Uma Balada para Lionor escrita por Anya Tallis


Capítulo 5
De curativos e libertações


Notas iniciais do capítulo

Atualizando!
Uma Balada para Lionor é uma das histórias mais curtas que escrevi nos últimos tempos e, ainda assim, conta com 38 capítulos! Aqui no site terá 39, pois o prólogo contará como o capítulo um. Eu deveria realmente ter me preocupado em postar com mais frequência, ou a história demorará a terminar...
Um pouco de história: Lionor Braga era uma personagem secundária de uma história que escrevi em 2011. Era irmã da protagonista, e seu único papel importante, no início, era abrir a porta para Nigel dar um recado. Foi assim que os dois se conheceram, e acho interessante lembrar que foi nesta cena que eu decidi escrever mais sobre ela.
Nigel Klein é estrangeiro, vem de um reino chamado Frills. Tenho mais de mil e duzentas páginas de histórias sobre Frills, que é um lugar bem mais rústico e menos desenvolvido que o reino onde se passa Uma Balada para Lionor. É um dos personagens que eu mais gostava de mencionar, porque ele estava sempre fazendo alguma coisa meio errada.
Chega de discurso e vamos ao capítulo desta semana!



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Claire ouviu passos na escada. Sempre que os ouvia, pensava que podia ser alguém lhe trazendo alguma refeição, ou o curandeiro que trocava as ataduras de Wilhem. Queria perguntar como ele estava, precisava desesperadamente de notícias dele. O garoto estava em uma cela próxima, mas fora do alcance de sua visão e da sua voz. Conseguiriam conversar se ela gritasse, mas ela não queria que ele gritasse de volta, pois fora-lhe recomendado evitar grandes esforços e movimentos bruscos. No entanto, viu passarem pela frente da sua cela alguns homens carregando Wilhem. Desesperada, bateu na grade para chamar-lhes a atenção.

– Ei, o que houve com ele? Wilhem!

Mas ninguém respondeu, e por um instante, ela caiu de joelhos na cela, temendo que o rapaz houvesse falecido. Chorou copiosamente, agachada a um canto, temendo o pior. O silêncio e a falta de notícias a angustiava mais do que podia suportar. Algum tempo depois, um dos criados que levava a refeição se apiedou dela e contou que o garoto estava sendo tratado por um Cura, pois a ferida infeccionara e lhe causara febres e tremores durante a noite. Claire estranhou. Um Cura, para um prisioneiro? Quem gastaria seu tempo e dinheiro com isso?

Wilhem permaneceu desacordado até que a febre melhorou. Foi somente neste momento que conseguiu abrir os olhos, fitando o teto de madeira sobre sua cabeça, e tentando se lembrar onde estava. As memórias atropelaram-se em sua mente, e assim que tocou as ataduras e seu tórax, se deu conta do que acontecera, e tossiu levemente.

– Quem me feriu?- indagou, com a voz fraca, para ninguém em especial. Só então percebeu que estava sozinho.

Não se lembrava de ter visto quem lhe enfiara a lança. Somente recordava alguns chás que tomara e uma parte do percurso na carroça. Levou mais alguns dias na enfermaria para que o considerassem bom o suficiente para que precisasse de correntes nos braços e pernas. Não o levaram de volta para a cela, pois Hermes dissera que não tinha interesse em vêlo morto. Por vezes, Wilhem tinha vontade de tirar a atadura a fim de ver a extensão e a gravidade do ferimento, mas todas as vezes que o Cura o fazia, ele sentia tanta dor que necessitava de algumas das bebidas compostas de ervas que o Duque guardava nas prateleiras.

Recebeu a inesperada visita de Nigel, quando já se considerava curado o suficiente para sair andando, mas ainda fingia estar com fortes dores, a fim de não ter que trocar a confortável enfermaria pela cela escura. Sobressaltado, recuou na cama onde estava sentado, como se afastar-se do rapaz fosse adiantar de alguma coisa, no caso improvável de Nigel desejar acabar com ele ali mesmo, à frente do Cura.

– Amigo – Nigel deu um sorriso sarcástico, desenrolando o linho encardido de sua mão esquerda. – Vim trocar o curativo de minha mão. Quer ver o belo trabalho que fez nela? Mal consigo mexer.

O corte estava feio, mal cicatrizado e avermelhado ao redor. Parecia inflamado; por mais que Nigel tomasse cuidado e evitasse usar aquela mão, não melhorara muito. O Cura limpou o ferimento e fez um novo curativo, partindo em seguida.

– E o seu peito? Como anda? – Nigel fingiu preocupação – Wilhem... está acorrentado como um bandido.

– Tire-me essas correntes, por favor – o rapaz suplicou-lhe, com a voz débil - Sabe que estou ferido, que não posso correr ou te agredir. Sabe que não posso estar fingindo, pois a lança atravessou-me...

– Tirar-lhe as correntes? Por que eu deveria?

– Faço o que quiser. Dou-lhe o que quiser; tenho ouro, armas...

Nigel riu da pretensão do garoto. Aproximou-se um pouco mais.

– Wilhem... não tenho interesse em ouro. Já tenho o bastante. E não há nada que você possa me oferecer que eu já não possa tomar à força sem precisar tirar as correntes de suas mãos. – falava quase em um sussurro – Seu eu fosse você, agradecia aos céus por estar ferido.

O rapaz encolheu-se no leito. Estava obviamente em desvantagem, ferido e acorrentado, e precisava ser cauteloso. Naquele momento, de nada serviria a arrogância e a valentia.

– Gostaria de um favor... que mandasse dizer a Claire que estou bem, e vivo.

– Direi pessoalmente. Não tenho nada melhor para fazer, por hora.

