Sou acordada por batidas na porta. Uma voz do lado de fora me chama dizendo que preciso preparar Katniss. Abri os olhos lentamente e respondi um “já estou indo” sem emoção, mas acho que afastei a pessoa da porta. Puxo o lençol até o colo, tentando cobrir meu corpo enquanto procuro meu robe e o encontro segundos depois jogado no chão, ao lado de Haymitch, que parece ter caído o sono.

– Haymitch, acordaaa – cantarolo em seu ouvido. Ele se mexe devagar e abre os olhos, sorrindo ao me ver. – Se conseguir resumir tudo o que aconteceu, deixo-o contar agora enquanto me arrumo – me apoio em meus cotovelos, aguardando uma resposta.

– Se estiver disposta a ouvir...

Balanço a cabeça num sim e presto atenção em cada palavra que ele diz. Eu precisava me lembrar de tudo o que aconteceu. Tudo o que eu tinha eram flashes de acontecimentos que eu não tinha certeza se presenciara ou não. Mas quando Haymitch me conta sobre o que houve depois do terceiro massacre quaternário, tudo começa a fazer sentido. Sinto minha cabeça latejar um pouco, lembro dos hematomas, dos gritos, da angustia, da cela, tudo.

Quando ele termina de falar, meus olhos estão vagos, distantes.

– Está tudo bem? – pergunta.

– Ah, sim – tento voltar a mim, mas parece difícil. – Eu estou bem – tento abrir um pequeno sorriso e selo meus lábios nos dele. – Mas agora temos que ir.

– Ah não, Effie – ele diz, me puxando de volta, fazendo-me cair na cama ao seu lado. - Fica aqui, vai!

– Haymitch, nós vamos nos atrasar! - digo enquanto ele se movimenta para cima de mim.

– Katniss pode esperar um pouco – retruca. Começando a beijar o meu pescoço. Sinto que começo a arfar.

– Haymitch – sussurro. - Teremos muito tempo para isso depois.

Haymitch se afasta um pouco e fica me olhando durante alguns segundos.

– Teremos, é? – pergunta, parecendo descrente.

– Sim – digo e o puxo para mais um beijo. Movo-me, então para cima dele. – Agora temos que ir.

– Claro – ele diz, enquanto saio da cama e visto meu robe – porque temos um grande, grande, grande dia pela frente.

Sorrio ao entrar no banheiro. Haymitch me completa. Tudo ficaria bem agora.

{...}

Estamos assistindo à tão esperada execução de Snow. Para ser sincera, não sei exatamente o que estou sentindo no momento. Todo esse tempo trancafiada me deixou longe da realidade. Tudo o que sei é que Haymitch está ao meu lado, assistindo comigo.

Olho para ele e percebo a tensão que está tomando conta.

– Aconteceu alguma coisa? – pergunto.

Haymitch umedece os lábios e vira para mim. Hesita antes de falar.

– Effie, quando tudo isso acabar – ele diz – eu vou voltar para o 12.

Sinto meu estômago congelar. Eu havia me esquecido completamente de que ele teria que voltar. Ah não! Definitivamente, não posso perdê-lo outra vez, mas também não consigo me imaginar vivendo em outro lugar a não ser a Capital.

– Você poderia ficar aqui – digo, mas minha voz falha. Tento sorrir, mas parece difícil.

– Effie... – ele começa, tomando minhas mãos nas suas. Haymitch leva alguns segundos parecendo escolher as palavras certas para usar. – Quero que você vá comigo.

Engulo em seco.

– Haymitch – digo, soltando minhas mãos e caminhando de um lado para o outro – não acho que seria uma boa ideia.

– Por que não, Effie? – pergunta, incrédulo. Ele dá dois passos em minha direção e eu recuo. – O que você quis dizer com “teremos muito tempo para isso”? Não é mais o que você quer?

– Não, não é isso, Haymitch. Eu...

– Eu quase morri tentando salvar você – ele me interrompe, aumentando seu tom de voz. – E agora você simplesmente desiste? Ah, é porque eu sou um bêbado inútil, acertei? É porque eu vomito nos seus vestidos? Ou eu nunca estarei a sua altura, garota da Capital?

– Haymitch, você está me ofendendo – minha voz sai baixa. O pior de tudo é que Haymitch está certo: eu quero ficar com ele, mas ir para o Distrito 12 seria uma mudança radical a qual eu acredito que nunca me adaptaria.

– Então por que não quer ir comigo?

– Porque eu nunca vou me adaptar, Haymitch! – explodo. De repente recobro minha voz. – Porque eu teria que conviver com famílias que me viram levar seus filhos para a morte, pessoas que nunca me aceitariam por perto, que dariam tudo o que tem só para terem de volta o que eu tirei delas! Porque por mais arrependida que eu esteja de ter participado disso, mesmo que sendo apenas na colheita, mesmo não sendo a responsável pelos jogos, eles nunca vão enxergar isso em mim!

Minhas mãos tremem e percebo que meus olhos estão cheios de lágrimas. Ótimo, penso.

Permanecemos em silêncio por alguns minutos. Não faço ideia do que está acontecendo lá fora, mas está tendo tanto barulho que acredito que ninguém ouviu a discussão.

– Você não estaria sozinha, Effie – diz Haymitch.

Olho para Haymitch e sustento o olhar por algum tempo. Ele dá um passo em minha direção e eu recuo junto.

– Haymitch eu... eu não sei – gaguejo. – Eu preciso de um tempo sozinha.

Não sei se Haymitch disse mais alguma coisa, mas corro para longe dali sem olhar para trás. Não sei para onde ir, então rumo para o quarto onde eu estava quando acordei. Entrando, tranco a porta e corro até as minhas coisas, começando a juntá-las. Não são muitas.

– Effie – ouço a voz de Haymitch do outro lado, fazendo-me soluçar de susto. – Eu sei que está aí!

– Vai embora, Haymitch! – grito de volta. Meu coração bate rapidamente.

– Effie, abre a porta, por favor!

Decido ficar calada. Quem sabe ele não desiste?

Quando percebe que não teria resposta, ele prossegue:

– Eu não vou conseguir ir embora sem você – ele diz. Estou encostada na porta, tentando prender as lágrimas que insistem em cair. – E se você não for – acrescenta – é como se uma parte de mim estivesse ficando aqui. A melhor parte de mim.

Não consigo mais conter as lágrimas e começo a chorar enquanto escorrego pela porta até me ver sentada no chão, abraçando minhas pernas, aos prantos.

Ouço seus passos se afastando da porta.

Ele estava indo embora.

Eu estou sozinha.