Insólito (Hiatos) escrita por Roberta Matzenbacher


Capítulo 2
I. À primeira vista


Notas iniciais do capítulo

Olá, pimpolhinhos!
Estou feliz por estar aqui hoje, pois significa que os reviews, apesar de poucos, foram bastante compatíveis com o número de acompanhamentos. Eu sei que a história está bem no comecinho e, por isso, não vou cobrar tanto por agora. Também quero deixar claro que eu não vou ser tão radical se as circunstâncias forem boas.
Além do mais, amanhã é meu aniversário e eu queria compartilhar os meus 18 com vocês!! yayy, maior de idade, babys! Enfim... *.*
Muitas reviravoltas estão para acontecer nesse capítulo. Eu acho que nenhum de vocês está muito preparado ainda e tenho certeza de que várias dúvidas surgirão, mas essa é a graça particular de Insólito, que é cheia de drama e mistério...
Também é o meu primeiro pov Rose e peço, humildemente, que não me xinguem muito se eu fizer algo de errado. Tentei esquematizar as falas e pensamentos da mesma forma que faço com Dimitri em Inopino, com o máximo de dedicação, mas não sou tão experiente assim, então... Já viram, né?
Ah, e prestem bastante atenção a partir desse capítulo, ok? Ele é a base para toda a fanfic.
Mas, bem... Vou parar de protelar, vamos ao capítulo!
Música para quem quiser ouvir:
https://www.youtube.com/watch?v=rrVDATvUitA&hd=1
Boa leitura.



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Capítulo um – À primeira vista

Eu estava mais do que encrencada.

O sol já se punha no horizonte há um longo par de horas e eu ainda cavalgava pela relva a caminho de casa. Meus pais ficariam furiosos com meu atraso, certamente, mas o que eu poderia fazer se, àquela noite, vira o pôr do sol mais bonito de minha vida? Ainda mais em companhia do meu querido... Fiz uma pausa, indecisa sobre como me referir a ele. Eu ainda não conseguia me acostumar a chamá-lo por sua mais nova posição: a de meu noivo!

Sorrio bobamente quando penso sobre isso. Bem, encarando a situação por esse lado, meus pais não ficariam assim tão enfurecidos quando soubessem as novidades. Eu mesma mal conseguia acreditar na minha sorte quando o ilustre e renomado Sr. Zeklos fizera o pedido a mim tão depressa.

As lembranças felizes do momento em que ele revelou seu segredo particular rastejavam por minha mente, incontroláveis. Eu mesma não as impedia de voltar, rápidas e maravilhosas, fazendo com que meu sorriso aumentasse gradativamente. Nem mesmo me importava com o vento cortante soprando meus cabelos negros como louco e batendo em meu rosto completamente em chamas, enquanto corria contra o tempo para chegar em casa.

– Mas, querido, não posso deixá-lo aqui sozinho. Ele ficará desprotegido. – eu discutia, teimosa e fervorosamente, como era de minha índole, sobre deixar meu cavalo, Czar, sozinho ao relento, enquanto Jesse Zeklos me encarava com uma expressão exasperada.

– Rose, ele não ficará abandonado. Apenas descansando enquanto nós damos uma caminhada. Czar nem mesmo sentirá nossa falta, já que há tanto pasto aqui. – ele fez um gesto circular com os braços, abrangendo todo o espaço verde à nossa volta. Eu acompanhei suas mãos com o olhar, reconhecendo que o local escolhido por Jesse abrigaria muito bem meu cavalo. – Entendeu? Ele nem mesmo está prestando atenção em nós, veja como devora a grama.

Realmente, Czar parecia completamente alheio ao que acontecia ao seu redor. Eu dei um suspiro aliviado.

– Tudo bem, poderemos ir, mas sem demorar muito. Eu tenho medo de deixá-lo sozinho.

– Não se preocupe, Czar é muito esperto. Ele não vai deixar ninguém chegar perto.

