You Only Live Once escrita por Vero Almeida


Capítulo 38
Interrogatório básico


Notas iniciais do capítulo

Heeey! Adiantada uma vez na vida. Uhuuul! *Dancinha*

Espero que gostem, e que eu não seja muito ruim com mistérios.

Beeijos



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PDV Anônimo

Estive à espreita durante um bom tempo, mas a latinazinha não deixava o quarto por nada nesse mundo. Até pra comer, ela saía, pegava o prato, e retornava com uma carranca maior que o mundo. Parecia deprimida, assustada, vivia checando as janelas e portas. Já estava bem aterrorizada, agora eu só precisava colocar a cereja do bolo direitinho, e a maldita voltaria pra casa antes que qualquer um dos outros babacas pudesse piscar.

Minha oportunidade finalmente apareceu naquela manhã, quando o chifrudo apareceu e tirou Alícia da casa. Já preparado, me embrenhei entre os arbustos abaixo da janela e assim que o carro partiu, apressei-me a destrancar a mesma com um clips pontiagudo. Anos e anos de prática em arrombamento me serviram de alguma coisa.

Essa vadiazinha vai aprender que ninguém mexe com os meus e sai impune. Minha paciência está se esgotando, ou ela volta pra casa, ou eu faço com que volte nem que seja num caixão.

_/_/_

PDV do Noah

Quando eu perder a minha santa paciência, vou dizer umas poucas e boas pra aquela jararaca travestida que eu tenho a infelicidade de chamar de sogra. Graças a ela, estou aqui tendo que lidar com a fúria interminável de Marie.

Ela está bastante concentrada batendo mais uma de suas gororobas diet no liquidificador, e pela maneira como joga os ingredientes de forma violenta no mesmo, eu sei que não só ainda está puta comigo, como faz questão de me mostrar que ainda está puta comigo.

– Meu amor... – Aproximei-me devagar, sempre atento para a possibilidade de ter que sair correndo. Se tem uma coisa que eu não subestimo, é a raiva feminina. – Me desculpa poxa, eu não vou mais ofender a sua mãe... – Não em voz alta pelo menos. – Mas vamos combinar que ela é uma pessoa meio difícil né?

E por meio difícil eu quero dizer terrível, manipuladora, preconceituosa.

Marie relaxou os ombros, mas não desviou a atenção do liquidificador. Ela sempre foi assim, não gosta de falar quando se chateia, não é o tipo de garota que chega na sua cara e despeja tudo o que sente de uma vez em uma série de gritos tenebrosos. Ela fala muito mais pela linguagem corporal nesses casos, e bem, comigo ela fala por linguagem corporal em muitos outros casos também. O fato é que eu conheço cada pequeno gesto e seu devido significado, e até mesmo posso prever os próximos que virão. Não que ela seja previsível, mas eu a conheço melhor do que qualquer outra pessoa no mundo, e sim, incluo os pais dela nessa.

– Olha, o que você acha da gente almoçar depois da sua aula? Eu pego você na porta do prédio e vamos pra algum lugar só nós dois. – Abracei-a por trás, mas ela permaneceu rígida feito pedra, e se desvencilhou dos meus braços.

Virou de frente pra mim, visivelmente contrariada e com os olhos ardendo em fúria.

– Eu tenho ensaio depois da aula. – Foi curta e grossa. – Olha Noah, eu amo você. E grande parte disso se deve ao seu jeito espontâneo e descontraído, mas você não sabe lidar com os meus pais. E agora olha só a confusão que você arrumou! Além de toda a confusão com a minha mãe, aceitou jantar com meu pai no fim de semana!!! E agora eu não tenho nem o direito de ficar brava por muito tempo, porque tenho que te deixar apresentável.

Epa, espera aí! Por um acaso eu não sou apresentável?

– O que você entende por apresentável? – Cruzei os braços. – Marie, eu não sou uma pessoa engomadinha. O mais perto de algo formal no meu vestuário é uma calça jeans e um tênis, e eu sempre me achei bastante apresentável desse jeito. Inclusive já era assim quando te conheci, e quando aceitou namorar comigo.

Eu nunca a tinha visto falar desse jeito, “Me deixar apresentável”, como se fosse impossível andar de mãos dadas comigo desse jeito. Eu vejo que somos diferentes, mas isso nunca pareceu uma questão pra ela, como não é pra mim. Não pensei que seria um problema ela ser arrumadinha como sempre foi e eu basicão como sempre fui. Nunca foi um problema antes.

– Hey, não inverta as coisas. Sou eu que estou zangada aqui! Você chamou minha mãe de mal comida.

– E você tem vergonha que eu apareça na sua casa de bermudão, camiseta ou moletom. O que é pior? Meu relacionamento com a sua mãe, ou você ter vergonha de andar comigo do jeito que eu sou?

