You Only Live Once escrita por Vero Almeida


Capítulo 24
Encontros e Desencontros


Notas iniciais do capítulo

Mais um capítulo pra vocês! Espero que gostem.
Muito obrigada por seguirem me acompanhando.



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PDV da Ana

Minha. Cabeça. Dói. Meu Deus, um trator passou em cima de mim e esqueceu de me avisar.

Resolvi abrir os olhos, meio a contragosto. Se pudesse me locomover até a gaveta da minha cômoda, com certeza encontraria analgésicos ali. Sabe como é, quem vive de ressaca sempre tem analgésicos.

Mas quando abri os olhos tive uma surpresa: Aquele não era o meu quarto.

Eu estava deitada de lado numa cama com lençóis muito brancos, e edredons mais brancos ainda. Tinha uma janela grande bem à minha frente, a luminosidade que por ali entrava dificultava minha visão e piorava minha dor de cabeça. Que tipo de pessoa dorme de janela aberta?

Ah mas não, a pior parte com certeza não era acordar num quarto que não era meu, tinha um pequeno detalhe que tornava as coisas piores.

Tinha alguém com o braço em torno da minha cintura, e fungando no meu pescoço. Ah não me entenda mal, eu adoro sexo, se for casual então, melhor ainda. O problema é que eu não durmo ao lado de ninguém. Eu vou lá, faço o que tenho que fazer, e vou embora. Obviamente o plano não tinha saído como devia dessa vez, já que acordei no quarto alheio com um estranho fungando no meu pescoço.

Droga, a noite passada era um borrão enorme, eu nem sei quem é essa pessoa.

Meus olhos começavam a se acostumar com a luminosidade, e aos poucos eu pude observar o restante da decoração. O dono do aposento com certeza era uma pessoa extremamente organizada e limpa. Tudo cheirava a desinfetante de lavanda, e os livros da estante estavam perfeitamente alinhados. Era capaz de apostar que estavam em ordem alfabética ou separados por assunto, mas de tão longe eu não podia ter certeza.

Empurrei a mão do rapaz para o lado, tentando ao máximo não acordá-lo. Precisava sair dali de fininho antes que alguém notasse minha presença.

Tateei o chão ao lado da cama em busca dos meus sapatos (e roupas), mas claro que eu não tinha sido cautelosa o suficiente pra deixar minhas coisas organizadas, elas muito provavelmente estavam espalhadas pela casa em meio ao trajeto da porta até o quarto. Era assustador não me lembrar de nada, nunca mais tomarei um porre desses. Pelo menos não essa semana!

Suspirei. Afastei devagar os lençóis brancos, e sentei-me na cama, já com meus pés quentinhos em contato com o chão gelado. Podia pelo menos por um carpete no chão.

Meus olhos agora podiam enxergar claramente, eles fitaram a cadeira de madeira escura no canto do quarto, meu sutiã estava jogado ali. Resolvi vasculhar o resto do cômodo, ao lado da cadeira tinha um abajur cinza, e ao lado do abajur estava uma cômoda feita da mesma madeira que a cadeira. Em cima da cômoda tinha um mural, um mural com um mapa muito parecido com um... Ah... Meu... Deus!

Ah não Deus, por favor não. Por favor, aquilo não é um mapa de constelações.

Levantei-me da cama num pulo, mal me importando com o fato de estar completamente nua em frente a uma janela. Voltei meus olhos arregalados para o local onde estivera segundos atrás, apenas para encontrar a cabeleira negra e perfeita do meu acompanhante toda esparramada pelo travesseiro de fronha branca.

Um grito histérico escapou de meus lábios.

Ah meu pai amado, eu dormi de conchinha com Faros Hagias!

– SEU INFELIZ! – Gritei, ajoelhando-me na cama e socando-lhe o peitoral com toda a força que eu tinha. – Cretino, filho duma BOA PUTA!

Ele acordou num salto, completamente assustado.

– Pirou de vez ?! – Questionou, me fitando de olhos esbugalhados.

– Não, você é que pirou! O que pensa que está fazendo? – Ah eu estava irritada, tão irritada que estava pronta pra fazer aqueles olhos cretinos de saco de pancada!

Ele segurou meus dois pulsos com firmeza, impedindo-me de bater mais.

– Me solta ou eu vou amassar suas bolas com o meu joelho! – Ameacei.

