PARTE UM:

Drumming Song — Florence and the Machine.

Doce como o céu...

Enquanto todo o Céu entrava em pequenos conflitos, um menino de aparentemente oito anos se contorcia no solo de mármore branco, chorando compulsivamente.

Acreditando ou não, aquele era o humano escolhido para ser o primeiro guardião que o céu finalmente encontrava; e ele simplesmente não sabia se deveria pensar que era uma dádiva ou uma tragédia. Devido a como era a vida da maioria dos guardiões, optou por escolher a segunda opção. Sim... Aquilo realmente condizia com ele. Tragédia.

Ao seu lado, uma singela maçã. Por mais que as lágrimas não houvessem cessado, suas mãos branquelas foram de encontro àquela beleza pura e ingênua, com tons de vermelho sangue como ele jamais vira antes. Parecia tão suculenta e tentadora! Por que não prová-la?

No entanto, antes que a fruta fosse de encontro aos seus lábios infantis, uma sombra luminosa e esquisita postou-se ao seu lado. Parou o que fazia para olhar o ser intrometido, deparando-se com uma figura tão bela quanto a que havia nos retratos bíblicos que sua mãe tinha nas paredes do casebre. Mas, diferente de apenas observar uma hipótese de como eram os ajudantes de Deus, observando de perto, parecia bem mais do que apenas a figura angelical e de aura poderosa.

Diferente dos retratos adocicados que vira sobre os anjos, os olhos azuis, que mais pareciam-se com uma lagoa profunda e calma, não tinham emoções. Eram olhos de muitos e muitos anos, talvez até mesmo incontáveis destes! Os cabelos da mulher eram castanhos escuros, parcialmente escondidos por tecidos de seda branca e dourada, que destacavam a pele bonita e morena de seu rosto. Apesar da diferença em seu olhar, notava nela a eterna pureza e aura santíssima. Fazia com que se sentisse incomodado, sendo observado pelos olhos azuis sem vida de uma figura milenar.

— Não deveis comer desta. — Ela lhe alertou com a voz tal qual seus olhos. — Vós sois um Guardião de Deus, o primeiro de incontáveis outros, e ao traidor não deves ceder.

Ele se confundiu com a duvidosa maneira de falar da outra. Franziu as sobrancelhas grossas, segurando um pouco mais firme a maçã e limpando as lágrimas que estavam em seus olhos.

— Quando diz sobre esse traidor, fala sobre o anjo que traiu Deus? — perguntou, lembrando-se das palavras de sua mãe sobre o indigno de ser nomeado.

— Exatamente. És um menino esperto... Ainda que no auge de sua ingenuidade. Terás de crescer depressa. O céu precisa de vossa ajuda, tal qual precisarás da nossa no futuro.

Novamente, as palavras embaralharam-se por entre a mente do menino. Pegou-se observando os olhos azulados e vazios do anjo que, agora, lhe concedia um sorriso sem emoções.

"Entenderás minhas palavras no incerto futuro. Mas se estivesse em vossa posição, tentaria adiar este dia. Estes são tempos frios, Aaron."

... Quente como o inferno.

Uma risada maldosa, rouca e tão repleta de um ódio divertido fez com que a menina desse um salto tão alto quanto qualquer outra atleta da televisão.

Seus olhos estavam arregalados e cheios de lágrimas, mas, mesmo assim, não conseguia tirá-los do homem de enormes asas negras e pele tão pálida que podia ver-se as veias azuladas. Nas mãos do que ela denominava bruxo, o corpo já sem vida de seus pais jazia. Bem ali, frente a frente com o doce e já esquecido gosto da infância que com certeza a garota teria, Lúcifer lhe arrancara o amor, tal qual aconteceu com sua pessoa.

Para ele, era sempre tão divertido tomar esperanças como se fossem o mais saboroso mel!

Os olhos caramelados da menina estavam em choque, olhando fixamente para ele com grossas lágrimas transbordando de ambos os olhos bonitos. Os cabelos eram de um loiro tão claro que seria considerado platina, tal como os da mulher ensanguentada em seus braços; e os cachos maltrapilhos como os do homem. Ora essa, então era uma família fiel e devota à Deus? Aquilo era ainda mais divertido para ele!

Jogou os corpos sem vida em um canto qualquer, e aproximou-se da criança com leveza nos pés. Ela encolheu o corpo infantil quando o hálito frio roçou em seus cabelos, no mesmo instante em que seu corpo era envolvido por mãos frias.

— Você não mais vai chorar, pequenina. — sussurrou o demônio com frieza. — Há calor quando se está abaixo dos céus.

E, enquanto sua mente se nublava para tornar-se uma com a dos pesadelos, sentiu uma frieza imprensada de leve contra seus lábios pequenos. A última coisa que pensara foi em como havia, realmente, calor em lábios frios.