Aceita um Chá? escrita por Puck


Capítulo 1
Capítulo Único — Há quanto tempo você está aí?


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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Oi.

Há quanto tempo você está aí? Oh. Não quer me dizer, certo? Aproxime-se. Não gosta do frio? Eu arrumarei isso na sua próxima visita. As janelas estão de seu agrado, não é? O vento não está entrando porque o vidro está fechado. Ah, você tinha visto. Perdoe-me. O frio é culpa das paredes. Essa é uma casa rara, sabia? As paredes são de pedra pura, lixada e modelada. Nós estamos em uma cidade montanhosa, afinal. É comum esse frio se arrastar por dentro de nossos ossos. Digo. Dos seus.

Posso providenciar algum aquecedor elétrico, mas coisas elétricas não costumam funcionar muito bem. Posso pedir roupas mais quentes para o alfaiate, se for de seu agrado. Nós também podemos pedir que abram as termas para você, quando quiser. Sabia que cerca de cinco metros sob esse chão, corre um rio de água quente? Pois é. Mas a camada de pedra sobre ele não permite que o calor suba até as casas encrustadas na montanha. No entanto, está em meu poder pedir que alguns dos homens com contato nas cidades grandes peçam por alguém para quebrar a tal camada. Se for de seu desejo. Isso aumentaria bastante a temperatura daqui, mas sairia relativamente caro. Você não se incomoda? Está bem. Mas saiba que há a opção. Eu me sentirei imensamente feliz se puder ajudar.

Aceita um chá?

Oh. Não?

Tudo bem.

Não vou te machucar. Não precisa recuar tão apressadamente. Venha cá, deixe-me arrumar estes botões. Imagino o tamanho de sua pressa para sair de casa esta manhã. Você pulou pelo menos duas casas nesses botões do meio. Pronto. Casacos de lã são mais quentes, não? Você já almoçou? Não parece. Suas bochechas estão rosadas, assim como seu nariz e suas orelhas. Hehe. Desculpe. Prometo que não serei mais inconveniente. Quer que eu providencie um cachecol? Seus lábios estão terrivelmente azuis.

Eu... eu acho... acho que aceito uma xícara de chá você diz, bem baixinho. S-sem açúcar...

Entendido. Por favor, me acompanhe. A casa é um tanto grande, não se perca. A cozinha é logo ali.

Você... vive s-só aqui...? é claro que você quer puxar assunto. Não se sinta na obrigação de fazer isso, sim? Mas é, como pode ver, estamos apenas nós aqui. Não se sinta ainda mais acuado, por favor. Sente-se ali, tudo bem? Irei preparar o chá. Aceita um bolo de chocolate e morangos? Está molhado e macio, exatamente como deve ser. N-não, obrigado... você está esfregando as mãos, tem certeza de que não deseja um cachecol? Luvas? Não? Entendo. A água já está esquentando, então, por favor, seja paciente. Qual sabor mais lhe agrada? Laranja? Chá verde? Camomila? Maçã? Ah. Maçã. Boa escolha. Comprei esta manhã mesmo, com as moças da padaria. Elas mesmas fazem, sabe?

Isso me lembra... tem certeza de que não deseja um bolo?

N-não gosto de doces... sua voz é um murmúrio novamente. Tem certeza de que está tudo bem? Nós mal nos conhecemos, eu sei. Mas não precisa ser demonstrar tanta timidez. Sinta-se em casa, afinal, ela já é sua posse. Estou pensando seriamente em pedir para cavarem aquele buraco no quintal. Assim que a água quente do riacho for encanada para as paredes desta casa, o frio não será mais um problema. Meu coração dói vendo você com estes lábios quase roxos. Oferecerei o cachecol mais uma vez, possa perdoar minha persistência. E-eu estou bem...

Não irei mais insistir, nesse caso ─ M-mas talvez eu... eu queira as luvas... se não for incômodo...

“Incômodo”? Eu não sei o que é “incômodo”. Por favor, não se incomode comigo.

Irei buscar as luvas. Volto já para servir seu chá.

