Caçada escrita por Gabi Gomes


Capítulo 3
O Meu Tigre


Notas iniciais do capítulo

Hey!
Aqui está mais um capítulo de Caçada! ;)
Boa Leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/474262/chapter/3

Pensar na ideia de que um tigre estava me olhando do jeito que ninguém me olhava a muito tempo, me fez perceber o quão maluca eu estava ficando. Seu olhar não era do tipo “Você é minha janta?”, o que era de se espera para um animal daquele, mas pelo contrário, ele parecia ver tudo o que estava guardado em meio peito e parecia entender aquilo.

“Eu com certeza preciso de terapia, urgente.”, penso, enquanto chacoalhava minha cabeça e buscava por algo em que eu pudesse me sentar.

Achei uma caixa de madeira e testei para ver se ela me aguentaria antes de sentar-me. Coloquei meus cotovelos em cima das pernas e apoiei meu rosto em minha mãos. Encarei os olhos dourados de Kishan, que tinha inclinado seu grande cabeça de modo questionador.

– Parece que você não é muito de falar, certo? - Vejo suas orelhas peludas se movimentando. – Tudo bem, acho que terei que falar por nós dois.

Aquilo parecia tão idiota, que eu até me surpreendi. Afinal, o que eu queria? Que o tigre na minha frente começasse a conversar comigo?

– Eu estou mesmo muito carente, olha só o que estou fazendo! Falando com um tigre! – Digo, soprando minha franja que caia sobre o olho direito.

Kishan bufou e balançou sua calda impacientemente, o que eu interpretei como um ato de revolta. Dei uma risada nervosa e comecei a mexer em um fio solto na camiseta xadrez que eu vestia.

– Desculpe, isso foi rude, né? Eu não vou mais reclamar, afinal, você é o único que eu tenho para conversar nesse circo.

O tigre voltou a deitar e apoiar sua cabeça entre as patas, mas por nenhum segundo deixou de me encarar. Eu me sentia como um pequeno cervo que seria abocanhado por ele a qualquer momento, mas parte de mim se sentia segura e bem por estar ali.

– Acho que não me apresentei... Me chamo Mia, e vou ser sua tratadora daqui para frente, então espero que possamos ter uma relação boa, e que você não tente comer nenhuma parte do meu corpo.

Ouvi um grunhido, e interpretei como um aviso para que eu continuasse. Não que eu fosse uma especialista em comunicação felina, nunca gostei muito de gatos, mas acho que não deveria falar aquilo para Kishan, ele podia ser sensível e se sentir ofendido.

– Todos estão no picadeiro, mas eu queria conversar com alguém, então aqui estou... Caso você se canse da minha falação pode rugir ou reclamar, eu vou entender.

Olho em volta e ouço o riso das pessoas que se divertiam vendo a apresentação do grupo de palhaços. Pego a caixa que me servia como banco e a levo para mais perto da jaula. Dou um longo suspiro antes de começar a falar.

– Sabe... Acho que somos parecidos, eu vivo neste lugar desde que nasci, e nunca conheci um lar de verdade, estou aprisionada aqui e não posso sair. Todos os meus sentimentos são reprimidos pelas ordens daquele velho horrível e as vezes eu penso que não conseguirei aguentar por muito mais tempo. Queria tanto poder sair e viver uma vida de verdade! Mas para onde eu iria? Não tenho mais ninguém que se importa comigo.

Á medida que eu falava, minha voz ficava falha devido a agitação do meu peito e das lágrimas que lutavam para sair. Deixei uma lágrima descer pela minha bochecha, mas logo tratei de secá-la. Tranquei tudo aquilo de volta no meu coração e reconstruí o muro que me protegia da dor.

Olhei para Kishan que me encarava de uma maneira tão intensa que por um momento até pensei que via uma pessoa atrás daqueles olhos dourados. Aquilo me assustou um pouco, mas tentei esquecer.

Dei um longo suspiro, controlando minha respiração que estava meio descompassada e voltei a falar.

– Benzini disse que Kishan é um nome indiano. – As minhas palavras pareceram agitar o tigre. – Você veio mesmo da Índia? Deve ser muito triste ser tirado do lugar em que você veio, ser trancafiado e ter que viver em um lugar assim.