Olhei orgulhosamente uma última vez para meu cavalo e sorri. Czar era especial por um motivo válido: sua personalidade traduzia a minha perfeitamente. Ele era valente, destemido e durão, e jamais permitiria que alguém além de mim tocasse sua pelagem macia ou pensasse ser capaz de domá-lo. Jesse ofereceu seu braço para mim e eu o peguei de bom grado, enquanto ele guiava nosso caminho calmamente pelo pasto alto.

Nós raramente tínhamos tempo de sobra para vermos um ao outro. Jesse tinha compromissos importantes com assuntos imperiais, que eu nem gostaria de começar a tentar entender, e vivia ocupado. Eu, solenemente, ajudava meus pais com os afazeres de casa, que eram muitos, no entanto, e consideravelmente menos requintados que os de Jesse. Quando podíamos sair em finais de tarde, geralmente caminhávamos próximo às casas do vilarejo e fingíamos que nosso relacionamento não era tão complicado.

Eu posicionava minha cabeça em seu ombro e ele envolvia os meus com o braço e, assim, passávamos horas conversando sobre assuntos variados. Jesse tendia a tagarelar mais, já que possuía novidades curiosas sobre a corte. Eu o escutava animadamente, ansiosa por informações comprometedoras da nobreza, mas muitas eram irrelevantes. Os comentários recentes, como o tombo desastroso da filha de tal Conde, ou, ainda, a morte de um Grão-Duque sei lá das quantas, não eram tão animadores assim. Na verdade, as coisas lá andavam tão entediantes que eu me peguei bocejando avidamente, de tanto sono.

– Ei, eu não sabia que lhe aborrecia tanto, Rose. Está até bocejando. – disse Jesse, brincalhão. Porém, vi uma pontada de ressentimento em seus olhos, o que ele quase conseguiu esconder. Eu dei um tapinha em seu braço que me envolvia, sorrindo.

– Não seja bobo. Você sabe que não é quem está me entediando. São apenas esses nobres sem graça, que não cometem um deslize excitante o suficiente para uma boa fofoca.

Minha declaração e expressão convictas o fizeram gargalhar.

– Ah, Rose, você não tem jeito. – ele fez uma pausa, olhando-me com afeição – Mas, sim, você está certa sobre uma coisa: a nobreza está realmente difícil por esses tempos. Nós mal vemos a hora de todas as mudanças previstas acabarem.

– Que mudanças? – perguntei curiosa.

– Ah, você sabe, coisas banais. O Imperador, Ibrahim Mazur, acaba de decidir que a hierarquia russa deve mudar, enfim... – ele suspirou de modo exasperado. – Todos estão fazendo o impossível para agradá-lo e reconstruir os títulos da nobreza.

– Enquanto isso, nós aqui vamos trabalhando como mulas para mantê-los em suas discussões frívolas sobre a hierarquia da nobreza. – eu disse, indignada.

Ele bufou, concordando.

– É, mais uma vez você está correta, mas nada pode ser feito, infelizmente. Meu pai está movendo uma espécie de rebelião entre os Barões, porém ele também não possui muita influência. Correríamos o grave risco de sermos caçados.

Ergui minha cabeça de seu ombro e o encarei.

– Mas eu acho que ele está certo, Jesse. Nós precisamos fazer alguma coisa!

– Eu sei, Rose, mas... Como eu disse antes, não é tão simples. Meu pai é um Barão, mas de longe possui a força de um Grão-Duque, por exemplo. Nós seríamos assassinados se tentássemos qualquer coisa.

Eu suspirei, frustrada. Jesse parou de caminhar de repente, virou-se de frente para mim e tocou meu rosto, acariciando com o dedão minha bochecha corada.