Tão jovem. Por cima do ombro posso olhar seus olhos inquietos, perscrutando a cozinha com curiosidade e nervosismo. As mãos estão entrelaçadas no colo. Cada vez que move a cabeça, seja para olhar para a janela, para a chaleira no fogo que apita ou para a grande porta de madeira rústica e escura, as duas bolinhas de lã em sua touca de neve de crochê sacodem. As luvas de algodão cor de creme são as únicas que eu acho para combinar o mínimo possível com a tal touca verde-água. E também parecem as mais macias e confortáveis. Minha prioridade sempre será deixar essa pessoa confortável.

Pronto. Aqui estão suas luvas. Elas estão um pouco empoeiradas, e se for de seu desejo as lavarei, mas elas demorariam a secar nesse tempo úmido. O sol não dá as caras há vários dias já. Ontem mesmo, a nevasca tinha sido tão forte que as portas de acesso à rua estavam praticamente emperradas. Mas não se preocupe com isso; eu sempre darei um jeito de abri-las.

─ O-obrigado. E-eu estou bem... Mesmo. Agradeço as luvas... estão ótimas...

Não precisa me agradecer. Estou fazendo o mínimo que posso. Ah, aqui está. O chá. Cuidado, ele está realmente fumegando. Você disse que não gosta de doces, não é mesmo? Quer pão? É de forma, assado hoje mesmo; ainda está quente. Temos manteiga também, batida durante a madrugada. Quer? Ótimo! Deseja que eu passe a manteiga, ou você prefere fazer isto? Há muito tempo não tenho outra pessoa na mesa a não ser eu, então não sei exatamente a quantidade a passar. Assim, este tamanho da fatia, está bom? Se quiser mais um pedaço eu ficarei muito feliz em cortar. Está macio. Aqui. Não está quente? Aposto que o gosto é diferente de todos os pães que você já comeu. E a textura também. Sente? A casca é lisa e macia, e o miolo é suave e fofo. Não temos carne. Ah, é mesmo. Aqui. A manteiga. Viu como está derretendo no pão?

Temos queijo branco, a propósito... você quer?

Não?

Estou exagerando, não é? Perdão. Coma o que você quiser, e se tiver algo a mais que queira, é só me pedir.

Hum? O que foi?

Já acabou o chá? Você quer mais?

Não? Entendo. Estava bom? Ah, sim. Isso me deixa contente. Como está o... ah. Bem. Hehe. Deixarei você comer em paz. Desculpe por isso também... N-não... Você tem... suco? Q-quero dizer... se for água já está bom...

Suco? É claro. De laranja e abacaxi. Você deseja tomar agora? Ou talvez queira um copo de água, para deixar para tomar o suco durante o jantar? Oh, porque você fez essa cara? Você estava pensando em voltar, já tão cedo? Ou melhor, tarde? Não, por favor. Fique para a janta. Ora, é claro. Eu insisto. O que você gosta de comer? Carne? O açougueiro trouxe um cervo esta manhã, e ouvi dizer que abateram algumas ovelhas cuja lã já estava escassa durante o fim de semana. Você gosta de carne de ovelha? Entendo... talvez peixe? É? Perfeito.

Cozinharei dois peixes então, na pedra. Se importa de me fazer companhia enquanto eu acendo a lareira? Sim, temos uma lareira. Você não esperava por essa? Sinto muito por não dito antes. Uso a lareira para cozinhar também, diga-me se for um hábito ruim. Mas as carnes, principalmente os peixes, ficam deliciosos assados na pedra, no meio do fogo. Dourados e crocantes por fora. Você gosta? Ha, tudo bem, então. Acompanhe-me, por favor.

Ahn? A xícara? Não se incomode. Venha cá, rápido. Vai escurecer em breve. Depois ligaremos os lampiões.

O que foi? Porque essa cara agora? Ah. Entendo. Tudo bem, vamos ligar os lampiões primeiro. Medo do escuro, han. Não tem problema. Me certificarei de que todas as noites, sem exceção, o maior número possível de lampiões estejam ligados.

Você pretende ficar aqui, não é? Esta casa é terrivelmente vazia. O que? ─ Posso ajudar? ─ ajudar? Do que você... ah. É... é claro! Por favor! Aqui, pegue este fósforo ─ Por qual... por qual eu devo começar?

