Uma Balada para Lionor escrita por Anya Tallis


Capítulo 28
De Sangue e Promessas Quebradas


Notas iniciais do capítulo

Cá estou eu, atualizando novamente! A história já está se encaminhando para sua reta final, pois daqui a pouco entraremos nos últimos dez capítulos. Mas ainda temos muito tempo para aproveitar.
Eu queria ter dado mais ênfase ao dom especial de Hermes, mas acabou não cabendo nessa história, então penso em fazer algumas histórias curtas com algumas aventuras dele, que se passam depois dessa história. Há muita coisa a ser dita sobre Hermes, e eu posso até publicar uns textos que tenho sobre como ele adquiriu esse dom. Só não o fiz ainda porque é uma introdução de outra história, o que significa que o texto não tem final e não serve para ser publicado como uma história fechada. Tudo que sei é que não o deixarei em paz enquanto puder escrever sobre esse assunto.
Boa leitura a todos, espero que estejam gostando da história!



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Hermes levou a mão à testa, com uma careta de dor. Estava afundado em uma poça de sangue, próximo ao balcão da taverna, enquanto Lionor debruçava-se sobre ele.

– Estou muito velho para isso... – gemeu, sentindo o sangue empapar-lhe os cabelos. A camisa também estava ensanguentada, e furada em algumas partes – ele tem uma mira ótima. Quase me fura um pulmão.

Apoiou-se nos cotovelos e sentou-se no chão, como a ajuda de Vicente e Nigel. Os criados do bar que não haviam corrido da confusão quase desmaiaram de medo ao ver o duque se erguer após todos aqueles tiros, um deles no peito.

– A gente pode dizer que foi de raspão – Lionor ajeitava-lhe a roupa, para que os curiosos não vissem os furos.

– Cuide dele, Lionor – recomendou Nigel - vou atrás daquelas pestes.

– Não – a voz do duque foi firme – Se o balearem quando você os perseguir, não terá a mesma sorte que eu, e morrerá sangrando sozinho. Vá ver o arqueiro que se feriu.

– Nâo tenho medo – ele tomou a arma que Wilhem e Claire haviam deixado para trás nas mãos de Lionor – Pensa que não sei atirar? Lá em Frills também conheci piratas. Já peguei em uma dessas quando criança.

Lionor segurou-o pelo braço, com força.

– Sua Majestade disse-nos para obedecer a Hermes como se obedecêssemos ao próprio rei. Deve ficar aqui cuidando dos feridos.

Com um gesto brusco, Nigel se desvencilhou da mão da garota.

– Vicente e você podem cuidar de Hermes e Cádiz já está cuidando do Nunes – chamou os arqueiros pelos sobrenomes, por não se lembrar dos prenomes – Para que precisam de mim aqui? Sou um guarda, não um cura.

E deixou a taverna, ignorando os apelos de Lionor para que ficasse. A garota o acompanhou com o olhar e, após um instante de hesitação, ergueu-se bruscamente.

– Irei atrás dele... – avisou, mas soou como se pedisse permissão a Hermes – E o trarei de volta antes que se envolva em alguma confusão ainda maior.

O duque nada disse, mas a encarou com um olhar decepcionado. Vicente parecia apavorado com a ideia de ficar sozinho com um homem que havia se envolvido com bruxaria e que estava vivo, consciente e lúcido após ferimentos tão graves. Estava prestes a fugir correndo da taverna, mas permaneceu ao lado de Hermes, ajudando-o a estancar o sangue com um lenço encharcado.

Lionor tinha o vestido, as mãos e o rosto ensanguentados quando deixou a taverna, cambaleando. O tempo que passara agachada e encolhida debaixo da mesa aguardando para pegar a arma que Wilhem jogara no chão a deixara com uma leve dor no joelho. Mancou um pouco até se acostumar com a dor, e viu que os curiosos se aglomeravam atrás dos muros e das janelas do bordel e das casas para ver aquilo que deveria ser o acontecimento mais interessante de suas vidas pacatas e miseráveis. Alguns, mais atrevidos, corriam para a rua para ver de perto. Tiros, alguns gritavam, vejam a garota que foi baleada, ela está viva e andando! Lionor franziu as sobrancelhas, achando-os todos imbecis. Por que diabos pensavam que ela é que havia sido ferida, baseando sua informação unicamente, no sangue que a cobria? Por que nenhum daqueles tolos percebia que o sangue poderia não ser seu?