– Você acha que eu tenho vergonha de você? – Ela deu alguns passos pra trás, indignada, como se eu tivesse dito algum absurdo. Me encarou com os olhos azuis cristalinos sedentos por uma resposta, mas eu não sabia o que dizer. Nunca pensei que ela tivesse vergonha de mim, mas naquele momento era o que parecia. A encarei de volta por alguns instantes, mas não consegui manter o olhar. Eu me sentia horrível, como se tivessem jogado um caminhão de lixo em cima de mim de repente, sem aviso prévio.

Não entendia porque eu não poderia ser apresentado ao pai dela sem que me desse um curso de como ficar apresentável.

Encarei meus próprios pés, tentando achar alguma coerência em tudo aquilo. Eu estava chocado, incrédulo, poderia aceitar esse comportamento de qualquer outra pessoa, menos dela.

Senti suas mãos miúdas erguendo meu rosto com certa urgência, e quando voltei a encará-la, não havia mais vestígios de irritação em suas feições. Ela tentava falar, mas eu me recusava a encará-la, não queria ouvir (ou ler os lábios, no caso.) Estava absolutamente puto.

Tentei deixar a cozinha, mas ela me puxou novamente, e dessa vez segurou meu rosto com as duas mãos, me forçando a olhar pra ela.

– Meu amor, eu não tenho vergonha de você, como isso pode sequer passar pela sua cabeça? – Os lábios estavam trêmulos, estava à beira das lágrimas. – Você não os conhece, eles precisam gostar de você.

– Eu não ligo pra o que eles pensam ou vão pensar de mim, Marie. Eu não ligo pra o que ninguém pensa de mim, só me interessa o que você pensa. Eu sempre vou respeitar o seu universo, a forma como você foi criada, a formalidade da sua família, mas vou fazer isso do meu jeito. Eu quero poder entrar na casa da minha namorada usando minhas roupas, comer do meu jeito, andar e falar a vontade, eu não sou nenhum ermitão, poxa! Não sou também um exemplo de classe, mas eu tenho modos. Posso te acompanhar em todas essas baboseiras de jantares e festas, mas não vou me fantasiar de algo que eu não sou. Você vai ter que decidir se vai querer um cara como eu segurando seu braço nesses eventos, ou se nossas diferenças são grandes demais pra você. E quando souber me avisa.

Ela tentou me conter uma terceira vez, mas apesar da minha magreza excessiva, eu ainda era mais forte que ela. Atravessei o corredor que ligava a cozinha à sala e saí pela porta da frente da casa. Precisava de ar fresco urgente.

_/_/_

PDV da Ana

– Garoto, o que você sabe? Quem te ameaçou? – O jovem estava sentado no vaso sanitário, de cabeça baixa e ombros caídos. Parecia perdido, indeciso e com medo. Isso fazia meu sangue ferver de raiva. Abaixei-me diante dele, e peguei sua mão de maneira encorajadora. – Eu não vou deixar nada acontecer com você.

– Ninguém me ameaçou, pelo menos ainda não. Eu só resolvi que não quero me meter nessa história, principalmente porque eu também sou bolsista, e é facinho sumirem comigo aqui nesse fim de mundo. – Não ousava me encarar, sabia que falar comigo era a coisa certa a fazer, eu só precisava usar os argumentos certos e ele acabaria cedendo.

– Ah você também é bolsista... – Levantei, me escorando ao batente da porta. – Então me responde uma perguntinha básica: O que impede esses caras, seja eles quem forem, de virem atrás de você quando terminarem com a minha aluna? Vão forçá-lo a deixar o campus da mesma maneira que fizeram com ela, e se não desistir todos os seus sonhos e sair daqui, vai acabar como o pobre coitado morto na praça, e o pior, é que nunca vai ser feita a justiça sobre sua morte, porque todos acreditarão que foi um acidente, ou algo do tipo. Nós somos os únicos por aqui que acreditam que essa seita não é apenas uma lenda local.

Faros riu sarcasticamente às minhas costas.

– Ela tem argumentos fortes, garoto. – Completou ele. – E conhece alguns outros meios não muito lícitos para convencer pessoas. Se eu fosse você, falava logo. Essa aí sempre consegue o que quer.

– ... Não muito lícitos? – Ele gaguejou. Revirei os olhos.

– Relaxa garoto, ele está exagerando, mas se eu fosse você, não me deixaria desapontada. – Apoiei minhas duas mãos nas laterais do vaso sanitário e debrucei-me diante dele, encarando bem o fundo daqueles olhos castanhos com a minha melhor careta persuasiva. – O que você sabe?

– Nada muito relevante. – Abaixou os olhos, não conseguia me encarar nem por meio segundo sequer. Típico de quem mente. – Posso ir agora?

– Olha garoto, tem mais do que o seu umbigo em jogo aqui. Abre logo esse bico, e eu vou fazer o que puder por você. Agora se eu tiver que descobrir sozinha, garanto que não vai gostar do tratamento VIP que eu vou te dedicar! – Bufei. Esses rodeios já estavam me enchendo. – Quando eu sou legal, sou boa meu amor, mas quando sou implicante, sou melhor ainda.

