Apenas um olhar escrita por Eubha


Capítulo 128
Capítulo 128:


Notas iniciais do capítulo

O segundo!
Tais (representada por Olívia Torres).
Eduardo, médico (representado por Daniel Rocha).



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— Espero que não tenha sido tão incômodo tirar os pontos. – o jovem médico puxou assunto com a moça simpaticamente, ao estar um pouco incomodado com todo silêncio entre os dois, já ao final da consulta. Na verdade, desde que Anita entrou em sua sala que a moça parecia se comunicar com poucas palavras. Algo nele intuía que havia uma energia muito ruim a pondo para baixo, algo que implicava em puro desânimo.

— Eu já passei por coisas piores. – Anita alega de forma impaciente, seu jeito descompensado a fez até ser irônica. Era um comentário sincero, o que podia significar qualquer dor física que ainda pudesse sentir, diante de toda dor de sua alma...

— Bom é, o bom é que não vai ficar tanta cicatriz e em breve você pode tirar a tipoia também. –  ele quis ignorar o jeito arredio da moça em sua frente. – E logo pode voltar pra tua vida, pra escola, enfim. – comunica Eduardo cordial, continuando a agir com simpatia.

— Pois é... – Anita falou não evitando a secura nos poucos monossílabos proferidos e nem tamanha indiferença.

— Sabe não combina com você. – o médico alegou à encarando, a olhava minunciosamente de um jeito sereno. Não hesitou e acabou falando o que pensava.

— O que, fugir da escola. – respondeu Anita, não contendo o sorriso de sarcasmo que formou-se em seus lábios, foi involuntária tal reação.

— É também. – ele afirmou positivamente – Mais eu to falando do mau humor mesmo. – o rapaz disse, apoiando os braços à mesa enquanto olhava para ela, que incomodada desviou o olhar com destreza.

— Como você pode saber, nem me conhece. – Anita tirou os cotovelos de sobre a mesa e o olhou desafiadora. Quem o estranho estava pensando, nem a conhecia e estava intrometendo-se em sua vida sem cerimônias. Já estava irritada desde sempre, e também nem queria conversar com ninguém, menos ainda com alguém que nem conhecia.

— É não. – Edu não desmentiu e se quer achou descabida a conversa. Estava mesmo sendo um pouco, pra não dizer muito intrometido, mas agiu por impulso, não deu para controlar. – Mais eu vejo gente, todo dia, gente triste, feliz, agoniada, gente que finge não estar, enfim... – o rapaz, pronunciando com toda calma se explicava. – E às vezes é só olhar nos olhos de alguém, a gente conhece. – o médico disse, fixando o olhar nos olhos dela, e fazendo com que Anita desconfiasse dele em alerta, como se um sinal fosse imediatamente ascendido em sua mente. Já tinha visto aquele filme, a moça se via arredia, não tinha vontade de confiar em ninguém estranho novamente e nem confiaria, Antônio seria a última vez. Fecharia à porta para a possibilidade de passar por aquele inferno de novo...

Eduardo a viu medrosa, e preferiu esclarecer, pois temeu o jeito que a garota desviou os olhos dos seus, não queria passar uma impressão errada de jeito algum, sua intenção ali era ajudar e não piorar ainda mais as coisas... – O que eu quero dizer é que eu sei, bom minha mãe diz que eu sou muito sensitivo, talvez a profissão ajude. – diz ele, um pouco atrapalhado ao procurar palavras para se justificar. – Que eu sei quando alguém está muito triste e muito angustiado, e mais tentando ir contra tudo e dizer que não está. – revelou, e não disposta a ouvir e cheia de receios Anita tirou sua bolsa de sob a mesa e levantou rápida. Algo dentro de si temeu o que estava se desenhando para acontecer ali, Anita não tinha ideia do que era, mas em seu íntimo sentiu estranheza.

— Hei calma. – Eduardo deu a volta em sua mesa e a intercepta pelo braço livre, com destreza. Anita não acreditou na audácia do desconhecido e o fuzilou em um olhar impiedoso.

