Sem controle- A garota Meminger escrita por Zabe Ribeiro


Capítulo 3
O verdadeiro início




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Quatro dias atrás. Molching, Alemanha.

Ela já não aguentava mais. O estômago revirado a fazia apertar a maçaneta. O carro balançava muito e Liesel não estava acostumada com aquilo. Seu irmão ainda chorava, mas chorava baixinho. Ele tinha medo do rapaz de terno marrom. Não que ele tivesse feito algo ruim, mas o homem era muito sério. E Georg não confiava em estranhos. Ele não havia compreendido por que sua mãe o colocara no carro e por que chorava tanto se disse que os veria logo. Ele não sabia de nada.

Liesel quase rezou- coisa que nunca fez- quando o carro finalmente parou. Ela sabia por que estava indo embora. Na verdade, tinha hipóteses. Sabia que tinha a ver com os amigos com quem sua mãe se reunia no porão da casa ao lado, também tinha a ver com a vez em que ela gritou com o soldado quando este exigiu que fizesse o gesto que Liesel aprendeu na escola- que deveria ser feito junto à expressão 'Heil Hitler'. Lembrou que o rapaz levantou o bastão que pendia em sua cintura e bateu duas vezes entre as costelas da sua mãe que caiu. Ele abaixou-se e deixou claro à moça deitada que, da próxima vez, ''a cadela'' não continuaria viva. Liesel estava escondida atrás da janela da sua casa, junto a Georg, espiando por uma fresta. Não foi ajudar a mãe, achava-a muito teimosa. Seria tão difícil falar o que ele pediu? Bem mais simples do que pôr a própria vida e a vida dos filhos em risco. Liesel lembra que colocou Georg na cama- mesmo que este chorasse e pedisse para ajudar a mãe até que ela perguntasse se ele queria que o mesmo acontecesse a ele-, trancou a porta e foi deitar. Sua mãe continuou estendida em frente à porta de casa.
Ainda hoje não sabe se alguém a ajudou.

Seus pensamentos foram interrompidos pelo clarão que se formou em frente ao carro. Uma fogueira gigante. Algo queimava ao longe, mas ela não compreendia o que ao certo. O Homem de Terno Marrom desceu do carro e dirigiu-se ao rapaz de farda igual a do que batera em sua mãe. Talvez fosse o mesmo, para ela eram todos iguais. Minutos depois ele estava de volta ao carro e sentou-se de frente a garota.

– Vamos ter de esperar um pouco, mas estamos bem próximos do nosso destino.

– O que estão queimando? - Liesel observou o olhar do Homem de Terno Marrom se desviar com um leve toque de raiva e fitar os rapazes de farda.

– Livros.

– Por que?

– Porque o Führer deu ordens para que fosse feito.

– Por que o Führer ordenou isso?

Ele não parecia se aborrecer com as perguntas, mas em ter que dar aquelas respostas.

– Por que são livros que fazem menção ao judaísmo.

Liesel compreendeu. Mas não respondeu. Apenas fitou a fogueira ao longe. Há algum tempo que a palavra ‘judeu’ se tornara frequente e ao mesmo tempo evitada pelos alemães. Ela sabia o que significava. Tinha aprendido na escola como identificar um judeu. O que a garota Meminger não sabia era o porquê de ter que saber diferenciar um judeu ou evitá-lo.

Viu algumas pilhas de livros ainda intactas nas proximidades. Um objeto preto, borrado no chão perto da segunda pilha à direita da que queimava chamou sua atenção. Começou a se sentir mal. Mas não era um sentimento novo. Ela conhecia aquela sensação.

“Não, Liesel, você não precisa! Não precisa...”. Repetiu para sim mesma. Mas ela sabia que era mentira. Ela precisava sim. E precisava naquele instante.

– Será que poderíamos sair um pouco do carro? – pausou por um momento- Minhas pernas estão dormentes.

O Homem de Terno Marrom fitou-a por um instante e depois afirmou com a cabeça.

Saíram do carro e foram se juntar às pessoas dos demais carros que agora esperavam atrás das pilhas de livros ainda não queimados, buscando se proteger da fumaça. Georg não soltava a saia da irmã. O Homem de Marrom disse que poderiam caminhar por ali, mas não poderiam ir muito longe ou pegar qualquer objeto que estivesse nas pilhas. Liesel fez que sim com a cabeça e saiu com Georg agarrado em sua saia. O objeto preto antes borrado, agora tomava forma. Era um livro. Fino, mas de capa grossa e preta. Chegou mais perto da pilha. Estendeu a mão para pegá-lo.

– O que esta fazendo?

Liesel parou por um instante.

– Tem centenas deles aqui, não vão notar que peguei um.

– Você ouviu o senhor dizer que não deveríamos pegar nada daí- Georg estava assustado.

– Mas ninguém vai ver.

– Liesel, se você pegar, terei de contar a ele.

– Não vai, não.

Georg soltou a saia da irmã e começou a correr em direção ao aglomerado de pessoas que conversavam. Liesel não podia permitir. O irmão não tinha ideia do que o que aquilo causaria a ela e, até mesmo, a ele. Correu atrás e segurou o irmão pelos braços.

– SENHO... – tentou gritar. Mas Liesel passou o braço pela sua barriga, colocou a outra mão na sua boca e se encolheu com o garoto que se debatia em seus braços.

Esperou que ele se acalmasse e parasse de se mexer. Tirou a mão da sua boca e sussurrou no seu ouvido com ele ainda de costas para ela. “Eles fariam com a gente o que fizeram com a mamãe”.

Esperou uma reação. Achou que ele tinha compreendido o que ela quis dizer. Então soltou o braço que segurava o tronco do garoto. Mesmo assim, nenhum movimento. “Georg, vamos” deu um empurrãozinho no ombro do garoto. Georg ficou mole e deslizou para o lado até encostar a cabeça no chão. Liesel se levantou num salto e balançou o garoto.

–Georg! Georg! Acorde, Georg!

O grupo de pessoas logo se aproximou ao ouvir os gritos. O Homem de Marrom apressou-se e tentou ressuscitar o garoto. Não adiantaria nada. Ele já estava em meus braços. Soldados que estavam perto foram averiguar o que acontecera. Liesel se afastou. Lembrou-se do que a levara até ali. Ela andou ate o monte. Certificou-se de que ninguém olhava. Foi rápida. Como imaginara... Seu casaco era grande e grosso o suficiente para disfarçar o volume.


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