Aeroporto Carlos Drummond de Andrade -Belo Horizonte,Brasil.

Alice Zimmermann

–Pegou a sua bombinha de asma?

–Peguei.

–E remédio pra enjoo?Vai que você passa mal no avião?

–Também peguei,mãe.

–E o endereço da casa da Valentina?Anotou?Porque se acontecer algum imprevisto e ela não puder te pegar no aeroporto,você sabe pra onde ir.

–Anotei mãe.

–E o telefone?

–Também,mãe.

–Não esqueceu nada?

–Não,mãe.

–Tem certeza?

–Tenho,mãe.

–Ai filha....você tem certeza disso?Belo Horizonte também tem ótimas faculdades de Medicina,você não precisa ir pra São Paulo.

–Mãe,nós já conversamos sobre isso.-Respondo,revirando os olhos por ter que ouvir aquilo mais uma vez.

–Eu sei,eu sei....mas,você mal conhece essa garota,e se ela for alguma psicopata?

–Manhê,quantas vezes eu vou ter que lembrar que eu conheço a Tina desde os meus 14 anos,a diferença é que por conta da distância,a gente nunca pode se ver pessoalmente, mas eu sei tudo sobre ela e e ela,tudo sobre mim,eu já teria percebido se ela fosse alguma maluca.

–Mas é que...

–Mamusca, esse é o meu sonho ok?Você sabe disso,sempre soube que o que eu sempre quis foi fazer Medicina e caralho mãe,eu passei na USP!A melhor faculdade de medicina do Brasil!Sabe o quanto isso significa pra mim?Por favor,me deixe viver o meu sonho,eu te prometo que vai ficar tudo bem,eu sei me cuidar.-Prometo a ela,abraçando-a pelos ombros.

Ela me encara por alguns segundos e segura meu rosto entre suas palmas da mão,dando um suave beijo em minha testa,como uma benção.

–Eu sei minha pequena,só estou preocupada ok?Coisa de mãe.-Sorri.

–E então?Preparada?.-Já fiz o check-in e despachei suas malas,a moça lá disse que você já pode ir pra sala de embarque.-Avisa meu pai,se aproximando de nós duas.

–Bom...então é isso.-Digo,tentando conter as lágrimas ao me despedir dos meus pais.

–Boa viagem filha,aproveite bastante.-Murmura meu pai,já se debulhando em lágrimas.

Me jogo nos braços de papis e o deixo me apertar bastante enquanto encho seu rosto de beijos.

–Vem cá,mamusca.-Grito,puxando minha mãe e formando um reconfortante abraço em familia.-Vou sentir muito a falta de vocês,de verdade.Por favor,não fiquem chateados comigo por estar indo embora.

–Não estamos chateados querida,só estamos um pouco tristes porque não teremos mais a nossa pentelha espalhando bagunça pela casa,mas se você está feliz,nós também ficaremos.-Diz,meu pai.

–Atenção passageiros,última chamada para o voo 35044 com destino a São Paulo,Aeroporto Internacional de Congonhas.

–Anda,vai logo.Estou pagando quase duzentos reais nessa passagem,você não pode nem sonhar em perder o voo.-Brinca meu pai,enxugando as lagrimas.

Minha mãe me agarra mais uma vez e enche meu rosto de beijos,fazendo mais uma vez,mil e uma recomendações.

–Tá bom mãe,já entendi.Tenho que ir agora,te amo.Tchau.

Me desvencilho dela e saio correndo em direção ao portão de embarque,dando adeus a mais uma fase da minha vida.

Só quando o avião aterrissou em território paulista me dou conta de que finalmente,depois de quatro anos,vou conhecer Valentina,ou Tina,como eu costumo chamar.Quando nos conhecemos eu tinha 14 anos e ela 16,foi por acaso,numa página de fãs de alguma banda famosinha na época que eu nem lembro mais o nome,ela imediatamente chamou minha atenção por conta do nome um pouco exótico e a foto de perfil exibindo seus longos fios ruivos alaranjados,posso dizer então que fiquei extremamente surpresa quando aquela garota que parecia ser uma mistura de hipster e rockeira me adicionou no facebook,puxando papo comigo.

