Entre Anjos escrita por BernardoAziz


Capítulo 8
Fora dos holofotes, perto do destino




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Ele estava dentro de um avião. Sabia que, deslocando-se daquela forma, em um corpo tangível, seria mais difícil seguirem seu rastro de energia. Era meio que um efeito colateral, mas dentro de um corpo maciço, sua energia era atenuada pelos sete selos que inibiam a manifestação de todo o seu poder. E ele queria chamar o mínimo de atenção possível, queria, se possível, ser imperceptível. Sabia que estavam em sua cola e, até de forma inocente, não esperara ser perseguido com tanto afinco por soldados dos dois exércitos. Escolhera um local qualquer para aterrissar na Terra para que seus perseguidores se confundissem com seu paradeiro. Foi por puro acaso que caíra nas proximidades do observatório da UvA. Não tinha nada que o interessasse naquele lugar, sua busca deveria ser realizada em outras terras. Agora estava partindo rumo ao seu verdadeiro destino. Tinha esperanças que suas buscas terminassem em sucesso e que assim os Malakins fiéis ao Primordial finalmente conseguissem vencer aquela guerra terrível.

Ele viajava em suas lembranças. Recordava-se dos tempos em que a guerra ainda não havia estourado, da época em que usavam suas habilidades para terminar de moldar o universo e o seu tempo para aprender mais e mais da sabedoria do Primordial. Em suas lembranças conseguia resgatar ainda o tempo em que Lúcifer não havia se corrompido, o tempo em que ele era ainda um Arcanjo de luz e extremo poder. Mas, de todas as suas mais queridas recordações, a que mais lhe doía era a de seu incomparável e insubstituível mestre Chamuel. Dentre todos os Primeiros Filhos não havia ninguém a quem ele admirasse mais que seu antigo mentor. Não queria acreditar no que falaram a cerca do desaparecimento de seu amigo, da sua provável derrota para Lúcifer e possível aniquilação. Sabia que o líder dos rebeldes era poderoso, mas ninguém, nem mesmo Miguel em todo o seu poder, poderia numa luta franca vencer-lhe. Não porque Chamuel fosse o mais poderoso entre os Malakins, mas sim porque seu antigo mestre era, dentre todos os Arcanjos, o que mais conhecia a natureza da criação do Primordial. Grande era o conhecimento de Chamuel e esse conhecimento também era a sua força. Ele sabia como nenhum outro controlar suas habilidades, interagir com os outros elementos do universo, conseguia até mesmo pressentir alguns acontecimentos e se antecipar a movimentos de seus adversários por estar sempre em total sintonia com toda a criação do Primordial. Por tudo isto, era impossível para ele crer que seu mentor fosse derrotado pela extrema, mas insipiente força bruta de Lúcifer. Ele agora retornava de seus pensamentos e lembranças do passado para preocupar-se com os problemas do seu presente.

Pela janela do avião via o imenso Oceano Atlântico. Estava cruzando aquela imensidão de água, estava partindo para outro continente. Tinha somente poucas pistas, mas se agarrava com toda a sua fé ao que tinha. Afinal de contas, tornara-se um desertor por acreditar que estava correto em suas conclusões e queria provar para seus superiores que estava certo. Contrário ao que os rebeldes pensavam, ele não havia mudado de lado, tampouco tinha desistido da luta. Apenas decidiu-se por lutar de outra forma. Já que seus superiores não lhe deram ouvidos a cerca de suas investigações e conclusões, ele resolveu partir naquela empreitada por conta própria. Bem em seu íntimo algo lhe dizia que ele fizera a escolha certa.

Para ele, um dos mais poderosos Malakins, era estranho estar preso em um corpo tangível. Não conseguia acostumar-se com as necessidades dos mortais. O que mais o incomodava era a sensação de fome. Ter que alimentar-se não era algo desagradável, pelo contrário, o prazer proporcionado pelo sabor dos alimentos era intenso. Ele conseguia até entender como alguns mortais acabavam por sucumbir ante este vício até tornarem-se verdadeiros depósitos de calorias. Mas o vazio no estômago era algo que ele verdadeiramente odiava. E ter que sentir aquilo várias vezes ao dia o incomodava muito. Acreditava que, se tivesse que permanecer em um corpo maciço por muito tempo, certamente aumentaria a quantidade de matéria nele devido às constantes refeições que vazia para evitar sua fome.