Aponto para a tenda a nossa volta e volto a olhar seus olhos que pareciam me prender a ele.

– Você gostava de lá? Conheci muitos lugares viajando com o circo, mas a Índia deve ser um lugar maravilhoso, principalmente para um tigre. Você devia gostar de viver livre... E provavelmente você deveria ter uma tigresa, certo?

Kishan solta um rugido baixinho e me encara com mais intensidade e eu solto uma risada alta, pensando na ideia de discutir relacionamentos amorosos com um tigre.

Encaro o animal na minha frente e o estudo com mais cuidado. Seus olhos pareciam mais brilhantes agora, o que os tronavam mais belos, seu pelo reluzia com a pouca luz que entrava na tenda e seu corpo parecia majestoso.

– Eu deveria ter trazido meu caderno, você daria um belo desenho com certeza.... Talvez da próxima vez.

Sinto aquela vontade estranha de tocar o pelo macio de Kishan tomar conta novamente de mim e tendo olhar para outro lugar que não fosse para seus olhos dourados questionadores.

– Quem sabe um dia nós dois não possamos voltar a sermos livres? Eu poderia começar a ter a vida que eu sempre quis e você voltaria para a índia... Vamos torcer para que esse dia chegue logo, certo?

Um barulho estranho invade meus ouvidos e eu volto a olhar pra Kishan. Percebi que o barulho vinha dele e após alguns minutos, chego à conclusão de que aquilo era um ronrono.

“Tigres ronronam?”, penso enquanto silêncio tomava conta da tenda. Kishan parecia perdido em seus pensamentos de tigre assim como eu estava com os meus.

A ligação que surgiu com o tigre no momento que coloquei meus olhos neles, naquele dia mais cedo, parecia crescer a cada segundo que eu encarava seus belos olhos. E eu sabia que ele era o meu tigre.

Levantei em um impulso e comecei a me aproximar da jaula, estendi minha mão, levando-a com cuidado em direção a cabeça peluda de Kishan, que agora tinha levantado a cabeça e parecia agitado, pois sua calda chacoalhava fervorosamente.

Minha mão formigava com a expectativa de sentir o tigre em minha frente, e eu já podia sentir sua respiração quente em meus dedos, quando um barulho me assustou e me fez pular para longe das grades.

– Mia, o que faz aqui? A apresentação já acabou e todos estão indo jantar e ouvir o comunicado do senhor Benzini.

Na porta da tenta se encontrava Jordan, o domador. Ele me olhava de um jeito suspeito, seus olhos iam de mim para Kishan rapidamente. Olho para o lado e vejo que o tigre negro estava de pé e andando em círculos dentro da jaula. Aperto minhas mãos tentando pensar em uma desculpa para estar ali.

– E-eu... só vim ver se o tigre estava bem, se precisava de água ou comida... – Digo nervosamente, sentindo meus dedos suando.

– Eu já alimentei ele hoje, Mia, mas o Benzini me avisou que você estaria responsável de cuidar do tigre... Pode ir para o refeitório agora.

Olho um última vez para os olhos dourados de Kishan, que pareciam um pouco tristes e começo a andar, dando passos pesados para fora da tenda.

Frustrada por não ter conseguido acariciar o tigre, passei direto pelo refeitório e fui para o meu trailer, onde coloquei um pijama limpo e me arrastei até a cama.

Ouvindo meu estômago roncar de fome, fiquei pensando no que teria acontecido se Jordan não tivesse entrado na tenta naquela hora. Será que Kishan teria comido meus dedos ou teria deixado eu lhe acariciar a cabeça, como um gatinho inofensivo?

Acabei caindo no sono com aquela pergunta na cabeça e tive um sonho. No sonho eu corria por uma floresta verde e cheia de árvores de diferentes espécies. Tudo era muito bonito e podia se ver as borboletas voando entre as flores.

Meus pés descalços tocavam a grama fofinha enquanto eu ria alegremente. Olhei para traz e vi Kishan correndo em minha direção, enquanto seus olhos me encaravam de um jeito carinhoso e brincalhão.

Continua...


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!