Desnortear escrita por minimez, garotadeontem


Capítulo 5
Capítulo 3.1


Notas iniciais do capítulo

Olá, olá. Desculpa pela demora, eu estou CHEIA de coisa pra estudar. Vida de vestibulando... Enfim, espero que vocês gostem! - Fê



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Demorei algumas horas para me convencer de que chantagem também era um tipo de recaída. Minha dificuldade em distinguir o que era próprio do “antigo Félix” e o que me constituía agora era um lembrete constante de que eu não conseguia me virar sozinho. É engraçado como alguém pode se tornar não só parte da sua vida, mas parte de você. A solidão embaçava meus olhos.

Também comecei a me questionar se aquele era ou não um lugar adequado para eu estar. Quando fui atrás de um copo de água na cozinha e fiz silenciar as vozes dos hospedeiros assim que adentrei o cômodo, notei que era um assunto recorrente entre os dois. Então decidi que partiria assim que possível, tendo a certeza de esperar mais um dia para não levantar suspeitas.

É... Eu preciso de umas roupas e... Queria saber se posso passar aí para pegar” mesmo com anos de prática em mentir e esconder-me atrás de uma máscara de indiferença, senti quando minha voz tremeu ao telefone. Fosse por falta de treinamento ou por Niko ser meu ponto fraco, tudo o que pude fazer foi esperar que ele não notasse.

Graças aos nervos estourando durante a discussão, não tivera condições de separar metade das coisas que precisaria. Agora que tinha certeza de que aquilo seria definitivo, teria que voltar a encarar aquele que de amor da minha vida se transformara em razão para minhas crises emocionais. Isso me assustava, não só por não ter tido tempo para reerguer-me, mas por ter medo de explodir de vez. Naquela noite, para que as crianças não escutassem o que estava acontecendo, engolira metade do que queria falar. Sem válvula de escape, todo aquele mal estar ficara cozinhando dentro do meu peito e eu tinha medo de, ao encontrar Niko, acabar perdendo as estribeiras.

Ao estabelecer uma data para nosso reencontro, fizera questão de uma margem, mesmo que pequena, de dias. Precisava construir meus escudos, me blindar contra o que quer que ele pudesse dizer e, acima de tudo, deixar o sangue esfriar. Se não tomasse esse cuidado, acabaria enforcando-o com seus cachinhos e não precisaria de mala alguma ao ir para a cadeia.

O que eu não incluíra nessa equação, porém, logo se fez notar quando virei à esquina da casa em que morávamos. Ou melhor, em que ele morava e eu morara. A raiva, como previsto, se fora, porém em seu lugar deixara melancolia e saudades.

Eu me sentia abandonado. O tempo que passáramos juntos não era pouco, e ele jogara tudo fora por uma carência ridícula, uma insegurança sem justificativa. É verdade que eu tinha problemas com compromissos, mas o nosso eu aceitara de bom grado. Ainda assim, papéis e assinaturas me assustavam. Não por eu ter medo de dividir minha vida com ele, e sim por parecer errado. Da última vez em que me casara, o fizera para agradar meu pai. Transformara a ideia de casamento em “pelação de saco”. E passar por isso de novo, por mais real que nosso sentimento fosse, traçava um paralelo em minha cabeça que desmerecia aquilo que tínhamos. Como se transformasse tudo em um mero cenário oco. A insistência de Niko me reprimira ainda mais. Principalmente depois do que Edith me dissera. Eu não conseguia acreditar que ele fosse capaz de tal barbaridade, mas... E se a incapacidade de acreditar fosse nada mais do que falta de vontade? Eu não via seus defeitos porque não queria, não via suas intenções porque queria que ele fosse meu príncipe encantado. Porém isso não anularia suas intenções, fossem elas quais fossem.

Tentando afastar minhas reflexões, bati a porta do carro. Enumerei tudo o que precisaria colocar na mala para minha nova “casa”. Esfreguei os olhos, amarrei os sapatos, arrumei a gola da camisa, desgrenhei o cabelo, enrolei de toda forma até levar os nós dos dedos à madeira. Fraco, fraco demais, a ponto de só conseguir ser ouvido caso ele estivesse do outro lado.

A maçaneta girou. Os estalos da madeira ecoaram pelo corredor e só se ouviu esses durante alguns segundos. O relógio parecia se arrastar. De cabeça baixa, eu podia sentir seus olhos pousados sobre a minha nuca.

“Pode entrar” a frieza que ele tentava simular não me enganou por um instante, mas decidi jogar seu jogo. Não estava com disposição para brigar, então só deixei que ele ditasse as regras.

