Signatum II - A Gladius de Fogo Renasce escrita por MilaBravomila


Capítulo 14
Capítulo 13 - Fogo amigo, fogo inimigo


Notas iniciais do capítulo

É, eu sei, demorei horrores... desculpem :)



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/475208/chapter/14

Corri em disparada até as escadas e os estrondos vindos do terraço eram cada vez maiores. Senti um tremor de terra logo após a explosão de uma bomba e soube que uma parte das instalações havia sido atingida. Segurando-me na parede para não perder o equilíbrio, eu retirei os malditos sapatos de salto alto e mantive-os na mão enquanto corria escada abaixo.

Sons de tiros ecoavam por todo o lugar e eu me vi indo na direção das escadas secundárias, por onde conhecia o caminho. Pouco antes de alcança-la eu ouvi o som das botas dos soldados batendo contra o mármore e corri para me esconder num vão do corredor, atrás de um enorme jarro de plantas. A tropa de Victorius passou correndo, subindo os degraus, indo em direção ao terraço do qual eu havia acabado de sair. Eram muitos e eu rezei para que não percebessem minha presença, embora eu duvidasse que as intocadas naquele momento representassem alguma coisa. Não havia motivo para que eles tivessem interesse em mim.

Corri logo após a passagem da tropa e já podia ver a entrada do quarto andar quando o som de mulheres gritando do harém, que ficava no nível inferior, me atingiu. Eu quase parei, instintivamente, mas algo me forçou a prosseguir. Eu não teria outra chance como aquela. Corri por entre os corredores longos, indo na direção da cela em que o prisioneiro Gabriel se encontrava. Meu coração martelava forte no peito e a adrenalina estava a mil.

Foi quando dobrei a última esquina que parei de repente, assustada pela forma de Torres que estava parado diante da porta da cela. Maldição! Com o ataque ao palácio eu não imaginei que Victorius ainda mantivesse um de seus comandantes na vigília a Gabriel... ele realmente não queria correr o risco de perde-lo.

– PARE AÍ MESMO, SUA VADIA! – Torres gritou ao me ver e vi sua mão indo rapidamente para a arma que trazia junto ao colete.

No reflexo, eu atirei um dos sapatos que trazia nas mãos em sua direção para impedir que o soldado sacasse a arma e atirasse em mim. Tive sorte, muita sorte. O objeto pesado atingiu o alvo em cheio. Torres soltou a arma negra e brilhante com o impacto e eu corri em sua direção. Utilizando o outro sapato como arma, acertei-o com o salto fino e perigoso no rosto e um grito alto saiu de sua boca.

Sem parar para pensar eu comecei a desferir uma série de golpes em sua cabeça e o comandante decadente tentou proteger-se com os braços a todo custo. Imediatamente eu me abaixei e peguei a arma pesada que jazia próxima a parede. Com os braços estendidos totalmente e apontando a arma para a cabeça do homem desnorteado eu ordenei:

– Abra a porta!

Ele cuspiu sangue no chão e começou a proferir uma série de palavrões em minha direção. Ele avançou e eu não pensei duas vezes antes de atirar. O tiro acertou Torres bem no meio do peito e seu corpo foi lançado contra a porta da cela. Ele estava de colete e eu sabia que meu tiro não havia sido fatal. Tratei de chegar mais perto e apontar a arma firmemente para sua têmpora.

– Ou você abre a porra da porta ou eu juro por Deus que terão que catar seu cérebro com uma pá. – eu falei encarando o homem sem hesitar.

Com uma das mãos no peito dolorido, Torres levantou a mão livre devagar e foi direcionando-a para a porta até que alcançou o globo de reconhecimento biométrico. A bola ficou verde e emitiu um som característico. A porta se abriu atrás do comandante, que não parava de massagear o peito e me encarar com fúria nos olhos.

A claridade do corredor mal iluminou a cela pequena e fria e pude ver a figura de um homem surgir da penumbra. Meu coração saltou, mas numa fração de segundo eu percebi o perigo. Não era Gabriel.

– CUIDADO! – ouvi a voz do prisioneiro gritar lá de dentro e tive apenas tempo para me jogar no chão.