– Acho que o ditado não é bem esse. – Sibilou Faros. – Mas dessa forma combina mais com você.

– Você vai ajudar, ou vai ficar aí com esses comentários aleatórios e desnecessários? – O fuzilei. O sorriso dele se alargou, e eu sabia o que se passava naquela mente maquiavélica. Parecia se divertir com a situação, zombando do meu jeito de fazer as coisas. Conhecendo-o como eu o conhecia, era capaz de apostar que ele tinha a maneira perfeita de fazer o garoto abrir o bico, mas era mais divertido me ver esgotar as possibilidades primeiro. – Eu juro que estou sem paciência pra você hoje. – Cerrei os olhos e os punhos. – Se você sabe como fazê-lo falar, faça logo antes que eu enfie essa sua cabeleira lisa na privada!

– Caaaalma. – Encarou as próprias unhas, e bocejou, demonstrando que não tinha pressa nenhuma em me obedecer. O garoto cujo nome eu desconhecia, deixava seus olhos vagarem entre mim e Faros, confuso e ansioso para sair dali. – Eu não tenho como obrigá-lo a falar, sou um simples professor, não tenho meios pra isso. – Quando acabou sua análise das unhas, levou as mãos ao cabelo (outro de seus tiques) e torceu os fios num coque improvisado. Não bastava o rosto andrógeno, tinha que ter manias estranhas também. – Mas, como professor, eu posso bonificar alunos que colaboram comigo. Um mês de estágio talvez, com um dos meus telescópios, SOB MINHA SUPERVISÃO, ou do Aaron.

– Ele vai adorar saber que você o está enchendo de serviço. E sem nunca tê-lo deixado encostar nos seus telescópios. – Repliquei.

– Você quer saber o que esse guri sabe, ou não?

Dei de ombros.

– Dois meses. – O garoto abriu a boca, subitamente interessado na conversa. – E se eu for bom, vai me deixar dar monitoria, que nem faz com Aaron.

O rosto de Faros se retorceu numa careta, parecia ponderar se a informação valia o esforço. O favoritismo que tinha com Aaron era mais do que evidente, e ele não fazia questão de esconder.

– Quatro meses, e deixamos o lance da monitoria pra lá. Oferta final.

– Fechado. – Apertaram as mãos.

Faros me encarou com aquele ar superior que nunca saía de seu rosto, mesmo quando estava por baixo. Tudo para ele era competição, parecíamos dois adolescentes brincando de competir. Revirei os olhos, pouco me importava os meios utilizados, contanto que eu soubesse logo de que raios se trata essa informação, e ela me ajudasse a trazer Alícia de volta.

– Ok garoto, agora desembucha.

– Eu costumava estudar na biblioteca do prédio principal da Astronomia lá pro meio dia. Era silencioso e vazio, a maior parte dos alunos da astronomia dormem esse horário pra encarar as aulas noturnas. – Eu podia sentir a tensão emanando, ele falava de maneira pausada, medindo as palavras. – O cara que morreu estava sempre lá, eu não sei se morava desse lado do Campus ou só gostava de estudar lá, não existem muitos outros lugares tranqüilos pra se estudar por aqui. As vezes aparecia um cara pra conversar com ele, e quando ele aparecia, iam os dois até um canto mais isolado da biblioteca. Eu acho que eram duas bichonas, mas essa parte também não interessa. – Deu de ombros. – Eu não sei de nada do falecido, mas esse cara deve saber.

– Sabe dizer quem é essa pessoa pelo menos? – Insisti, impaciente.

– Falei com ele algumas vezes, era bem legal. Depois que viu que eu estava sempre lá, passou a levar sanduíches pra mim quando ia encontrar o falecido.

– Para de chamar o pobre garoto de falecido! E de bichona também! Isso é desrespeitoso. – Ralhei. – Quem é o cara?

– Sei lá o nome, não conversamos muito. Acho que ele só queria ser gentil com os sanduíches. Eu o vejo às vezes no restaurante principal, acho que trabalha lá.

Ah, grande merda, muitas pessoas trabalham no restaurante principal.

– Nada mais conclusivo?

O garoto balançou a cabeça negativamente. Suspirei alto.

– Valeu garoto. Agora vaza. – Dei tapinhas em seus ombros. Ele saiu da sala praticamente correndo na primeira oportunidade.

– Pelo menos agora sabe onde procurar por mais informações. – Faros sussurrou ao meu ouvido de maneira provocante. Quando fazia esse tipo de coisa, sempre me deixava a ponto de socá-lo ou beijá-lo ao mesmo tempo.

– É... – Concordei, sem muita paciência pra discutir. – Mas eu estou com a sensação de que estou me esquecendo de algum fato importante sobre isso.


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