Como eu falei, a semana que se seguiu foi muito longa. Hoje é o dia da escolha e eu já sei que não vou escolher os Radioativos, mesmo sendo uma deles. Eu sou inteligente por esta minha escolha e por isso serei uma Crânio, poso suportar isso pelo resto da minha vida. Não posso? Posso usar blazer e calça social todos os dias pelo resto da minha vida. Posso ter um quarto cheio de livros para estudo -os únicos que nos são permitidos- e falar somente quando me for permitido. Eu posso ser assim!
Abro meus olhos e viro-me de costas na cama, olho para o teto.
–Força. -Falo para mim mesma. Era preciso.
Sento-me na cama e espreguiço-me só para tomar tempo, depois ando descalça até o banheiro para me higienizar preguiçosamente.
Volto e coloco o blazer, é algo que todo mundo de minha província usa. Sempre.
Desço e tomo café com todos, depois partimos para o prédio do Governo como foi semana passada. Meus pais me privaram de andar até lá durante a semana, pelo fato de eu já ter feito o exame e etc. Novamente meus pais e meu irmão me deixam, mas desta vez junto com os outros jovens de minha idade. Eu entro com eles e nos sentamos em ordem alfabetica. Candicce Collins Bennett. No entanto o nome pelo qual me chamavam quando eram formais era Bennett, o que eu sempre achei realmente chato já que a mãe carrega o filho nove meses para a criança usar o nome do pai. Deveriam usar os dois, eu gosto dos dois.
E então uma mulher de cabelos loiros da altura do queixo, usando óculos de grau com a armação fina e marrom médio, começa a falar a mesma coisa de todos os anos.
–Hoje, Cinquenta anos depois do fim de nosso mundo conhecido, estamos todos aqui novamente, para que nossos jovens escolham o caminho para seguirem pelo resto de suas vidas.
Há cinquenta anos nos dividimos em províncias, cada pessoa escolheu o seu lado, para que não houvesse novamente o que ocorreu há cinquenta anos atrás. Os Crânios culparam a ignorância do ser-humano. A Força culpou a covardia e Os Vigias culparam a desatenção e a mentira. E vocês, jovens, o que culpam? -Um silêncio instalou-se no recinto e logo após, os nomes começaram a ser chamados. Percebi que ela não falou dos Radioativos, eles nunca falavam.
Eu não ouvi ou prestei atenção em nenhum. Ainda estava em meu dilema.
Minutos depois ouço meu nome ser chamado: -Candicce Bennett.
Pisco. Levanto-me com as pernas bambas, moles e trêmulas. Olho para a mesa pequena em formato de 'L' onde ficavam os vidros. Cada um deles com um tipo de objeto representando sua província. No dos Vigias hávia Terra. No dos Crânios possuía uma tampa fechando metade do vidro, Ar. Fogo para a Força e Água para os Radioativos. Entregaram-me uma agulha e eu a peguei.
Parei de frente para a mesa, bem a minha frente estavam os vidros da Força e dos Crânios. Respirei fundo.
Será que eu realmente conseguiria usar um blazer todos os dias, viver com a cara enfiada em livros didáticos? Será que eu conseguria viver minha vida toda quieta, sem nenhuma aventura?
E a resposta é: Eu não sei. Mas eu quero arriscar. Sou corajosa. Sou Forte.
Pego a agulha e, sem preceber, faço um rasgo em minha mão esquerda. Estendo ela e deixo o sangue pingar na chama da Força.
Ouço coros de 'Oh' por todo o canto, não tenho coragem de olhá-los, de olhar meus pais. Eu sou a primeira a mudar de Província. Logo após volto ao meu lugar e sento-me.
Eu posso fazer isso. Eu farei isso.