You Only Live Once escrita por Vero Almeida


Capítulo 3
Ferir, queimar e terminar.


Notas iniciais do capítulo

Poxa gente, 2 caps e nenhum comentário? #Chateada
Não precisa muita coisa não, só um "gostei" ou "não gostei" ta bom. Me deixem feliz vaaai? haushausha

Ah, esse cap é a estréia do ponto de vista de um anônimo, futuramente vocês vão saber quem é. hahaha *risada maligna* (parei)

Ta aí, espero que gostem!



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PDV da Stella

– Não vai falar comigo? – Perguntei, já sem paciência para o projeto de homem sentado à minha frente. Nunca pensei que o Ryan fizesse o tipo infantil, nunca mesmo. O fato é que desde que ele me encontrou na praça irritado por causa da brincadeira que fizemos com a lâmpada fosforescente importada da Argentina, não me dirigiu uma palavra sequer, e Deus sabe como isso me irrita. Tô a ponto de ter um ataque de nervos.

Olhei pra cara dele, seus olhos não saíam do copo de cerveja em suas mãos. Ele rodava e rodava o copo, suas pernas jogadas sob o banco da praça. Tirou os fios de cabelo que lhe caíam sobre os olhos, e com a mão livre jogou-os pra trás, o que queria dizer que estava irritado, muito irritado. Queria dizer também que não ia me responder.

Foi automático, juro que foi automático. Quando eu vi, minha mão já tinha jogado aquela porcaria de copo longe.

– Me responde, Droga! Me diz o que te irritou tanto. Gostou da Latinazinha foi? Vai tomar as dores dela agora? VAI LÁ COM ELA ENTÃO! - Eu gritava, e chutava os restos mortais do copo que jogara no chão segundos antes. Cassete mano, como eu detesto isso. Eu sou bastante prática, se não gosto das coisas eu grito e soco a cara de um. Detesto frescura, ta irritado fala logo.

Ele olhou pra mim, me fuzilando com o olhar. Se levantou e balançou a cabeça negativamente, virando as costas pra mim e rumando pra outro lado.


– Hey! - Gritei, puxando-o pelas costas da camiseta. - O que deu em você? Desde quando você age como um bebê chorão? Larga de ser trouxa, cara.

– Me solta! - Ele se virou num ímpeto e segurou meu pulso, me forçando a soltá-lo. - Eu tenho mesmo que deixar de ser trouxa, tenho que deixar de ser o seu trouxa. Você quer que eu diga qual é o meu problema? Eu digo qual é o meu problema! - A essa altura, ele já segurava meus dois pulsos, e me sacudia. Arregalei meus olhos, nunca tinha o visto desse jeito.

– O meu problema é você, Stella. Meu problema é sempre você! - Me soltou de repente, e eu caí no chão, próximo a mureta. Por um instante achei mesmo que fosse me bater.

– Você não entende, não é? Não é o que aconteceu com a Alícia, é você!. Stella, você deixou uma garota nua no meio da praça e sumiu com as roupas dela. Que tipo de pessoa faz isso?

Ele estava fora de si, seus punhos estavam cerrados e seus olhos mal piscavam. Eu não podia acreditar no que eu estava ouvindo. Me coloquei de pé e estufei o peito. Ninguém joga coisas na minha cara e sai impune. Não ia escutar essas coisas calada, ahh, mas não ia mesmo.

– O tipo de pessoa que você costumava ser! - Comecei, metendo o dedo no peito dele. – Nós éramos iguais. Nós sumíamos por dias e noites a fio fazendo o que dava na telha quando dava na telha. Nós bebíamos e dormíamos caídos na sarjeta, corríamos de carro e depois fugíamos da polícia. Ryan nós entrávamos em lojas de conveniência e furtávamos comida só por diversão.

Vi um sorriso mínimo se formar em seus lábios, e soube que ele se lembrava perfeitamente de cada uma dessas coisas. Mas isso não atenuou sua irritação.

