Doro escrita por Machene


Capítulo 2
Quando a Desconfiança Reina




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Cap. 2

Quando a Desconfiança Reina

 

§Flash Back on§

Acalentada com as carícias e palavras românticas, Eiri deixou-se levar ao mais profundo êxtase até o torpor traga-la a um sono profundo, do qual seu amante misterioso compartilhou abraçando-a com firmeza bem na entrada da madrugada. Aquela fora uma experiência nova e maravilhosa para ambos.

Infelizmente, nenhum sinal de homem ou fera restava ao lado da moça na cama quando o calor do dia seguinte penetrou o aposento. Apenas o forte cheiro, um perfume inebriante de canela, restava para misturar ao seu de rosas.

§Flash Back off§

Depois de se banhar, como prometera ao marido, Eiri sentou-se à mesa já servida e agradeceu a Camus e aos servos. Em silêncio eles aceitaram a gentileza de sua mestra, ainda se escondendo nas sombras. Vendo que o misterioso esposo não se faria presente à refeição, a princesa tratou de comer e passar o tempo lendo. Por toda a manhã até o entardecer esperou a presença dele.

Somente a noite ele surgiu e, novamente com os murmúrios suaves de sua voz, a conduziu ao quarto. Lá chegando, a jovem sentiu os mesmos braços que a tocaram na madrugada anterior, e em seus sonhos, percorrerem ombros e pescoço. Conforme os sentia, ouviu o som da porta fechando e o cessar do vento contra as cortinas. De novo, a casa parecia mais vazia que de costume.

— Sentiu minha falta, doce Eiri? – ela se permitiu gemer suavemente diante o toque que a despia com fervor, como na vez anterior.

— Sim. – Hyoga sentiu-se imensamente feliz com a resposta arrastada – Por que desapareceste de manhã e sumira durante o dia?

— Mais uma coisa deve ser dita, minha querida. Eu só surgirei para ti à noite, como num sonho, mas me farei tão presente que jamais precisará duvidar de minha existência. Para tanto, aceitas ser minha uma vez mais? – sentindo o corpo adormecer sobre o calor que emanava dele, Eiri virou-se dentro do abraço.

— Aceito. Faz de mim o que quiseres meu esposo, mas trates com delicadeza vossa mulher, que começa agora a experimentar do teu sabor!

— Não te preocupas com isso Eiri, porque teus desejos são ordens para mim.

Assim passaram-se os dias. Hyoga aparecia somente à noite e desaparecia antes do amanhecer, porém suas manifestações eram repletas de amor, o que inspirou em Eiri uma paixão semelhante. Diversas vezes a jovem pedia para que ele ficasse e a deixasse vê-lo, mas o deus jamais consentia. Certa noite ela lhe pediu novamente, enquanto já partilhavam a cama após mais um febril e inspirador enlaço de amor.

— Eu prefiro que me ames como homem e não que me temas como a um deus, por isso não quero que me vejas. Mas não tenhas dúvida em relação ao amor que tenho por ti. – ele beijou-lhe a testa e então desceu os lábios pela extensão do corpo delgado.

A mesma resposta passou a ser dada sempre que notava a curiosidade da princesa retornando, sendo esta a sútil solução de apaziguação encontrada pelo marido. De certo funcionava e a mantinha interessada em partilhar dos prazeres divinos de uma relação a dois, estabelecida em amor e paixão. Com o passar das semanas, a forja dessa chama cresceu sem controle, contudo, já perto de um lago onde pudesse cair, correndo o sério risco de se apagar. E a nascente dessa lagoa era a inveja humana.

O tempo seguiu e Eiri não se entediava, tantos prazeres ela tinha. Acreditava estar casada com um monstro, pois Hyoga não lhe aparecia e, quando estavam juntos, ficava invisível. Ele não podia revelar sua identidade, pois assim a mãe descobriria que não cumprira as suas ordens. Apesar disso, a jovem amava o esposo, que a fizera prometer-lhe jamais tentaria descobrir seu rosto. Não era a maior de suas preocupações afinal.

