Desafio TWD: Scapegoat escrita por Pat Black


Capítulo 1
Scapegoat


Notas iniciais do capítulo

Minha primeira fic do Desafio TWD. Por que alguém tem que começar.



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Capítulo Único

Olhou para as cercas cheias de errantes, o modo como os outros conseguiam derrubá-los sem nenhum tipo de remorso e cansou de se sentir fraca, de ser vista dessa maneira, de ser chamada daquela forma.

Devagar deixou o dedo deslizar pela lâmina da faca que Carol lhe dera um pouco mais cedo, tentando buscar no metal aquela frieza que a mulher mais velha dissera lhe faltar.

Ainda podia sentir a vergonha ao parecer tola, quando tudo o que quisera fora mostrar que era forte, que poderia ter cuidado de seu pai, mas não pudera. Sentiu que começava a chorar novamente e enxugou o rosto com as costas das mãos com raiva. Não queria que ninguém lhe visse daquela forma de novo. Carol principalmente. Sua mãe agora. Não uma mãe de verdade, mas a pessoa que seu pai confiara para tomar conta dela e de Mika.

Ao pensar no pai fechou os olhos. Ele fora enterrado mais cedo, junto com os outros, no canto mais afastado do pequeno cemitério. Diferente do último enterro que tiveram na prisão, neste só havia alguns para prestar homenagem aos que partiram. Notara que o Xerife Grimes e o Sr. Greene pareciam mais preocupados que o normal. Na verdade, todos os adultos pareciam mais sérios e tensos que o habitual. E isso queria dizer alguma coisa, já que tudo o que faziam, na maior parte do tempo, era estarem preocupados com algo. Lizzie percebeu, em sua nova capacidade de compreender os sentimentos nos adultos, que eles estavam assustados. Com medo daquele novo problema. Não só por que fora algo inesperado, mas também por que não sabiam do que se tratava e como poderiam lidar com aquilo.

Mas ela não queria se preocupar com as coisas de adultos, pelo menos por alguns segundos. Queria apenas pensar no que perdera e buscar forças para ser alguém mais forte e corajoso daquele ponto em diante de sua vida.

Fechando os olhos tentou gravar na memória o rosto e a voz do pai. Sabendo que em algum momento seu semblante ficaria turvo e o tom de sua voz seria difícil de recordar, mesmo que o amasse muito. E não queria que aquilo ocorresse, não quando memórias eram tudo o que possuía dele agora. Já quase esquecera de como sua mãe se parecia. A figura bela que amava, havia se tornado um borrão de longos cabelos loiros em suas lembranças, e, de sua voz, só conseguia sentir a doçura, como quando lhe contava histórias ou lhe dava um beijo e lhe desejava boa noite.

Lizzie olhou para o céu. Sua mãe se fora. Seu pai também. A irmã era toda a família que lhe restava. Isso, de algum modo, não era nem um pouco reconfortante, sendo ela a mais velha, e, portanto, de quem se esperava mais força.

Respirou fundo e chutou a cerca que protegia a passarela, lembrando novamente das palavras de Carol. Do modo como ela lhe olhara com pesar e decepção. Mais que tudo, aquilo lhe levara a cultivar um desejo sombrio de mostrar para ela que estava errada. De provar que poderia ser forte e tomar ações que ajudassem o grupo, deixando as coisas de criança para trás.

Olhando para baixo notou que Tyrese e o Xerife Grimes conversavam. Não podia ouvir com clareza o que diziam, mas o que quer que tenha sido, Ty não ficou satisfeito, dando as costas para o antigo líder e rumando em direção às cercas, para seu turno no combate aos errantes.

Errantes.

Que palavra idiota para se referir aquelas pessoas que tinham apenas... mudado.

A forma que aqueles humanos tomaram podia ser comparada a mudança de uma borboleta, só que ao inverso. Belas criaturas que viraram feias lagartas. Chamá-los de transformados seria mais correto. Mas quem era ela para dizer aos adultos o que fazer ou como agir? Apenas uma criança, que carregava uma faca presa a perna, procurando a coragem para usá-la.