– Isso era inconseqüência, não maldade. Existe uma diferença. – Estávamos muito perto agora, eu sentia seus olhos castanhos me fitando, irados. Sua voz era baixa, mas eu sentia suas emoções em cada palavra emitida. – Minha inconseqüência nunca prejudicou ninguém. É o segundo dia dela, Stella. Pelo amor de Deus.

– Você mudou! – Esbravejei, cerrando o punho e o socando-lhe o ombro. – Há pouco tempo você estaria comigo nessa, e eu não precisaria ter ido atrás do Matt!

Claro que eu não diria a ele o quanto isso me doía... Ryan sempre teve o lado responsável e o lado rebelde, e era isso o que eu amava nele. De repente parte disso não existia mais, e eu não sabia o que pensar. Ele costumava embarcar nas minhas loucuras e nós nos divertíamos feito loucos, mas quando eu precisava de dois pés no chão, era nele que eu me apoiava. Eu podia me imaginar vivendo a vida inteira daquele jeito... Do nosso jeito. Mas de repente alguma coisa mudou, e agora pra tudo existe um senso de moral, pra tudo existem regras, e eu não me lembro quando exatamente ele se tornou um cara que cumpre regras. Devo ter perdido essa parte.

– Eu não mudei... – Agora existia dor em seus olhos também, era meio reconfortante enxergar alguma coisa ali que não fosse raiva. – Eu cresci. Eu tenho 23 anos Stella. Tenho um sonho, quero me formar, viver da minha música. Quero ter uma família...

Urgh, família. Família tipo, uma casinha amarela, 3 filhos e um cachorro? Só a idéia já me enjoava.

– Eu amo a adrenalina, mas só ela já não me basta mais. E você simplesmente não consegue passar um dia sequer sem fazer algo estúpido e irresponsável. – Suspirou longamente, e por um segundo eu vi seus olhos lacrimejarem minimamente. No segundo seguinte já estavam normais. – Eu me sinto tão cansado de ter que me preocupar com você, quando nem você mesma se preocupa... Você pode ser suspensa, porra! Ou expulsa. E aí, você vai pra onde? Vai voltar pra aquele manicômio que é a sua casa? Eu sei que não quer voltar pra lá, mas é o que vai conseguir com isso!

– Você se preocupa porque quer! Eu nunca pedi! – Me vi cuspindo as palavras em cima dele antes que tivesse a oportunidade de pensar sobre elas. – Eu não me preocupo mesmo, nem quero saber o significado da palavra preocupação. Eu quero viver, e que venham as conseqüências. E você devia fazer a mesma coisa. Larga do meu pé e vai viver sua vida!

Ele demorou pra responder, se afastou alguns centímetros, me encarando. A boca levemente aberta, num sinal de incredulidade.

E então eu percebi o que tinha falado, e me arrependi imediatamente. Mas claro, já estava dito e eu não voltaria atrás.

Ele riu, na verdade gargalhou, mas não era como se tivesse achado alguma coisa engraçada. Era uma risada pesada, sarcástica.

– Você tem razão! - Ele ainda ria, ria e batia palmas. Era assustador vê-lo daquele jeito, parecia insano. - Você tem toda a razão.

A risada dele ecoava na minha cabeça, me incomodava, mas eu não deixaria transparecer. Observei-o se aproximar novamente de mim, com um sorriso doentio nos lábios. Chegou perto demais, mas não me tocou. Seus olhos se fixaram nos meus, ele nem piscava.

– Eu cansei. - Sussurrou, eu podia sentir a raiva em sua voz. - Não adianta dar tudo pra uma pessoa que não tem nada pra oferecer.

Ele se afastou e me deu as costas. Eu sentia alguma coisa crescer no meu peito a medida que ele se afastava, sentia as lágrimas prontas para brotarem de meus olhos, mas não ia deixar que elas caíssem, ahh mas não ia mesmo. Você vai perdê-lo , uma voz sussurrava na minha cabeça. Todo o meu corpo gritava pra que eu fizesse alguma coisa pra impedi-lo de ir, meu cérebro pensava em milhões de maneiras de pedir desculpas e implorar pra que ele ficasse, mas minha boca se recusava a pronunciar as palavras certas.