– Rose, eu sei, mais do que ninguém, que a situação não pode continuar como está. É errado forçar às classes mais baixas o trabalho árduo e contínuo somente para sustentar a corte, mas... Tente entender. Não posso arriscar a vida das pessoas que amo por causa disso. Inclusive a sua. Um dia, tudo irá mudar, tenho certeza. E também, enquanto isso... – ele fez uma pausa, encarando o chão como se lá houvesse algo muito interessante de repente. Estranhei sua reação e estreitei os olhos, tentando examinar melhor sua expressão. Jesse não era um moço de pausas, enrolações. O seu nervosismo, no entanto, era palpável.

– Jesse, o que é? – perguntei preocupada.

Ele me encarou fixamente depois de alguns instantes.

– Rose, enquanto isso não acontecer... Bem, andei pensando em nosso relacionamento ultimamente e sinto que estou lhe enrolando mais e mais, colocando-a em situação constrangedora. Nós não podemos continuar dessa maneira.

Eu fiquei indecisa de repente, não soube decifrar o que sua estranha declaração realmente queria dizer. Será que ele queria romper nosso compromisso?

– O que quer dizer, Jesse? – perguntei. O nervosismo mal disfarçado em minha voz.

– Quero dizer... – ele se ajoelhou aos meus pés, aparentemente tão nervoso quanto eu, e tirou do bolço do casaco uma pequena caixa aveludada. – Que eu gostaria de passar o resto de minha vida ao seu lado. Creio que, quando a encontrei, descobri em você a moça certa para mim e, também... Bem, precisarei pedir a permissão oficial ao seu pai, mas considerei mais apropriado perguntar-lhe primeiro. – ele respirou fundo, concentrando-se – Rosemarie Hathaway, aceita se casar comigo?

Eu encarava o pequeno anel dourado à minha frente sem compreender. Estava atônita, surpresa. Nunca antes imaginei que me encontraria em uma situação onde um rapaz pediria minha mão em casamento, ainda mais um pelo qual eu seria completamente apaixonada. Abri meus braços e agarrei os ombros largos de Jesse, que, automaticamente, ergueu-se e me pegou a tempo, girando-me em seguida com um sorriso bobo nos lábios. Bem, eu também gargalhava como uma criança, então...

– Ah! É claro que aceito! – eu berrei, feliz demais para me importar com a situação constrangedora.

Eu iria me casar!

Selamos nossos lábios, apaixonados. Eu tinha certeza de que, se minha mãe estivesse ali, nos separaria imediatamente, afinal, uma moça decente não beijaria um rapaz daquela maneira escandalosa. Nem que ele fosse atualmente seu noivo. Mas como estávamos ali sozinhos...

Separamo-nos em busca de ar depois de alguns momentos, ainda sorrindo um para o outro como dois bobos.

– Fico tão contente por ter aceitado! Você não sabe o quão nervoso eu estava, imaginando várias situações possíveis, com medo de que você fosse me rejeitar... Meu pai disse que eu andava exagerando, que o pedido era simples e fácil, mas eu não consideraria dessa forma. Eu lutei muito para esconder meu segredo de você até agora, mas vejo que nem ao menos desconfiou.

Ele olhou para mim e sorriu travessamente.

– Eu só vou deixá-lo impune porque estou feliz demais para estragar seu lindo rostinho. – o encarei, fingindo estar magoada, mas vê-lo sorrir tão abertamente quebrou minhas barreiras e me vi retribuindo-o genuinamente. – Ah, Jesse, como pôde pensar que eu o rejeitaria? Está louco? Seu pai estava certo mais uma vez, é claro que uma surpresa como essa é inesperada, mas nenhuma garota é imune a algo tão... Romântico. E você deveria se lembrar de como seu pai é sábio, afinal, fez o mesmo com sua mãe anos atrás.

– Eu sei, eu sei. Eu tentei, também, juro que tentei me acalmar e pensar racionalmente, mas não pude evitar. – ele me deu um sorrisinho cúmplice. – Mas quer saber de uma coisa? Eu, internamente, tenho minhas dúvidas quanto à atuação de meu pai, você sabe, com o pedido de casamento. Ele deve ter ficado com medo, assim como eu – senão mais –, ainda mais em frente ao meu avô. Dizem que ele tinha um semblante tão assustador que espantava todos os pretendentes de minha mãe. Bem, não que eu negue isso, já que ele ainda assusta a vizinhança.