Todavia, com o passar do tempo, as coisas foram deixando de serem novidades e a felicidade já não estava presente em seu coração. Sentia saudades da família, sabendo que ninguém conhecia sua sorte. Certa noite, quando o deus veio, falou de sua angústia.

— Sinto-me só aqui, embora saiba que não é bem assim. Minha família deve estar bastante preocupada! Por favor, querido marido, deixe-me ver ao menos minhas irmãs para também saberem que estou sendo muito bem tratada!

— Existe necessidade em teu coração, minha amada esposa, de fazer alarde sobre tua felicidade? Ou acaso não se julgas feliz?

— Não, de modo algum! Estou imensamente feliz, mas em tua ausência gostaria de ter alguém com quem conversar, pois nem os servos eu vejo.

Assim, com custo, ela conseguiu consentimento para que suas irmãs pudessem lhe visitar. Na manhã seguinte a princesa chamou Camus, que se fez presente com a voz, e transmitiu a ordem sobre a permissão do marido. Obedecendo-a imediatamente, o servo buscou Hilda e Freya através da montanha para o vale onde ficava o magnífico palácio. Ao chegarem elas se abraçaram imediatamente.

— Entrai em minha casa e disponde do que vossa irmã tem para vos oferecer. – a bela Eiri sorriu auspiciosa, dando passagem.

Mal adentraram o palácio, a jovem começou a mostrar os tesouros e as mordomias que Hyoga lhe dera com gosto. Vendo que o luxo da caçula em muito excedia o delas, vivendo juntas em um só palácio com os seus companheiros, as irmãs fizeram inúmeras perguntas à Eiri, entre outras como era seu marido.

— Oh, é um lindo rapaz, que durante o dia caça nas montanhas. – ela respondeu, e não satisfeitas as duas continuaram a questionar – Bem, de fato eu nunca o vi. – a linda princesa confessou finalmente.

— Isso é preocupante minha irmã. – falou Freya – O oráculo de Ikki anunciou que tu casarias com um monstro horrível e tremendo, então como sabes não ser verdade?

— Sim. – concordou Hilda – Tu nunca viste teu marido, como sabes que aparência tem? Pode ser uma fera assustadora e insensível!

— Mas do contrário, por que ele me trataria tão bem? – o coração da moça já se enchia de dúvidas – Por que se daria ao trabalho?

— Obviamente para devorá-la mais tarde! – a irmã mais velha seguiu, assustando-a.

— Precisas ter certeza logo do rosto de teu amado minha irmã, antes que seja tarde! – avisou a do meio – Não queremos perde-la!

— Tive uma ideia! – disse Hilda, apontando na direção da caçula – Espere o cair da noite e aguarde teu marido Eiri. Quando ele já estiver dormindo profundamente, muna-se de uma lâmpada além de uma faca. Vejas com teus próprios olhos sua real aparência. Se for um monstro, corte-lhe o pescoço. Assim estarás salva de servir como sacrifício.

— Como? Não posso fazer isso! Ele tem me tratado muito bem, não creio que...

— Talvez seja melhor ouvir Hilda, Eiri. – Freya aconselhou – Por favor, deves proteger-se irmã! Prometa que o fará!

Eiri resistiu o quanto pôde a tais conselhos medonhos, mas a dúvida afligia o seu coração, então decidiu seguir essa ideia. Quando Hyoga veio, a devota princesa parecia mais receosa ao se entregar como ele sentiu de início, porém, rendeu-se sem demora aos encantos que a muito partilhavam na cama. Horas depois, tentando não fazer barulho, a moça munida de uma lâmpada e uma faca se aproximou do rapaz.