– Já vai tarde! - Foi o que eu disse (na verdade gritei), ao invés das desculpas. - Se eu quisesse um pai eu voltava pra casa.

Ele parou onde estava, e virou-se novamente em minha direção, mas não avançou um passo.

– Você não vai arranjar outro trouxa que nem eu, nunca. - Ryan falava devagar, colocando um peso extra em cada palavra. - Você vai morrer sozinha... - Fechei os olhos, me esforçando cada vez mais pra conter as lágrimas. - VAI MORRER SOZINHA! - Gritou uma ultima vez, antes de chutar o banco da praça e sair de vez do meu campo de visão.

– EU NUNCA PRECISEI DE VOCÊ! SEU BUNDA MOLE, TROUXA, MARIQUINHA! - Eu gritava. Sentia uma raiva tão grande, que mal cabia dentro de mim, e uma dor lancinante que escorria pelos meus olhos agora que eu já não precisava mais conter as lágrimas. Eu tinha vontade de esganar aquele cachorro, sem vergonha, cafajeste. Tinha vontade de esquartejá-lo vivo e tacar cada pedacinho aos ratos. Mas também tinha vontade de correr atrás dele e retirar tudo o que eu disse, tinha vontade de dizer qualquer coisa que o fizesse voltar.

– Droga! - Me deixei cair no chão, com os cotovelos nos joelhos e as mãos na cabeça.

_/_/_

PDV do Noah

Oh... Fuck... Ela estava mesmo agarrando o cara. Oh Noah, não seja modesto. Ela estava engolindo o cara. Eu podia ver suas mãos na nuca dele, e ainda mais, as mãos dele na cintura dela. Filho da Puta,vou cortar as mãos dele.

Claro que eu sabia que isso aconteceria mais cedo ou mais tarde. Ela é jovem, bonita, tão doce e talentosa! Eu sabia que devia dizer a ela, sabia que devia chamá-la pra sair ou qualquer coisa assim. Mas quando olho pra ela, simplesmente não tenho coragem. O fato é que: Não importa quão bem eu me vire sem a minha audição, ela merece uma pessoa inteira. Uma pessoa que possa escutá-la gritar em uma emergência, ou chamar de um outro cômodo, ou atender o celular ao invés de conversar por mensagens. Ela nunca teria nada disso comigo.

Senti a mão de uma das garotas em meu rosto, puxando-me na direção dela. As garotas... Quase tinha me esquecido delas. Me desvencilhei do toque, afastando as duas de mim da forma mais delicada que pude. Eu não queria mais beber, não queria mais companhia, não queria mais porra nenhuma.

Balancei a cabeça, tentando espantar os pensamentos, o ciúme, e essa faísca que de vez em quando me aquece por dentro e me faz ter vontade de ir lá e falar tudo pra ela.

– Hey, cara! – Kyle chamou minha atenção, ele estava um pouco mais adiante com as mãos em torno de uma garota que eu nunca tinha visto. E olha que uma garota que Noah Manson nunca tenha visto não é algo comum de se achar. – Algum sinal do Ryan e da Stella? A gente não tocou ontem, tem que tocar hoje porra!

– Eu sei, Tô sabendo. – Mas duvidava muito que fôssemos tocar hoje. Ryan estava mesmo furioso com Stella, e quando eles brigam a banda sempre se ferra. Ou nós simplesmente não tocamos, ou tentamos tocar e em algum ponto da apresentação eles começavam a se provocar até se estapearem e um deles abandonar o palco.

Voltei meus olhos novamente para Marie e o loiro cretino, que agora estavam um pouco mais a frente. Andavam de mãos dadas, rindo a toa, em direção ao quiosque de sucos. Amanhã ela vai aparecer pra mim toda sorridente me contando sobre o encontro com o fulano, e eu vou ter que sorrir e acenar feliz da vida enquanto sinto meu estômago virar como se tivesse recebido um soco.

Vai imbecil, agora agüenta, trouxa!

