Signatum II - A Gladius de Fogo Renasce escrita por MilaBravomila


Capítulo 10
Capítulo 9 - O teste do imperador


Notas iniciais do capítulo

Como prometido o/



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Ao anoitecer eu estava no parapeito do terceiro andar que dava visão para o enorme saguão principal. Com papel e caneta nas mãos, eu tentava não pensar em Victorius desenhando símbolos sem sentido num papel cheio de frases soltas. Ali embaixo, no saguão, havia movimento. Servos e soldados andavam para lá e para cá para cumprir suas missões. Mesmo comigo e outras intocadas ali, nenhum dos soldados ou servos nos encarava por muito tempo. Eu via em seus olhos o pavor e sabia que Victorius tinha a todos sob o domínio do medo, mesmo estando longe.

Foi então que vi um dos soldados lá embaixo me encarar discretamente, ele fez um sinal com a mão. Com dois dedos para baixo, ele imitou um bonequinho subindo uma escada. Logo depois ele sumiu. Imediatamente eu me retirei, caminhando lentamente e me afastando das demais intocadas. Segui até o limite do harém, onde eu tinha encontrado Quirino e o outro comandante carregando o homem desconhecido. Ali, escondido para dentro da escada branca, encontrei outro soldado, a minha espera. Era alto e muito forte e estava equipado com tudo o que tinha direito. Seu cabelo curto era loiro claro e tinha o rosto bonito, embora carregasse uma expressão séria.

— Sou Soares. – ele cochichou e eu rapidamente sentei no chão, encostando-me na parede, e fingindo que rabiscava algo importante. O soldado e eu conversamos sem nos ver.

— Você está sendo vigiado. – sussurrei pra ele, certificando-me que não havia ninguém no esquecido corredor.

— Tem gente monitorando as escadas acima e abaixo de mim, qualquer coisa eles me avisarão. As câmeras estão sendo vigiadas por um dos nossos. – ele disse rapidamente.

Senti-me aliviada e feliz ao saber que eram muitos os que lutavam secretamente contra o domínio do imperador.

— Fernanda contou o que você disse a ela. Confirmei com uma das enfermeiras da ala médica que um homem muito ferido deu entrada outro dia. Não era soldado e seu estado de saúde era tão grave que tiveram que mobiliar algumas pessoas extras para fazer-lhe uma cirurgia de emergência. – ele dizia sempre em tom baixo – Você pode ter razão sobre esse homem. Nenhum dos soldados sabe de nada sobre ele e logo depois ele sumiu. Parece que é um segredo que Victorius quer manter longe das câmeras e apenas seus homens de maior confiança tem acesso. Pode ser que consigamos algo com ele.

— Eu sei. – falei animada – Mas não tenho muito tempo. O imperador volta amanhã e eu ... eu vou ter que servi-lo. Precisava conseguir falar com ele antes disso.

Soares ficou em silencio um pouco e senti uma onda e apreensão vinda dele.

— Eu sinto muito. – ele disse.

— Eu... não sei se vou estar aqui depois disso – falei pra ele tentando empurrar o sentimento de medo para longe - Vocês não conseguiram nada sobre o comandante que Fernanda falou?

— É o comandante Torres. Ele é o mais velho comandante de Victorius e está com ele há muitos anos. Mesmo assim, ele foi suprimido pelos outros dois. Quirino e Simão são quem realmente comandam esse lugar para o rei. Torres não possui as mesmas qualidades que os outros dois, por isso não possui tantas responsabilidades. Nós sabemos que ele seria capaz de tudo para mudar sua condição. Entre os soldados, ele não possui a menor credibilidade, é uma piada. Só tem o status que Victorius o deu e ainda não tirou, não sabemos porquê.

— Isso é bom. – falei – Ele deve ter muita vontade provar que merece seu lugar, é nosso alvo perfeito – falei para o soldado que eu não conseguia ver.

— É. – Soares concordou – Eu acredito que Victorius e os outros mantenham aquele homem prisioneiro por algum motivo. Talvez ele seja duro na queda e não tenha lhes dado a informação que tanto querem. Se nós conseguirmos convencer Torres de que ele pode se tornar o número um entre os comandantes caso ele consiga a informação antes dos outros, acredito que seja um plano. Ele vai ficar muito tentado a isso.

— Eu... disse a Fernanda que vocês podem me usar como.. prêmio bônus. – falei sentindo o rosto esquentar – Eu imagino que um derrotado como ele iria sentir-se coroado caso pudesse ter uma das mulheres do rei bem debaixo do nariz de Victorius. Se vocês acharem que apenas a glória de conseguir a informação antes dos outros não é suficiente, ofereçam-me a ele.

Silêncio ainda maior.

— Soares... – eu falei – Eu não me importo.

— Não devia fazer isso. – ele disse e senti sua voz minimamente alterada. – Você e nenhuma das outras deveria estar aqui e não tem que se sujeitar a isso.