Ao contrário do que já imaginava, não havia um mostro horripilante. Era sim o mais belo e encantador dos deuses, com as madeixas louras caindo sobre o pescoço e as faces róseas de felicidade sobre o sorriso sereno. Próximo aos ombros, um par de asas mais brancas que a neve, de penas brilhantes como as flores da primavera; repousavam na colcha macia e sobre a metade coberta de sua cintura. Pela primeira vez, ela o viu nu.

Eiri encantou-se, e quando baixou a lâmpada para poder vê-lo mais de perto, uma gota de óleo quente caiu no ombro do deus, que acordou assustado e olhou para ela. O lugar onde caiu o óleo fervente de imediato se transformou numa chaga: o amor estava ferido. Sem falar uma palavra, ele abriu as suas asas, assustando a esposa, e voou pela janela. Na falha tentativa de segui-lo, a princesa jogou-se pela ventana, caindo no chão.

Hyoga cessou o voo por alguns instantes, encarando a mulher estendida na grama.

— Oh tola Eiri, é desta forma que retribuis meu amor por ti? Após eu desobedecer às ordens de minha mãe e fazer-te minha esposa, tu me tomas por um monstro e tentas cortar-me a cabeça? Vá embora, retorna para as tuas irmãs, cujos conselhos tu pareces preferir aos meus. Não lhe imponho outro castigo além de deixar-te para sempre, pois o amor e desconfiança não podem conviver sobre o mesmo teto.

Ele partiu, deixando a desesperada Eiri prostrada no chão a lamentar-se. Quando se sentiu um pouco melhor, ela olhou à sua volta, mas o palácio e todas as maravilhas tinham desaparecido e a jovem se viu num campo aberto não muito distante da cidade onde as suas irmãs moravam. Foi até elas e lhes contou o que havia acontecido. Freya a abraçou em consolo, mas Hilda se deliciou com aquela situação.

A criatura despeitada fingiu grande tristeza, mas na verdade pensava que podia ter chance com Hyoga solteiro. Com a ideia em mente, e sem dizer uma palavra a respeito, ela se levantou bem cedo na manhã seguinte. Indo a montanha, aproximou-se do cume e invocou Camus para recebê-la e levá-la até o seu senhor. Ele atendeu ao chamado com despeito, fazendo-se presente apenas em voz para então responder.

Após isso, acreditando estar protegida pelo servo invisível, Hilda se jogou no espaço, mas não foi sustentada e caiu no precipício, morrendo despedaçada. Recebendo a notícia de sua morte, Eiri logo imaginou a intenção das mais vis dentre as de natureza sombria da irmã e resolveu implorar pelo perdão de Hyoga. Ela saiu só com a roupa do corpo da casa de Freya e Hagen, sabendo que Siegfried planejava morar em outro lugar.

A princesa vagou pela Grécia sem comida nem repouso, dia e noite, à procura de seu amado. De repente, avistou uma majestosa montanha e em seu cume um templo maravilhoso, então pensou que ali enfim poderia encontra-lo. Ela dirigiu-se até lá, e mal entrara, avistou montes de grãos, alguns ainda em espigas e outros em feixes, todos bem misturados com cevada dentre outras coisas.

Estava tudo uma bagunça só, então a zelosa Eiri resolveu organiza-la, separando e colocando cada coisa em seu devido lugar. Passando as mãos nos cabelos certamente bagunçados pela ventania daquela manhã, dobrou os joelhos e sentou. Estava convicta de que não devia negligenciar nenhum dos deuses, mas esforçar-se para conquista-los com devoção. Talvez conseguisse que intercedessem em seu benefício.

Ocorreu que o templo no qual estava pertencia à sagrada deusa da agricultura, Esmeralda, que a vendo tão religiosamente ocupada ficou grata pelo favor e apareceu em sua frente numa ventania que a cercou de grãos de trigo temporariamente, forçando Eiri a desviar os olhos. Ao abri-los, a moça sorriu admirada pela aparição majestosa.

 

Continua...


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