideia de quando precisaria entregar seus trabalhos. Talvez esse negócio de ter dificuldade para dormir ajudasse: Valdez às vezes nem notava o dia passar.

– Ai, cacete – exclamou. – eu me sinto tão velho.

Ela riu. Era isso o que importava. Era o objetivo. Reyna riu. Ele nem ligava mais para seu aniversário de vinte e um anos no final de outubro.

Reyna riu. Leo estava satisfeito.


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Notas finais do capítulo

yayyy! x
@kennycurse