Uma Balada para Lionor escrita por Anya Tallis


Capítulo 25
De Viagens e Planos


Notas iniciais do capítulo

Estou de volta com mais um capítulo.
Confesso que, no momento da revisão, fiquei na dúvida sobre o uso de algumas palavras, especialmente nos momentos em que um dos personagens "xinga" e no modo como me referiria às irmãs religiosas do Consolo dos Desamparados. Nunca tive a necessidade de explicar a relação entre a religão e a caridade nesse universo específico que uso para compor as minhas histórias, apenas por desejar que o leitor faça analogia com as religiões monoteístas que ele já conhece no nosso mundo.
Revisei quase na hora de dormir, então peço que me avisem se algum errinho passou despercebido.
Continuamos acompanhando Lionor, Hermes e Nigel neste capítulo. Boa leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/473021/chapter/25

Lionor estava encostada à cerca, com um pé apoiado numa saliência da madeira, observando o cavalariço selar as montarias que usariam naquele dia. Havia seis cavalos, e a garota franziu as sobrancelhas. Um para mim, outro para Hermes e outro para Nigel. Mais dois para os dois arqueiros...teria algum deles contado errado?

– E o sexto cavalo, a quem pertence? – perguntou para todos, e para ninguém em especial.

– É de Vincent – respondeu Nigel – Levarei o garoto como meu escudeiro.

Vicente, senhor – corrigiu o garoto, timidamente.

– Não creio que precisa de escudeiro, Nigel – observou Hermes, as mãos entrelaçadas apoiando o queixo – E por que pretende trazer o garoto conosco se nem sabe pronunciar seu nome corretamente?

Estava sentado sobre um tronco de árvore caído, atravessado à entrada da torre. Nigel se aproximou e parou à sua frente, cruzando os braços.

– É meu informante também. É ele quem nos levará ao nosso destino mais facilmente. E, se eu fosse você, Hermes, nem ficava sentado. Melhor economizar a bunda, passará quatro horas sentado sobre o seu cavalo.

Com sorte, poderiam percorrer a estrada em um tempo mais curto. Não havia qualquer atalho para Um Coração, mas o único caminho disponível era largo e reto, e até mesmo pavimentado em alguns trechos, com pedras retangulares cuidadosamente assentadas sobre a terra seca. Lionor já se acostumara a longas cavalgadas, desde que havia partido para Curvavento pela primeira vez; para quem já cavalgara por três dias seguidos, quatro horas sobre um cavalo não fariam mal algum. Percorreram o mesmo caminho que a procissão dos Pés Descalços fizera e, ao passarem pelo Consolo dos Desamparados, Hermes parou repentinamente e fitou a construção com curiosidade.

– Devemos parar neste lugar por um minuto.

As religiosas vieram recebê-los à porta. Sabiam que o grupo havia sido enviado pelo rei, e não foi necessário mais que uma breve apresentação. As irmãs estavam acostumadas com o anonimato de seus visitantes.

– Sentem-se, meus caros – uma mulher se apresentou como a abadessa, mas ninguém do grupo conseguiu compreender seu nome, e tampouco houve quem tivesse a coragem de pedir-lhe que repetisse – Conte-nos o que os traz aqui.

Por dentro, a construção era tão cinzenta e triste quanto por fora. Alguns homens esfarrapados tomavam uma sopa rala a um canto, observando o grupo com intensa curiosidade; alguns lançaram olhares famintos sobre Lionor, e Nigel a abraçou pelos ombros, prendendo-a junto a si quando ela tentou se afastar dele.

– Recebemos a denúncia de que dois hóspedes da casa traziam armas de fogo. – começou Hermes.

– Ah sim! – a abadessa suspirou – Imaginei que um dia o rei mandaria alguém para conversar pessoalmente sobre isso. Eram dois jovenzinhos, um rapaz e uma moça, e quando os revistamos havia ouro e armas...

– Já lemos sobre isso na carta – Hermes tentou ser polido ao interrompê-la – o que preciso saber é... quantas e quais eram as armas que eles levavam

A velha mordeu o lábio, parecendo aborrecida por ser interrompida. Percebeu que o restante do grupo a fitava numa expectativa quase doentia, e pareceu prestes a pedir para conversar a sós com Hermes, mas manteve a calma.

– Bem, a camareira disse que, ao arrumar o quarto, encontrou duas armas de fogo e um saco com algumas espadas e punhais.

– Mas que patetas – exclamou Nigel – Só têm duas mãos, cada um deles, que diabos aqueles filhos da puta farão com um arsenal tão grande?

Pareceu não ter percebido – e, se percebeu, pareceu não lhe importar com os olhares de crítica e indignação que todos ao seu redor lhe dirigiram. Hermes pediu calmamente que ele aguardasse do lado de fora, e ele arrastou Lionor consigo. Sem saber para onde ir, o escudeiro os seguiu.

– É uma instituição religiosa – lembrou-lhe Lionor, com o tom de voz de quem o achara bastante imbecil – Devia evitar certo tipo de linguajar.