Desde então,passamos a nos falar todos os dias,eu contava tudo da minha vida pra ela e vice-versa.Nos últimos dois anos,os pais dela haviam se mudado para Santa Catarina e deixado para ela a imensa cobertura na zona sul,além de uma mesada gorda depositada na sua conta todo dia primeiro,sem falta.Ela sempre havia falado que eu iria morar com ela quando passasse na faculdade,mas eu nunca levei a sério,até porque eu nunca imaginei que conseguiria passar na USP(muito menos,em primeiro lugar).

"Será que eu vou conseguir reconhecê-la?"Será que ela vai me reconhecer?"Como eu vou conseguir carregar todas essas malas pra dentro do carro?" Essas e todas as outras perguntas que bombardeavam minha cabeça simplesmente desapareceram quando avistei ao longe uma garota de pele pálida meio rosada com uma longa cabeleira ruiva alaranjada,usando óculos escuros que cobriam quase o rosto todo,uma blusa preta com uma estampa de um mickey mouse de olhos injetados,baseado na boca e garrafa de cerveja na mão.

–TINAAAA!-Berro,largando as malas no chão e correndo em direção a figura encostada numa das pilastras do saguão do aeroporto.

Imediatamente a cabeça ruiva alaranjada se ergue,me encarando por um segundo e ao me reconhecer,solta um grito estridente e sai correndo em minha direção,pulando em cima de mim(literalmente) e nos fazendo ir direto para o chão.

–Ai caralho,nem acredito que é você mesmo!Aaaaaah!-Começo a gritar,ainda caída no chão.

–Eu também não,puta merda.-Exclama.-Ah não,é você sim,ninguém mais pinta a unha dessa cor.

–Ei,rosa é a cor mais linda do mundo ok?-Grunho,sabendo de sua implicância com minha cor favorita.

–Que seja,eu vou tirar esse esmalte enquanto você estiver dormindo mesmo.-Diz,me fazendo rir.

Empilho minhas malas no carrinho e vou seguindo Tina até o estacionamento.Fico paralisada quando ela para em frente a uma Ferrari vermelha e quase tenho um ataque cardíaco quando ela tira uma chave da bolsa e aperta um botão,fazendo os faróis da Ferrari piscarem.

–O quê?-Indaga,arqueando as sobrancelhas.

–Esse carro é seu?-Pergunto,boquiaberta.

–Não,eu roubei.-Responde,seriamente.

–Tá falando sério?

–Claro que não,anta!É meu,do meu pai,na verdade.

–Tina minha querida,eu já sabia que você era rica,mas acho que você me esqueceu de me contar que era milionária.-Informo,guardando as malas no carro.

–Eu não sou milionária,meus pais são.E mesmo assim,faria alguma diferença se eu tivesse contado?

–Claro que faria!Eu não teria ficado ressentida ao aceitar seu convite para morar aqui.-Falo,fazendo-a gargalhar.

–Que besteira!Mas então,onde você quer ir?Já é quase meio dia,então estava pensando em irmos almoçar,dar uma volta no shopping,ir no cinema,sei lá,e depois tem uma festa na D-Edge.

–Ai Tina,sério,você sabe que eu amo festa,mas hoje eu tô afim de chegar em casa,tomar um bom banho e cair na cama,tô pensando até em desarrumar as malas só amanhã,tô muita cansada.

–Tá maluca é,darling?Comigo não tem essa não,é agitação todos os dias,o dia todo,sem essa de descanso,pode ir se acostumandoTem que aproveitar menina!Welcome to São Paulo,baby!E então,onde você quer almoçar?

–Ai tá bom né,mas ahn...que tal um japa?Tô morrendo de vontade de comer sushi.

–Adoro!A gente pode ir no...opaaaa,o que é isso vibrando na minha bunda?Ah,é o celular,pera,vou atender rapidinho..-Diz,pegando o Iphone da bolsa e soltando o volante por tempo o suficiente para quase bater na traseira de um Fiat Uno se eu não tivesse pego a direção a tempo.-E ai,baby?Qualé a boa de hoje?

Tina começa a conversar com alguém sobre algo que não faço a minima ideia do que seja,só noto que é relacionado a festa que ela pretende me levar á noite,então deixo os maus modos de lado e paro de prestar atenção em sua conversa,encostando o braço na janela do carro e apoiando a cabeça nele,me distraindo com a paisagem e deixando meus olhos curiosos observarem e captarem cada detalhe da cidade de São Paulo,que agora também é a minha cidade,palco de mais uma fase da minha,fase essa que eu planejo tornar inesquecível.