A figura imensa de Quirino surgiu da cela com um fuzil negro apontando em minha direção. Ele ia atirar, eu sabia. Ouvi o som alto do fuzil e, naquele segundo onde tudo acontecia simultaneamente, eu vi o corpo do comandante negro passar por mim e atingir a parede um pouco atrás. O tiro que saiu de sua arma atingiu um ponto pouco acima de minha cabeça. Enquanto o corpo do comandante voava por cima do meu eu senti uma rajada de ar imensa. Era como se um furacão tivesse acertado Quirino bem no momento que ele atiraria em mim.

Na confusão, Torres levantou, ainda ferido e desnorteado, mas vi o reflexo de outra arma em sua mão trêmula. Sem pensar em nada, apertei o gatilho da pistola que produziu um som característico e discreto. O sangue do comandante se espalhou pela parede branca de mármore e seu corpo caiu desacordado.

Meu coração martelava no peito tão rápido e forte que eu achei que fosse morrer. Foi a voz de Gabriel que me trouxe de volta.

– AMARA! MAIS SOLDADOS VIRÃO, VOCÊ PRECISA SAIR DAQUI! – ele disse.

Encarei a figura no fundo da cela e corri em sua direção. O homem estava ferido... muito ferido. Havia uma barra negra que parecia de metal no fundo do pequeno cômodo e sangue no chão e nas paredes. Gabriel estava com um olho fechado e inchado, o rosto marcado e o corpo repleto de cortes e hematomas. Ele estava algemado às correntes.

– Eu vim buscar você! – falei enquanto largava a pistola no canto, ainda sem acreditar que havia matado um homem.

Ele pareceu não compreender.

– Como tiro você daí? – perguntei ainda mantendo certa distância.

– O... o segredo está com Quirino. Dentro de um dos bolsos do colete. – ele disse encarando-me com uma expressão de dor.

Eu corri de volta para o corredor, passando pelo corpo de Torres de onde saía uma poça de sangue vermelho escuro, e corri na direção do corpo desacordado do soldado.

Meu cérebro não conseguia processar as coisas direito. Eu ouvia os sons da guerra áa fora e não sabia ainda como eu estava viva ou como esse homem havia sido jogado dessa forma tão brusca pelo corredor, já que Gabriel estava preso e debilitado. Forcei minha cabeça a parar de tentar entender para que meu corpo pudesse agir. Agachei ao lado do enorme corpo e tateei os bolsos atrás do que eu procurava. Encontrei um pequeno objeto quadrado com dois botões e voltei em disparada para a cela.

Apertei um dos botões e logo as algemas que prendiam Gabriel abriram com um clec. Ele retirou as algemas dos pulsos e eu fiz o mesmo com as algemas em seus tornozelos.

– Vamos! O palácio foi invadido, temos que sair agora! – falei para o homem que me encarava ainda sem ação.

– Minha pena está quebrada. – ele disse enquanto tentava, em vão, colocar-se de pé.

– Se apoia em mim. – disse enquanto passava um dos braços por baixo do braço dele e o sustentava parcialmente.

Gabriel gemeu um pouco, mas conseguiu ficar de pé.

– Pega a arma. – ele ordenou.

Rapidamente eu catei a arma que tinha roubado de Torres e a segurava com a mão direita enquanto ajudava Gabriel com o outro braço. Saímos da cela o mais rápido que conseguimos e alcançamos as escadas. Ali eu podia ouvir muito melhor a guerra que se desenrolava lá fora e era brutal. Explosões e tremores da estrutura do palácio, tiros e gritos por todos os lados. Eu desci com Gabriel pelas escadas secundárias e rezava para que, quando fossemos descobertos, ninguém o reconhecesse. Essa podia ser uma vantagem de Victorius tê-lo escondido tão bem...

Estávamos passando pelo terceiro andar quando ouvi mais soldados pelas escadas.

– Droga! Eles vão nos ver! – falei desesperada enquanto me espremia com Gabriel na parede bem na hora que a tropa apressada nos alcançou.