Você não quer se afastar muito, não é? Tudo bem. Cuide deste lado do corredor. Eu estarei às suas costas. Não se preocupe. Quando terminarmos com os lampiões, desceremos para jantarmos. É quase dez da noite, o tempo passa rápido, não é?

─ Eu me sinto bem aqui.

Você está mais falante. Isso me dá satisfação. Sabe por quê? Porque eu queria ver esse sorriso. Não, não. Por favor. Sorria novamente. É um sorriso bonito. Venha, vamos descer. Você nem percebeu que tínhamos subido, não é? Olhe como está tudo brilhando. O escuro não é mais um problema. Agora, está com fome? Venha comigo. Me traga essas lenhas aí do canto, ao lado do sofá verde. Isso. Muito obrigado.

Pegue os fósforos. Estão aí na mesinha. Ah, sim. Muito obrigado. Você é gentil, sabia? Oh, desculpe. Não quis deixa-lo sem graça. Com licença, cuidado para não se queimar. ─ O fogo... ele é lindo. Estava tão frio, que eu... eu quase tinha esquecido de como é a sensação de calor ─ porque você corou? Fale mais, por favor. É bom ouvir sua voz. Você falou tão pouco durante o dia, agora você já está mais a vontade, certo? Continue. ─ O cheiro do peixe... é... é como se eu não sentisse há muito tempo. Eu não sei o que é isso. É um sentimento esquisito. Ele meio que me oprime, mas ao mesmo tempo... suaviza tudo em torno de mim. I-isso... por acaso é você?

Eu? Ora, mas que bobagem. Eu me sentiria imensa e verdadeiramente feliz caso eu fosse o motivo disso. Mas temo que não seja eu. Espere aí. Irei pegar os talheres; o peixe já está estalando. Quer me acompanhar? Pegue o jarro de suco, do sabor que mais lhe agradar. Abacaxi? Oh, é aquele. É, o de barro. Esse.

Venha. O que acha de comer na sala mesmo? Podemos aproveitar o calor da lareira e comer na mesinha.

Você não se incomoda de sentar no chão, não é?

─ Aquela hora... você não me disse...

O que? O que foi que eu não lhe disse?

─ Quando eu perguntei se você morava aqui, sem ninguém...

Não respondi? Que falha a minha. Bem, eu moro. Às vezes, há pessoas como você. Alugam a casa, ficam algum tempo. Eu fico feliz.

Hum? ─ Você... não se incomoda? ─ pelo quê? ─ As pessoas... elas simplesmente vão embora, não é? ─ sim? ─ E você... sempre tenta agradá-las desse jeito?

É claro. Eu adoro pessoas. Gosto de fazê-las sentirem-se confortáveis, queridas e importantes. Gosto de dar atenção à elas. Eu gosto de ouvir suas vozes, de ouvir sobre elas mesmas, e de observar seus sorrisos. Porque são únicos, entende? Eu me sinto muito bem atendendo seus pedidos. A propósito, vejo que já terminou de comer. Como estava o peixe? Você corou de novo. Estou sendo inconveniente? Não? Você... quer me dizer algo?

─ S-sabe... eu... eu não sei como cheguei aqui.

...

─ Você... sabe alguma coisa sobre isso? ─ ... ─ E-ei, n-não suspire desse jeito...

Você também não ficará para dormir, não é?

─ O-o quê?

Você deveria dormir aqui hoje... está escuro lá fora, e provavelmente frio. Muito frio. Talvez você devesse dormir aqui.

─ P-porque você parece tão triste?

Perdoe-me. É que quando eu ouvi você batendo na minha porta, fiquei muito feliz. Eu amo receber visitas. Você estava alugando a casa, a princípio. Como todos os outros. Você precisava de poucas coisas; luz, janelas grandes e calor. Uma para afastar o escuro, outra para não prendê-lo e nem sufoca-lo, e a última para aquecê-lo. Eu esperava poder oferecer-lhe um café com leite sem açúcar amanhã, durante o café, já que hoje você chegara para o chá da tarde. Talvez biscoitos, de baunilha, sem o chocolate. E para o almoço uma torta, de frango! Eu sei cozinhar muito bem. Aprendi com o tempo, recebendo visitas.