Dentro do avião as aeromoças já começavam a fornecer o lanche de bordo aos passageiros. Ele aproveitou para mais uma vez abastecer-se de calorias a fim de garantir mais tempo sem o incômodo do vazio no estômago. Mesmo sabendo que daquela forma teria que esvaziar o ventre com mais frequência – outro fato que o desagradava bastante – ele preferia isto a sentir sua barriga doer por falta de alimento. Mesmo crendo que toda a criação era perfeita, não conseguia ainda entender por quais motivos o Primordial criara seres tão frágeis e os dotou de necessidades tão desinteressantes como aquelas. A matéria era limitante e frágil em sua externalidade, apesar de ser apenas o outro lado, a outra face daquilo que ele e seus irmãos eram formados, a energia. Essa dualidade que o Primordial dotou o universo era genial e assustadora. Lembrava-se agora que seu mestre lhe contara algumas descobertas a cerca da natureza dos homens, que os Posteriores, assim como a matéria, também eram somente uma outra face da mesma moeda cujos Malakins faziam parte. Para Chamuel os homens estavam ligados aos Malakins, sendo que ambos em essência possuíam a mesma chama criadora que vinha do Primordial. Mas apenas “Ele”, o Início, conhecia a real finalidade daquela aparente diferença. Até para o mais próximos dentre os Primeiros Filhos, aquele conhecido por Metatron, aquele era um mistério indecifrável: qual o papel dos homens nos planos ocultos do Primordial? Chegou a conclusão que era inútil perder-se em devaneios, em perguntas até agora não respondidas. Tinha algo concreto a fazer, a comida estava esperando e ele precisava se alimentar.

Alguns minutos depois, agora com o estômago totalmente cheio, veio sobre ele um peso nos olhos e uma necessidade enorme de fechá-los. Sabia que já havia ficado muito tempo sem “desligar”, acordado por mais de vinte e quatro horas. Seu corpo pedia por descanso e ele tinha que obedecê-lo se quisesse tê-lo em pleno funcionamento ao chegar em seu destino. “Andar entre os mortais sem ser notado parecia ser mais simples que isto”, pensava ele. Não esperara sentir todas aquelas sensações novas que o contato com os sentidos humanos lhe proporcionavam. Tampouco pensou um dia sequer em toda sua longa existência em ter que visitar por tantas vezes o lugar escuro e tranquilo dos sonhos. Para um Malaki, dormir em um corpo tangível era a experiência mais estranha que se poderia ter. Eles, que estavam sempre conscientes e em contato ininterrupto com a criação, não viam com naturalidade o fato dos humanos conseguirem simplesmente desligar-se da realidade durante o sono. Por isso evitavam ao máximo esse momento de descanso. Preocupado com o tempo da viagem ele chamou uma aeromoça antes de render-se de vez ao cansaço.

–Pois não, senhor? - perguntou amavelmente uma bela jovem de pele escura e olhos negros como a noite.

–Eu gostaria de saber quanto tempo ainda resta de viajem até chegarmos ao destino.

–Ah, sim. Acho que dentro de somente mais quatro horas estaremos aterrissando no Aeroporto Internacional Tancredo Neves no Brasil. O senhor vai ficar em Minas Gerais ou vai pegar conexão para outro estado?

–Não, meu destino é Belo Horizonte mesmo, obrigado.

–Mais alguma coisa, senhor?

–Não, obrigado. Era somente isto. - sorriu em resposta ao sorriso da moça.

Tão logo ela o deixou, ele tornou a olhar para o oceano pela janela do avião. Estava sério concentrado em seus pensamentos. “Logo vou poder confirmar minhas suspeitas. Será no Brasil que minha busca terminará!”

Pensou mais uma vez no que deixara para trás, nos irmãos que, sem entender nada dos seus planos, agora o perseguiam. Tinha receio do que poderia acontecer caso fosse encontrado antes de findar sua busca. Sabia que dificilmente entenderiam seus motivos e que era muito provável que tivesse que lutar contra seus amigos se quisesse escapar. Apesar de possuir um poder comparável ao dos Arcanjos, ele não gostava de usá-lo, era como seu mentor, preferia a investigação, o estudos das leis universais arquitetadas pelo criador. Mas, se fosse necessário o uso da força, ele temia pelos que o interceptassem porque sua determinação não o deixaria recuar por nada.


Aos poucos o sono foi vencendo e ele acabou por adormecer com a cabeça encostada na janela. O jovem e alto moço possuía uma atmosfera agradável. Possuía cabelos bem negros que contrastavam com sua pele pálida. Seus olhos eram perturbadoramente negros como os confins do universo. Enfim o Malaki desertor viajara para o mundo dos sonhos, onde a realidade é somente uma ilusão criada pelo atordoar do espírito. Izacael estava finalmente chegando ao seu destino, estava chegando ao Brasil.


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