Eram muitos homens armados e com muita, muita pressa. Eu só podia rezar para que não nos matassem. Alguns pararam ao nos verem, outros seguiram adiante.

– QUEM SÃO VOCÊS?! – um dos soldados gritou enquanto apontava uma arma grande e brilhante para nós.

– ELE ESTÁ FERIDO! É UM SERVO DO PALÁCIO E ESTAVA AJUDANDO A PROTEGER AS INTOCADAS! – gritei de volta – PRECISO LEVÁ-LO A ALA MÉDICA!

Eu pensei que seria o fim, mas logo outro soldado apareceu. Eram todos iguais pra mim, vestidos com aquele uniforme com armas até o pescoço, mas aquele segunda voz eu reconheci. Era do soldado de elite rebelde que me ajudou; Soares.

– SOLDADO, SIGA SEU CURSO! – ele ordenou – TROPA, PARA O TERRAÇO AGORA! NÃO PAREM POR NADA!

Então ele veio com agilidade e pressionou o cano da arma bem no peito de Gabriel. Eu vi a movimentação dos soldados para seguir a ordem de seu superior. Quando o último soldado passou por nós e sumiu de vista, Soares disse de forma apressada:

– Sigam para o primeiro andar, lado leste, na direção da cozinha. Procurem pela Fernanda. - Ele me olhou fundo nos olhos e vi preocupação em seu olhar azul – Guarde essa arma fora de vista, ninguém pode pensar que vocês são ameaça. Ninguém além dos comandantes conhece o prisioneiro e a atenção de todos está no combate. Fernanda vai tirar vocês daqui.

– Soares! Torres está morto e Quirino desacordado no corredor não monitorado do quarto andar... o que está acontecendo? – eu falei apressada.

Soares, que encarava Gabriel com curiosidade, voltou a me olhar profundamente.

– Não se preocupe, eu e os outros faremos de tudo para que vocês saiam daqui. Quando percebi que você não estava no terraço presumi que tinha ido atrás dele. Já mobilizei todos os rebeldes e estamos todos empenhados nisso. Vocês são nossa prioridade. Eu não posso deixar meu disfarce cair, tenho que seguir na luta a frente do exército. As tropas do rei do Norte estão tentando invadir, pegaram Victorius desprevenido. Vocês precisam sair agora. Agora vão!

E assim nós fizemos. Gabriel não reclamou pelo caminho, embora eu soubesse que descer aquelas escadas em seu estado de saúde estava sendo um martírio. Nós não encontramos mais soldados, mas havia muitos escravos correndo para todos os lados procurando um lugar seguro para estar... ou aproveitando para tentar fugir do palácio, assim como nós.

Seguimos na direção leste e alcançamos a parte mais frequentada pelos servos. Eram corredores com salões de estoque de material de limpeza, objetos diversos, lavanderia e, finalmente, a cozinha.

Adentramos o lugar que estava repleto de pessoas correndo para todos os lados. Parecia que estávamos num salão que havia mesas enormes e panelas para todos os lados. Ouvi o grito e choro de crianças que se abraçavam aos pais com medo dos tiros incessantes. Famílias inteiras tentavam manter-se juntas a procura de um abrigo. Alguns poucos soldados tentavam colocar ordem na multidão.

– Amara! Por aqui!

A voz de Fernanda veio como uma luz na escuridão e sua figura pequena logo estava ao nosso lado. Ela encarou Gabriel por uns instantes antes de dizer:

– Tem um grupo de rebeldes do lado de fora. Estão aproveitando a invasão para retirar os escravos. Muitos estão com medo por suas famílias e não querem sair no meio da guerra. Lá fora está um caos! Temos que tirar vocês logo daqui, é a única chance!

Meu corpo já estava cansado por todo o esforço com Victorius e depois na libertação de Gabriel e eu mal estava conseguindo sustentar seu peso. Ele estava quieto e eu sabia que sentia muita dor.

– Vamos! – eu disse com fervor. Eu precisava sair dali de qualquer maneira.