— Olha eu não sei o que você quer de mim, mas na real de maluco na minha vida, eu estou farta. – Anita disse taxativa e até com certa raiva pela atitude dele, o rapaz nem a conhecia, o que ele pensava, só podia ser mesmo alguém muito exibido e intrometido, e temendo muito Anita cogitou ser pior, ele era mais um maluco psicótico, cruzando seu caminho.

— Eu só quero conversar, eu juro, foi mal me desculpe. – Edu se assustou consigo mesmo, e abalado soltou a moça. – A minha intenção não é ruim, acredita, é só que você me lembra muito alguém... – ele fala, querendo suplicante contornar o susto de Anita e não deixar um mau entendido. Esfregou o rosto preocupado e puniu-se pelo o que fez...

— Eu já disse, e me desculpa também, mais de doido eu já to cheia. – Anita não abaixou a guarda, ainda olhando a porta para ir embora.

— Eu sei, eu sei, tua mãe me contou tudo, e eu sinto muito. – ele esclareceu verdadeiramente. Havia acompanhado o drama da família de perto, desde que Anita tornou-se sua paciente, por um mero acaso do destino. E algo que ele não sabia decifrar, ou talvez Eduardo soubesse, não queria admitir ser uma saudade que ele nem lembrava mais, que ele esquecerá devido ao tempo... Algo que ele não entendia muito, e a garota à sua frente, não tinha em nada haver com essa saudade, mais uma sensação de leveza o atingia... E ouvir de Vera seu desabafo, quando a mulher veio buscar exames de Anita, fez aumentar ainda mais àquela sensação.

— Então me entender não dá, agora contar minha vida pra um estranho pode. – Anita reagiu irritada e deixando a mágoa com a mãe evidente. Vera não tinha o direito de falar de sua vida pra qualquer um, apesar de que este era um hábito antigo da mãe, isso não lhe surpreendia, mas pela gravidade da situação, sentiu descaso e raiva ainda maiores.

— Eu sei, mais como eu disse não é só por isso, você me lembra muito alguém. – ele insistiu em um tom tranquilo.

— Como. – Anita continuou achando que o médico estava completamente louco, então o olhou confusa e apreensiva, franzindo a testa atônita.

— Senta, eu explico, por favor. – Eduardo implorou, apontando para a cadeira, Anita manteve o olhar de desconfiança, ficando ainda imóvel.

— Mais tem que ser rápido, muito rápido... – ela ordenou, decidida a não ficar muito tempo com ele, jamais... Mas, se sentou assim mesmo.

— Sabe o teu namorado. – ele começou tranquilo.

— Não, ele não é meu namorado, não mais... – Anita responde ainda sob alerta, e com ele tocando no nome de Ben isso aumentou, aí que ela nem compreendeu mais nada.

— Eu sei, tua mãe me disse isso também. – ele fala a vendo se remexer tensa na cadeira.  – Mais não é só pelo o que ela falou. – garante. – Mais pelo que eu vi, nele... -  E como eu já repeti, você me lembra muito alguém. – insistente o médico manteve seu discurso.

— Quem. – Anita indagou não entendendo, não via como àquela conversa ter algum sentido, pelo contrário, era tudo muito absurdo, surreal...

— A pessoa que eu mais amei na vida, ela me lembra você, a mesma alegria contida no olhar, esperança, mesmo com tudo de ruim, alguém com a alma alegre, forte, destemida em meio a todo medo, pronta pra enfrentar tudo, o medo não parava ela, ela se reerguia, ela sofria, mas isso não era um motivo pra ela parar, ao contrário. – revela ele, deixando Anita estática, a menina ficou ainda mais confusa, não soube como reagir. Porque dele lhe dizer aquilo, onde exatamente ele queria chegar?...

— Eu não sou mais assim, ou você tá errado. – Anita só teve impulsos para negar, como ele poderia a conhecer, não poderia. E de fato Anita também se sentia cansada de tanta luta, hoje apenas tinha uma sensação de fraqueza dentro de si, que a corroía. - Mais continua. – movida não sabendo se por curiosidade, Anita pediu que ele continuasse...