Eu ri. Pude imaginar meu pai fazendo o mesmo com Jesse, ou pior.

– Não se preocupe. – tentei tranquilizá-lo. – Tenho certeza de que você se sairá perfeitamente bem. Além disso, se já tem a minha aceitação, duvido que meu pai faça algo de tão terrível contra você.

– Eu sei, eu sei. – ele suspirou angustiado. – A parte mais difícil acaba de acontecer mesmo.

Ele me encarou, então, o rosto demonstrando provocação.

– O que quis dizer com isso, exatamente? – eu decidi entrar em sua brincadeira também.

– Hum, todos sabem que Rose Hathaway é durona. Qualquer rapaz que tentasse se aproximar, bem... Não é como se eles estivessem conscientes para contar a história.

Eu dei um tapa em seu braço, fazendo beicinho. Não era assim tão exagerada a minha fama de briguenta.

– Sim, sou durona. – fiz uma pausa, encarando seus lábios entreabertos. – Mas não tanto assim...

E, novamente, sua boca desceu em direção a minha para um beijo...

Czar parou bruscamente, fazendo-me quase voar para frente caso meus pés não estivessem presos firmemente às pedaleiras da sela. Ele estava inquieto, relinchando alto e empinando de vez em quando. Algo deveria estar muito errado para fazê-lo agir daquela forma.

– Czar, o que é? – afaguei seu dorso cuidadosamente, tentando acalmá-lo enquanto olhava freneticamente ao meu redor, buscando a origem de seu estranho comportamento. O sol caía calmamente no horizonte alaranjado e a escuridão tomava os arredores em seu lugar – lembrando-me de que eu estava mais atrasada do que imaginara –, e eu não conseguia enxergar nada além de poucos metros adiante.

Foi quando eu percebi um rápido movimento entre alguns arbustos próximos.

Czar relinchou e empinou novamente, alertando-me de que aquilo era o que o assustara e quase me derrubando ao chão no processo. Eu ainda afagava sua crina macia e tentava acalmar a nós dois, mas isso não estava dando muito certo. Eu, completamente nervosa, olhava para todos os lados freneticamente, em busca do dono daquela movimentação entre as árvores da floresta. Meus ouvidos atentos a qualquer ruído.

Por isso, o alto uivo que se seguiu me assustou tremendamente.

– Ah, Deus. Czar, há lobos aqui! – falei para Czar como se ele pudesse entender o que eu dizia. Não importava, eu tinha de sair dali imediatamente.

Agarrei, fortemente, as rédeas de sua sela e guiei meu companheiro assustado com a maior velocidade que consegui, chacoalhando-as, nervosamente, para que ele fosse mais rápido. Eu mal olhava para trás, pois os uivos, altos o suficiente para chegar aos meus ouvidos, já me davam uma excelente localização dos meus perseguidores. O mais estranho, no entanto – e o que tanto me confundiu em meio à névoa de medo que me cobria –, foi o fato de que lobos raramente corriam atrás de presas tão grandes e rápidas. Eles deveriam estar passando muita fome para fazê-lo em pleno outono. Bem... O pensamento não era em nada muito gratificante. Reprimi um tremor involuntário enquanto balançava, freneticamente, as rédeas de Czar, mas sua velocidade máxima era aquela, ele não podia correr mais rápido.

Frustrada, porém decidida a não virar comida de lobos, entrei no pequeno bosque ao lado das casas mais distantes da vila ao invés de pegar a ponte que me levaria mais rapidamente para casa – vi movimentações maiores por aqueles lados –, na esperança de distraí-los. O que deu certo, para meu alívio. Logo, os uivos altos foram sendo substituídos por ruídos baixos à distância e, enquanto eu cavalgava velozmente pelas árvores, pude sentir minha respiração se acalmar gradativamente. Passaram-se instantes terrivelmente longos até que eu avistasse as pequenas chaminés das moradias à distância.