Eu estava lá, parado, com o pé apoiado na mureta do jardim e o cotolevo apoiado no joelho, olhando que nem besta pra Marie, quando um Ryan quase insano passou na minha frente chutando a mureta ao meu lado logo em seguida. Então tinham mesmo brigado, adorava como eu sempre tinha razão quando se tratava de Ryan e Stella.

– Hey, senta aê e se acalma cara, desse jeito você vai quebrar tudo. - Olhei ao redor a procura de Kyle, filho da puta, já tinha se mandado. Devia estar se embebedando com Luke por aí.

Ele sentou-se, de punhos e olhos cerrados. Eu podia vê-lo ofegar, e o conhecia o suficiente para saber que qualquer movimento em falso agora me renderia um belo de um hematoma na cara.

– Brigaram de novo. – Afirmei.

– Foi a ultima vez. - Sibilou, entre dentes, e por um segundo eu me perguntei se ele a tinha matado. Mas era o Ryan, e mesmo sendo um roqueiro meio desequilibrado, ainda era cortês, no fim.

Cara, eles namoravam há dois anos e brigavam muito, mas nunca tinham se separado antes. Fiquei boquiaberto por uns segundos, sem saber o que dizer. A respiração dele estava normalizando mas seus olhos ainda me davam medo, os punhos relaxaram.

– É, uma noite ruim pros caras. – Comentei, voltando meus olhos mais uma vez para Marie e aquele cretino.

Ryan seguiu meu olhar. Nós vimos os dois abraçados próximos a mureta de um dos canteiros, ficaram assim uns segundos, e então ele se inclinou sobre ela e a beijou novamente. Virei-me para o outro lado, ignorando a dor de cotovelo. Ele deu um sorriso mínimo, apesar de a tensão ainda ser visível em seus traços

– Eu te avisei que se você não tomasse uma atitude alguém ia ser mais rápido.

– Será possível que até fodido você arruma ânimo pra me encher? – Rimos, meio desanimadamente, e então passei a fitar meus pés enquanto ele soprava o cabelo. De repente uma idéia me veio à cabeça. – Se vamos ficar na fossa, vamos fazer isso direito! Vou comprar umas cervejas.

É, é o que tem pra hoje.

_/_/_

PDV da Alícia

O Domingo amanheceu estranho, nublado, bem diferente do sábado ensolarado do dia anterior. O clima estava estranho na república.

Cheguei da praça ontem por volta de meia noite, com uma Marie roxa de vergonha que ria e conversava com Adam sobre o que raios tinha acontecido naquela praça. Eles tem uma relação meio acima de relacionamentos, é engraçado ver como eles lidam com o fato de que terem se beijado. Era uma situação estranha pra ambos. Ficamos um tempo conversando na varanda antes de dormir. Lá pela uma hora da manhã, recebi uma mensagem de texto de Joshua.

Hey, eu recebi a mensagem anônima. Isso foi terrível... Como você está?

Nooossa, tanto elogio e gentilezas no primeiro dia, e eu não mereço nem uma ligação? Argh, homens.

Os homens estão me tratando como um pedaço de carne, mas estou me saindo bem mandando-os a merda. Respondi.

Aposto que está. – Mandou-me, um tempo depois. Essa eu optei por não responder, não sabia o que dizer.

Ryan já estava moquifado no sofá e roncando que nem um porco quando chegamos, a bendita garrafa de cerveja na mão. Se ele não estivesse bêbado e cheirando a cerveja barata, eu até acharia bonitinho a maneira como ele dormia todo largado, com um pé sobre o encosto do sofá e os braços jogados pro lado.

Stella não deu as caras por aqui, e eu deduzi com os meus lindos neurônios cor de rosa que alguma coisa acontecera ali, mas não cheguei a perguntar a ninguém.

Noah chegou bem tarde, não falou nem olhou para ninguém, apenas foi até a cozinha, pegou um pouco de água e jogou na cara de Ryan. Eles se xingaram e se bateram por meio minuto, mas logo foram dormir. Agora já era cerca de 11 horas da manhã, e eu estava ali encostada num poste em frente a varanda, observando um Noah inquieto digitar insistentemente no celular, sentado em um banco do outro lado da rua.

