Páginas Esquecidas escrita por Napalm


Capítulo 13
O Outro Lado




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Abri os olhos finalmente. A primeira coisa que vi em minha frente, foi Fergo me encarando. Tentei me mover, fugir, gritar. Mas não consegui.

– Niele, ouça com atenção, não terei tempo pra repetir. – Ele disse. Embora eu violentamente não quisesse fazer o que ele estava dizendo, o fiz, por não ter realmente outra chance. – Você vai poder se mover e falar daqui alguns segundos. Não tenho tempo para explicar tudo agora, mas assim que você, Jessica e Reeve recobrarem os movimentos, devem ir imediatamente para a cabine próxima ao cais. Tragam os corpos dos guardas para dentro da lancha. Use meu acessório de chaves para ligá-la e saia daqui o mais rápido possível. Procure por um local chamado Dioniese.

Pude sentir meu corpo novamente. Eu estava dentro de um saco sujo, ainda com a armadura do Coliseu. Minha cabeça doía e minhas costas também. Provavelmente estive sujeita a muita turbulência enquanto estive desacordada. Tentei me soltar, mas Fergo me segurou ao ouvir uma voz chamá-lo à distância:

– O que você está fazendo?

Fergo me fez um sinal para ficar em silêncio.

– Não vamos levar os corpos ao Príncipe? – Ele gritou para quem fosse que o havia questionado.

– Não se coloca cadáveres aos pés da família real. – A voz respondeu. – Guiaremos o Príncipe até a lancha.

Então Fergo colocou o familiar objeto que lembrava um canivete em minha mão e cochichou:

– Conte até cinco.

Ele se levantou e se distanciou.

Senti minha garganta totalmente seca. Meu corpo estava dormente e meus membros não pareciam corresponder aos meus comandos. Mas antes que eu pudesse ligar mais para isso, levantei-me e me livrei do saco que estava. Abri em seguida os outros ao meu lado. Deparei-me com Reeve aparentemente recobrando a consciência. Uma lente de seus óculos estava quebrada. Fiz sinal para que ele não falasse, mas que se levantasse. Fiz o mesmo com Jess, que resmungou um pouco por ter sido acordada.

Ao nos levantarmos, instintivamente levamos as mãos para onde Fergo havia nos atirado.

Como podíamos estar vivos e ainda assim sem nenhuma dor?

– Reeve, ligue a lancha. – Falei, jogando-o o canivete especial.

– O que aconteceu, Ni? – Jess perguntou, sua voz saindo estranha pela secura na garganta que provavelmente estava sentindo também.

– Não sei, Jess. Venha comigo.

Saímos da lancha e pulamos no cais. O lugar era aparentemente magnífico, mas não me permiti parar para admirá-lo. Contudo, Jess parou. Puxei-a pelo pulso em direção a cabine que Fergo havia falado assim que avistei a singular construção. Abri a porta e me deparei com uma sala de controle de tráfego marítimo, com alguns computadores e acessórios digitais. Caídos sobre o teclado e sobre o chão haviam três homens vestidos com as roupas azul e branca da milícia da Corporação Celestia.

– Pegue os pés. – Ordenei a Jess. Juntas, carregamos um por um até a lancha e os jogamos no convés.

Reeve conseguira ligar a lancha com o canivete especial de Fergo quando jogávamos o terceiro corpo para dentro do veículo. Subimos no convés e Reeve manuseou o veículo para longe daquele cais.

– Jess, me ajude a tirar as roupas deles.

– Ni, como você pode pensar nisso numa hora dessas? – Ela se impôs.

– Não seja boba. Tira logo.

Tiramos as roupas dos guardas e as vestimos por cima das nossas. Pegamos também suas armas. Em seguida, colocamos os corpos dos guardas, cada um em um saco.

– Eles não estão mortos, estão? – Perguntou Jess, agora irreconhecível sob o capacete da Corporação Celestia, se não pela voz peculiar.

– Não, estão apenas inconscientes. – Respondi. Eu havia notado que os guardas ainda respiravam.

– Parece o efeito de uma daquelas bombas de gás do Fergo. – Reeve comentou.

– O que houve? – Jess perguntou então. – Eu não entendi. Por que Fergo atacou a gente?

Eu tinha minhas deduções, mas nenhuma era concreta.