Ele revirou os olhos, com expressão entediada. Chegou a forçar um bocejo.

– Me economiza Kailis, sabe que eu não te arrastei aqui pelos cabelos, você veio porque quis. – Ele abriu um sorriso presunçoso, e levou os lábios ao meu pescoço, distribuindo beijos gelados por aquela região. Eu arrepiei, e me amaldiçoei por isso. Porra Ana, foco. – E gostou bastante, pediu, até implorou por mim.

Minha boca se abriu em um enorme “Oh”

– Eu não imploro!

Ao menos não geralmente, mas graças a minha bebedeira eu não podia afirmar com certeza que não tinha implorado ontem.

Pelo menos agora olhando pra cara deslavada de Faros eu me lembrava de algumas coisas.

Me lembrava de estar no teatro, lendo as falas da minha nova personagem. Cheguei a cantar algumas músicas só pra mim, tomei algumas notas. Ainda tinha muito trabalho na construção desse personagem, mas precisava começar em algum lugar.

Faros chegou de fininho e sentou-se na primeira fileira. Não sei a que horas chegou ou o que raios viu, mas quando virei-me de frente para as poltronas ele estava lá, e eu tomei um susto. Tinha um vinho em mãos... Meu vinho favorito, e duas taças.

Eu tentei recusar, mas ele insistiu que tínhamos que comemorar minha volta aos palcos, e quando a desculpa não colou, me lembrou gentilmente de que eu tinha um débito com ele por deixar Adam usar o observatório.

Eu o odeio com todas as fibras do meu ser.

– Uma garrafa de vinho não ia me dar uma ressaca dessas, pode me explicar direitinho o que aconteceu depois do vinho. – Gunhi.

– Você bebeu praticamente a garrafa toda sozinha, eu mal cheguei a beber uma taça. – Ele soltou meus pulsos finalmente, pegou um prendedor de cabelos na mesa de cabeceira e prendeu os fios longos em um rabo de cavalo. Falava casualmente, como se não tivesse cometido a heresia de me seduzir . – Depois ficou meio melancólica, disse que gostava de atuar mas sentia falta de dançar. Você é uma dançarina, não uma atriz. Tem certeza de que não se lembra disso? Parecia sóbria ainda.

Eu me lembrava vagamente disso, e conforme ele falava, mais lembranças surgiam em minha mente.

– Me lembro, mais ou menos. Depois você me disse que conhecia um bom lugar pra dançar, um lugar decente, não essas baladas que os alunos adoram. Eu fiquei tentada, e aceitei. – Qual é, eu sentia falta de dançar, é crime agora? Eu tinha um plano muito bem arquitetado pra fugir dele a noite toda se fosse preciso, na verdade eu só precisava que me levasse até lá, e então eu daria um perdido nele. Só que aparentemente tínhamos nos achado de novo, e depois que eu tomei algumas. – Você não tem vergonha de seduzir uma mulher tão bêbada que mal consegue se lembrar da noite passada?

Ele piscou algumas vezes.

– Na verdade não. – Respondeu, dando de ombros. – Podemos repetir, já que você não se lembra...

Avançou em minha direção, e eu estalei minha mão na cara dele.

– Não faz assim que eu gamo. – Sussurrou, me provocando com o olhar. Eu queria arranhar a cara toda daquele infeliz.

– Você não tem o direito de fazer isso. – Empurrei-o e me levantei da cama, completamente emburrada e emputecida. Fui até a poltrona e agarrei meu sutiã, ainda precisava achar a calcinha. – Não tem o direito de querer voltar pra minha vida agora como se nada tivesse acontecido.

– Nós fomos felizes, Kailis. E quando estava comigo não vivia tão mau humorada, acho que anda com certa dificuldade para ter suas necessidades atendidas, não? – Debochou, ainda deitado na cama completamente nu embaixo dos lençóis.

Encontrei minha calcinha ao lado do pé da cama, peguei-a do chão e a vesti.

– Faz um favor pra humanidade e vá pro inferno! – Berrei.

– É uma pena que não se lembra da noite passada... – Ironizou, suspirando longamente. – Aposto que estaria mais calminha.