— Ela era tudo pra mim, ih as pessoas fizeram de tudo pra destruir a gente, minha família, a família dela, nós éramos diferentes segundo eles, ela rica eu pobre, eu não poderia dar um futuro a ela, era o que eles pensavam. – falou ele sentindo uma angústia subindo por sua garganta enquanto se explicava. - E lógico que foi um choque pra eles, dois adolescentes juntos, eles fizeram de tudo pra separar a gente, eu só era o filho da empregada, quase o irmão da menininha rica, que desde pequeno estava ali ao lado dela. - Edu exclamou, puxando de sua memória com melancolia. - Talvez você conheça essa parte da história. – ele deu um meio sorriso, amenizando suas emoções.

— Mais ou menos. – profere Anita, ainda repleta de questionamentos sem respostas em sua cabeça, nada se encaixava.

— A gente venceu a família depois de muita briga, estávamos muito felizes, a gente iria casar, mesmo com 19 anos. – ele prosseguiu sufocando o olhar lacrimejado, na verdade não se recordava de ter tocado naquele assunto com mais ninguém, preferiu o guardar a sete chaves em seu coração, foi à única forma de sobreviver... – Ah, a felicidade era tanta que dava até pra flutuar, era o que a gente mais queria, mais aí o ódio, a inveja tomou conta, e o ex-namorado dela, já tinha dito que não aceitava, ainda mais ser trocado por um pobretão amigo de infância. – ele afirma engasgado, meio sem forças.

— Eu não acho que você deva. – Anita temeu estar ciente de como seria o fim daquela conversa. Não queria saber... Sentiu uma tristeza pelo rapaz, observando claramente seu jeito penalizado.

  Á ignorando, o jovem continua... Precisava ir até o fim. - Ele estava enlouquecido... - Claro que a gente não pensou nesse fim, éramos felizes, sonhadores, livres, e um dia nós viajamos pro litoral de carro, pra comemorar nosso aniversário de namoro, e eu bati o carro,  fomos pro hospital um acidente feio, horrível... – Eduardo acrescentou, terrivelmente abatido pelas lembranças doídas. Eram feridas sendo abertas novamente, e que nesse momento sangravam.

— Eu não, é melhor você... – Anita murmurou, ficou em puro estado de tristeza, sentindo que era à pior das idiotas por seus dilemas, que diante do que ele lhe contava, não eram nada, talvez um grão de areia, sendo comparado a uma montanha enorme.

— Eu acordei no hospital e me disseram que ela estava muito mal, e mais tarde que ela não tinha aguentado, por mais que eu houvesse implorado o contrário, ela tinha partido pra sempre, me deixado, e no lugar um vazio, que nunca vai ser preenchido. – diz Edu com uma comoção sem igual.

— Eu vou embora. – a garota fez menção de levantar-se, tendo uma sensação de apatia lhe consumindo, o que ouvia ali era algo terrível demais, para ouvir e não sentir-se horrível por dentro.

— Me escuta, eu nunca falei disso com ninguém, mais algo me diz que você, você vai me entender... – ele alegou implorando que Anita não se fosse. - Eu nunca soube do tamanho da maldade do mundo, eu me considerava uma pessoa boa, eu queria ver todos felizes, eu era feliz assim, ajudando aos outros... – Anita recuou de sua decisão intempestiva, e volta a grudar o corpo na cadeira o escutando atenta, notando uma lágrima atingindo seu rosto. – O Ex dela sabotou o carro, e deu um jeito de me culpar, e o pai dela me indiciou pelo acidente, eu só não fiquei preso por um detalhe.  – o rapaz concluí, recebendo de Anita um olhar ainda paralisado. - Perdi tudo da noite pro dia, o meu chão, a minha estrela, a minha vida, a minha Anita... – A Anita que eu conheci me deixou, mais mesmo assim me deu as maiores alegrias da minha vida... – terminou ele esfregando o rosto numa atitude falha de conter toda emoção.

— Eu sinto muito. – balbuciou Anita devastada, enxugando suas poucas lágrimas, não tinha forças para dizer mais nada... Sua voz havia se apagado.

— Sabe por que te contei tudo isso...  – Eduardo pergunta, a fazendo assentir apenas, talvez agora Anita entendesse tudo, ao menos um pouco. – Porque primeiro, eu nunca encontrei uma Anita antes, quer dizer alguém com esse nome. – ele tenta rir, esquecendo um pouco do turbilhão de emoções que vivia... – E eu já disse você me lembra ela, eu não sei exatamente porque, eu sinto assim.  – alega ele, dessa vez mais calmo, temeu ter a aterrorizado. - Mais sabe teu namorado. – Edu ponderou.

