Uma Balada para Lionor escrita por Anya Tallis


Capítulo 37
Da Emboscada


Notas iniciais do capítulo

Estes capítulos finais da história são muito tensos, e acharia justo postá-los todos de uma vez.. mas acho que fico com pena de terminar a história de uma só tacada, então estou continuo postando aos poucos.
Ao contrário do que eu disse anteriormente, não são trinta e nove capítulos, e sim quarenta. Não havia me dado conta de que o epílogo não estava numerado. No arquivo original onde salvei a história, são apenas trinta e oito, mas creio que a numeração não faça muita diferença.
Boa leitura a todos!



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Houve dias em que Nigel sonhara com Claire. Em uma ou duas vezes, estava dormindo, mas nas demais, sonhara acordado. Não gostava dela; jamais gostara, mesmo nos poucos minutos antes que precederam a descoberta da conspiração, quando haviam se conhecido. Mas ela tinha aqueles seios fartos, aquela pequena porém carnuda e corada boca — que devia ser doce e morna, como teria constatado se houvesse tido tempo de prova-la. Ela tramava armadilhas contra ele, o acusara de estupro, instigara o irmão a atirar contra um de seus arqueiros, mas ainda continuava sendo involuntariamente provocante. Coitada de você, Claire, ele ameaçara, na Taverna da Lua, apertando os cabelos da garota entre seus dedos firmes, enquanto pensava como seria mais interessante se pudesse tê-la com o seu consentimento. Gosta de jogar cartas? Ele ainda podia ouvir o sussurro de sua voz, enquanto lhe servia o vinho.

Na maioria das vezes, imaginara-a como naquela primeira noite, debruçada sobre ele, abrindo-lhe lentamente a calça, com aquelas belas mãos de unhas compridas. Sonhava com o que ela faria depois, e com o que ela o faria sentir. Chegara até mesmo a pensar que devia ter deixado que Vicente a tomasse nos braços e fosse mais longe que alguns beijos, antes de interrompê-los na casa, no dia que armara uma emboscada contra ela. Havia sido interessante assisti-los, estranhamente excitante. Ela era ainda mais sensual quando permitia as carícias.

Mas nada no mundo mudaria o fato de que Claire desejava vê-lo morto. Foi ela que surgiu primeiro, do meio das folhagens, empunhando um arco. E foi ela que gritou para que colocassem as armas no chão, com um tom de voz autoritário que nem mesmo parecia lhe pertencer. Devia ter ensaiado por dias, tentando parecer temível. Colocar as armas no chão, pensou Nigel, com um sorriso torto, eu mesmo já estou no chão.

Lionor segurou a espada com mais força, confiante na proteção da cota de malha por baixo do vestido. Enfrentou a garota ruiva com um olhar altivo e desafiador. Por um breve momento, pareceu que avançaria sobre Claire com a espada em punho, mas ela não seria tão burra. Limitou-se a franzir as sobrancelhas.

— Quem disse à senhorita que eu tenho medo de que atire em mim?

— Eu apenas supus, Lionor... — Claire mantinha o arco à altura dos olhos, concentrada na mira — Mas você tem razão, eu não atiraria em você.

Puxou a flecha para trás e, antes que qualquer um de seus oponentes pudesse reagir, Claire a soltou na direção de Nigel. O rapaz sentiu a ponta da flecha enfiar-se em sua coxa, penetrando no músculo que já estava dolorido pela queda. Praguejou, com o xingamento mais ofensivo que conseguiu recordar, e pôs-se a xingar Claire.

— Sua... sua vagabunda estúpida, prostituta imunda, que pensa que está fazendo?

Fez um movimento brusco, a fim de pegar a arma que escondera debaixo da camisa, mas antes que a alcançasse, outra flecha o atingiu, no mesmo braço em que já possuía uma cicatriz causada por Wilhem. Soltou um gemido abafado. Poderia ter sido mais rápido, se não estivesse debilitado pela queda, e teria acabado com tudo aquilo com apenas um tiro.

