Coração de Chicago escrita por Charlie


Capítulo 1
Capítulo 1 — Eu Sou Encurralado




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COMO SEMPRE, CHICAGO ESTAVA FRIO. Tinha sol, porém frio.

Eu estava na escola àquela manhã — meu irmão, Matt, tinha ido para o trabalho e me dado uma carona até a escola —, mais precisamente nas arquibancadas do campo que tínhamos na escola, Lincoln Park High School. A escola era enorme, mas enorme demais para alguém tão sozinho quanto eu. Bem, na verdade nem tão sozinho, pois eu tinha meus amigos.

Meus dois melhores amigos, que são os que eu confio mais do que em minha própria vida, se duvidar.

Jessica Adams era bastante conhecida na escola. Claro, ela era uma líder de torcida, então, todos queriam ser amigo dela, mas ela não dava bola para muitos. Porém, eu tive o enorme prazer em ser o instrutor de ensino dela na aula de laboratório no início do segundo ano — um programa da escola e estamos em nosso terceiro ano. Ela é linda, mas beleza não quer dizer que tenha cérebro. Como eu era amigo de Jessica, suas amigas líderes de torcida não tiravam sarro de minha cara na escola — e eu agradecia a Deus por isso.

Ryan Anderson é outro que é popular, tive sorte de estar na mesma aula de matemática e ser seu parceiro na turma, também no segundo ano. Ryan era do time de futebol americano, por isso ele era tão popular na escola. Ele pode ser um grande amigo, bonito, mas também não tinha cérebro para matemática. Ryan tinha muitos amigos — cercados de amigos e de garotas, na verdade — mas no final do dia, ele sempre estava ao lado de um nerd, fracassado e excluído — neste caso, eu.

Eu amava meus amigos e isso era o que importava.

De qualquer forma, quando cheguei à cantina na hora do almoço, fui direto para a fila do lanche. Na fila do lanche, eu peguei minha bandeja com pouca quantidade de comida e, ao ver todo o refeitório repleto de gente barulhenta, eu resolvi seguir em direção à porta de saída daquele local. Eu não conseguiria me concentrar direito para a próxima aula que seguiria — física, eu tinha prova.

Como de esperado, o tempo estava frio lá fora. Segui, assim que atravessei a porta, para a arquibancada do campo de futebol americano, curvando para a minha esquerda, andei um bom pedaço para chegar à grade de uma das arquibancadas.

Chegando a arquibancada, eu fui até a última fileira, de baixo para cima, e me sentei. Observei o campo inteiro — que era enorme — e as arquibancadas a minha frente. Não tinha quase ninguém nas arquibancadas. As únicas pessoas que tinha ali era eu, um grupo de quatro pessoas que pareciam os punks da escola, pessoal da orquestra da escola. No campo, as líderes de torcida estavam treinando — consegui avistar Jessica de longe e, assim que ela me viu, acenou para mim e eu acenei para ela — e o time de futebol americano — vi Ryan lá e ele também me viu, e nós dois nos cumprimentamos com o polegar levantado. Quase ninguém assistia o treino deles de verdade, só queriam ver na hora do jogo.

Eu teria assistido de verdade, mas tinha que estudar e também não deu muito certo, porque a orquestra começou a tocar seus instrumentos e os punks retiraram-se da arquibancada no mesmo instante. Segui o rumo deles. Eu tinha uma prova importantíssima na aula seguinte, eu não poderia ficar sem estudar — apesar de ter estudado em casa.

Voltando para dentro da escola, avistei os corredores e eles estavam mais repletos de gente do que nunca. Os alunos não paravam de conversar e aquilo fazia o corredor ser totalmente barulhento — o que não era nada bacana se você precisava estudar. Então, eu segui para o único lugar que poderia me fornecer silêncio: a biblioteca.

Aquela parte da escola já era bastante silenciosa, quase não tinha alunos ali, porque era o corredor em que ficava a biblioteca. Alguns alunos estavam passando, mas eram casais e eles não se atreviam a falar alto, só cochichavam e se beijavam. Desconfortável de se ver. Mas eu avistei o bebedouro e, assim que o olhei me deu uma sede tremenda. Eu não sabia que estava com tanta sede assim antes de vê-lo, mas fui até ele para beber água.