– Estamos quase em casa. – suspirei aliviada e acariciei a crina de Czar.

Eu sempre me esquecia do fato de que ele não compreendia uma palavra sequer que eu dizia. Não que importasse muito, já que somente sua companhia silenciosa ajudava a acalmar meus nervos alterados. Puxei suas rédeas pouco a pouco e fiz com que ele diminuísse a velocidade dos trotes para que não fizéssemos tanto barulho, mas também, pois eu queria fazer uma rápida varredura dos danos em meu corpo dolorido.

Meus cabelos estavam uma bagunça de folhas e galhos, embolados por entre os fios rebeldes; meu rosto estava em chamas, devido, principalmente, a todas as plantas que toparam em meu caminho na corrida; meu vestido estava coberto de terra e musgos, mas isso era de longe o pior. Quando olhei para minhas mãos, vi que estavam assadas e sangrando em alguns pontos. Elas ainda não ardiam, mas assim que a adrenalina da fuga deixasse minha corrente sanguínea, eu tinha certeza de que elas doeriam como o inferno. Bem, pelo menos eu não virei comida de lobos. Quem se importava com singelas mãos em carne viva? Eu, certamente, não. Pensava até se não poderia lançar uma nova moda entre as jovens do vilarejo. Quem precisa de luvas quando se tem coloração vermelha natural? Todas morreriam para conseguir.

Depois de analisar os males, impulsionei Czar para frente a fim de irmos de uma vez para casa, mas ele se retraía aos meus comandos e relinchava como louco, balançando a cabeça para os lados nervosamente. O que poderia ser agora? Os lobos ficaram para trás e não havia mais nada no caminho, mas meu cavalo ainda insistia em dar a volta.

– Czar, o que é ago...? – não tive tempo de terminar a frase.

Senti algo me atingindo com força e me levando consigo ao chão. Não tive tempo de pensar, somente sentir o hálito podre sobre meu rosto e deduzir que os lobos não estavam tão distantes como eu pensei a princípio. Por sorte, meus reflexos eram rápidos e meu corpo pequeno me deu a vantagem de escapar durante a queda entre as raízes. A criatura ao meu lado rosnou e vinha em minha direção com um olhar sanguinário. Olhei quase desesperadamente ao redor, buscando algo que eu pudesse usar como arma, mas não havia nada. Eu sabia que lobos eram extremamente rápidos e sua audição era muitas vezes melhor do que a dos humanos, deixando-me em tripla desvantagem. A única coisa que eu poderia fazer naquele momento era rezar – mesmo sem tanta fé – para que minha morte fosse rápida.

Ergui as mãos no ar para tentar apaziguá-lo – como se, assim, ele entendesse minhas súplicas – e dava passos curtos para trás, lutando para manter uma distância razoável entre nós. Dizem que quando se está tão perto da morte, sua vida passa diante de seus olhos e a nostalgia toma conta de sua mente até a hora de fato chegar, mas a única coisa em que eu conseguia pensar era como estava entregando minha vida sem resistências ou sem uma luta justa. Eu deveria estar em busca de salvação, utilizando todas as minhas forças para isso. Eu era Rose Hathaway, afinal. Minha corja de bajuladores não insistia em dizer que eu era a jovem mais briguenta e durona do vilarejo? Bem, eu não daria chance aos ordinários de espalharem boatos lastimáveis do contrário. Se eu fosse morrer, seria com estilo.

Foi isso o que me impulsionou a correr.