– É, ontem não foi um dia bom pra ninguém. - Dei um pulinho de susto. Me virei a tempo de ver um riso debochado nos lábios de Ryan, que ele logo fez questão de esconder. Deve ter sido mesmo ridículo aquele pulinho. - Desculpa, não quis te assustar.

Eu podia vê-lo conter o riso, mas resolvi fingir que não. O cara estava tentando ser educado, não custava tentar também, mesmo que eu ainda estivesse puta por ter minhas roupas levadas pela namorada dele.

–É, eu perdi minha jaqueta favorita, uma calça jeans, minha camiseta do Coldplay, e fiquei pelada em público. Dia cheio. - Disse, dando de ombros.

– Uma camiseta do Coldplay... Um estrago e tanto. - Ele me olhava com aqueles olhões castanhos. Estava realmente se esforçando pra ser simpático.

– Sobre a Stella... - Começou, desviando imediatamente os olhos de mim, e passando a focalizar em Noah, do outro lado da rua. Colocou as mãos nos bolsos. - Ela não é tão ruim quanto parece. Ela é complicada, muito complicada. - Fez uma pausa, chutando umas pedrinhas no chão. - Só... dê uma chance a ela, ok? Ela precisa de amigos.

– Vocês estão com problemas, não estão? - Sorri, com vergonha. Ele me olhou com um enorme ponto de interrogação na testa, revirei os olhos. - Qual é, você dormiu bêbado no sofá e ela não voltou pra casa, não precisa ser muito inteligente.

Ele deu um sorriso amarelo. - É, você tem razão. - Suspirou, voltou a mexer nas pedrinhas com os pés. - Nós terminamos.

– Lo siento, sinto muito mesmo! - Coloquei minha mão sobre seu ombro, solidariamente. Não acredito que no meu segundo dia ali eu já tinha atrapalhado um namoro. Que tipo de bomba relógio eu sou? - Olha, eu te ajudo a concertar isso, eu posso...

– Hey, nem começa. - Ele me interrompeu. - A culpa não foi sua. Foi você quem acabou exposta pra todo o campus, como a culpa pode ser sua?

Ele olhou de novo em direção ao Noah, voltando-se novamente pra mim em seguida.

– E a rosa? Olha, você pode não acreditar em mim, mas me ouça ok? – Seus olhos eram suplicantes, e eu podia ver neles uma preocupação genuína. Era encantador ver que alguém podia se preocupar tanto com uma pessoa que mal conhece, e eu soube que ele se sentiria da mesma maneira com qualquer outra pessoa. – Fique longe do Hook.

– Eu já me livrei da rosa, mas Joshua me mandou uma mensagem de texto ontem a noite. – Admiti, Ryan abriu a boca para dizer algo, mas o interrompi antes que o fizesse. – E eu respondi.

Sua boca se fechou instantaneamente. Ele olhou pra mim, claramente desaprovando minha atitude, e de repente me lembrava muito um parente mandão.

– Alícia...

– Eu sei, eu sei, você quer que eu fique longe dele. Só não consigo ainda enxergar esse monstro todo que você vê. – Eu tentava ser o mais sincera que podia ali, e ao mesmo tempo tentei me manter aberta àquilo que ele queria me dizer. Parecia realmente preocupado, então eu acho que devia isso a ele.

– Não posso te pedir que acredite em mim ainda, mas posso te pedir pra ficar esperta com ele?

– Pode. – Pisquei pra ele. – Prometo que vou ficar esperta com ele.

– Bom... Acho melhor ir checar como Noah está. – Seus olhos se voltaram ao banco do outro lado da rua, ali, Noah ainda não tirara os olhos do celular. – Afinal eu o larguei sozinho na praça depois de algumas garrafas de cerveja, vai saber nas garras de quem ele caiu?

Acenou pra mim, rindo consigo mesmo enquanto se afastava, atravessando a rua em direção ao banco.