Cheguei ao bebedouro e me inclinei para beber a água quando apertei o pino para...

— Veja só quem está aqui, galera — disse uma voz bem atrás de mim.

Eu gelei. Claro, o dia estava muito tranquilo para ser verdade. Ele tinha que aparecer, uma hora. Assim que me recompus, virei-me para olhá-lo... e ele não estava só.

Eles eram três. O maior, Paul, tinha cabelo louro e pele clara. O segundo maior, o Josh, tinha cabelos pretos e a pele num tom de café muito chamativo e bonito. E o terceiro cara, Alvin, era ruivo e a pele tão branca quanto o primeiro. Ambos eram fortes.

Paul, Josh e Alvin. Os três agressores que me perseguiam desde que eu tinha, simplesmente, esbarrado em um deles e não tinha me desculpado — o meu jeito de ser, eu quase nunca falava com ninguém, mas isso é outra e longa história; e Matt não sabia disso.

Os três garotos enormes que mais pareciam armários me encurralaram e o ruivo me segurou em um braço e o de pele morena me segurou no outro.

— Me soltem... — pedi a partir do momento em que estava sendo encurralado pelos três caras. Eu tremi. Uma das desvantagens de não saber se defender era essa. Eu sempre era pego por eles.

Paul riu alto.

— Qual é, Cam... — disse Alvin.

— Não sentiu nossa falta? — disse Josh.

— É a primeira desde o mês passado, Cam... — disse Paul. — Vamos levá-lo daqui — disse ele para os outros dois.

Eles me conduziram, contra a minha vontade, até um corredor que dobrava a esquerda de onde estávamos.

Assim que seguíamos, o corredor começava a se esvaziar, as pessoas naquela ala da escola estavam começando sumir e me perguntei se havia batido o sinal para voltarmos às aulas, mas não.

Eles continuaram a andar e não havia mais ninguém ali, a não ser nós quatro. Eu estava reconhecendo aquela ala. Ali era onde o pessoal da orquestra ensaiava e, como era o recreio, a orquestra não iria ensaiar ali. Além do mais, hoje era quarta-feira, o que significava que o ensaio deles seria à noite.

— Onde quer levar primeiro, Cam? — perguntou o Alvin estralando os dedos.

— Acho que no rosto, Paul — disse Josh, rindo.

— Eu farei as honras... — disse o Paul.

Paul levantou o punho fechado para mim e eu fechei os olhos...

O soco que eu senti logo depois foi o suficientemente forte para me causar uma dor tremenda no lado esquerdo do rosto e me causar tontura, e, por incrível que pareça, não consegui enxergar muito bem. Ótimo, pensei. Nada poderia melhorar.

Senti algumas mãos me puxarem pela gola da camisa e me por de pé novamente. Fechei os olhos outra vez e senti o soco no mesmo lugar de antes, onde caí novamente. Mais uma vez, mãos me levantaram e fizeram a mesma coisa e caí no chão outra vez. Parecia que aquilo não iria acabar, na verdade. Eu sei que tinha levado três socos, mas eu não queria sentir mais nenhum. E três socos deles já era o suficiente para eu poder dizer que já tinha apanhado o suficiente.

Quando me levantaram pela quarta vez, eu não deixei ser atingido. Por sorte, eu consegui ver o vulto a minha frente direcionar o soco para mim e, antes que o punho viesse de encontro com o meu rosto, chutei a figura a minha frente bem em sua parte íntima e, virando-me para o lado — já livre das mãos que me seguravam —, corri para bem longe deles.

Era completamente difícil correr nas condições em que eu estava. Eu não tinha direção, não tinha como enxergar para onde eu ia — porque eu não ainda estava tonto e minha visão não estava boa. Eu estava nas mãos da sorte. Eu também não queria olhar para trás para ver se eles estavam indo atrás de mim, isso me faria perder a visão — a pouca e ruim que tinha — e eu, provavelmente, iria bater em algum lugar e cair. Mas eu continuei olhando para frente e correndo, virando onde tinha que virar e correndo novamente.

Depois de uns três minutos fugindo de Paul e seus amigos, eu não vi o vulto se formar em minha frente quando esbarrei nele e caí diretamente no chão.