Meus passos eram lentos por causa da queda – eu achava que tinha torcido o tornozelo – e a longa saia de meu vestido me impedia de ser ágil na corrida. Praguejei instintivamente, mas nada disso importava naquele momento, eu só queria sair dali apressadamente. Tentei alcançar a maior distância possível entre mim e a criatura, mas sentia meu perseguidor se aproximando tão rápido que meu desespero acabou afetando em meu equilíbrio. Eu tropecei em uma raiz próxima e caí com força no chão, chocando minha testa contra o tronco úmido da árvore. Tive tempo apenas de virar-me, encarar a besta que posicionava suas mandíbulas prontas para a refeição e fechar os olhos com força, esperando a dor cruel de seus dentes.

Mas não aconteceu.

Em meio ao caos da situação, não percebi o som explosivo de um tiro nas redondezas. Somente quando senti os pêlos do lobo aos meus pés e criei coragem suficiente para abrir os olhos, percebi que estava viva e sem nenhum arranhão no corpo. Tudo bem, aquilo não era verdade, eu estava acabada e repleta de sangue e suor, mas metade da cascata brilhante que escorria não vinha do meu corpo, e sim da criatura diante de mim. Meus olhos voaram pela mata à procura de Czar, tentando localizá-lo para verificar se tudo estava bem, mas não o vi em lugar algum. Franzi o cenho em desespero e comecei a erguer o corpo para procurá-lo, mas o peso do animal morto me impediu de retirar as pernas.

– A senhorita não deveria andar pela floresta à uma hora dessas. – disse uma voz desconhecida atrás de mim.

Meu corpo se tencionou instintivamente, pronto para o calafrio de terror que me atingiu ao ouvir aquele som tão límpido da voz masculina que falava. Será que minha sorte nunca me daria uma trégua? Pensei sarcasticamente. Primeiro, meus encontros românticos me levam a um atraso e uma excitante perseguição com lobos famintos; agora, ladrões pervertidos topam comigo pela floresta à noite? Virei minha cabeça em direção ao som, quando meus olhos encontraram algo incomum.

Pernas.

O homem diante de mim era tão alto, que eu tive de erguer a cabeça até o limite da dor em meu pescoço para enxergar seu rosto. Eu só poderia dizer que nunca o havia visto antes, pois com toda certeza me lembraria de uma aparência tão bela e requintada. Seus cabelos eram castanhos e longos, atingindo, facilmente, seus ombros largos. Seus olhos negros me encaravam com preocupação e um pouco de alívio, mas seus lábios rosados e cheios não sorriam, pelo contrário, sua expressão era abatida e cansada. Eu estava prestes a perguntar-lhe o que fazia ali e mandá-lo embora com o resquício de integridade que me restava quando vi.

Ele tinha um rasgo comprido na perna, que sangrava sem parar, e seu lindo rosto estava manchado de terra e repleto de cortes. Os cabelos, assim como os meus, estavam enrolados a galhos e folhas e ele parecia a ponto de desmaiar. Em uma das mãos, no entanto, ele segurava, fortemente, uma pistola prateada.

Estava aí a origem do tiro, pensei. Então, meu ladrão extremamente atraente da floresta não passava, na realidade, de um salvador.

– Bem, creio que isso valha para o senhor também. – disse atrevidamente. Só porque aquele homem misterioso salvara minha vida, não queria dizer que eu cederia às suas ordens ou conversas fiadas sem respostas à altura. – Pelo que vejo suas condições não são tão superiores às minhas.

Para todos os efeitos, ele riu.

Sua risada, límpida e cálida devido à dor, preencheu o ar ao meu redor e acariciou meu rosto corado, suavemente. Aproveitei seu momento de distração para analisá-lo em completos detalhes. Ele possuía dentes parelhos e claros, algo raro, e tinha o sorriso mais lindo que eu já vira em minha vida – se eu descontasse, talvez, o de Jesse. Franzi o cenho, pensando na alternativa por um instante. Não, os sorrisos de Jesse eram joviais e atrevidos, em nada comparados à aspereza sensual de um homem maduro e já feito. Ele era deslumbrante.