— A gente é diferente. – diz Anita em resposta. Não teria coragem de comparar toda tristeza que vivia com Ben, ao quanto o médico deveria ter sofrido pela horrível tragédia que houve em sua vida... Era uma imbecil comparação, nunca a faria, nem tinha como imaginar toda dor do rapaz.

— Não, não é tanto assim, a diferença, é que a história de vocês ainda pode ser feliz... – garantiu Edu sereno. - Vocês foram vítimas do mesmo carrasco, a inveja dos outros, de gente ruim, mas talvez deus, ele deu uma outra chance à vocês, não joguem fora, aproveitem. – propôs ele, deixando Anita pensativa.

— Eu nem sei se ele me ama mais. – Anita temia que seus devaneios fossem reais. Já havia dado motivos a Ben para isso, o magoado, o enganado, o deixado de lado, não podia o condenar caso quisesse um recomeço diferente e sem ela... Ela sabia, também não queria o prejudicar ainda mais, e depois de ver ele conversando com a estranha no restaurante do padrasto, ficou ainda mais em dúvida e medrosa. - Acho que eu destruí o que ele sentia por mim... – confidencia triste. - Enfim, por muitos motivos no meio disso tudo, que hoje não interessam. – ela quis encerrar o assunto, evitando o choro que queria agora, brotar com mais força ainda.

— Olha eu não sei exatamente o que aconteceu, além do que ouviu por alto de tua família, o que foi contado por tua mãe, e nem quero que você pense que estou me metendo em sua vida, ainda mais com algum interesse que não seja te ajudar, mas eu tenho certeza que seja o que for que houve, aquele rapaz que estava na recepção desesperado por noticias tuas, não pode ter agido movido pelo momento e por um mero ato de desespero não, era alguém com muito medo de se perder quem mais se amava, era isso que eu vi nos olhos dele. – Eduardo fala, atentamente olhando para Anita, que só pressente seus olhos cheios de lágrimas novamente, e seu coração esmagado pela agonia que sentiu.

— Era o mesmo desespero que eu senti há seis anos atrás, o mesmo desespero que até o último momento dilacerou meu peito e logo depois partiu meu coração em milhões de pedaços, o mesmo desespero, que me fez ter certeza de que nunca mais eu vou colar todos os cacos de minha alma e ser a mesma pessoa que eu era antes da Anita partir, o mesmo sentimento que me faz ter certeza, que... – por um segundo, o rapaz ao olhar para ela, sentiu culpa por a deixar tão nervosa. - Que ele te ama, e ainda precisa de você, assim como você dele, porque é isso, amar é assim, não é apenas sentir por nós mesmos, é além, é sentir que a dor do outro nos machuca, muito mais do que a nossa própria dor, a dor de saber que nosso amor está indo e não podemos fazer absolutamente nada para impedir, a dor de saber que se pudéssemos, arrancaríamos toda dor causada e o sofrimento que alguém que amamos com nossa vida está sentindo, era essa a dor que eu vi estampada no olhar do Ben, naquele momento, a pior dor que podemos conhecer um dia, cogitar lidar com a perda, acredito que ele não saberia, que ele jamais se acostumaria se algo tivesse acontecido com você. – ele afirmou voltando a perder o controle de seus sentimentos, enquanto seu coração batia forte. –

— E uma parte dele morreria para sempre junto com você, mas felizmente você assim como ele, ganhou uma nova chance, então não desista Anita, lute ainda mais por sua felicidade, lute com todas as forças que ainda possam estar com você, depois de todas as batalhas que você já travou... Lute por esse amor até o último suspiro, pois foi isso que eu fiz quando minha Anita se foi... – Edu suplica que ela não desistisse. - Lute pela chance que você ainda tem, não a desperdice com os outros, com conclusões de pessoas que não merecem sua preocupação, não desperdice sua vida com sofrimentos, o varra para longe, lute por esse amor, lute como eu tenho certeza que você fez desde o começo dele, não se abata, não deixe a maré ruim da vida, te derrubar, empurre esta correnteza revolta de volta para o mar e siga ao encontro de sua felicidade. – Eduardo proferiu encerrando suas palavras em meio a um choro que chegava engasgado.

