Páginas Esquecidas escrita por Napalm


Capítulo 9
Os Problemas Que Não São Nossos




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/471880/chapter/9

– Vamos, meus queridos! – A voz de Targo me tirara do sonho sombrio que sempre me aterrorizava as noites. Ele entrara no nosso quarto e abrira uma abertura no teto através de um dispositivo, por onde a luz do sol entrou iluminando o local. – Todo dia é dia de Coliseu e espero que tenham tido tempo pra discutirem o suficiente!

Ele estava trajado de maneira cômica, com um casaco enorme que arrastava pelo chão e segurava uma bengala encrustada de diamantes, a qual ele gostava de brandir enquanto falava.

Levantamo-nos e arrumamo-nos rapidamente quando o homenzinho nos deixou.

– Quem vai ser o participante, Ni? – Jess perguntou. – Eu recomendaria o Reeve, mas acho que você derrubaria qualquer um sozinha.

Reeve a olhou sério. Mas parecia considerar uma daquelas ideias.

– Se bem que, – Jess continuou, pegando túnica de Fergo que estava sobre a cama e a examinando. – com essas bugigangas aqui o Fergo é o mais indicado.

Fergo tomou a túnica de volta de suas mãos e disse, rindo:

– Não é permitido usar explosivos no torneio.

Encontramo-nos com Targo em sua sala. Junto dele, havia mais dois homens, ambos mal-encarados e armados com garrunchas e espadas.

– Antes de falarmos sobre nossos assuntos, quero mostrar pra vocês a magnificência do Coliseu de Tulipa! Tenho certeza que depois de o conhecerem, vão querer voltar mais vezes!

Targo encaixou a ponta de sua bengala numa pequena abertura à parede e a girou. Assim que retirou a bengala de lá, a parede se locomoveu verticalmente, revelando uma passagem.

– A excitação é sempre a mesma! – Targo dizia, enérgico. – Vamos, vamos!

E saiu correndo pelo corredor o qual a passagem havia revelado, com seus dois guarda-costas em seus calcanhares.

– Onde arranjou essa maçã? – Perguntei a Jess, que estava desesperadamente degustando da fruta vermelha.

– Ali. – Ela apontou uma fruteira em cima da mesa. Todos nos servimos.

Seguimos então o rastro de Targo pela passagem, que estava se fechando sozinha aos poucos. Logo que passamos ela se fechou ao chão. A passagem era fracamente iluminada por alguns buracos gradeados no teto dos quais davam passagem para raios solares. Vistos por alguém que estivesse nas ruas, provavelmente seriam como bueiros.

À medida que fomos avançando pelo longo corredor subterrâneo podíamos escutar o que parecia ser uma multidão. Vozes e mais vozes, gritos e berros ecoavam do destino pra onde seguíamos. Quando finalmente saímos do túnel, nos deparamos com um ambiente enorme diante de nós, com arquibancadas circulando um pátio a alguns metros de profundidade de onde estávamos. As arquibancadas estavam bem ocupadas, com mais pessoas do que eu lembrava de já ter visto de uma só vez na vida.

– Quanta gente! – Jess exclamara maravilhada.

Seguimos Targo pela borda do Coliseu, onde adentramos uma saleta aderente ao local. A porta foi fechada atrás de nós por um dos guarda-costas do homenzinho e a multidão e seus berros ficaram abafados lá fora.

Esta saleta era, assim como todos os aposentos de Targo que passamos até agora, muito bem ornamentada e com uma predominância da cor dourada nas paredes e objetos. Targo havia sentado numa espécie de trono e olhava para nós com uma alegria efusiva.

– E então? Gostaram?

– É incrível. – Eu respondi, sorrindo. – Mas se não fosse muito incômodo, eu gostaria de ver o nosso prêmio.

– Claro! – Ele olhou em seu relógio de pulso. – Acho que ainda temos tempo até o fim das inscrições. Vou mandar que lhes mostrem a gruta.