— Ai! — reclamei ao sentir dor em minhas nádegas. Esfregando-as.

— Cam? — perguntou a voz de Ryan e agradeci por ser ele.

— Sim, sou eu — falei um tanto ofegante. — Ryan, por favor... me tire daqui. Tem como me levar até o meu armário? — perguntei um pouco preocupado.

Eu fitava os corredores atrás de mim, eu estava com medo de Paul aparecer. Mas percebi que minha visão estava começando a melhorar. Tudo estava começando a se focalizar, a figura de Ryan estava começando a se focalizar a minha frente.

— Sim, tem, mas... — ele fez uma pequena pausa e olhei para o vulto que era ele. — O que houve com o seu rosto? — perguntou ele e eu acho que franziu a testa.

— Depois eu explico — disse eu. — Só me leve para o meu armário. Por favor? — pedi.

— O.K. — disse ele e pôs a mão em meu ombro.


Depois de termos andado por dois minutos, ele me colocou de frente para o meu armário, onde pus a senha no cadeado e, assim que abriu, tentei relaxar. Peguei minha bombinha de ar, pus na boca e apertei a alavanca. Puxei o ar para os meus pulmões e me senti melhor. Muito melhor. Eu tinha bombinhas de ar no armário da escola, em meu quarto em casa e dentro da minha mochila, Matt comprou para mim, no caso de perder minha bombinha como da última vez. Assim que eu já estava mais relaxado e com ar em meus pulmões, eu consegui explicar para Ryan tudo o que realmente tinha acontecido.

Ryan, com seus cabelos louros e olhos castanhos me fitavam de tal maneira que eu não entendia se ele estava prendendo o riso ou estava realmente me compreendendo. Mas eu tentei ignorar. Aquilo era sério e se Ryan fosse caçoar de minha cara, eu não queria ouvir. Fechei o armário com força e o olhei sério.

— Tá, comece a caçoar — revirei os olhos.

Ele riu.

— Não, não é isso... — disse ele ainda rindo. — Você fica engraçado desesperado. Fica fofinho.

Ele juntou as mãos à boca, cobrindo-a e logo riu em seguida.

Bufei e ri logo em seguida para ele.

Eu não sabia o que ele estava dizendo. Eu já tinha me visto sem uma vez e desesperado. Tá, não era legal me ver sem ar, mas eu nunca tinha me visto desesperado. Não se tem como ter um espelho para você se admirar quando se estar tento uma crise de asma ou sendo atacado por seus agressores da escola. Mas eu não duvidava que mudasse. Eu deveria continuar a mesma coisa, a mesma pessoa feia de sempre. Cabelos louros iguais aos do meu irmão, olhos azul-esverdeados — também iguais aos de Matt —, pele clara como a dele e de Christie, e a única coisa que mudava: eu era baixo. Fora isso, nada mudava.

Christie, para quem não sabe, é a minha irmã mais velha. Bem, irmã mais velha minha e de Matt. Ela não morava conosco — eu moro com Matt —, mora com o marido e a filha — minha sobrinha e olha que eu só tenho 15 anos — longe de nós. Christie tinha a mesma tonalidade de pele que a minha e a de Matt, tinha os nossos olhos e os nossos cabelos. Eu não a via muito e também não fazia muita questão de vê-la. Por mais que fôssemos filhos dos meus pais, eu nós nunca nos demos bem. Não desde que eu defendi Matt quando ele queria ajudar na sentença de nossa mãe na prisão. Desde aquele dia, Christie e eu não nos falamos.

De qualquer modo, Ryan e eu fomos para nossas aulas quando o sinal bateu.

Como eu não tinha estudado, eu não fiz uma boa prova — a meu ver, é claro. Tentei me concentrar ao máximo, mas eu sabia que não conseguiria nota boa de qualquer maneira. Eu fiquei com dúvidas em quase todas.