— Como eu disse eu sinto muito, de verdade. – Anita alega novamente, querendo muito controlar suas lágrimas, que eram insistentes, pressentiu-se destruída física e mentalmente. – Mais eu tenho que ir, eu preciso ir, tchau... – a garota sussurrou quase sem forças junto a todo choro, pegando sua bolsa com dificuldades de cima da mesa e se erguendo em um gesto brusco até a porta, não suportava mais estar ali, o que ele havia lhe contado era terrível demais, doloroso demais, nem imagina como ele havia lidado, não queria se imaginar no lugar do rapaz, não saberia como sobreviver, ficou extremamente abalada com tudo que lhe foi revelado, precisava sumir o mais rápido possível. Totalmente tenso, o rapaz se puniu amargamente pelo o que havia feito, no lugar da emoção que sentiu em mexer naquela parte de sua vida, ficou o receio devido a sua atitude com Anita... Temeu ter a desesperado ainda mais, e não ajudado como supunha, quando decidiu lhe contar tudo aquilo... Ficou um tanto apavorado.

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— Você tem que provar o bolo da Vera, é o melhor de todos. – dizia Giovana a mais nova amiga, havia conhecido Tais em uma de suas andanças pelo bairro e também conversado bastante com ela durante o show da noite anterior, havia adorado a garota e a achado, muito simpática, por isso a convidou para conhecer a família e o casarão.

— Imagina Giovana. – respondeu Vera não evitando comoção pelo elogio da enteada.

— É sim. – a ruivinha taxou sorridente, sem medo de um dia errar, os bolos da madrasta eram os melhores, não havia mais o que comentar.

— E com certeza eu acredito Giovana. – Tais alega, com um olhar de contentamento pelos novos amigos que estava fazendo no bairro, nunca imaginou ficar tão feliz pela mudança repentina.

Anita caminhou da saída do táxi, até entrar em casa, mal sabendo como, estava em cacos, míseros pedaços que jamais saberia onde os perdeu, completamente perdida, e a conversa com Eduardo a fez piorar significativamente, a tristeza com que ele lhe contou parte de sua história, havia acabado um pouco mais consigo... Dado ainda mais raiva por ela não ter muita coragem para resolver sua situação, estava enlouquecendo, morrendo afogada em suas dúvidas, só tinha um único desejo superior a todas suas confusões... Desejava sumir, sumir sem nunca mais dar explicações, ou mesmo precisar sentir o que vinha sentido há dias...

— Anita filha oi, como foi à consulta. – Vera sorriu feliz e esperançosa, quando viu a moça entrar pela porta, ela estava sem pressa, Vera a viu desatenta, mais queria tanto ver a filha alegre novamente, que se encheu de otimismo...

Totalmente desatenta, Anita não notou facilmente a presença da mãe a das outras garotas, só tinha atenção para tudo que pensava.

— Filha essa é a Tais, ela se mudou há pouco para o bairro ih... – Vera ia dizendo, já que não obteve resposta para a primeira pergunta, pensou que Anita pudesse estar cansada do trajeto percorrido.

Sem vontade alguma de prestar atenção em nada, Anita saiu um pouco de seus devaneios, e viu em meio à sala de sua casa, a mesma garota que tinha visto conversando com Ben. Pelo visto, somente ela ainda não tinha sido apresentada a menina, todos de sua família já a conheciam muito bem... Novidade, não era de hoje que ela sempre acabava sendo a última, a saber das coisas, afinal quem ligava, era boazinha demais, conseguia ter excesso de compreensão sempre.  E Vera pelo jeito já amava a garota, e futuramente também amaria um namoro da desconhecida com Ben, podia ter uma ponta de ciúmes ali, mas no fim Anita estava certa...

Por segundos... Anita fitou a garota procurando expelir de si à raiva que sentiu, mesmo sem querer, repudiou a si mesma por aquilo, mas por ser tão humana quanto qualquer um, não soube evitar, apenas sentiu... Sentiu profundamente, mesmo desgostando da raiva que lhe dominava.