Haviam dois lances de escada para chegar às masmorras, e Nigel disparou trotando pelos degraus abaixo, até a cela onde a menina estava presa. Levava a chave em uma das mãos, e abriu a cela rapidamente, trancando-se lá dentro com ela antes que Claire conseguisse correr pela porta entreaberta.

– Quer brincar de tentar me roubar a chave? – ele propôs, com um ar divertido.

– Veio aqui para caçoar de mim?

– Obviamente não. Seu amigo está lá encima, na enfermaria, e é mais divertido caçoar dele do que de você.

Os olhos de Claire de iluminaram com esperança. Ela juntou as mãos, entrelaçando os dedos, numa prece silenciosa. Seus lábios até ousaram tomar a forma de um sorriso. Estava tão feliz por ele estar vivo que Nigel estranhou.

– O que ele é? Seu irmão?

– De consideração – ela respondeu, de má vontade.

– Sei como é – na verdade, não sabia. Não tinha irmãos de consideração. Aproximou-se da menina, encurralando-a na parede. - Claire, querida, preciso que termine o que começou na estalagem.

Te matar? Ela pensou, instintivamente, mas percebeu a que ele se referia quando forçou-a a ajoelhar à sua frente e sentou-se na cama de pedra, reclinado contra a parede, abrindo os cordões da calça como ela fizera com ele naquela noite. Claire olhava-o, assustada, mas mal conseguia se mexer, embora ele não a ameaçasse. Súbito, um receio o assaltou, e ele a segurou fortemente pela nuca.

– Se me morder, eu a mato – avisou.

– Se me matar, ainda assim já o terei mordido – ela lembrou-lhe, insolente. Não via nenhuma arma na mão dele, por que deveria temê-lo?

Ele pareceu hesitar. Teve medo dela, e ela percebeu que podia fazer-lhe mal, se desejasse. E ele sabia disso. Desistiu do plano inicial e tomou uma das mãos de Claire, enfiando-a por dentro de sua calça. Ela tentou se desvencilhar, jamais imaginara que ele era tão forte. Nigel descansou o rosto no ombro da menina, e ela odiou a respiração pesada dele em seu pescoço.

Não haviam se passado mais que alguns minutos quando os dois escutaram a voz de Hermes em frente à cela.

– Nigel. Deixe-a.

A menina estremeceu, sobressaltada, mas Nigel não largou sua mão, e nem mesmo ergueu o rosto para olhá-lo. Limitou-se a pedir-lhe que esperasse. Quando percebeu que Hermes continuava no mesmo lugar, perguntou.

– Vai ficar parado, assistindo?

– Largue a menina.

Ele a largou, e a empurrou, com um suspiro de impaciência. Abriu a cela novamente e, ao sair, deixou-a somente encostada, depositando chave e cadeado nas mãos de Hermes. Claire tremia, e tinha lágrimas nos olhos. E as lágrimas correram pela sua face quando se deu conta do que lhe acabara de acontecer.

– Oh, Duque... – ela não acreditava que o único homem a quem podia recorrer era justamente quem a mantinha presa, mas Hermes lhe parecera o mais correto entre seus algozes – Ele abusou de mim...

– Que eu me lembre, ofereceu-me sexo por causa de um jogo de cartas – lembrou Nigel. Claire o achou patético, tentando subir as escadas e fechar a calça ao mesmo tempo – Não compreendo agora qual o motivo de ter virado, repentinamente, uma santa.

– Tenha a bondade de nos deixar a sós.

Nigel parou no meio da escada, abrindo os braços com indignação. Não tinha o costume de se exaltar com o duque, mas ao ouvir o pedido, perdeu a paciência.

– Bondade, Hermes? A bondade cabe a você, não a mim! Você é quem recolhe prisioneiros e lhes dá tratamento de nobre, cuida-lhes das feridas como se fossem amigos, e ainda os defende. A mim só resta ser ameaçado por eles e repreendido por você.

Terminou de subir as escadas, pisando no chão com mais força do que o necessário. O som de seus passos ecoou nas paredes de pedra e foi ficando mais baixo até se tornar inaudível. Hermes puxou a porta da cela em sua direção, abrindo-a.

– Pode ir embora, Claire.

Ela piscou os olhos, como se estivesse tentando descobrir se estava sonhando.

– Como assim “ir embora”? Não estou mais presa?

– Não, não está. Não tenho mais motivos para mantê-la aqui. Apesar de ter participado do complô, foi Wilhem que ameaçou Nigel, não você. E não pretendo mantê-la aqui pelo mesmo tempo que ele, se a acusação não é a mesma. Além do mais, não tenho tempo e nem paciência para impedi-lo de vir até aqui te procurar. Esse garoto é impossível. – balançou a cabeça, com um suspiro, saindo da frente da porta. – Vá.

– Não.

O duque a encarou, surpreso. Claire não se moveu, resoluta. Tinha os braços cruzados, para impedir que suas mãos trêmulas fossem notadas. Não achava que Hermes estava lhe fazendo um favor, ao libertá-la. Ele mandara que seu vilarejo fosse incendiado e ainda a prendera; como queria que a sua libertação parecesse bondade?

– Não vou a lugar nenhum sem Wilhem.

– Bem, a decisão é sua. Já não é mais minha prisioneira.

Hermes subiu as escadas, deixando a grade aberta, para que Claire decidisse. Ela mordeu o lábio, pensativa. Era uma decisão difícil, mas ela sabia o que Wilhem faria se estivesse em seu lugar.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado! Este capítulo traz pontos de vista de vários personagens, como se o narrador fosse uma câmera focando em cada um. O próximo capítulo vai focar mais em Willem. Até a próxima!!!