Mas a aula seguinte foi melhor: educação física. Foi boa por dois motivos. Um, eu consegui me distrair e parar de pensar naquela maldita prova. Dois, o professor fez uma disputa de corrida e eu ganhei de todos da classe. Até mesmo de Elliot Hastings — um garoto ruivo, dentuço e de porte atlético —, um dos melhores corredores da classe; de Jessica — não a subestimem, ela corre bastante; de Oliva Balkshort — uma garota alta de pernas longas, de cabelos castanhos e pele cor de café de invejar a qualquer um; e de Ryan — o cara tinha que correr bem, afinal, era do time de futebol americano. Mas eu consegui abater todos eles — como eu sempre fazia. Apesar de eu ser desastrado, desengonçado e ter asma — não me pergunte como eu consigo correr, porque eu não sei — eu era o melhor corredor da escola, segundo o sr. Walter, o professor.

Quando chegou a última aula, o diretor anunciou que poderíamos ir embora, porque haveria alguma reunião de professores ou coisa do tipo... eu não entendi direito o que ele disse. Afinal, quase ninguém entendia o que o sr. Phillips dizia, ele falava engraçado.

De qualquer forma, assim que meus amigos e eu saímos dos vestiários — já tomados banho, vestidos e com nossas mochilas nas costas —, e fomos direto para frente do Lincoln Parker High School. Bem, não foi fácil chegar lá porque a maioria dos alunos tinham corrido para lá, deixando os corredores quase impossíveis de se andar. Mas, felizmente, conseguimos chegar à frente da escola.

Muitas pessoas estavam lá, para ser sincero. Tinha algumas pessoas que encontravam seus parceiros de gangues (uma dica: nunca encare um membro de uma gangue ou você se dará mal, falo isso porque um menino no ano passado encarou um deles e acabou parando em um hospital) a minha direita, mas bem longe da entrada. Os punks se reuniam a minha esquerda, juntamente com alguns membros da orquestra da escola. As líderes de torcida e os jogadores do time de futebol americano se aninhavam em uma parte da escadaria, juntamente com o time de basquete, beisebol, voleibol e de natação se misturavam bem — eles eram amigos entre si.

— Nossa... não vejo a hora de ir para casa — disse Jessica suspirando à minha esquerda. — Estou tão cansada.

— Nem me fale — disse Ryan pondo as mãos no rosto, à minha direita. — Estou morrendo de sono.

Levantei a sobrancelha para eles dois.

— Vocês reclamam de mão cheia — disse eu. — Eu que tive que fazer uma prova de física inesperada. Eu acho que me dei mal. Acho não, tenho certeza.

Eles pararam de frente para mim, se olharam e reviraram os olhos.

— Ah, qual é, Cam — bufou Jessica.

— É, Cam... qual é — Ryan revirou os olhos. — Você sempre se da bem nas provas...

— Até mesmo nas surpresas — completou Jessica.

Fechei a cara, corando.

— Não é verdade — falei.

Eles bufaram juntos e disseram em uníssono:

— Tá bom.

Eu não gostava muito de ser lembrado dessas coisas e nem achava que era bom o bastante. Tudo bem, eu já ganhei prêmios acadêmicos, mas do que isso conta perto de troféus de campeões em campeonatos de futebol americano e de campeonatos de líderes de torcida? Nada, eu sei. Eu não via nada de importante em minhas fitas azuis, mesmo eles dois dizendo que aquilo era incrível, mas eu realmente não achava. Qualquer um podia ganhar uma fita azul se estudasse — que era o meu caso.

Eu não acreditava que aquelas fitas azuis e diplomas acadêmicos me levariam a algum lugar ou me daria um troféu. Tá bom, eles me levariam para algum lugar — minha faculdade, eu suponho —, mas não me tornava popular e isso era uma coisa que eu queria experimentar, nem que fosse uma única vez...

Ficamos em silêncio por um breve momento.

— Você não me disse o porquê estava desesperado, sem ar e porque está roxo em um lado do rosto — disse Ryan me olhando sério.

— Eu não tinha reparado nisso — disse Jessica. — Mas já que mencionou, Ryan, por que está roxo, Cam? E você fica mesmo fofo quando está desesperado — ela riu, mas voltou a ficar séria.

Eu expliquei toda a história para eles. Eles sabiam sobre Paul e seus amigos, eles, meus amigos, sempre que podiam me protegiam dele. Mas assim que terminei de contar, a expressão de Ryan ficou furiosa e Jessica tinha um semblante de quem provavelmente faria seus contatos.