Eu me peguei completamente desconsertada pelo homem desconhecido, mal notando minha própria situação e aparência, que não deveria estar nada bela. Entretanto, meus olhos estavam fixados em seu rosto e eu me sentia um pouco perdida, sem saber o que fazer ou dizer. Ele ergueu a sobrancelha direita e me encarou, percebendo que eu estava falando sério. Senti inveja do movimento, eu nunca soube erguer uma sobrancelha, apenas as duas juntas, mas isso me deixava com uma expressão surpresa, não irônica. Meu olhar rígido o deixou sem graça, e ele pigarreou, endireitando o que lhe restava da postura.

– A senhorita está correta. – ele falou, mas pude perceber o tom de ironia em sua voz. Algo que eu não gostei. – Perdoe-me se lhe pareço lisonjeiro, mas não sou eu quem está embaixo de um lobo sangrando.

– Ora, bem... Seria de grande utilidade se o senhor parasse com estes risos inconvenientes e me ajudasse a sair daqui. – eu gesticulei em direção ao animal aos meus pés. – Acho que o seu tiro me deixou presa.

– Creio que foi sua falta de atenção que a deixou presa, senhorita. – ele ainda parecia divertido, mas eu vi que a perda de sangue o estava afetando perigosamente. Eu apenas o encarei, posicionando as mãos na cintura com firmeza. Algo que o fez rir ainda mais. – Tudo bem, fique quieta enquanto eu retiro este animal de cima de você.

Prendendo a respiração, eu esperei até que o homem puxasse o lobo e libertasse minhas pernas dormentes. Quando fiquei livre, finalmente, sua mão direita se esticou e pairou no ar a minha frente, como em um convite silencioso para me ajudar a levantar. Eu a ignorei, entretanto, e me pus em pé em um salto que seria perfeito se meu tornozelo não reclamasse imediatamente. Eu praguejei em alto e bom som antes de me lembrar de que não estava sozinha e que moças direitas jamais diriam palavras de tão baixo escalão. Minha mãe ficaria chocada.

– Perdão. – disse. Podia sentir minhas bochechas enrubescendo. – Mas, às vezes, as palavras escapam de minha boca sem o devido controle.

Seu olhar não demonstrava a repulsa que eu estava esperando.

– Tudo bem. – ele respondeu. – Não creio que palavras mais ou menos requintadas digam algo sobre o caráter ou a decência de alguém. – eu o encarei, admirada com suas palavras. – Além do mais, depois de tanto sufoco, acho que as circunstâncias pedem uma palavra um pouco suja.

– Acha mesmo? – eu ainda não acreditava em meus ouvidos. Nunca, jamais, encontrei alguém que não se ofendesse com a maneira com a qual... Bem, eu me expresso. Ele me encarou, divertido.

– Sim, acho mesmo.

Nós nos encaramos em silêncio por alguns instantes, sem saber o que mais dizer. Foi quando eu me lembrei de seu estado e encarei o espaço vermelho vivo em sua perna. Prestando atenção, percebi que o rasgo irregular possuía uma sequência de quatro tamanhos diferentes ao longo da coxa, e era enorme. Ele, provavelmente, fora arranhado por um animal. Vendo meu olhar inquisitório, o homem logo tratou de se explicar.

– Eu também tive o azar de me encontrar com esses cavalheiros. – ele disse, gesticulando com a cabeça o lobo aos nossos pés. – Mas, por sorte, eu tinha minha pistola em mãos. Só não fui rápido o suficiente para impedir que um dos lobos chegasse a minha perna.

Dos lobos? – eu inquiri, chocada. – Como em mais de um? – ele assentiu.

– Três, na verdade. Mas como disse tinha minha pistola e isso bastou para matá-los rapidamente.

– É, mas o senhor está sangrando, pode sofrer uma hemorragia.