– Senhor – Vicente ergueu as sobrancelhas, lembrando-se subitamente de algo – O garoto que procuram... Wilhem... pediu que eu lhe perguntasse se o senhor é de Friyes.

– Frills – corrigiu Nigel, sem entender – Por que isso é tão importante para ele? Wilhem vai estar com a cabeça separada do corpo antes que você conte a ele. E não me chame de senhor, já disse.

Mas o garoto continuou a olhá-lo com ar interrogativo, e Nigel percebeu que não havia sanado a dúvida do rapaz.

– Sim, sou de Frills. – e o fitou como se dissesse e daí?

O escudeiro nada disse, e Nigel percebeu que nem mesmo o garoto entendera a razão do questionamento de Wilhem. Afastou-se para falar com os arqueiros que aguardavam ao lado dos cavalos, mas pareceu que somente desejava deixar Lionor e Nigel a sós.

Por um longo tempo, nenhum dos dois disse uma palavra sequer. Nigel continuava com o braço sobre o ombro da garota. O silêncio foi quebrado pela sua voz, quase sussurrada.

– Lionor...

Ela ergueu para ele seus grandes olhos azuis, ansiosa. O rapaz continuou.

– Tente obedecer ao que Hermes determinar e fique fora do caminho daqueles dois malucos. Já conversei com ele sobre o que cada um de nós fará. Nós procuraremos os acusados, mas ele os prenderá sozinho e, se houver algum confronto, você precisa ficar afastada. E, se for ferida, tem que se fingir de morta até o perigo passar.

Lionor deixou escapar um sorriso triste. Por um breve momento, tivera a esperança de que ele lhe dissesse que estava com saudades, ou pedisse perdão. Havia sido tão tola que sentia raiva de si mesma.

– É tudo que tem pra me dizer? Recomendações para me manter viva?

– Posso parecer insensível e desprezível para você agora, mas eu me preocupo com você. E não quero que fique no meio do nosso caminho bancando a donzela em perigo.

– Não irei atrapalhar, se é o que pensa – ela falou, ofendida – Se fui mandada para essa missão, talvez alguém pense que eu sou capaz.

Durante o resto do trajeto, sentiu-se tão infeliz que mal dirigiu um olhar sequer a Nigel. Cavalgava à frente do grupo, ao lado de Hermes. Mal ouviu o que o restante do grupo conversava, enquanto remoía as palavras de Nigel. Eu me preocupo com você. Então por que diabos agia daquela maneira? Será que não percebia que a estava ferindo?

Depois que o grupo atravessou a aldeia de Dois Corações, precisaram abandonar a estrada principal e tomar um caminho que se tornava a cada momento mais estreito e cheio de pedregulhos. Os cavalos estavam mais lentos, um atrás do outro. As árvores debruçadas no acostamento roçavam-lhe as testas com suas folhas murchas e cheias de fungos. Um galho torto quase derrubou Vicente de sua montaria. Um dos arqueiros deu um tapa forte no galho, que retornou batendo na testa do outro arqueiro que vinha logo atrás, fazendo-o praguejar.

– É aqui – apontou o escudeiro, ansioso – Um Coração fica nesta direção. Ali está o local de que falei.

À beira da estrada, a Taverna da Lua era decorada com um céu estrelado de madeira pintada, e mesmo antes da chegada da noite, já havia um ou dois homens completamente embriagados cambaleando para fora do estabelecimento. Do outro lado da rua, havia um bordel, mas ainda mantinha as portas fechadas durante o dia. O vilarejo era bastante movimentado por causa dos pequenos feirantes e diversos estabelecimentos estranhos sem qualquer placa à entrada, que pareceram ao grupo uma sequência de prostíbulos de mal gosto. Vicente ofereceu ao grupo a casa de sua avó para que se hospedassem; a velha estava servindo no castelo, como uma das babás do filho de Miguel, e a casa encontrava-se vazia, pois a distância entre o trabalho e a residência era grande demais para que a mulher voltasse para casa todos os dias. Ninguém poderia culpa-la; os aposentos da criadagem do castelo eram imensamente mais confortáveis que a casa escura e fria de Um Coração. Ainda assim, era melhor que passar a noite no bordel.

– Bem, chegamos – Lionor suspirou – Mas, e agora, o que faremos?

– Vamos beber um pouco – Nigel já estava parado à porta, quase na rua, apontando para a Taverna da Lua – Enquanto esperamos que Vincent faça a pior parte por nós.

Vicente - o garoto corrigiu, enquanto procurava uma roupa limpa para ficar apresentável – Meu nome é Vicente... senhor.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Como este é um capítulo de transição, com poucos acontecimentos, postarei o outro logo em seguida, para que ninguém ache que a história está parada... afinal, não queremos que os leitores fujam antes das melhores partes, não é? Mas não pulem esta parte, certo? Até a próxima!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Uma Balada para Lionor" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.