— Porque não me disse antes? — perguntou Ryan.

— Ou me disse? — perguntou Jessica.

Engoli em seco.

— Vocês sabem que eu odeio violência — falei. — Além do mais, se eu contasse, eles saberiam e arrumariam um jeito de fazer pior da próxima vez.

Ryan bufou com raiva e Jessica revirou os olhos.

— Como se não fossem fazer o mesmo jeito — disse ela.

— Você deveria ter nos contado — disse Ryan. — Deveria ter me contado — ele me olhou nos olhos como se estivesse desapontado comigo.

Ryan era um tanto briguento, esse era um dos motivos para eu não ter contado. Eu sabia que ele iria querer brigar... e sozinho. Eu não contei a Jessica porque ela buscaria um jeito de vingança e ela sempre conseguia arrumar uma vingança realmente muito boa e até mesmo envolvia violência, o que não era o que eu queria. Violência só gera violência.

— Desculpem — disse eu —, eu sei que devia ter contado. Mas... tentem entender o meu lado. Se eu contar, eles fazem pior. E eu não quero briga entre vocês — senti meus olhos lacrimejarem.

Jessica me abraçou rapidamente e me deu um beijo no rosto. Ryan bagunçou meu cabelo e piscou para mim.

— Tudo bem — disse ela. — Só não precisa chorar, O.K.? — disse ela enxugando os olhos. — Sabe como eu me sinto quando vejo alguém chorar...

— É, moleque, não precisa disso — disse Ryan. — Só me prometa uma coisa, nos prometa uma coisa — ele se corrigiu e disse: — nos diga da próxima vez, O.K.?

Assenti com a cabeça.

— Jessica e eu ficaremos de olho em você o tempo todo na escola. Onde você for, iremos juntos — disse ele.

Neguei com a cabeça.

— Não preciso de escolta — falei.

— Sim, precisa — concordou Jessica. — Acordo feito.

Ela e Ryan apertaram e balançaram as mãos.

Suspirei. Eu sabia que não adiantaria nada discutir. Eles não iriam mudar de ideia, então deixei passar. Mas era bom saber que meus amigos estariam comigo quando eu precisasse deles.

Depois de alguns minutos a mais conversando sobre o time de futebol americano, os treinos das líderes de torcida e meus prêmios acadêmicos futuros, nós descemos a escadaria de entrada, viramos à esquerda e nos deparamos com uma Mercedes Benz preta, o carro dos pais de Jessica. A buzina tocou.

— É o meu pai — disse Jessica satisfeita. — Mandei uma mensagem de texto para ele quando o diretor disse que iríamos sair cedo — ela deu de ombros.

Ryan e eu assentimos.

— Bem, acho que vou indo nessa — disse Ryan.

Jessica e eu o olhamos.

— Não quer carona? — perguntou ela.

Ele fez que não com a cabeça.

— Ah, relaxa — disse ele. — Moro há apenas algumas quadras daqui. Dá para ir andando. Até mais, moleque — ele levantou o punho fechado para mim.

— Até, cara — falei, dando um soquinho em seu punho.

— Até, coisa linda — disse ele para Jessica.

Ela riu e ficou vermelha.

— Ah, para... — disse ela sem graça e depois riu. — Até amanhã, garotão — ela acenou para ele.

Ele apenas assentiu com a cabeça, virou às costas para nós e se foi.

Ryan era enorme de costas — bem, ele já era enorme de frente também. Ele tinha ombros largos e braços musculosos. Pernas totalmente definidas e com um rosto de um cara que parecia ser bem maduro para a idade dele. Ele tinha olhos castanho-claros, dentes perfeitos e brancos — depois de usar quase cinco anos de aparelho, segundo ele — nariz reto, pele amarelada e tinha uma pintinha no canto esquerdo superior da boca que dava um charme de galã a ele. Ele era bastante bonito — mas é claro que eu preferia enfiar agulhas em meus olhos a admitir aquilo em voz alta.