— Tudo bem. – eu disse, sentindo-me sorrir diante de suas palavras revoltadas – Eu só quero poder tirar meu irmão e meus amigos daqui e, se for preciso seduzir Torres pra isso, eu não me importo.

— Amara... – o soldado falou depois de um tempo – Você é muito corajosa.

Sorri, embora sentisse um aperto no peito.

— Amara! – a voz de Beth veio do início do corredor – O que faz aí, jogada no chão como uma mendiga? Não sabe que está na hora do jantar? Tenha modos, pelo amor de deus!

Eu já sabia que o soldado havia partido, então levantei-me e segui uma falante Beth até o salão de refeições. Minha cabeça, no entanto, não estava nem remotamente perto dali e meu estômago parecia um abrigo de borboletas.

Na manhã seguinte eu percebi a mudança no clima do harém. As mulheres estavam visivelmente mais tensas e algumas não se sentiam bem. Isso porque Victorius só chegaria a noite e elas nem eram as primeiras da fila. Após o café da manhã todas nós fomos visitadas por um dos médicos. Era o dia de tomarmos a injeção contraceptiva. Imagina se o imperador iria correr algum risco...

Foi durante minha sessão de exercícios que ouvi um “psiu” vindo da parte de trás da sala de equipamentos. Olhei na direção do som para ver a silhueta de Fernanda na penumbra. Enrolei minha toalhinha no pescoço e fui discretamente até ela, que estava com um espanador na mão, mas permanecia escondida das demais.

— Soares jogou a isca pro comandante Torres. – ela sussurrou rapidamente – Ele fingiu que conversava com outro dos nossos soldados sobre uma intocada que vira um homem ferido. Ele bolou uma história de que essa intocada reconhecia o homem de algum lugar e que ele era importante pra ela. Soares deixou seu nome escapar e tem certeza de que Torres prestou muita atenção na história toda, inclusive na parte em que essa mulher estaria disposta a qualquer coisa pra ver o homem de novo. Se tudo sair como imaginamos, ele vai arranjar um jeito de se comunicar com você. Fica em alerta.

Eu acenei e Fernanda, como sempre, foi muito eficiente em sumir sem ser vista. As borboletas que estavam morando em meu estômago despertaram mais uma vez e eu desejei que tudo desse certo, pelo menos uma vez.

...

Após o almoço, Beth me levou até uma sala de massagem. Lá havia uma dúzia de mulheres que fizeram de tudo em mim, desde massagem relaxante – que não relaxou em nada – até minhas unhas, mesmo que elas estivessem ainda impecáveis. Beth não parava de tagarelar e disse que minha roupa já estava separada para a noite. Era como se a vida dela dependesse que eu estivesse perfeita... e eu acho sinceramente que dependia.

Por volta das oito da noite eu estava diante de um enorme espelho, com Beth impecavelmente vestida ao meu lado. Meu cabelo cacheado estava preso parcialmente com alguns enfeites brilhantes e caros e alguns cachos largos caíam sobre meu rosto que estava resplandecente e divinamente maquiado.

Um vestido branco de alças bem finas que me caía como uma luva torneava meu corpo deixando as curvas que sempre escondi bastante aparentes. Ele era longo, feito de cetim, e deixava minhas costas completamente nuas, desde o pescoço até o quadril. Nos pés, um par de sapatos altos com bico fino completava o visual. A gargantilha de brilhantes e o largo bracelete davam o arremate final. Eu estava terrivelmente bonita e as borboletas agora pareciam querer sair pela minha boca.

Beth parecia satisfeita com o resultado e eu fui então levada por ela para as escadas principais. Ali estava um pequeno grupo de soldados e reconheci Soares entre eles e o comandante Quirino também. Ele me encarou com seus olhos negros e frios e parecia que via até meus ossos. Suprimi um suspiro de pânico. Foquei meu olhar em Soares. Seus olhos eram pequenos, de um azul profundo, que me tranquilizaram. Eu via ali seu apoio e também sua admiração e aquilo me manteve sã.

O grupo nos escoltou pelas escadas de mármore branco e brilhante e a cada andar que subíamos, a música e as vozes ficavam ainda mais claras. Era como uma festa.

Bom, era uma festa.

O topo do palácio se revelou um imenso e belo jardim e havia muitas pessoas ali. Todas vestidas com roupas de gala, bebendo e conversando diante de uma iluminação amena e à noite agradável. Dentre os convidados estava ele, o imperador. Victorius com toda sua presença enchia o salão e era, com certeza, o centro das atenções. Com sua farda impecavelmente branca, mantinha os cabelos claros alinhados e um sorriso torto no rosto que faria qualquer mulher arfar, se não se tratasse de um homem sanguinário e sem a menor compaixão, é claro.