— Lionor, coloque a espada no chão. — ele lhe lançou um olhar suplicante.

A garota parecia desesperada, mas nada disse. Baixou a lâmina de sua espada lentamente, mas não tirou as mãos do punho, pelo contrário: os nós de seus dedos estavam mudando de cor, de tanto apertá-lo.

— Lionor, jogue esta maldita espada no chão! — insistiu Nigel, quase gritando —Vai esperar que eu morra com dezenas de flechas pelo corpo para admitir que precisa se render? Não é hora de ser valente, é hora de ser esperta.

— Esperteza nunca foi o seu forte, Nigel Klein — a voz de Wilhem vinha de um ponto cego, Nigel não conseguia vê-lo — Sempre cai em todas as nossas armadilhas. Estou muito admirado por ver onde você chegou. Chamam-no condestável, eu o chamo de... um imbecil que cavou a própria sepultura.

O som da espada de Lionor caindo no chão pedregoso ressoou por um curto instante. Seus lábios tremiam, enquanto fitava as duas flechas que haviam sido atiradas em Nigel. A expressão de dor em seu rosto misturava a preocupação com o rapaz e a raiva por ter se rendido. Ele tentou, inutilmente, mandar-lhe algum sinal sem que Claire ou Wilhem percebessem, tentou dizer a ela que se aproximasse. Ele tinha uma arma na cintura, e não poderia usar, mas talvez ela pudesse... talvez eles não soubessem que a arma estava escondida por baixo de sua camisa. A garota pareceu compreender seu olhar suplicante.

— Deixe-me ajuda-lo — ela quase implorava, os olhos úmidos na direção de Claire e Wilhem. Desarmada, não parecia mais que uma menininha qualquer — A queda do cavalo foi feia, pode ter batido a cabeça...

Deu um passo à frente, mas Wilhem pegou a sua espada no chão e apontou-lhe, ameaçadoramente. Lionor deu um passo para trás, mas ele avançou em sua direção, e ela pareceu compreender que não deveria se mover. Claire continuava apontando o arco na direção de Nigel, como se esperasse ansiosamente por um motivo qualquer para disparar outra flecha.

— Deixe-a ir! — foi a vez de Nigel suplicar.

— Deixe-a ir? — repetiu Wilhem, incrédulo — Deixá-la ir, para que ela volte e nos ataque com a arma que roubou de nós?

Segurou os cabelos de Lionor com força, como Nigel fizera com Claire na taverna. A garota fez uma careta de dor e foi obrigada inclinar o rosto para cima. Tentou se desvencilhar, mas a espada ainda estava encostada em seu pescoço, ameaçadoramente. O rei a advertira, certa feita: cabelos longos e soltos eram uma armadilha para alguém que enfrentava um oponente. Devia tê-los trançado e enrolado ao redor da cabeça, como vinha fazendo desde que deixara o castelo, mas jamais imaginara que, no caminho de volta, iria ser atacada.

— Seu desgraçado — Nigel tentou se erguer sobre os cotovelos, mas a dor o derrubou novamente de encontro ao chão de terra. Não lhes fez nada. Se estavam à procura de mim, eu estou aqui, no chão, desarmado e ferido. Se quisessem me matar, já o teriam feito. O que querem , então?

— Na verdade, eu gostaria de vê-lo morto. — Wilhem balançou levemente a cabeça — Mas gostaria ainda mais que ela passasse por tudo que Claire passou. Não, não se preocupe, não sou tão desprezível quanto você. Não vou nem sequer tocar na sua garota. Ela vai ficar ali, no canto, enquanto assiste você ser morto.

Claire precisou de várias tentativas para conseguir amarrar as mãos de Lionor atrás das costas. Após alguns minutos e uma série de arranhões, a garota ruiva conseguiu amarrar a oponente em uma árvore à beira da estrada, tão fina que o caule se dobrava com o peso de Lionor. Não havia duvidas de que, caso não estivesse com uma espada apontada para o pescoço, teria quebrado a árvore com apenas alguns movimentos bruscos.