Ele acenou para um de seus guarda-costas, que agora nos guiava de volta ao Coliseu. Desta vez, desviei meu olhar do pátio central e percebi que havia várias entradas que ligava a diversos corredores nas adjacências do lugar. O homem nos guiou até um dos corredores, que diferentemente do resto do Coliseu, tinha uma aparência asquerosa, com as paredes cruas em pedra; assim como um chão e teto irregulares. Seguimos por ali até chegarmos numa abertura do local que dava para o mar. O horizonte nu podia ser visto ao longe, além da paisagem próxima que era a de barcos ancorados numa caverna aquática. O homem que nos guiava nos mostrou o veículo que Targo nos prometera.

A lancha não estava num estado de conservação admirável, mas certamente nos serviria bem. Entramos nela para ver melhor. Só havia um compartimento. Ela era bem simples, assim como os outros veículos no local, embora também houvesse naquele porta uma balsa de aparência antiquíssima, enorme e, de certa forma, assustadora. Lembrava um daqueles navios piratas assombrados, decrépita e abandonada.

Deixei a balsa para lá e fui examinar melhor a lancha. Dirigi-me até a ignição.

– Precisamos saber se funciona. – Falei.

– Somente o chefe tem a chave das lanchas. – O homem falou mecanicamente.

Subitamente um barulho de madeira despencando pôde ser ouvido ao longe.

– Ai! – Alguém gritou. Corremos até o outro cais e vimos Jessica caída no compartimento inferior da balsa, sentada no chão massageando o traseiro.

– Você quebrou a balsa! – O guarda falou desesperado.

– Não é verdade. Eu só pisei no assoalho e ele rompeu! – Jess falou. – Caramba, esse lugar tem cheiro de cavalo.

Reeve deu a mão para Jess e a puxou de volta para a parte de cima da balsa .

– Obrigada! – Ela agradeceu.

– Melhor a gente voltar, agora. – O guarda disse estressado.

Concordamos e seguimos o caminho de volta até a sala de Targo.

– Qual é o plano? – Reeve me perguntou.

– Escutem. – Eu disse, tomando cuidado para que o guarda não me ouvisse. Jess e Fergo se aproximaram para ouvir também. – Não tem como a gente ganhar no torneio. Eu vou me candidatar pra participar, enquanto isso, preciso que vocês deem um jeito de pegar a chave da lancha com o Targo.

– Mas, Niele, tem certeza que quer participar disso? Eu posso ir no seu lugar. – Reeve propôs.

– Não faz muita diferença. Não é como se estivessem salvos também. Afinal, roubar o Targo não vai ser nem seguro – Acenei com a cabeça em direção ao guarda em nossa frente – e nem fácil.

– Ni, não acha que é muita maldade roubar o anão?! – Jess exclamou.

– Fale baixo, Jess. – Repreendi-a, com medo de que o guarda nos escutasse. – Vamos pegar a lancha só por algum tempo e depois a gente a entrega.

Eles pareceram concordam com o plano. Eu estava receosa com o fato de planejar um furto. Mas era como ele havia falado… Eu preciso entender a quê dar prioridade em situações catastróficas.

Voltamos à sala onde Targo estava e ele veio ao nosso encontro, arfante:

– Não temos mais tempo! Escolha logo, quem vai participar?!

– Eu. – Respondi prontamente.

– Ótimo! Eddie! – Ele chamou um dos seus guardas. – Leve a senhorita para a sala de preparação.

– Conto com vocês. – Virei-me para os três, que consentiram e me desejaram boa sorte. Então acompanhei Eddie para uma das outras entradas adjacentes, onde dessa vez, descemos uma escada para um vasto salão onde várias pessoas se vestiam com trajes de batalha. Havia uma ampla coleção de armas penduradas nas paredes ou depositadas em caixotes. Os gladiadores se armavam e estes, eram de todos os tamanhos e idades.

– Equipe-se. Logo você vai ser chamada.