Ele me viu e parou de conversar. Vi seu sorriso ampliar e sabia que estava malditamente ferrada. Mas eu não podia deixar transparecer meu nervosismo nem meu medo. Eu tinha um objetivo agora e estar viva até o dia seguinte fazia parte do plano. Encarei-o sem desviar o olhar e caminhei com Beth ao meu lado em sua direção.

— Amara. – ele disse assim que me aproximei – Eu esperei ansioso todos esses dias para revê-la.

Sem piscar e nem tremer a voz eu respondi em um tom suave:

— Não me importaria se a viagem do imperador fosse mais demorada.

Senti Beth tragar o ar e não devolvê-lo. Ninguém se manifestou, exceto Victorius, que deu uma profunda e sincera risada.

— Veem, senhores, o motivo de minha ansiedade? – o rei perguntou, levantando sua taça em minha direção e dando um gole discreto.

Um par de horas se passou, onde eu fiquei ao lado de Victorius como uma figura decorativa enquanto ele conversava com os da nobreza presentes em seu salão. Beth ficava apenas nos bastidores e eu sabia que monitorava cada passo meu. Ao redor de todo lugar estavam os soldados e, dentre os convidados estava Torres.

O homem era de estatura relativamente baixa e não podia ser considerado magro, mas também não era gordo. O cabelo no estilo militar já exibia algum tom de grisalho e o rosto mostrava vincos profundos na expressão carrancuda. Eu percebi seu olhar em mim logo após minha entrada no salão e também vi que não deixou de me seguir com os olhos, claramente, me avaliando. Eu desconfiava que ele estava tomando sua decisão, se tentava ou não chegar até mim para extrair a informação que tanto precisava. Eu esperava que sim.

Apesar de tudo, Torres não teve a oportunidade de se aproximar, pois Victorius me levava com ele a todo canto que ía. Sentia a todo o momento seus toques sutis em minha pele nua das costas ou o roçar de seu braço no meu. Foi pouco depois das onze que ele subiu no discreto palco onde a banda de músicos se encontrava e interrompeu a linda sinfonia que tocavam. Eu o observava de baixo, como o resto da multidão e, ali, eu podia ver o quão imponente ele era.

— Meus amigos – ele iniciou seu breve discurso – Eu convoquei-os hoje, aqui, para que pudesse lhes dar pessoalmente uma notícia de grande importância para nosso império. Como sabem, estive fora por alguns dias e meu objetivo era tentar uma aproximação com o rei Cristopher, do império do norte. Eu devo dizer que nosso encontro foi... amistoso... e que acredito que muito em breve, nosso império se estenderá das extremas terras do sul até o gelado norte!

Os presentes ovacionaram o imperador, que parecia muito convencido de que sua “amistosa” visita tinha surtido efeito positivo. Com palavras não ditas, Victorius contou-nos simplesmente que entrou nas terras inimigas e ameaçou seu imperador cara a cara. Mas ele era diplomata demais para dizer isso de forma direta. Os nobres, inclusive aqueles que eram sujeitos ao imperador deposto Leônidas, que perdeu sua vida e suas terras para Victorius, e que agora lhe deviam obediência, estavam comemorando. É como se diz: se não pode com o inimigo, junte-se a ele.

— Eu gostaria de oferecer a vocês um presente. – ele continuou – Gostaria que se deleitassem, junto comigo, da bela voz de minha companhia dessa noite.

Dizendo isso, ele estendeu a mão em minha direção e todos se voltaram a mim.

Paralisei por um segundo antes de caminhar na direção do palco e segurar sua grande e quente mão. O filho da mãe estava me testando, eu sabia disso. Ele estava me fazendo provar a ele minha posição como sua companhia da noite.

Victorius me direcionou até o centro do palco e retirou-se. Eu encarei a multidão abaixo de mim e vi seus olhos azuis perfurando-me a alma. Eu sabia que qualquer deslize ali, seria meu último. Então respirei fundo algumas vezes e fiz o que nunca imaginei fazer na presença do imperador: eu cantei como nunca antes na vida.

Minha voz saiu alta e firme, mas suave. Deixei apenas a canção me dominar e fui junto com ela. A banda não me acompanhou. Escolhi uma música antiga, uma que eu ouvia ser cantada com frequência pela voz angelical da minha mãe. Era uma canção que falava de fé, esperança e vida. Eu sabia que estava impressionando a multidão pelo brilho em seus olhos, o mesmo brilho que eu sentia quando ouvia minha mãe cantar. Essa é a beleza da música. Ela tem o poder de entrar em nossa alma e nos comover de um jeito que nada mais no mundo é capaz de fazer.

Quando terminei, encarei o imperador. Ele mostrava um sorriso de posse que eu gostaria de arrancar de seu rosto com uma faca. Era seu cartão de boas vindas para o que viria a seguir... Mas pelo menos, eu havia passado no teste.


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Notas finais do capítulo

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