— Ela se mudou há pouco tempo pro bairro, e Anita... – diante do jeito calado da filha Vera repetiu, continuou a explicar-se não percebendo nada que fosse atípico. Giovana e a outra garota sorriam simpáticas e com alegria, também nem notaram nada de incomum no comportamento de Anita. Como já havia acontecido antes, mais uma vez, depois de todo susto  todos esqueciam, a vida seguia, e ela que entendesse, aceitasse, o que sentia não seria notado, nunca foi, não por completo...

— Ah é, bom pra ela. – as palavras saíram cuspidas por Anita, foi involuntário, quem sabe movida pela raiva e ânsia que sentia, não soube ao certo, apenas o fez e tão logo subiu ás escadas em repentina pressa, não esperou resposta de ninguém.

— Ué gente, Anita não é disso. – Giovana nunca havia visto, Anita ser tão grossa com um desconhecido, agiu surpresa e sem saber o que pensar.

— Me desculpe, a Anita não está em um bom momento mesmo. – Vera ficou com vergonha pela filha mais velha.

— Claro gente, às vezes não estamos em um bom dia mesmo. – Tais não levou tão a sério, afinal não via motivos para Anita ter tal atitude de caso pensado com ela.  Não tinha como ela saber, que um resquício desta indiferença de Anita, podia estar ligado à Ben... Isso a garota nunca pensaria.

Chegando ao quarto, Anita não ousou ter forças que ainda conseguissem segurar as lágrimas que a assombravam, chorou já sem nem saber por que, apenas queria chorar, chorar e esquecer-se do resto, esquecer até porque chorava. Chorar por tristeza ou mesmo raiva, não importava, era mágoa demais, ilusão que não cabia...  E sentir-se decepcionada só seria mais uma das duras consequências de ter provado de todo veneno da ilusão...

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— Anita pelo amor de deus, você tem é que procurar ele, perguntar mesmo... “E aí a gente vai ficar a vida toda nesse clima?...” - “Mais não dá, vamos conversar pra terminar ou continuar, mas assim desse jeito, não...” – era o que Julia havia dito, após ter ouvido o desabafo cabisbaixo e agonizante da melhor amiga. E agora com o cair da tarde Anita não conseguia o tirar de sua cabeça...

— Amiga acredita é simples, muito mais do que você ficar aí toda triste se achando a pior pessoa desse mundo, você não merece isso Anita, principalmente depois de tudo que você passou por ele... – reforçava a garota até com um misto de irritação e falta de paciência...

As palavras de Julia ecoavam na cabeça de Anita, o desabafo com a amiga não lhe ajudou muito, pelo contrário, havia a deixado ainda mais confusa, e agoniada, devido a seu estado de inércia, enquanto ela ainda continuava no mesmo lugar, desde que engoliu em seco um pouco do almoço que Vera colocou em seu prato naquele meio dia, durante a família reunida, felizmente a mãe e todos estavam muito ocupados depois, e aceitaram suas desculpas e nem ligaram para o seu sumiço repentino e ligeiro para o andar de cima do casarão, e pelo silêncio e vazio que abrigavam também o ambiente, além de seus pensamentos, sua família inteira já teria ido para um outro lugar qualquer, cuidar de suas vidas. Jogada em sua cama, com a cabeça atirada para trás na cabeceira, por instantes só o barulho da rua atrapalhava as confusões que rolavam em sua mente, diferente de antes, dessa vez, ela parecia mesmo não ter lugar nenhum para correr, ela não via caminho algum, nem um que fosse tão mal e nem um que fosse ao menos reconfortante naquele momento em que se encontrava, a escuridão lhe dominava, junto com a solidão de seus pensamentos, e a moça se via acuada sem muita coragem para tomar uma atitude.