Olhou para o céu escurecido e perguntou-se quanto tempo estivera ali apenas pensando. Sua barriga roncava, mas não tinha apetite. Já deveria ter voltado a sua cela, mas não queria retornar para o lugar onde seu pai morrera. A dor ainda era muito forte. Em verdade, deveria ter pedido para que ela e Mika mudassem de quarto, mas não queria parecer ainda mais tola e medrosa.

Virando para partir, notou uma figura se esgueirando pelos cantos, evitando os pontos iluminados, escondendo-se nas sombras, saindo do Bloco C e entrando no Bloco D, em uma rota que lhe levaria em direção as solitárias.

Pela distância não podia ter certeza de quem era, mas o modo furtivo como caminhava lhe dizia que, quem quer que fosse, tal pessoa não queria ser vista. E aquilo só poderia significar que não planejava fazer nada de bom.

Correndo, saiu da passarela, desceu e tomou o mesmo caminho que a figura. Seguindo aquela sombra na noite, enquanto evitava ser descoberta. Imaginava que deveria chamar alguém mais velho, visto não saber de quem se tratava, poderia até ser um inimigo, mas a idéia de que a achassem covarde, como Carol lhe dissera mais cedo, fez com que seguisse em frente, sozinha, o coração acelerado pelo imprevisível da situação.

Por fim, viu quando ele abriu a porta que daria acesso a solitária, a luz do lampião que ficara aceso no corredor banhando sua figura magra e pequena, olhando para trás como se pressentisse que ela o seguia, o reconhecimento fazendo Lizzie franzir o cenho e não compreender por que toda aquela precaução, quando era tão natural alguém do grupo verificar como David e Karen estavam.

Quando percebeu que não poderia ser vista, entrou. Se encostando a parede, deslizou até a porta da cela de Karen, notando que a cela de David estava aberta também. Algo lhe dizendo para que ficasse quieta, não deixasse que percebessem sua presença.

“Sinto-me fraca e o peito dói.” Karen respondeu a alguma pergunta que não chegou a escutar. “Hershel me deu algo, mas não adiantou muito." Karen tossiu, um som horrível, de morte. "Obrigada pela ajuda.”

Lizzie suspirou aliviada ao perceber que ele só desejava saber do estado dos doentes, que não havia nada de errado, só sua atitude esquiva e sorrateira.

Virou-se para partir, não queria que pensassem que estivera bisbilhotando, mas um ruído baixo e abafado lhe chamou atenção, algo como um murmúrio de dor, ou um gemido.

Voltando, caminhou para a porta aberta, a tempo de ver Karen ainda meio erguida, com se ele a estivesse ajudando a ajeitar o travesseiro, mas a faca em sua mão enluvada e ensanguentada, o corpo da mulher, que mole, caiu sem vida de volta ao colchão, fez com que gemesse abafado, atraindo sua atenção. Olhando-o, levou as mãos aos lábios para conter o grito, chocada ao perceber o que ele fizera, sem entender o por quê.

“O que está fazendo aqui?” Ele lhe perguntou soando ameaçador, a faca na mão, dando dois passos em sua direção.

Lizzie quis fugir, tentou partir, seu cérebro tentando comandar seu corpo, mas seus pés pareciam colados ao chão. A visão de Karen, com seus olhos sem vida, vidrados e vazios, focados em sua direção lhe dando arrepios. O travesseiro branco sendo aos poucos tomado pelo sangue vermelho vivo lhe deixando enjoada. A maneira como seu assassino parecia crescer em sua direção, lhe imobilizando de uma maneira que não conseguia tomar nenhuma ação, a não ser encará-lo atônita.

“Lizzie?” Ele chamou um pouco mais próximo.

“Vi você e lhe segui.” Conseguiu responder em um fio de voz, notando como seus olhos faiscavam de raiva e um pouco de receio.

Ele deu um passo em sua direção e Lizzie recuou, apavorada, imaginando que pudesse lhe machucar também. Seu medo o fez parar e recuar, lhe avaliando, depois a porta, temendo que alguém mais o tivesse visto e seguido. Sua face deixando uma nota de vergonha tomar o lugar da raiva por ser pego por ela.