– Faros... Se tem amor por essa sua vida medíocre, cale a boca! – Minha calça Jeans estava logo perto da porta, fui até lá bufando de raiva. Quem aquele inútil filho duma puta estava pensando que era? – Você vai me pagar por essa, não vá pensando que eu sou que nem suas piriguetes não!

Estava tão cega de raiva que mal enxerguei o pequeno telescópio próximo à outra janela até que esbarrei nele e o levei ao chão. Faros levantou-se da cama na hora, correndo até o instrumento.

– Esse telescópio é um clássico! – Sibilou, ajoelhando-se ao lado do instrumento caído e analisando cada pequeno detalhe dele como um perito criminal. – Olha só o que você fez, quebrou a lente! – Ralhou comigo, eu apenas ergui a sobrancelha.

– Pois não teria quebrado se tivesse me deixado bêbada no meu canto pra começar! – Rebati

– Oh não seja prepotente Kailis, acha que me arrastei atrás de você como qualquer bossal apaixonado? Foi você quem veio até mim, você me tirou pra dançar. – Gritou, remontando o telescópio com o cuidado de uma mãe que limpa o machucado do filho. – Acho que posso conseguir uma lente, talvez ainda tenha o número daquele artesão, posso pedir pra fazer sob medida...

– Larga essa porra desse telescópio! – Berrei, empurrando o objeto ao chão de novo. – Se quer culpar alguém culpe a si mesmo, a culpa é sempre sua! Eu não quero você perto de mim nunca mais, a não ser pra assuntos profissionais, me entendeu?

– Ah não se preocupe, não tenho interesse em estar perto de você. – Murmurou, vermelho de raiva. Agora sim estávamos os dois na mesma vibe, a ponto de explodir. – Não quero nada com você, Kailis. Você estava ali, na minha frente, rebolando com esse seu corpinho perfeito. Eu queria levar você pra cama, e consegui. É esse o meu interesse por você, puramente sexual. Você não tem nenhuma outra serventia.

Estava blefando, só podia estar blefando.

Peguei minha calça jeans, e minha camiseta ambos jogados ao lado da porta. Estava pronta pra ir, mas antes eu ia deixar um presentinho que o faria lembrar de mim nos próximos dias, ainda que não quisesse.

Não era sexo que queria? Então, eu trataria de garantir que não teria isso de novo tão cedo.

– Espero que se lembre bem dessa noite, então, pois eu garanto que não vai acontecer de novo.

Chutei-lhe as bolas com toda a minha força, e o deixei gemendo sozinho rolando no chão.

_/_/_

PDV do Ryan

Aquele filho da mãe conseguiu tudo o que queria com aquele encontro maldito! Agora Alícia estava confusa e apavorada. Eu não acreditava nem por um segundo naquela história de dividir Ketchup, pra mim, tudo não passou de estratégia. Esses caras não dão ponto sem nó, se essa informação chegou aos nossos ouvidos, de alguma forma isso vai ser útil pra eles.

Tinha uma parte de Alícia que acreditava na inocência de Joshua, mas agora parece que a guria finalmente entendeu que ninguém é confiável, exceto as pessoas aqui de casa.

Eu fiz o chocolate quente pra ela, e a escutei narrar com detalhes todo o encontro da noite anterior. Não voltou a chorar, mas tremia hora ou outra. Ao fim da narrativa me pediu pra ligar pra Landon e desmarcar o almoço, pediu-me pra ser gentil com ele e inventar uma desculpa bem feita. Acabei dizendo a ele que ela passou mal durante a noite, o que não deixa de ser verdade.

Estava aliviado por tê-la em casa ao menos por hoje, acho que não agüentaria mais um dia inteiro de incertezas.

– Me diz de novo qual o motivo que eu tenho pra não sair daqui agora e voltar pra minha terra. – Pediu, olhando a caneca de chocolate quente e observando o líquido se mover conforme soprava.

Eu suspirei, e coloquei minha mão sobre a dela. Seus dedos estavam frios.

– Você tem talento, e lá não vai ter as oportunidades que tem aqui. – Comecei, brincando com seus dedos. - Esse é um ótimo motivo, mas eu sei que o que realmente te prende aqui é o seu pai.

Ela ergueu os olhos pra mim, surpresa pela minha declaração.