Talvez Julia tivesse plenamente certa, ela tinha que procurar Ben, ao menos para ouvir da boca dele toda verdade, mesmo que fosse que ele não a queria mais, precisava acabar com aquela dúvida que no momento lhe trazia mais angustias, do que a própria certeza, mas a coragem para tal ato insistia em não lhe fazer companhia, e isso estava lhe trazendo uma revolta de si mesma, que se quer ela controlava. Definitivamente ela precisava de uma atitude que lhe tirasse daquele estado de inercia que estava lhe matando, lhe sufocando, terminando o serviço que Antônio falhou parcialmente de conseguir, lhe destruir... Ela tinha que falar com ele, e segurar com todas suas forças a dor que sentiria, em concluir que havia o perdido, e desta vez para sempre, até ouvir que ele estivesse mesmo envolvido com Tais, a moça de cabelos pretos e encantadora, que era sua nova vizinha, já que havia se mudado de fato para o  Grajaú com os pais, ela era bonita, pra não dizer linda, eles podiam ter coisas em comum, além do fato dela também  ter morado no Estados Unidos, fatos contados por Giovana animadamente, durante quase todo almoço, o que também contribuiu para Anita não digerir sua comida... 

Eles tinham afinidades, ao menos foi o que pareceu quando Anita flagrou os dois conversando no restaurante, teria de se convencer de que agora Ben poderia à amar, tanto quanto um dia lhe amou, que os sorrisos, os carinhos, as brincadeiras descontraídas, as gentilezas, a saudade, e todo amor nada mais seria para ela...  Imaginar àquilo doía, doía como uma lâmina estilhaçando sua pele, nem toda dor física sentida no hospital, durante todo aquele episódio, podia ser maior, do que o aperto que se instalava em seu peito naquele momento, e devaneando sem focar o olhar exatamente em algum lugar daquele enorme cômodo, que nesse instante só não era mais vazio e assustador que seu coração, Anita só sentiu que toda tristeza que sentia, queria pular para fora, quando notou uma lágrima escapando por seu rosto, e a intercedeu imediatamente, não queria mais chorar, não conseguiria, não podia se render a tal ato de desespero e solidão. Tentando firme, não se render ao choro, seus pensamentos foram ao longe de novo...

— “Olha eu não sei exatamente o que aconteceu, além do que ouviu por alto de tua família, o que foi contado por tua mãe, e nem quero que você pense que estou me metendo em sua vida, ainda mais algum interesse que não seja te ajudar, mas eu tenho certeza que seja o que for que houve, aquele rapaz que estava na recepção desesperado por noticias tuas, não pode ter agido movido pelo momento e por um mero ato de desespero não, era alguém com muito medo de se perder quem mais se amava, era isso que eu vi nos olhos dele”. – Eduardo falou  atentamente tais palavras com tanta verdade na voz, ao menos pareceu para Anita. – “Era o mesmo desespero que eu senti há seis anos atrás, o mesmo desespero que até o último momento dilacerou meu peito e logo depois partiu meu coração em milhões de pedaços, o mesmo desespero que me fez ter certeza de que nunca mais eu vou colar todos os cacos de minha alma e ser a mesma pessoa que eu era antes da Anita partir, o mesmo sentimento que me faz ter certeza, que...” – a menina só conseguia pensar em cada palavra dita pelo rapaz, queria as esquecer mais não sabia como,  quanto mais tentava, mais tudo parecia vivo novamente em sua mente, não importava o esforço desregrado que fazia para apagar. – “Que ele te ama, e ainda precisa de você, assim como você dele...” – será que ele estava certo, Anita não evitou se auto -questionar com confusão...

 Pensar na conversa com completo estranho e médico, a deixou ainda mais derrubada e até com raiva, Eduardo tinha razão, ela havia recebido uma nova chance de recomeçar, Anita se sentiu tola por se ver tão acuada, nada justificava aquilo, nada tinha sido fácil desde que Ben entrou em sua vida, mas o jovem rapaz tinha a razão, ela estava viva, cheia de vida, e só cabia a ela continuar, cabia a ela sua luta, se debater mais uma vez contra os maus ventos, e sair daquele furacão no qual se encontrava sua vida e pensamentos, ela não podia se entregar, não agora, depois que havia encarado, toda provação, humilhação, revolta, e tristeza, ainda não era a hora de se entregar, ainda estava na hora de mais uma batalha, precisava novamente dar um, “to nem aí”, para o mundo e continuar empurrando as pedras de seu caminho, ela estava viva e não podia desperdiçar sua vida daquele jeito, com tanta angústia, ficar sem Ben, doeria e muito, mas numa coisa Eduardo estava certo, ela não merecia se corroer naquele martírio todo, ela merecia uma chance, merecia a verdade, seja ela qual for...


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