Ele era um cara legal, bem legal. Não pude deixar de observar que ainda usava a aliança de namoro, suas mãos iam até ela com mais freqüência do que o necessário, e eu tinha certeza que era um ato completamente inconsciente. Ryan era apaixonado por aquela garota, e mesmo separado, ainda seria. Estava em seus olhos.

É... Era uma pena.

_/_/_

PDV do Noah

A tela do celular parecia a coisa mais interessante do mundo pra mim naquele momento. Eu estava pensativo, irritado, e seria capaz de matar alguém de tanto ciúme que sentia. Mas não daria o braço a torcer. Agora mesmo Marie devia estar lá dentro com ele, dizendo o quanto se divertiu ontem, e blá, blá, blá.

Eu podia ver Ryan se aproximar pelo canto do olho, coloquei meu celular no bolso e olhei pra ele, sorrindo fracamente. Ele sentou-se ao meu lado, com as mãos nos bolsos e os olhos no chão. Era o que fazia quando estava desconfortável, e eu sabia que esse desconforto não era por minha causa.

–Eu não acho que você tenha perdido ela. – Disse, simplesmente. Fiquei olhando pra ele, esperando a hora que ia se matar de rir e dizer que estava zoando com a minha cara, e eu ia socar a fuça dele, mas esse momento não chegou.

– Olha, eu sei que você estava cego de raiva e que já tinha tomado umas e talz. Mas tem certeza que você estava na mesma praça que eu ontem? Porque pra me dizer isso você com certeza não viu o que eu vi.

– O que eu vi foi um beijo, cara. Só isso. Se beijo significasse envolvimento você seria o cara mais ferrado da face da terra. Por Deus, você namoraria metade desse campus. - Ele disse, dando de ombros.

– Marie nunca foi assim, ela nunca beijou ninguém por diversão. - Acrescentei, rapidamente.

– Você também nunca se apaixonou, e está aí todo doído porque viu a garota beijando outro. Pra tudo existe uma primeira vez. – Podia até ser verdade... Mas eu simplesmente não conseguia ver Marie passando o rodo na faculdade. Ela conseguiria se quisesse, mas ela era fã de poesia, amante de Shakespeare, a garota apaixonada por teatro e pelos livros de Nickolas Sparks. Não fazia sentido.

Eu não sabia o que dizer, então só acenei afirmativamente. Ele permaneceu praticamente imóvel por uns segundos e então levantou do banco, pegando as chaves do seu volvo no bolso.

– Vou dar uma volta na cidade, ta afim? - Perguntou.

– Vai atrás da Stella? Cara, você não cansa não?

– Não, não desta vez. Eu preciso comprar uma camiseta do Coldplay

Não entendi direito porque, nem tive tempo de perguntar. Notei Ryan olhando por sobre o meu ombro e me virei.

Era Marie.

– É, então. To indo nessa. Até mais cara. - E assim aquele filho da puta virou as costas e foi embora. Comprar uma camiseta do Coldplay sabe-se lá pra que. Eu observei-o se afastar, quando ele virou a esquina e sumiu do meu campo de visão, me virei para Marie.

– Iaê magrela? - Eu disse, me forçando a sorrir. Dei-lhe um abraço de quebrar os ossos. - Então... Eu vi você ontem, novo namorado? - Sorri de lado e cutuquei a barriga dela, fazendo cócegas. Ela ria histericamente, tentando sem sucesso segurar minhas mãos para que eu parasse. Deus, eu amava aquela risada. Ela achava estranha e alta, mas eu amava. Ok, não podia ouvi-la, mas podia imaginá-la, e apreciar o formato de seu rosto contorcido em uma gargalhada. Pra mim era mais do que suficiente. Ela se desvencilhou de mim e me deu um tapinha no ombro.

– Para, idiota! – Disse, ainda entre risos. - Ele não é meu namorado! Porque? Você gostaria que fosse? - Ela pareceu um pouco insegura quanto a resposta, seu sorriso murchou um pouco.