– Eu sou bom com as entrelinhas, não devia estar tão surpresa. – Sorri pra ela. – Me lembro daquela conversa no carro, no dia do tal incidente com a foto. Naquele dia eu tive certeza de que tinha vindo por ele. Você me disse que a ausência dele era como uma peça de quebra cabeças faltando.

– Eu quero que ele se orgulhe de mim.

Claro que queria, o que mais a levaria a cursar Direito ao invés daquilo que realmente queria fazer? Não concordava inteiramente com isso, se aquele homem não sabe dar a ela o valor que certamente merece então não é uma pessoa digna de qualquer atenção, mas se é importante pra ela e a mantém por perto, pra mim é o que vale.

– Ele vai. – Pisquei pra ela, desejando de verdade que um dia isso se realizasse.

Eu gostava da sensação que o contato de nossas mãos me causava, e mais cedo, quando a tive em meus braços completamente fragilizada e temerosa, eu tive vontade de beijá-la. Sabia que não era certo por diversos motivos. Não era certo porque ela estava vulnerável, não era certo porque eu amava Stella. Por mais que eu soubesse que jamais voltaria com ela, Alícia merecia mais do que um homem apaixonado por outra...

... Mas eu gostava daquela marrentinha, e como gostava. Eu daria tudo pra tê-la conhecido antes do furacão Stella passar pela minha vida.

A porta se abriu em um estrondo, interrompendo a conversa.

– Já volto. – Murmurei pra Alícia e corri em direção á porta de entrada, passando pelo pequeno corredor.

Já era mesmo a hora da Ana aparecer, eu estava ansioso pra contar tudo a ela, que com certeza saberia como agir a seguir.

Só que a pessoa que encontrei de pé ao lado da porta com a carranca de sempre, com certeza não era Ana.

– Stella... – O nome escapou por meus lábios, tamanha era a minha surpresa. Não esperava que fosse voltar, no momento ela mal tinha como bancar o tratamento de Joe, que dirá pagar a mensalidade.

Ela estava diferente, bastante diferente. Com certeza não tinha voltado pra casa nem pra pegar suas roupas, já que vestia um jeans largo demais pra ela e uma camisa de renda branca. Por Deus, nunca pensei que veria Stella usar algo que não fosse preto ou vermelho.

Por falar em vermelho, a tintura de seus cabelos estava desbotando, e a raiz castanha começava a aparecer. Durante os dois anos em que a conheço, nunca a vi deixar a raiz aparecer.

– Tudo bem com o Joe? Preciso ir visitá-lo, mas as coisas estão corridas...

– Ta tudo bem. – Ela me cortou, seca como sempre. – Eu quero falar com a Ana, cadê ela?

– Ninguém sabe. – Dei de ombros.

Ela bufou, e jogou sua bolsa surrada (essa era dela mesmo, não largava por nada) na poltrona mais próxima. Então voltou pro batente da porta.

– Matt, entra aí. Vai demorar! – Gritou.

Ah não, ela estava brincando com a minha cara. Tinha que estar.

– Você não vai colocá-lo aqui dentro! – Ralhei, pegando-a pelo braço de maneira meio bruta.

– O que foi? – Ela riu na minha cara, mal ligando para a pressão que minha mão fazia em seu braço. – Tem medo de ser chifrado embaixo do seu próprio teto?

– Pra ser chifrado eu tinha que estar com você, e esse é um erro que não vou cometer nunca mais!

Ali, olhando-a de tão perto, mais do que nunca eu tinha certeza do que dizia, mas mais do que nunca eu sabia também que o que sentia por ela era forte demais pra se deixar pra trás. Tinha uma parte dela que eu enxergava através de seus olhos turbulentos, e por aquela garota eu nutria sentimentos fortes demais.

– Mas eu sempre vou estar na sua cabeça, você sabe disso... - Ela sorria meio de lado, debochando de mim. As vezes eu tinha vontade de dar a ela a surra que sempre mereceu, e esse era um desses momentos.

– Hey, solta ela.

Matthew surgiu na soleira da porta, com o mesmo ar insolente de sempre. Eu detestava a maneira como agia, sempre tão seguro de que nada o afetaria, ninguém o enfrentaria. Ele falava como se eu fosse obrigado a obedecê-lo, e isso só fez aumentar minha vontade de quebrar umas caras.

– Não se mete nisso. – Rosnei, mantendo minha mão firme ao braço de Stella.