“Eles eram os únicos doentes.” Carl começou, tentando se explicar, limpando a faca na luva e colocando na bainha para fugir dela e de seu olhar acusador, afastando o chapéu, para cravar seus olhos azuis nela. “Não podia permitir que se espalhasse, que Judith ou meu pai pudessem se infectar e morrer como o Patrick.”

“Mas Hershel está cuidando de tudo. Ele vai descobrir o que é, e tratar. E o Dr. Caleb também...” Disse para contradizê-lo, para mostrar que o que ele havia feito era muito mais errado do que parecia a um primeiro olhar, notando pela determinação em seus olhos que ele não se arrependia do que fizera, ainda que parecesse penalizado o bastante para evitar chamar suas vítimas pelo nome.

“Patrick estava se sentindo mal ontem à tarde...” Ele lhe cortou, a voz dura, os olhos fixos em seu rosto. “E morreu durante a noite.” Carl balançou a cabeça. “Não podia arriscar." Olhou para a mulher morta e voltou seus olhos vermelhos e marejados em sua direção. "Você não faria de tudo para proteger sua irmã?”

A pergunta lhe atingiu. Lizzie pensou em Mika e no pai morto.

“Sim.” Respondeu após pensar um pouco, fugindo da imagem de Karen, sabendo que o menino, apenas um pouco mais velho que ela, também havia matado David. “O que faremos agora?”

Carl lhe olhou de lado por um instante. Ele estava lhe avaliando, percebendo que ela estava de seu lado, mesmo que não aceitasse o que ele fizera, entendendo a lógica de suas ações, apesar de que a cena que presenciara e aquele segredo a perseguiriam para sempre.

“Precisamos sair agora, antes que alguém nos veja.” Ele respondeu dando um passo para a porta.

“Mas Carl...” Lizzie lhe deteve, segurando um momento em sua mão com a luva ensanguentada. Sem medo agora, mas sabendo que ele não poderia escapar do que fizera. “Quando seu pai souber... Quando os outros descobrirem.”

Carl pareceu meditar um pouco.

“Quando chegar a hora, eu mesmo contarei a ele.” Respondeu com o rostinho assustado e um pouco pálido, respirando fundo.

“Não, não vai.” Lizzie ouviu alguém falar da porta. A voz conhecida soando um pouco trêmula.

Virando se deparou com Carol. A mulher olhava a cena com um pouco de pavor e muita determinação. Compreendendo Carl e sua atitude muito mais do que Lizzie um dia pudesse chegar a saber.

Aproximando-se deles, ela colocou uma mão em seu ombro e outra na de Carl, apertando levemente, uma lágrima deslizando pela face aflita, seus olhos cheios de uma compaixão pelo garoto. Carol chorava, Lizzie sabia, não por Karen, mas por eles. Por perceber que eles não estavam se preparando para um novo mundo apenas, que tanto ela quanto Carl, talvez muito mais o outro, haviam abandonado a infância, e tudo o que esta representava, totalmente, de forma que não haveria retorno. Satisfeita de que eles estivessem prontos para lutar, mas não do que eles estavam dispostos a abandonar.

“Vocês não contarão a ninguém o que houve aqui.” Carol lhes disse dura. Lizzie assentiu sem palavras, olhando para Carl ao seu lado, que também conseguiu apenas acenar. “Deixem que eu resolvo tudo.” Carol determinou se afastando. “Agora vão.” Ela ordenou.

Lizzie não esperou que ela lhe dissesse para ir novamente, apenas se foi. Fugiu. Sentindo pela primeira que não era covarde. Parando para olhar para trás, apenas por um segundo, enquanto Carl seguia em frente e sumia nas sombras. Olhando para Carol e vendo-a arrastar o corpo de Karen para a parte dos fundos. Percebendo dois garrafões no corredor, encostados à parede. Se perguntando para que Carol trouxera combustível até ali, antes de se virar e partir, temendo, mais que tudo, descobrir a resposta.


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