Apressou o passo. Tinha trazido duas espadas, e carregava a sua, mais leve, na mão esquerda e a de Hermes, mais pesada, na direita. Alguém disse bruxa, outros mencionavam mortos que caminhavam. E então ela correu, e alguns curiosos corriam também, como se tudo aquilo fosse um espetáculo. Não, voltem, isso não é um torneio, não é uma encenação, é perigo real! Não conseguia compreender por que as pessoas se colocavam em situações de risco apenas para terem o que contar no bar na noite seguinte.

– Nigel! – ela gritou, quando o viu montar o cavalo sem a sela – não vá!

– Lionor, está fazendo um papel ridículo – ele resmungou, entredentes – Volte para a Taverna.

Ela não lhe deu ouvidos. Montou no cavalo que estava selado, e o seguiu. Saíram da estrada, e avistaram Claire e Wilhem ainda correndo , de mãos dadas, pelo descampado. Lionor sentia o vento desfazendo-lhe o penteado, sentiu o frio em seu rosto, e o receio quando Wilhem parou de correr e virou a arma na direção dos dois. Alguns camponeses que saíam de um prostíbulo – este muito menor e mais sujo que o localizado em frente à Taverna da Lua – correram e entraram novamente no estabelecimento, que trancou as portas, embora olhos curiosos espreitassem da janela.

– Agora tenho uma arma também – em vez de apontá-la para Wilhem, Nigel o fez em direção a Claire, que levou as mãos ao peito, temerosa.

– Então devia ter atirado primeiro. – Wilhem deu um passo à frente e apontou a sua arma para Lionor, que parara sua montaria ao lado da de Nigel, desembainhando duas espadas que havia trazido.

A gritaria no prostíbulo próximo encheu Lionor de raiva. Expectadores. Não desejava morrer na frente de uma horda emocionada. Nigel virou o rosto para ela, com raiva.

– O que está fazendo aqui? Disse para você ficar! Que diabos! – e, voltando-se para Wilhem, ergueu as duas mãos – tudo bem, eu me rendo.

– Que bom para você, Klein – Wilhem sorriu, e deu um passo ou dois à frente.

E apertou o gatilho.

A mira parecia tão certeira que Lionor fechou os olhos, esperando sentir uma dor em alguma parte do corpo. Não fazia ideia de como seria a sensação de ser baleada. Ela não era Hermes, poderia nem mesmo sobreviver a um único tiro. Mas nada aconteceu e, quando ela abriu os olhos, Wilhem também parecia confuso. Apertou o gatilho mais duas ou três vezes, com ar incrédulo, e só parou quando Claire sentenciou-lhe, com desgosto na voz:

– Descarregado.

Os olhos do garoto estavam apavorados quando se ergueram para o cano da arma que Nigel voltara a apontar na direção dele e da irmã de criação. Antes que um tiro fosse disparado, eles se entreolharam e correram para o prostíbulo. A gritaria e a confusão os engoliu, e Lionor os perdeu de vista ao descer de sua montaria.

– Para os fundos! – ela balbuciou, trêmula, e seguiu Nigel, sentindo as mãos geladas e as pernas quase sem forças, mas o seguiu até o fundo.

Homens, meninos e meretrizes corriam desesperados aos gritos pelas portas de trás, mas somente quando dois vultos foram vistos correndo da porta da frente até as árvores frondosas do bosque denso, é que a garota percebeu que Wilhem e Claire os haviam enganado, fugindo pela mesma porta pela qual haviam entrado quando se esperava que saíssem pela outra. O blefe...Wilhem definitivamente sabia jogar.

Haviam perdido os dois irmãos de vista. Com raiva, Nigel deu um tiro para cima, e ele mesmo pareceu se assustar com o solavanco da arma em sua mão.

– Lionor – disse ele, voltando-se para a garota, mas não havia raiva em sua voz, apenas temor – Nunca mais... eu disse nunca mais faça isso. O que eu disse para você, meu amor? Disse-lhe para ficar longe!

– Não sou mulher de ficar longe, Nigel Klein! – ela sentia vontade de esbofeteá-lo. Atirou as duas espadas ao chão – Eu fui esse tipo de garota, quando você me conheceu, e eu era uma dama tolinha que sabia apenas bordar, recitar poemas e confeitar bolos, e você me ensinou a ser corajosa e destemida, e a não fugir dos perigos, mas antes, enfrenta-los! E me ensinou a estar ao lado dos que eu amo para protege-los ou morrer com eles!