– Sei lá, ué. Talvez fosse legal, você não ia mais ficar sozinha. - Não, não ia ser legal, não ia ser nada legal, mas já que eu não tenho a garota, vou manter meu orgulho. Era melhor cortar logo aquela conversa enquanto eu ainda tinha dignidade. - Eu preciso mandar uns e-mails. Amanhã as aulas começam e talz... A gente se vê depois.

Puxei a ponta do nariz dela com uma das mãos, depois virei as costas e fui embora sem esperar uma resposta.

_/_/_

PDV Anônimo

Eu podia vê-la por detrás dos arbustos... Era bonita, sim, era bonita, mas suja. Eu podia ver a sujeira nas roupas baratas que usava, na maneira largada e sem nenhuma classe de andar, nos brincos e pulseiras, claramente bijuterias.

Ela não pertencia àquele lugar, era só mais uma mancha preta no chão limpinho, ela e os outros como ela. Algo crescia dentro de mim à medida que eu a observava... Eu tinha uma missão, precisava limpar o lugar.

Ela estava encostada num poste, com seu jeans surrado e a blusa laranja neón (tão característico da ralé), olhando distraidamente para o outro lado da rua. Não tinha ninguém ali agora... Ninguém além do garoto surdo do outro lado da rua, ele estava tão entretido que eu poderia pegá-la sem que ele notasse, ele não a escutaria gritar... Não, o chefe ficaria furioso comigo... Ficaria, ficaria sim. Mas eu queria tanto...

Cerrei meus punhos, tentando afastar as imagens que vinham a minha cabeça... Eu podia prendê-la, podia prendê-la numa árvore em meio àqueles bosques, então eu lhe faria pequenos cortes, alguns no rosto, outros nos braços. Seus olhos castanhos eram lindos... Eu podia guardá-los quando terminasse. Mas eu não terminaria rápido, não... Eu ia começar devagar, então faria cortes maiores, mais profundos. Queria ver a dor em seus olhos, queria vê-la implorar para viver, e então, quando a dor se tornasse insuportável, implorar para morrer...

– Vamos, imbecil. Entre pela janela e entregue a rosa. – O ponto na minha orelha vibrou, meus lábios tremiam de nervosismo.

– ... Eu poderia resolver isso de uma vez...

– Não! – Gritou, categoricamente, sem ao menos deixar que eu concluísse meu pensamento. – Não agimos desse jeito, essa não é uma emergência.

Eu não gostava da maneira como agiam. Não queria dar a chance para que a sujeira fosse embora, eles tinham que ser eliminados para que não sujassem outros lugares. E seus corpos tinham que ser expostos, como exemplos. Eu tiraria os olhos, e mandaria um deles para a família, e o outro eu guardaria como um souvenir. Seria minha assinatura. Uma verdadeira obra de arte.

Mas o chefe era bom pra mim, éramos uma dupla. Ele não deixava os outros chegarem perto de mim, não, ele os afastava. Eu não saberia viver sem ele.

– Se atenha ao seu trabalho. – A voz sibilou novamente ao meu ouvido. – Nós não somos assassinos, apenas zelamos pelo bem do campus. A menos, é claro, num caso de emergência.

Já tinha ouvido aquele discurso milhares de vezes. Será que ele não via a beleza do meu plano? Seríamos artistas... Exporíamos nossas obras em público, as pessoas falariam de nós.

Balancei a cabeça negativamente, afastando esses pensamentos e me concentrando na minha tarefa. Mas o desejo ainda estava lá, pulsando dentro de mim, implorando para que eu pegasse a garota.

Observei um garoto barbudo se aproximar por detrás dela, assustou-a. Me agachei, acomodando-me melhor atrás do arbusto. Conversavam por alguns segundos e então o cara migrou para o outro lado da rua, sentando-se ao lado do surdo.

Sentei-me na grama atrás do arbusto, teria que esperar uma brecha para correr aos fundos da casa.


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Notas finais do capítulo

POR FAVOOOR me digam o que acharam ok? Me dêem um feedback. É minha primeira fic, e eu não sei nem como divulgar direito (apelo mesmo) u.u

Beeijos, até o próximo cap.