– Ryan, solta ela, por favor. – A voz de Alícia encheu meus ouvidos, e eu soltei o braço quase que por impulso. Ouvi seus passos vindos em minha direção, e em pouco tempo seus dedos finos apertavam meus ombros. – Não se deixe provocar.

A diferença entre as duas nunca me parecera tão evidente. Enquanto uma provocava, estava louca pra testar meus limites e prontíssima pra me ferrar na primeira oportunidade, a outra parecia me colocar de volta nos trilhos. Era como ter um anjinho e um diabinho rondando sua cabeça.

Eram pessoas completamente opostas, que causavam reações bem diferentes em mim.

– Nossa, me trocou pela bastardazinha num piscar de olhos hein? – Provocou Stella, arrancando risos debochados de Matthew. – Mas não se iluda querida, sempre que está com você, é em mim que ele pensa.

– Jura? – Alícia agarrou meu braço de maneira bastante sugestiva, deixou seus dedos deslizarem por todo o membro e em seguida enlaçou seus dedos nos meus. – Não é o que parece sabia? Nós temos nos divertido bastante, e eu garanto que não é o seu nome que sai da boca dele.

Arregalei os olhos. Meu Deus, o que essa maluca pensa que está fazendo? Olhei pra ela, completamente estupefato, ela apertou meus dedos bem forte em resposta.

– Tenho dó de você, pequena iludida! – Stella respondeu, dando-nos as costas e se jogando na poltrona mais próxima. – Senta Matt, nós vamos esperar a Ana.

Bufei, indignado. Ter esse cara na minha casa me dava calafrios.

– Er... Alícia... – Gaguejei pra falar. Não me agradava nada esse joguinho ridículo, mas já que tinha começado, não dava pra voltar atrás. – Vamos voltar pra cozinha e terminar o café vai...

– Vamos. – Exclamou, saltitante.

Andei a passos largos pelo corredor de volta à cozinha com Alícia na minha cola. Puxei-a para mais perto quando nos aproximamos da mesa, e cochichei em seu ouvido.

– O que raios pensa que está fazendo?!

– Eu não disse nada de errado, ela que interprete como quiser. – Deu de ombros . – Você não pode deixar essa garota levar a melhor sempre.

Oh senhor, eu esperava sinceramente que Ana voltasse logo.

_/_/_

PDV do Adam

Era no mínimo cômico ver Aaron invadindo meu quarto com tamanha euforia apenas para falar de um livro. Ta aí uma cena que nunca imaginei que veria.

– Por que essa idiota não deu um jeito de avisar o cara que estava apenas dormindo sob o efeito de remédios? Sério mesmo que essa é a maior história de amor de todos os tempos? – Ele dizia, andando de um lado pro outro que nem barata tonta. Parecia estar falando mais consigo mesmo do que comigo.

– Nunca tinha lido Romeu e Julieta? Nem mesmo visto uma das 500 versões de filmes que existem? – Questionei, rindo da exasperação de Aaron.

– Já, já tinha visto, mas é que no livro é tudo mais intenso. A burrice dessa garota chega a ser ultrajante!

Eu ri, observando os traços de seu rosto enquanto tornava a tagarelar revoltado com o rumo que o romance tomou. As vezes eu me pegava olhando pra ele, tentava me policiar quanto a isso, mas vez ou outra era impossível evitar. Isso me assustava pra diabo, mas não ia me afastar dele de novo por causa das minhas frescuras. É bom ter mais amigos além da Marie pra variar.

– Ela estava apaixonada, queria ficar com o amado a qualquer custo. Era um bom plano, não acho que Julieta foi burra, apenas não teve sorte. – Argumentei. – Essa é a beleza dos romances literários, os amores são sempre perfeitos, avassaladores, inabaláveis. Talvez se ambos tivessem sobrevivido, eles se dessem conta da loucura que fizeram casando-se tão novos e se conhecendo tão pouco, talvez percebessem os defeitos um do outro, e aí não seria mais um romance perfeito.

– Eu ainda acho burrice. – Cruzou os braços como uma criança birrenta.

Aaron estava revoltado com o fim de Romeu e Julieta, nunca deu tanta bola pro filme, mas o livro despertou outros tipos de emoções nele. O garoto da noite, apaixonado por números e estrelas, estava descobrindo o amor pela leitura.