— Se pensa que eu vou ficar olhando vocês dois agredindo Nigel sem fazer nada... — ela começou, mas Wilhem a interrompeu, segurando seu queixo.

— Nunca pedimos para não fazer nada. — e deu um sorriso sarcástico - Pode gritar, se achar necessário.

Entregou a espada a Claire, para que ela assumisse o seu lugar, mas não pegou o arco e a flecha nas mãos dela. Estava desarmado, mas não teve medo de se aproximar do rapaz caído no meio da estrada.

Ajoelhou-se ao lado de Nigel e segurou pelo cabo a flecha que estava fincada na coxa do rapaz. Teria sido mais rápido e menos dolorido quebrar a ponta antes de puxar, mas o garoto ignorou o grito de dor do rapaz deitado ao chão, quando a flecha foi puxada e a ponta rasgou a carne ao sair. O sangue jorrou do ferimento, mas Wilhem não se importou com isso quando se sentou sobre as pernas de Nigel, cerca de um palmo acima do joelho, com uma perna de cada lado. Nigel agarrou-lhe o pulso.

— Seu desgraçado, a minha perna... - Nigel engasgava, o peso de Wilhem fazendo o ferimento sangrar ainda mais. Segurou o pulso do garoto e apertou-o, como se aquilo fosse amenizar a dor — quando eu caí, acho que... oh, mas que inferno...devia ter deixado Lionor me ajudar, ela teria sido menos estúpida.

— Mas Lionor iria pegar isto aqui.- Wilhem tateou-lhe a cintura.- Pensa que somos idiotas o suficiente para ignorar o volume debaixo da sua camisa?

Enfiou a mão por baixo da camisa de Nigel e sorriu satisfeito quando seus dedos encontraram o metal. Tirou a arma com um gesto brusco e a apontou para o rosto do rapaz.

— Não! — Lionor tentou avançar, mas as cordas a prendiam fortemente. — seus olhos estavam úmidos, o desespero lhe dava uma expressão de choro.

— Não faça isso — Nigel tentou parecer destemido, mas fechou os olhos quando o metal gelado da arma encostou em sua testa — Se o fizer, Sua Majestade mandará amarrar seu corpo a um cavalo e o arrastará pelas ruas da cidadela...

— Não sabia que era tão valioso assim.

Wilhem afastou a arma e apontou para o meio das pernas do rapaz.

— Se fizer isso — prosseguiu Nigel, cauteloso — Mesmo que eu sobreviva, Sua Majestade mandará...

— Deixe-me adivinhar: mandará amarrar meu corpo a um cavalo e o arrastará pelas ruas da cidadela...

— ... depois de arrancar o seu pau e enfiá-lo em sua boca. Vai ter uma morte horrorosa se fizer qualquer coisa comigo.

Por um breve momento, Wilhem pareceu hesitar. Mas as palavras ameaçadoras dissolveram-se e deixaram de fazer o efeito esperado quando o garoto pareceu recordar a sua sentença de morte.

Morte horrorosa... eu por acaso deveria esperar uma morte bonita e heroica? Não existe beleza em morrer, Nigel. Só a dor para que fica vivo e assiste.

Fitou a arma por alguns instantes, contou o número de balas.

— Diga-me... o que Sua Majestade fará comigo se eu fizer isto?

Apontou a arma na direção de Lionor e apertou o gatilho. Da árvore onde a garota havia sido amarrada, os pássaros fugiram para todas as direções, deixando que as folhas secas caíssem lentamente.


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Notas finais do capítulo

Sei que muita gente esperava por um castigo do Nigel, e acho que ele tem sofrido de uma maneira até razoável... à medida que escrevo sobre ele, tenho uma enorme estima por esse personagem, a ponto de dar destaque a ele em quase todas as histórias que escrevo. Embora seu comportamento seja reprovável em muitos aspectos, eu confesso que acabo deixando que ele seja o centro dos capítulos de que ele participa.
Bem, espero que estejam gostando do rumo que a história está tomando. Em breve serão postados os últimos três capítulos, não percam.



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