– Acho que Fergo não conseguiu a chave com o Targo. – Reeve comentou. – Mas pensando agora, se ele tinha esse canivete o tempo todo, poderíamos tê-lo usado para roubar a lancha…

Então me lembrei das palavras de Targo. Meu rosto completamente coberto de respingos de café e ele dizendo, em meio a gargalhadas: “Impossível. O mar é vigiado, minha querida. Não tem como.”

– Estávamos encurralados. Fergo sabia que não iríamos conseguir cruzar o mar.

– De qualquer forma, – Reeve se expressou, – Parece que não estamos mais na Ilha de Zedd.

– Sem dúvidas. – Comentei. – Estamos no Grande Continente. Seja lá o que Fergo tramou, deu certo.

– Melhor nos livrarmos dessa lancha, eles vão procurar por ela. – Reeve estatizou.

Consenti. Assim que estávamos a uma distância estratégica da praia, Reeve colocou o veículo para se distanciar da beirada automaticamente e, em seguida, saltamos no mar e nadamos até a areia.

– Onde será que essa lancha vai parar? – Jess perguntou, olhando para o veículo se distanciar no horizonte.

– Não sei, mas espero que Fergo tenha outro daquele arrombador de fechaduras, pois ele também está indo embora. – Reeve comentou, triste.

– Vamos indo, gente. Melhor sairmos da orla. – Falei. Provavelmente patrulhariam primeiramente pela beira-mar caso já estivessem nos perseguindo. – Temos que ir para a cidade e nos misturar.

– E depois? – Jess perguntou, correndo ao meu encalço juntamente a Reeve, para longe da praia.

– Precisamos encontrar um local chamado Dioniese. Talvez Fergo queira nos encontrar lá.

– Isso é uma cidade?

– Não sei. Ele não quis dar mais detalhes.

– Fergo está nos ajudando, não é? – Jess perguntou confusa. – Ainda não entendo. Ele nos ajuda e tenta nos matar. E agora ajuda de novo…

– Ele não tentou nos matar. – Comentei, certa disso. Mas não poderia dizer o mesmo de outra pessoa que também agia de forma estranha…

– Mas ele atirou na gente…

– Ele atirou mesmo, mas olhe só para você. Está inteira e ainda correndo. Ele não usou munição comum contra nós. – Reeve comentou. – Fergo quis que passássemos por cadáveres. Provavelmente, a ordem da Grande Cidade era que fossemos capturados, vivos ou mortos. E nenhum deles parecia disposto a capturar a gente vivo.

– Sim. Fergo nos fez ser pegos e trazidos para o Grande Continente. – Comentei.

– Mas eles não perceberam que estávamos vivos? – Jess perguntou.

– Talvez não tenham nos examinado… – Eu disse, embora duvidasse muito disso. – De qualquer maneira, agora estamos aqui, onde queríamos chegar.

Mas e então? Pensei. A imagem do garoto de vestes negras me veio a mente. “Existe uma pessoa que pode consertar isso tudo. Mas essa pessoa precisa de nossa ajuda. E pra isso, você tem que ir para a Grande Cidade.“

Quem eu devo encontrar? Quem é essa pessoa que pode nos salvar?

Subimos pela praia até algumas pedras, onde finalmente nos deparamos com o horizonte. O que não quis dizer que pudemos ver alguma coisa. Uma névoa extensa e escura encobria a visão de qualquer coisa que havia além.

– O que é aquilo? – Jess perguntou.

– Grande Cidade… – Reeve constatou.

Jess parecia chocada. Então ela seguiu em direção a névoa. Fomos atrás dela. Passamos por um longo campo desértico e pedregoso até alcançarmos uma visão nítida dos edifícios. Como se não bastasse a dificuldade em ver o que estava a um palmo da nossa frente, a névoa dificultava também nossa respiração. Sem contar o cheiro que não era nada agradável. A névoa parecia ficar mais negra à medida que íamos mais fundo nela.

Chegamos num local onde havia várias barracas espalhadas ao redor de torres extensas. Havia mulheres, idosos e crianças sentados nas ruas, todos vestidos com trapos e de aparência desnutrida. Poucos levantaram a cabeça para olhar para nós. E os que o faziam, rapidamente se distanciavam com uma expressão de pavor. As torres negras emitiam fumaça de espessas chaminés. Um barulho metálico ensurdecedor ressoava incessante.