Eu achei que você ficaria por mais tempo. Estava pensando nas maneiras de fazer coisas doces sem açúcar, e uma vela que não lhe desse dores de cabeça por dormir com elas acesas. Mas, pelo jeito, você não vai dormir aqui hoje.

─ E-eu não estou entendendo... do que você está falando? ─ sinto muito, eu lhe preocupei, não é? ─ N-não tem problema... mas é que... eu não entendo...

Você se divertiu hoje?

─ S-sim, mas...

É bom ouvir isso. Me deixa feliz. Você ainda está com frio?

─ Não... m-mas... não entendo... porque seu sorriso parece tão triste?

Não se preocupe comigo. Está claro, não está? A luz do fogo está forte.

─ O-o crepitar do fogo... é um som bom...

Bem observado. Oh, dê esse copo aqui.

Como você se sente?

─ Leve.

Leve. Sim. Você está leve. Sua cabeça não está rodando?

─ Eu sinto como se... eu estivesse boiando na água.

Feche os olhos.

─ O que... o que está acontecendo? ─ sinto muito. Não posso dizer. Mas eu realmente queria ter tido mais tempo com você. Queria saber mais sobre você, porque seu medo de escuro, quantos irmãos você tem, qual o nome do seu cachorro. Também queria saber qual seu livro favorito. Você gosta de ler. Queria saber o nome daquela pessoa que você ama, e porque ela é tão especial. Queria também ver mais o seu sorriso, só um pouquinho. ─ E-ei... do que você está falando...? ─ queria saber se você vai lembrar que esteve aqui. ─ C-como assim? Você está falando coisas esquisitas! E-eu... ─ você? ─ Não q-quero ir... ─ não abra os olhos, por favor. ─ Mas eu... ─ não abra. Como se sente? ─ E-eu quero tomar... mais daquele chá... e i-ir comprar p-pão... ─ eu sei disso. ─ O... o que ─ nada está acontecendo de errado.

Por favor, largue a minha manga. Você não pode ficar aqui por muito mais tempo.

─ É-é ruim...

Um sentimento ruim. Eu sei. Sinto muito. Me sinto inútil agora. Você não está se sentindo bem, não é? Desculpe. Não posso fazer nada sobre isso. Nem posso dizer para você voltar em breve. Mas eu tive um bom dia. Muito obrigado. Agora vai ficar tudo bem. Saber que vai ficar tudo bem com você, me deixa feliz. Muito obrigado. Foi muito bom ter conhecido você.

─ E-ei...

Sua voz está rouca. Por favor, não se esforce mais. Você já está indo embora, ou melhor, voltando para casa. Mantenha seus olhos fechados. Pode ser um choque. Provavelmente você não se lembrará da sua estadia aqui, e toda a lembrança que você vai ter quando acordar é de um quarto de hospital.

Mas tudo bem. Pelo menos, aonde você mora, você está bem. Estará bem, em breve. Eu adoraria saber como você praticamente morreu. Mas me contento em saber que agora, está tudo bem.

Na verdade, eu adoraria encontrar você para mais uma xícara de chá, mas temo que não seja possível.

Bem, foi bom ter conhecido você.

Muito obrigado.

De verdade.

.

Bom dia.

Eu acabei de acordar, mas vejo que você já acordou há muito tempo; seus olhos estão arregalados. Na verdade, seu rosto está meio pálido. Está tudo bem? Se me permite perguntar, o que aconteceu? Ah. Entendo. Não quer falar sobre isso. Tudo bem então. Vou tomar um café. Venha, me siga. Não tenha medo, não vou te machucar.

A propósito...

Você aceita uma xícara de chá?


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Notas finais do capítulo

Oi, você aí, que acabou de ler a história. Espero que tenha gostado. E que não tenha achado muitos erros, hehe!

Bem, o texto não tem bem uma "ideia". O narrador pode ser algo como Deus, um anjo ou qualquer coisa do gênero. E o visitante uma pessoa que quase morreu/estava morrendo. Ou o que você quiser entender. Foi uma ideia muito aleatória, então tirem suas próprias conclusões sobre o que aconteceu ali xD

Bem, obrigada a você que leu. Mesmo.

E se achar que vale a pena, deixe um comentário!