– Se fosse para morrer por hemorragia, fique sabendo que isso já teria acontecido. Fique tranquila, a mancha aparenta uma ferida bem maior do que realmente é. – ele fez uma pausa, pensativo. – Mas é a senhorita quem precisa de cuidados, creio, seus estados estão lamentáveis.

– O que quer dizer? – pergunto debilmente.

– A senhorita tem um corte profundo na testa e vários na face, além de um tornozelo ferido e mãos em carne viva. – ele contou com os dedos cada machucado em meu corpo. – Ah, já ia me esquecendo. Eu avistei seu cavalo perto do riacho a alguns metros. Ele me parecia tremendamente assustado.

– Czar? – eu praticamente berrei seu nome. – Por favor, leve-me até ele. Assim, eu poderei voltar para casa e cuidar de meus ferimentos. Estamos próximos à vila onde moro e se o senhor estiver disposto a me acompanhar, talvez eu consiga ajuda para sua perna.

Ele pareceu pensar na alternativa por um momento.

– Tudo bem. – ele disse. – Eu aceito o convite.

Não pude deixar de rir de seu tom despreocupado. Como se estivéssemos prestes a dar uma simples caminhada ao invés de encarar os olhos vivazes de minha mãe e tratar de nossos ferimentos.

– Certo. – eu disse ainda sorridente. – Mas, primeiro, preciso saber seu nome.

– Dimitri. – ele revelou imediatamente. – E o seu?

– Rosemarie – eu respondi. –, mas eu prefiro que me chamem de Rose. – ele assentiu.

– Rose. – senti meu nome dançando em seus lábios quando ele o pronunciou. – Importa-se de me ajudar a chegar até lá? Quero dizer, por mais que eu esteja bem, ainda me sinto um pouco tonto devido a perda de sangue.

Pensei em sua pergunta por um momento. Eu jamais pensaria que Dimitri poderia estar em tais estados. Pela forma com a qual falava, e até mesmo sorria, seria de se esperar que ele estivesse em plenas condições e disposto a correr quilômetros, mas ali estava ele, exausto pela perda de sangue que sofrera. Fui em direção a ele e ofereci meus ombros como apoio. O movimento foi meio débil, pois eu era muito menor do que ele e não teria força o suficiente para carregá-lo caso caísse.

– Tudo bem. Mas trate de se manter consciente, já que não serei capaz de segurá-lo caso desmaie.

– Ora, não seja tão insolente, senhorita. Posso estar um pouco fraco, mas não a ponto de desmaiar. – eu o encarei, completamente descrente de seu orgulho estúpido. Custava muito admitir que estivesse ferido?

– Agora, fique quieto. – eu o ralhei duramente. – Mais um pio seu e eu o abandono para que os lobos terminem seu serviço.

Ele gargalhou de minhas palavras.

– Nós salvamos suas vidas e ainda recebemos pedras como agradecimento? Tenho de admitir que minha avó estivesse certa quando disse que as mulheres não são mais tão submissas como antigamente.

– Ou talvez seja você quem não está acostumado a falar com alguém como eu.

Ele ainda sorria quando disse.

– Definitivamente, não.


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Notas finais do capítulo

Encontro ROMITRI! Simmmm!! Mas... não é exatamente o que vocês estão pensando não, viu? Antes de tudo ocorrer certo, MUITAS coisas vão acontecer. Não criem expectativas sobre isso. Mas posso jogar um spoiler: eles vão ficar juntos, sim!
Mas então... Gostaram? Odiaram?
Quero opiniões, gente! Fantasminhas básicos já começaram a aparecer, o que não me deixou feliz, porém, me agradou muito receber 4 reviews tão apaixonantes no capítulo anterior. Se vocês soubessem, fantasmas, como a vida de comentarista é boa, não fariam isso e partiriam logo para a caixinha aqui em baixo. Só uma frase, um "gostei". Me deixará super feliz!!
Beijinhos, people, nos vemos mais tarde!

Roberta Matzenbacher.



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