Guardei a caixinha no mesmo local que a encontrará, ainda não era a hora de fazer esse pedido – que eu ainda nem sei como fazer- e desci para mais um “amigável” almoço familiar, o que obviamente é mentira porque minha família deve ter feito Poli Dance na cruz para ser tão cheia de problema. Mal cheguei na metade da escada e escuto um voz que revira meu estômago.

– Eu devo ter sambando no Santo Sepulcro usando apenas Samba Canção para ter que encarar essa sua cara! – Gritei com todo vapor

– Também senti saudade, Félix.

– Edith, querida, de falso já basta seus cabelos.

– Félix, você deveria tratar melhor a minha filha! Ela foi casada com você por anos e aturou todas as suas “fugidas do armário” – Tamara disse, tentando – ênfase em tentando- ser venenosa.

– Tamara, que surpresa desagradável. Vejo que ainda não abriu mão das plásticas hein? Já pensou em fazer um Cartão Fidelidade?

– Calado, Félix! Há anos não faço plásticas, agora combato as poucas rugas que tenho com tratamentos orgânicos.

– Ah, isso explica essa sua cara de maracujá velho – ri e vi Niko se aproximando – Carneirinho, olha só a cara da sogrinha! Tô pensando em mudar de expressão, em vez de “Pelas Rugas de Matusalém” será “Pelas rugas da minha sogra”, o que acha? – Niko me acompanhou nas gargalhas

– Credo, Félix! Vim aqui te contar que teríamos visitas, mas pelo jeito elas já se apresentaram – ele então se dirigiu para Edith – Prazer em te ver novamente.

– Hrum. Não posso te dizer o mesmo. – Edith então pegou a mãe pelas mãos e se direciona para a mesa.

– Recalcada – Niko sussurrou e dei um pequeno risinho enquanto o abraçava.

– Essa família não consegue ter um almoço tranquilo não é? –Falei chateado

– Pelo menos entediado ninguém fica – Carneirinho respondeu e fez carinho nos meus cabelos – Junto a gente atura.

– Já estou com saudades de casa.

A mesa estava cheia: Mami Poderosa, seu Bofe de Ouro, Jonathan, Vovó, Lutero, Papi Soberano, Loira oxigenada – vulgo ex esposa, sogrinha enrugada... Se não fosse pelo Carneirinho, Jaiminho, Adriana e Fabrício seria como os velhos tempos e aquilo não me agrada em nada. Decidi sentar perto de meu pai, que comia mais à vontade na minha presença e claro, Niko, porque não ia conseguir passar esse almoço sem estrangular a mão dele.

– Pai – Jaiminho me chamou – me passa o feijão?

– Claro, filho – respondi lhe passando a travessa – e trate de comer direito para brincar depois tá?

– Nossa, falando assim dá até a impressão de que você é um bom pai, Félix – Edith me disse sorrindo – você tranca ele no armário também?

– O Félix é um ótimo pai, Edith – Niko veio ao meu resgate

– Ainda não entendo porque você questiona minha qualidade como pai – comecei olhando para aquela mulher que, não sei como, dividi a cama um dia – você nem sabe de quem é o espermatozoide que fecunda seus óvulos quem dirá ser boa mãe. – sorri simpático

– Você é repulsivo, Félix – disse Tamara

– Respeite meu filho, Tamara, é muita generosidade minha permitir que você venha nessa casa. – Pilar respondeu seca

– Mãe! Pai! Vó! Nós poderíamos tentar manter a urbanidade pelo menos uma vez? – Jonathan implora

– Para ter urbanidade as pessoas tem que ser civilizadas, algo que a sua mãe e Tamara nunca foram – respondi venenoso, tá vendo? Um almoço em família as piadas ferinas voltam. É disso que tinha medo, já estou sentindo o olhar de crítica do Niko.

– Quer saber, Félix? Isso aqui é ridículo – Edith falou enquanto mexia as mãos em gestos que abrangiam toda a mesa.

– Edith, tá achando que tá em Israel e eu sou o “Muro das Lamentações”? Dá um tempo, pelo amor, não aguento mais esses seus dramas. – Respondi com uma voz cansada.

– Eu que não aguento mais essa sua falsidade, Félix! Desde quando você é pai de família? “Pai me passa o feijão?”. Qual...

– Adriana, leva o Jaiminho e o Fabricio daqui? Não quero meus filhos presenciando isso – interrompi Edith prontamente. - Falsidade? Quem é você para me falar de Falsidade?

– Eu pelo menos sei quem eu sou e você tá se fingindo de quê hein? De bom moço agora? Você é um ser humano ambicioso não aguento te ver se contentando com esses restaurantes ridículos. - Niko quase teve um enfarte, mas eu o segurei para que não respondesse- Você era diretor de um hospital, Félix, agora cuida de peixe? Não é esse o homem que eu amei – ela levanta – Quanto tempo falta para você se revelar?

– Que me revelar, Edith? Hello? Eu já sai do armário. E esse papo de amor DE NOVO? Isso é muito Last Week. – Disse

– Eu sei quem você é, eu te conheço! Você não é nada do que estou vendo aqui hoje. A minha pergunta é simples, Felix, quanto tempo para você começar a roubar seu lindo companheirinho? Quanto tempo para você destratar os seus filhos? Jogar o bebe na caçamba? – Essa mulher tá me cansando, talvez eu a jogue na caçamba – Quanto tempo para aparecer um outro anjinho na sua vida e você começar a trair de novo? – Senti Niko ficar extremamente tenso ao meu lado, aquela cachorra fora longe demais.

– Cala a Boca, Edith – um silencio invadiu a mesa, nem eu conseguia falar e Edith arregalou os olhos, o grande Doutor César mandara ela ficar em silencio.

–César... – Pilar disse

– Eu posso não ter a melhor das visões, mas minha audição é excelente e estou enjoado com esse tanto de baboseira que você fala, sai da minha casa.

Ela e sua mãe não tiveram outra chance de responder, apenas se levantaram, mas Edith não perderia a oportunidade se semear a última semente da discórdia

– Antes de ir, Niko, apenas um aviso de amiga. E quanto tempo você acha que ele vai continuar assim do seu lado? Não confie nele. – Aquilo me magoara profundamente, porque uma parte de mim sabia que ela podia estar certo e quanto mais eu convivia com aquela família, mais via o antigo Félix dando as caras.

– Você não é minha amiga, Edith e suas palavras não me interessam. – Eu não pude deixar de ficar grato ao ouvir isso, mas era impressão minha ou a voz dele vacilou?