Depois daquele sonho esquisito não consigo mais ficar no quarto, resolvo sair e ir pegar um copo de água, creio que ainda me lembro de onde fica a cozinha...
Saio lentamente do quarto, sem sinal de Matt ou de vida fora do quarto, desço as escadas despreocupada e vou até a imensa cozinha, bufo, por que tudo tem que ser exagerado aqui? Pego meu copo de água e quando estou saindo vejo uma mulher com cabelos loiros ondulados e olhos verdes, este possuem lágrimas de crocodilo voltadas para mim:
–-Meu anjinho! Que bom que se recuperou! Senti tanta saudade! diz ela vindo me abraçar.
Então foi dito que me recuperei? Como se eu estivesse passado por uma doença ou algo do tipo? Fico parada sem retribuir o abraço:
–-Me recuperei? Foi isso que lhe disseram? Mas são péssimos mentirosos! digo rindo zombeteiramente.
Karoline se afasta rapidamente e me olha espantada:
–-Do que está falando anjinho? Você apenas passou por uma fase graças aquele acidente estúpido, agora você voltou a ser nossa princesinha! quando ela termina dá um sorriso ensaiado, com eu pude acreditar nesses sorrisos anteriormente?
Dou mais risadas:
–-Princesinha? Ultimamente me chamam de demônio, sem coração, garota gelo, mas Princesinha ou Anjinho? Difícil! A não ser que venha acompanhada das palavras das trevas, já me chamaram até de Aquela que pode ser mencionada!
Karoline está de olhos arregalados me encarando, agora sem aquele estúpido sorriso, novamente chamaram aquilo de acidente e agora vem dizer que foi estúpido? Foi estúpido, mas custou uma vida! Não que ela ligasse para a vida perdida, ficou preocupada com o que os outros iriam dizer, escreveu milhares de cartas de desculpas para os pais dos causadores, não derramou uma lágrima sequer, apenas dizia que estava muito triste para acreditar que havia acontecido, sei, muito triste.
Perco a vontade de tomar água e jogo o que se encontrava dentro do copo na mulher que me deu a vida incrível que tenho hoje, segurando-me para não jogar o copo junto, foi ótimo ver seu rosto de surpresa e choque:
–-Por que fez isso?
–-Por chamar a vida perdida de acidente estúpido! digo saindo da cozinha com raiva.
–-Ela não gostaria de ver você agindo assim! De ver a forma como você trata sua mãe!
Ignoro-a, como se ela pudesse saber o que ela gostaria ou não, como se a conhecesse melhor do que eu, como se enxergasse alguma coisa além de si mesma:
–-Você nunca foi minha mãe. digo sem olhar para trás em tom de voz normal, não tenho certeza se ela ouviu ou não, mas não me importo, volto para meu quarto encontrando Matt pelo caminho:
–-O que houve? pergunta genuinamente preocupado.
–-Pergunte para sua querida mãe! digo com um sorriso sarcástico.
–-O que você fez? agora vejo um pouco de medo em seu olhar.
–-Apenas revelei a verdade e lhe dei um banho para ver se a purificava, mas não tenho certeza se funcionou.
–-O quê? Você não era assim Kay, para onde foi a antiga Kay?
–-Que bom que percebeu as sutis mudanças meu querido irmão, bem, sinto em informar, mas a antiga Kayla morreu logo após aquele acidente estúpido!
–-Acidente estúpido? Kay, ninguém chamou assim! Sabemos como foi difícil para você, eu também gostava dela, mas não podemos mudar o passado, já faz nove anos Kay, volte ao normal, já era tempo de ter superado!
–-Sim, chamaram de acidente estúpido, novamente pergunte a sua mãe, já superei há muito tempo aquilo, o que não supero são as mentiras dentro dessa família, mentiras às quais você nem pensa em enxergar! Já lhe disse, abra seus olhos Matt!
Ele coloca suas mãos em meus ombros e olha fundo nos meus olhos:
–-Kay, você diz que superou, mas age de forma contrária com suas palavras, dizendo sobre mentiras e coisa e tal, sabe que pode contar comigo não sabe? Sou seu irmão e estou aqui para lhe ajudar, me dê uma chance de tentar ao menos! Se quiser eu pago por psicólogos, psiquiatras, medicamentos, o que for necessário, mas quero minha irmã de volta!
Vejo lágrimas em seus olhos, lágrimas verdadeiras, ele realmente sentiu minha falta, não sei o que lhe dizer, já lhe disse a verdade, meu irmão é cego demais para ver a verdade, ele é a única pessoa que posso dizer com certeza que eu definitivamente não odeio, não chega perto de gostar ou algo do tipo, mas não tenho ódio por ele, me decepciona ver o tamanho de sua cegueira.
Dou-lhe um pequeno sorriso zombeteiro, meu tradicional sorriso:
–-Bom, não o culpo por me chamar de louca, mas já lhe disse, a sua Kayla morreu e não teve direito a enterro, ao contrário, foi jogada numa escola interna.
Vejo compreensão passar por seus olhos:
–-Entendi! Você se ressente de ter sido colocada numa escola interna logo após o acidente, o momento em que mais precisava de apoio familiar!
Dou uma risada sarcástica:
–-Admito, no começo fiquei com raiva por isso mesmo, mas agora eu agradeço e desejo voltar para qualquer lugar distante daqui!
–-Kay! Nossos pais apenas ficaram preocupados com você, não sabiam como agir com uma criança daquela forma, então para evitar piores danos a você, enviaram-na para aquela escola!
–-Ah! Foi isso que lhe disseram? Sinto informar, na verdade fizeram preocupados com sua preciosa imagem, preocupados com o que eu faria com as crianças importantes, filhos de pessoas que adoravam adorar! O que resolveram fazer para se livrar do problema? Simples, joga-lo numa escola interna bem longe de todos!
Ele me olha chocado, consegui abrir seus olhos?!
–-Kay... diz simplesmente, vejo pena em seus olhos, não, não consegui abrir seus olhos:
–-Com licença! digo marchando por ele e indo para meu quarto doce demais.