Niko se afastou do batente da porta para que eu pudesse passar. Parei a sua frente, mas não me virei. Uma disputa interna entre abraçá-lo ou esganá-lo fez com que eu soltasse um suspiro, que veio quase sincronizado com o bater da porta.

As crianças não estavam em casa, ele afirmou, e eu me senti desconfortável. Tentei ignorar meu estômago revirando em ansiedade, as frases se formando ao redor da minha cabeça, aquilo que eu precisava dizer, gritar, e não queria.

Pela forma que eu embolava as camisas e as tacava dentro da mala qualquer pessoa deduziria que elas reclamariam, se pudessem. Ignorei que meus sapatos ainda pisavam nos dele, que as mangas de nossos casacos ainda se entrelaçavam. Ignorei sua respiração acelerada, e a minha também. Em movimentos quase mecânicos, fechei a bagagem com violência e tentei não aparentar pressa ao dobrar o tamanho de meus passos de volta à sala. Meus dedos estavam brancos devido à força com que eu me agarrava a alça da mala. Sentia as palavras batendo em meus dentes trincados.

“Acho que, já que você não quer voltar, é melhor deixar suas chaves” pude sentir a hesitação em seu tom, mesmo estando de costas “Estávamos mesmo precisando de um molho reserva.”

“Você deve estar de brincadeira comigo” embora a altura fosse de um sussurro, o tom ameaçador somado a minha virada quase que em câmera lenta foram o bastante para fazê-lo dar um passo para trás “Você tem que estar de sacanagem”

“Sacanagem? Félix, foi você quem começou tudo isso!” senti seus olhos me esfaquearem, os punhos cerrados evidenciavam que ele estava se segurando para não fazer o serviço também no sentido literal.

“Foda-se quem começou, Nicolas! Foda-se essa merda! Eu não quis sair daqui, você me mandou embora” respirei fundo e massageei minhas têmporas tentando inutilmente voltar ao controle da situação.

“Ah, claro, mas era só uma questão de tempo, não era? Até que você me mandasse embora” cortando a distância entre nós dois como um raio, ele estava naquela sua forma que poucos conheciam, completamente diferente do Niko bonzinho e carinhoso de todos os dias “Eu era só mais uma diversão na sua vida, não era? Tudo o que você falou... Como você pôde, Félix?"

“Há, acho que alguém está invertendo papéis aqui, querido. Não era eu quem estava se divertindo. Eu sei bem o porquê de toda essa pressa” a sobrancelha levantada me enojava por me fazer ver o quão cínico alguém era capaz de ser “Isso mesmo, eu já liguei os fatos, Nicolas. Você só está interessado no dinheiro do meu pai.”

“Interessado no...” o riso incrédulo que se seguiu me fez estreitar os olhos e cruzar os braços em um misto de satisfação e divertimento “Félix, vai pro inferno! Ou você está esquecendo que eu já gostava de você quando você vendia hotdog? Pelo amor de Deus, eu não preciso dessa merda! Eu gosto de você. Eu amo você, mas que se foda, sabe? Cansei disso. Cansei de ser tratado dessa forma. Você e a Edith se merece mesmo. É, isso mesmo, eu sei que você foi para debaixo da asinha dela. Inclusive, você não deveria ter saído de lá. Vai embora.”

E abriu a porta, praticamente me atirando para o lado de fora. Limpei meu paletó, alcancei minhas bagagens e já ia seguindo meu caminho até que ele fez menção de falar algo mais.

“Você age como se tivesse vergonha de nós. Vergonha de mim. Mas sabe o que? Eu quem deveria ter vergonha de você.”

Não me lembro de muita coisa além do baque surdo da bolsa contra o chão. Quando me dei conta, já tinha traçado o caminho de volta para o apartamento e o empurrado contra a parede oposta a nós.

“Repete. Repete o que você falou. Anda, repete!” sentia minhas veias pulsando, minha respiração acelerada sincronizada com a sua, nossos corpos colados, os rostos próximos demais e sua respiração me drogando.

“Eu disse” mesmo sussurrando, seu tom ficara mais grave, e o deboche evidente “Que eu deveria me envergonhar de você.”

E minha consciência escorreu por entre os dedos, que estavam viajando por debaixo de sua camisa, assim que nossos lábios se encontraram em minha tentativa um tanto agressiva de provar que, mesmo que quisesse, ele não conseguiria.


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Notas finais do capítulo

Comentem, xinguem, taquem pedras, fogo... O que quiserem, mas marquem presença. Beijocas! - Fê