Pediu minha opinião sobre qual item da lista deveria ler a seguir, e eu lhe emprestei um exemplar de “O Retrato de Dorian Gray” de Oscar Wilde. Era um dos meus livros favoritos. Discutimos um tempo, ele não entendia porque estava sugerindo que lesse um livro cuja história já virou filme. Eu revirei os olhos, de todas as desculpas de leitores preguiçosos essa era a que eu mais detestava. No fim acabei dando-lhe um sermão de meia hora sobre a diferença entre livros e filmes, e tenho certeza de que ele nunca mais vai me atazanar quanto a isso.

Ao fim da discussão, ele me pediu pra que lesse pra ele. Era um pedido estranho, mas eu o atendi de pronto. Adorava aquela história, não seria sacrifício de maneira alguma.

Eu me sentei encostado à cabeceira da cama, e ele fez o mesmo, retirando o sapato e recostando-se ao pé da cama. Li sem parar por cerca de meia hora, e ele me ouvia atentamente.

Aaron me encarava enquanto eu lia, vez ou outra eu erguia os olhos por sobre o livro, e nossos olhares se cruzavam. Isso me dava arrepios.

– O que foi? - Perguntei, encarando-o curiosamente. – O que está olhando?

Não fui rude, nem nada do tipo. Eu prometi a mim mesmo que não importava o que acontecesse, não ia mais reagir da maneira como reagi no observatório. Não tinha o que temer, éramos amigos, e ele me respeitava.

– Você, estou curioso sobre você. – Respondeu simplesmente, sem maiores rodeios.

– Então pergunte. – Dei de ombros, e fechei o livro, marcando a página lida com o marca-páginas.

– Eu prefiro descobrir sozinho. – Seu tom de voz era misterioso, e o riso contido me vazia ruborizar. Voltei minha atenção à leitura.

Li pra ele por quase uma hora inteira, e não é que o garoto estava curtindo a história? Aquele livro era brilhante, eu nunca cansava de lê-lo, mas decidimos que era uma boa fazermos uma pausa.

Levantamo-nos com certa preguiça e rumamos até a cozinha. Ninguém naquela casa tinha costume de tomar cappuccino, o que significava que eu teria que preparar meu próprio café.

Assim eu fiz. Fiz meu café assim como minha mãe me ensinou, anos atrás. Acho que herdei dela esse vício.

Aaron observava minha mão direita de maneira curiosa, e eu estava ignorando tal comportamento estranho, mas quando finalmente terminei o café e despejei-o em duas xícaras, ele tomou minha mão entre seus dedos.

– Que marca é essa? – Perguntou, alisando a pequena cicatriz redonda que eu tinha próximo ao dedão. Estava ali há tanto tempo que na maior parte do tempo eu nem lembrava que existia.

– Ah, isso. Meu irmão mais velho e eu estávamos brincando de marceneiro com pregos de verdade.

– E essa foi a única cicatriz que ganhou? – Franziu as sobrancelhas de modo divertido. – Quando Matt resolvia brincar comigo, as coisas ficavam bastante tensas.

Ele ria, mas tinha um brilho estranho em seu olhar, enquanto analisava minha cicatriz.

Eu não acreditava que a simples menção de um nome pudesse funcionar como uma espécie de invocação, mas naquele dia, foi exatamente isso que aconteceu.

Alguém gritava pelo corredor, vindo em direção à cozinha. Falava qualquer coisa sobre estar com fome e assaltar a geladeira. Era uma voz masculina que eu não conhecia, mas assim que coloquei os olhos na figura, e vi o quão espantado ficara por se deparar com Aaron, soube de quem se tratava.

Aaron soltou minha mão e ajeitou a postura rapidamente. O jovem bem vestido o encarava de maneira curiosa, nenhum dos dois esperava por esse encontro. Era um tanto intimidador, eu tinha que admitir. Tinha boa aparência, uma aparência que não condizia com as histórias que tinha ouvido a seu respeito, mas algo em seu olhar e em seus trejeitos me dava calafrios.

– Matthew... – Murmurou Aaron, num tom de voz completamente estranho pra mim. Ele estava inseguro, e nervoso. Nunca o tinha visto dessa maneira, nem mesmo no dia da experiência no observatório.

Aaron tinha medo de Matthew, e isso me deixou bastante intrigado.


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