Um pequeno grupo se juntou a nós e nos escoltou pelos corredores infindáveis do palácio. Parecia que estávamos pegando uma rota alternativa indo em direção à saída daquele inferno de mármore. Eu apensas sustentava Gabriel e corria com tudo o que tinha. Se eu conseguisse pelo menos tirá-lo dali e entregá-lo aos rebeldes, nós finalmente teríamos uma chance de descobrir o que o imperador tanto queria, teríamos uma chance de conhecer sua fraqueza, talvez.

No fim de um longo corredor havia uma porta dupla. Logo que o grupo a alcançou, vi a movimentação e o caos que imperava na batalha. O rei do Norte realmente havia invadido com tudo e o exército de Victorius, embora pego de surpresa, estava contra atacando. Sons de tiros e bombas misturavam-se aos gritos de ordem e desespero e caças e helicópteros sobrevoavam a noite escura.

– FIQUEM ABAIXADOS! – o homem que liderava o pequeno grupo gritou – TEMOS QUE ENCONTRAR...

Nessa hora o homem foi atingido bem na cabeça por uma bala e sua frase ficou suspensa no ar. O sangue fresco espirrou nas pessoas que vinham atrás dele e o desespero aumentou. Seu corpo caiu instantaneamente no chão e as pessoas se dispersaram. Ouvi outro grito ao meu lado e uma mulher estava com o braço sangrando como um rio.

– Vamos! – Gabriel falou perto do meu ouvido – Temos que sair da linha de tiro.

Senti as pernas bambas, mas continuei firme. Estávamos correndo em direção a uma van negra e só naquele momento eu percebi que toda aquela guerra se desenvolvia ainda no estacionamento do palácio. Eu conseguia ver a algumas centenas de metros o muro enorme que circundava a casa do imperador e os portões gigantes por onde eu havia entrado dias atrás. Uma parte do muro estava em chamas e havia sido derrubada. Por todos os lados, os lazeres das armas dos soldados cortavam o ar.

Mal chegamos perto da van e um estrondo enorme me sacudiu. Uma bomba havia explodido do outro lado do muro, fazendo tudo ser lançado para todos os lados. Meus ouvidos zuniam, eu estava desnorteada e sabia apenas que havia sido lançada para trás, junto com o prisioneiro que carregava. Tudo acontecia rápido demais. Mal tive tempo para gritar quando percebi que a van que estava a pouquíssimos metros perto de nós, explodiu.

Era como se meu cérebro conseguisse registrar cada milissegundo e os fizesse passar como se fossem minutos. Eu vi a van transformar-se numa bola de fogo vermelha, laranja e amarela. O calor atingiu minha pele instantaneamente. Minhas pálpebras foram se fechando pela intensidade da luz, mas eu pude perceber uma movimentação. Era meu corpo sendo lançado para trás pela força da explosão. Ali, naquele milissegundo congelado e quente, que eu pensei que minha vida seria extinta, que eu finalmente iria reencontrar minha mãe e daria adeus a esse mundo. Mas não foi assim.

Bati no chão sobre algo quente, tão quente quanto meu corpo, e que me amorteceu a queda. Braços envolviam a mim de forma protetora. Um rodeava minha cintura e outro forçava minha cabeça para baixo, de encontro a um peito duro como rocha. Eu não senti quando meu corpo bateu no chão, sobre o corpo dele, ou mesmo quando ele rolou sobre mim, imprensando-me contra o chão e sua própria carne, pois o calor me nublou a mente. A van que se transformou numa bola de fogo estava justamente atrás de nós, mas as chamas não nos consumiam.

Quando, naquele interminável instante, eu reabri os olhos, a única coisa que vi foi o pescoço de Gabriel a minha frente e o fogo a minha volta. Mas as chamas não tocavam minha pele. Nós estávamos ali, bem no meio da explosão, mas ilesos. As chamas pareciam se controlar para não nos atingir. Era como se... como se houvesse um escudo a nossa volta, algo que emanava de Gabriel que nos protegia. E aquela energia, a energia que saía dele, foi tão imensa, que a única coisa que eu pude fazer quando aquele segundo eterno finalmente chegou ao fim, foi deixar minha consciência escurecer.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Reviews??