Jessica era linda. Tinha cabelos castanho-avermelhados, pele tão clarinha e sem nenhuma espinha no rosto. Ela era magra, porém suas pernas e coxas eram bastante definidas por causa dos treinos de líder de torcida. Ela era sempre cheirosa, era maior do que eu e tinha um nariz que a deixava com cara de autoritária, mas ela não era assim — bem, ao menos com que ela achava que merecia. E seus olhos... bem, seus olhos eram de um azul tão, mas tão, claro, que quase me pareciam uma piscina cristalina e seus dentes eram tão perfeitos quanto os de Ryan. Aquilo só deixava sua beleza ainda maior. Era quase intimidador ficar perto de Jessica. Não sei como eu conseguia ficar perto dela e não desejar que me jogassem na lata de lixo por conta de sua beleza perto de mim; eu era horroroso perto dela. Ela atraía gente bonita — só não sabia como eu podia ficar ao lado dela. Sua beleza chegava a me deixar desconfortável.

— E você, pequeno Cam? — perguntou ela. — Aceita uma carona para casa?

Voltei-me para ela.

— Bem, na verdade, eu pensei em ir ao Batalhão 51 para ver meu irmão antes de ir embora para casa — falei coçando a cabeça. — Eu sigo andando e pego um ônibus...

— Nada disso — interrompeu-me ela. Ela abriu a porta do carro para mim. — Entre, deixamos você lá.

— Bem, já que você insiste... — ri e adentrei no carro, fechando a porta logo em seguida.

Ela entrou no banco do carona e fechou a porta.

— Sr. Adams — cumprimentei o pai de Jessica.

— Ah, olá, Cam! — disse ele sorridente, olhando-me pelo retrovisor.

Por sorte, o sr. Adams não tinha reparado em meu rosto.

Jessica era bem parecida com o pai. Ele tinha cabelos ruivos, olhos azuis iguais aos da filha, só não era tão magro como ela, ele tinha uma barriguinha, mas quem ligava para isso, não é? Seu rosto tinha sardinhas que deixavam ele com carinha de criança e o sr. Adams tinha o sorriso perfeito da filha... quero dizer, Jessica tinha os destes perfeitos iguais aos do pai — que segundo ela, ele e ela, ambos usaram aparelhos durante um bom período para ter aquela arcaria dentária. O sr. Adams tinha, também, uma barba ruiva e vestia uma blusa branca social e calça social preta.

— Pai, vamos ao Batalhão 51 deixar Cam lá, certo? — disse Jessica.

— O.K., filha — disse o sr. Adams.

O sr. Adams ligou o carro e deu partida para o Batalhão 51.

Jessica e o pai ficaram conversando sobre sua próxima viagem nas férias, mas eu não prestei muita atenção naquilo. Eu estava mais preocupado como faria para esconder os possíveis roxos que eu tinha em meu rosto de Matt.

Se eu contasse a Matt, ele iria até na escola e, com toda a certeza do mundo, reclamaria na direção da escola e me trocaria de escola. Eu não queria me mudar, não me via em outra escola sem Jessica e Ryan. Meus dois melhores amigos. Eu não podia ficar em uma escola sem eles dois.

De qualquer forma, não demorou muito para o sr. Adams chegar no Batalhão 51. Agradeci a Jessica pela carona e o sr. Adams deu partida no carro logo em seguida que saí do carro, e eles se foram.

Pondo o capuz de meu casaco na cabeça para tentar ofuscar os prováveis hematomas que eu tinha no rosto, encarei o Batalhão 51. Peguei a bombinha em minha mochila, pus na boca e apertei a alavanca novamente. Senti o ar voltar para os meus pulmões e me senti um pouco melhor. Eu sabia que estava a beira de ter um ataque de pânico de tanto medo e desespero pelo que Matt podia fazer se visse os roxos em meu rosto, e aquilo só me fazia perder o ar. Eu odiava ter asma. Odiava!

Mais uma vez, pus a bombinha em minha boca e puxei o ar para os pulmões para me sentir melhor — eu sabia que aquilo não se era feito para ser usado daquela maneira, mas eu tinha que me prevenir. Fechei os olhos e tentei relaxar por um instante e consegui. Eu me sentia um pouco melhor.

Respirei fundo e caminhei para o Batalhão 51, na esperança de que Matt não visse meu rosto com tanta clareza.


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