Naquele momento meu coração gelou. Marcus. Na porta da minha casa. Usando shorts e uma camiseta do Gandalf, dizendo que veio passar a tarde comigo. Eu fiquei na porta o encarando, provavelmente parecendo uma idiota. Ele ficou me olhando de volta, como se esperasse alguma coisa. E então, com o cérebro trabalhando com velocidade reduzida, percebi. Eu estava na porta bloqueando sua passagem com cara de que nem queria que ele estivesse ali.

–Desculpa, pode entrar. -Saí do caminho e o deixei entrar. - Fique a vontade. Eu acho.

Fiquei mexendo os dedos enquanto ele colocava a garrafa e a bacia na mesinha da sala. Eu tinha essa velha mania de mexer os dedos quando ficava nervosa.

–Eu trouxe chocolate quente e bolo de coco, seu favorito -Ele se sentou no sofá e olhou pra teve.

–Nossa... você estava assistindo O Senhor dos Anéis? -Ele ficou olhando da tela pra mim, como se estivesse surpreso.

Eu me sentei do lado dele e sorri, nervosa, e concordei com a cabeça. E se ele achasse estranho eu gostar desse filme? Geralmente as pessoas achavam estranho. Lembro que na oitava série, enquanto conversava com o professor sobre seres da Terra Média, como orcs, elfos e hobbits, uns garotos ficaram tirando sarro de mim. Isso durou por dois longos meses. Eles me fazendo perguntas como: onde os hobbist vivem? Tem algum debaixo da sua cama? E rindo da minha cara.

–Eu amo essa saga, é minha favorita.

Por um momento pensei que fosse piada, mas olhei pra camisa dele. Ele, fã de lotr? Talvez ele tivesse usado aquela camisa por modinha. Se bem que Marcus não parecia ser do tipo que usaria algo por modinha dos outros.

–Ótimos filmes, excelentes livros. Eu estava assistindo, mas peguei no sono.

Peguei um pedaço de bolo enquanto ele reiniciava o filme e começamos a assistir. E eu gostei da sua companhia, porque quando Guida (o que era raro) resolvia ver filmes comigo ou dormia, ou fazia um milhão de perguntas, ou debochava. Já Marcus sabia ficar quieto nas minhas partes favoritas, que descobri serem as mesmas dele, e fazia comentários interessantes sobre tudo. Era ótimo ter alguém pra debater sobre algo que você goste.

Quando o filme acabou pedi licença e subi pro meu quarto. Quase dei um grito quando passei na frente do espelho e me vi. Meu cabelo tava emocionante, como diria Guida. Arrumei ele e troquei o pijama que usava por uma blusa branca e jeans. Eu realmente não estava com a noção em alta.

Desci e vi que já tinha escurecido.

–Vou guardar a garrafa e a bacia em casa e já volto, tudo bem?

–Claro. Tudo bem.

Fui na lavanderia, abri a máquina de lavar roupa e estendi algumas toalhas e panos de prato. Entrei na cozinha e vi Marcus lavando um copo.

–Ei, o que está fazendo? -Perguntei.

– hm...Lavando um copo. O que acha que estou fazendo? Deve estar com fome, não? Te ajudo a preparar a janta.

Achei estranho mas concordei.

–E então, o que vai ser? -Marcus perguntou.

–O que acha de macarrão com sardinha? -Eu sugeri. Era meu prato favorito, macarrão com sardinha, carne moída ou com queijo. Guida sempre fazia pra mim nos sábados, e Ulrich também. Ele vinha sempre na minha casa, era tão comum vê-lo aqui que até permissão pra mexer nas coisas sem pedir ele tinha.

–Ok.

Fui mostrando a ele onde encontrar as panelas e os ingredientes, cada um de nós dois fazendo uma parte. Até que parei e olhei pra ele, curiosa.

–Como sabe que coco é meu sabor de bolo favorito?

–Sua tia. Quando ela disse que eu podia vir aqui, falou pra que eu trouxesse bolo de coco. Assim você não me expulsaria com facilidade.

Eu fiquei indignada com isso. O que ele achava que eu fosse, um animal raivoso que não gostava de companhia? E, ao invés de deixar esse pensamento na cabeça, sem me dar conta do que fazia e completamente sem noção eu perguntei em voz alta e ele começou a rir.

–Claro que não. Você é uma fofa. Mas sua tia deve achar. Ela até me disse pra ter cuidado com o que falava com você, porque você poderia achar que sou um idiota. Mas se você concordou que eu viesse, suponho que não deva achar isso.

Parei de mexer na panela e me virei pra ele, estupefada.

–Então você me acha um idiota?

–Não, não é isso, eu só não me lembro de ter concordado de você vim aqui hoje. -Me apressei a dizer - Mas é claro que gostei da sua companhia. Mas se eu tivesse consciência de que você viria, eu teria me arrumado um pouco mais. -Ele me olhou divertido nos olhos e comecei a ficar vermelha. -Não me arrumar exclusivamente pra você, é só que não se deve receber visitas de pijama e com o cabelo despenteado.

Ele sorriu e eu virei a cara. A comida estava quase pronta.

–Guida me disse que tinha te avisado. Sobre eu passar o dia aqui.

Guida... Então ela era a razão de eu estar toda vermelha e encabulada. Eu teria uma conversinha com ela assim que ela chegasse.

–Eu me esqueci. Sinto muito.

Quando a comida ficou pronta, nos sentamos a mesa e comemos. Ficamos conversando trivialidades e percebi o quanto ele era inteligente. Ele falava de um jeito diferente, como um adulto, talvez. E eu me diverti com ele. Fazia tanto tempo que eu não jantava com alguém além de tia Guida.

Quando eu o levei até a porta, rindo de uma coisa que ele me contou, ele parou e me olhou divertido:

–Agora que me acha legal, promete que não vai fugir de mim na escola? - Antes que eu pudesse negar algo, ele continuou - Ás vezes sou bem observador. Quero ser seu amigo, Taylor, mas com você se escondendo sempre que me vê é complicado.

Ele me abraçou e me deu um beijo na bochecha.

–Boa noite. Tenha bons sonhos.

Eu não conseguia me mover, eu não conseguia pensar em nada. Meu cérebro parecia que tinha entrado em pane. Depois do que pareceu um século subi pra minha cama e fiquei olhando pro teto, com a mão na bochecha que ele beijou, pensando em tudo e pensando em nada.