Antes que eu pudesse fazer qualquer pergunta, o guarda já tinha me deixado ali na multidão. Percebi que cada vez mais os equipamentos iam ficando escassos, então me aprontei a alcançar uma armadura, da qual tive uma dificuldade imensa pra vestir e mesmo depois que estava com ela, não sabia se havia colocado corretamente.

– Deixe-me te ajudar. – Uma garota ruiva de aparentes quinze anos, com muitas sardas no rosto veio ao meu amparo, amarrando as cordas da minha armadura às minhas costas. – É raro ver garotas por aqui.

– Obrigada. – Agradeci depois que ela firmara o equipamento em mim.

– É melhor pegar logo uma arma. – Ela apontou para algumas espadas e adagas penduradas na parede. Olhei para as armas apreensiva.

– É sua primeira vez, não é? – Ela perguntou, já sabendo da resposta. – Melhor você levar um escudo pra não se machucar muito.

Ela pegou um dos escudos da parede e me entregou.

– Use este, é leve e resistente.

Agradeci e alcancei uma das espadas que achei que conseguiria empunhar. Era mais pesada do que parecia.

– Eu prefiro as adagas, sabe? Mas você parece ser mais forte do que ágil, então uma espada é a melhor pedida.

Olhei ao redor e vi as outras pessoas que nos rodeavam. Todos pareciam ser bem mais velhos e brutos do que nós duas.

– Qual é seu nome? – A garota me perguntou, me olhando de uma forma estranha, mais precisamente para o modo como eu segurava a espada.

– Niele. – Respondi.

– Sou Felicia, prazer. Niele, você não tem nenhuma experiência em combate.Você deve estar realmente necessitada para estar no torneio.

– De certa forma.

– É meio brutal a coisa por aqui. Vem gente de Tulipa e muita gente das redondezas. Alguns só querem algum luxo, mas a maioria já não tem outra escolha se não o Coliseu.

Felicia havia alcançado duas adagas e prendido uma terceira ao seu cinto.

– Por que você luta no torneio?

– Preciso dar uma chance pro meu irmão mais novo. Trabalhávamos no comércio, mas perdemos tudo depois de um incêndio. Papai morreu no acidente e mamãe morreu aqui.

Olhei pra ela estática.

– Morreu no Coliseu?

– Sim… – Ela pareceu se entristecer por um momento, mas logo camuflou-se com seu sorriso largo. – Não é necessário matar o oponente para vencer. Você pode se render antes ou fazer alguém se render sem matá-lo. Mas nem sempre é uma opção. Um ou outro lutador aqui é extremista. Tenho treinado bastante. Espero que eu não tenha que me render de novo.

– Deve haver outra maneira de conseguir dinheiro.

– Você não é de Tulipa, não é? – Ela riu debochada. – Esse lugar mal tem leis.

– Fora daqui. Em outras vilas você pode conseguir.

– Sim. Com o prêmio eu posso conseguir uma carroça e então posso sair desse lugar. – Felicia respondeu, terminando de se equipar com algumas luvas de couro. E então ela foi até o canto do local e se agachou para afagar os cabelos de um menino com seus cinco anos, muito bonito e parecido com a garota. Ele estava sentado numa trouxa que a provável irmã havia colocado para ele repousar. Uma sirene tocou de repente e todos pareceram se retesar. O torneio começava.

– Torça por mim! – Felicia disse ao menino e se levantou, indo para o lugar aonde os outros se moviam.

Aproximei-me da criança após alguns momentos, me agachando de frente a ela.

– Qual o seu nome?

Ele aparentava ter medo de mim e ficou me olhando com seus grandes olhos verdes, sem me responder. Então me levantei e segui os outros concorrentes para onde eles estavam indo, sentindo-me mal. Eu havia entendido. Felicia e seu irmão não poderiam sair de Tulipa por si próprios. A criança jamais poderia andar em sua vida.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Páginas Esquecidas" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.