– O que é esse lugar?! – Ouvi Reeve se perguntar.

Continuamos andando pela ruela, chocados demais para pensar no que fazer em seguida. Havia restos de lixo industrial em todo local. Mendigos por toda a parte. Eu não sabia dizer se as pessoas moravam naquelas barracas, porque eu negava a acreditar que tal feito era possível. Tulipa era a cidade mais bela do mundo perto daquilo.

– Será que todo lugar desse continente é assim? – Jess perguntou. Parecia decepcionada.

Jess se aproximou de um homem distraído que estava próximo.

– Moço, todo lugar é assim? – Ela chegou perguntando.

– Não, por favor! – Ele implorou. E então saiu correndo.

Ficamos olhando ele se distanciar, desconcertados.

– Alguém tem uma bala de menta? – Jessica nos perguntou, perturbada.

– Essas pessoas estão aterrorizadas. – Reeve constatou. – Elas tem medo de nós. Não é para menos, estamos vestidos como seus carrascos.

– Não vamos conseguir nenhuma informação desse jeito. – Comentei, olhando para nossas roupas.

– Mas não podemos nos livrar desses uniformes ainda. – Reeve disse, apontado ao longe um guarda da Corporação em patrulha. – Não podemos arriscar.

Era inútil. Assim que aproximávamos, as pessoas se distanciavam. Até mesmo os que estavam deitados, pegavam seu cobertor velho e iam para longe antes que estivéssemos perto o suficiente para começar uma conversa.

Até que alguém me chamou atenção.

Ajoelhei-me diante de um idoso de longos cabelos e barbas brancas desengrenhados, que se encontrava deitado no chão.

– Senhor. – Chamei.

Ele inclinou a cabeça como se nesse momento houvesse percebido minha presença.

– Quem está aí? – Ele perguntou, com uma voz fraca. Suas pupilas brancas não podiam me ver.

– Uma amiga. – Respondi. – O senhor poderia me dizer se conhece um local chamado Dioniese?

O idoso então mudou sua expressão facial como se eu o houvesse torturado com minhas palavras. Sua expressão era de puro terror.

– Não me levem para lá de novo! – Ele disse. E então começou a tremer. – Por favor, não!

– Eu não vou machucá-lo. – Tentei acalmá-lo. – O que fizeram com o senhor?

Então ele parou de repente. Ficou mudo. Só soube que não tinha morrido pois ainda respirava. Reeve e Jess se aproximaram, mas pedi para que ficassem a uma distância que não o alarmasse.

– Estamos aqui para ajudar vocês. – Recomecei. – Qual é o seu nome?

– Meu nome… – Ele começou, tristonho. – Já faz mais de dez anos que não me perguntam meu nome.

Ele então levou lentamente sua mão trêmula até meu rosto. Antes que ele o fizesse, retirei meu capacete.

– Nem sempre minhas visões se concretizam… – Ele respondeu, enquanto passava seus dedos sobre minha face. – Minha querida.

Pude ver lágrimas descerem de suas pálpebras.

– Esperamos por você todos esses anos. – Ele disse de repente. O que me deixou abismada.

– Senhor?

– Eu vi você vindo do mar, a mais traiçoeira das imensidões. Todos fugiriam de você. E então você viria até mim.

Fiquei pasma olhando para seus olhos vazios.

– Vá se encontrar. Dioniese não é longe. Vá rápido, coisas horríveis estão para acontecer. – Ele disse. – Talvez ainda haja tempo de mudar o futuro… e quem sabe, o passado…

– Estou ouvindo, senhor. – Falei, segurando sua mão. Uma compaixão imensa que eu não entendia me tomou conta. Tentei segurar minhas lágrimas.

– Dioniese é de onde sairá a névoa mais densa. A torre mais negra.

E então ele me apressou:

– Vá! Não há tempo a perder!

– Obrigada. – Eu respondi, levantando-me e olhando em volta.

A torre mais negra.

– Jess, Reeve. – Chamei-os, colocando meu capacete de volta. – Vamos.

Eles consentiram. Apressei meu passo por aquelas ruelas com meus amigos logo atrás, na direção da névoa mais densa.


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