Ele abriu a boca para responder-lhe, mas a resposta fugiu. Da mesma forma, quando retornaram à taverna, Hermes lhes dirigiu um olhar grave, mas nada disse. E foi no silêncio que arrastaram-se para a casa da avó de Vicente, com dificuldade para levar o arqueiro ferido, que havia sido atingido na coxa. O cavalariço parecia apavorado: o que sua avó diria quando visse o sangue na cama? Implorou para que todos se banhassem e fizessem ataduras antes de se deitarem, e precisou dar banho em Hermes para evitar que o homem pingasse sangue por todo o assoalho de madeira lustrosa. Cortou um lençol em tiras para fazer-lhe ataduras, e desfez também uma toalha branca em faixas para enrolar a coxa do arqueiro. Nigel ajudou-o a carregar os feridos até a cama, e Lionor fez uma sopa rala para todos. O arqueiro que não se ferira ofereceu-se para tomar conta da entrada da casa durante a noite, enquanto todos dormiam. Vicente ofereceu o quarto da avó para Hermes, o de hóspedes para o arqueiro ferido e o seu próprio para Nigel e Lionor, pois ele mesmo dormiria no quarto de seus pais. Embora fosse pobre, a casa era grande e limpa.

Lionor emergiu da tina do banho, após tirar de seu corpo o sangue de Hermes que a deixara com um aspecto tão assustador. Enrolou-se em uma toalha e parou, em pé, no quarto, sem coragem para derramar pela janela a água com que se banhara. Não se lembrava de alguma vez na sua vida ter tomado um banho sem criadas ao seu redor. Seria uma grosseria pedir que Vicente fizesse tudo por ela e, desta forma, deixou a tina d’água no mesmo lugar que a encontrara.

A porta se abriu devagar, e Nigel parou, à entrada do quarto.

– Lionor... – ele finalmente encontrou as palavras a serem ditas – Eu quase te perdi...

Quase correu, fechando a porta atrás de si, para abraçá-la. E o abraço foi tão apertado e caloroso que a garota quase esqueceu que estivera brava com ele. Nigel beijou-lhe o pescoço, os lábios, e a empurrou devagar, fazendo-a caminhar de costas até que as pernas da garota se chocassem contra a cama e os dois caíssem um sobre o outro no colchão. A toalha enrolada sobre o corpo da garota desamarrou-se e se abriu, deixando à mostra seu corpo esguio, com suas costelas bem marcadas e seus seios pequenos. Sem que precisassem dizer qualquer palavra, já sabiam o que estava por vir. O rapaz se afastou um pouco dela para tirar a camisa. Depois empurrou-a e deitou-a de costas, mas ela empurrou-o de volta.

– Não!

Surpreso, ele parou, com a camisa em uma das mãos e a outra parada no ar.

– O que foi?

Ela se sentou na cama, abraçando a si mesma como se quisesse se esconder. Lembrava-se das palavras de sua família. Não aja como uma desfrutável, ou ele não achará que valerá a pena se casar com você. Mas o que ela tinha feito, desde que o conhecera, havia sido agir como desfrutável. Por que ele pensava que, embora tivessem se deitado juntos tantas vezes, e arranjado um jeito para fazê-lo sem que ela deixasse se ser donzela, estaria cumprindo a promessa que fizera aos pais dela? Havia dias em que ela temia que ele a estivesse tratando como a uma prostituta e que podia ser uma ilusão a ideia de que eles se casariam no futuro, mas jamais ousara comentar seus medos com quem quer que fosse.

– Ainda está brava comigo? – ele indagou, receoso.

– Não... não sei se estou – ela confessou – Mas, na verdade... o problema é... que você prometeu, Nigel. E se sua promessa era de me manter casta, não deve me tocar.

Ele rolou para o lado, decepcionado. Suspirou, mas não insistiu.

Os dois permaneceram deitados lado a lado, fitando o teto. Uma luz amarelada e tremeluzente era emanada de um toco de vela num castiçal ao lado da cama. Não demorou muito para que a cera se consumisse por completo, e o quarto mergulhasse na mais densa escuridão. E, na escuridão, as mãos de Lionor procuraram as de Nigel.

– Quer saber? Pro diabo com as promessas.

Se ele estava surpreso, ou se sorriu, ela nunca soube. Apenas ouviu sua resposta.

– Pro diabo com as promessas.


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Notas finais do capítulo

Lionor diz "eu era uma dama tolinha que sabia apenas bordar, recitar poemas e confeitar bolos, e você me ensinou a ser corajosa e destemida" e eu fico aqui pensando por que ela acha que uma coisa exclui a outra. Só gostaria de saber de onde vem esse asco que as heroínas tem das coisas tipicamente femininas, como se para ser brava tenha que deixar de ser "menininha". E vocês, o que pensam sobre esse tipo de postura de Lionor?
Ah, espero que não tenham se decepcionado com a ausência de cenas quentes. Acabei cortando na melhor parte...
Não percam o próximo capítulo, continuaremos com Lionor, Nigel e Hermes.



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