Entre Anjos escrita por BernardoAziz


Capítulo 4
Enfim, respostas




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A sensação era incrível. Quem nunca sonhou quando criança em voar? E era exatamente isso que parecia para ele, um sonho. A sensação de liberdade, o frio na barriga em olhar para baixo e ver que as pessoas continuava seguindo suas vidas enquanto eles sobrevoavam suas cabeças, o estarrecimento ao virar seu rosto para o lado e ver que o ser que o sustentava acima nos céus era de uma beleza assustadoramente divina. Nem em seus sonhos mais loucos de menino ele poderia imaginar tamanha avalanche de sensações. Até mesmo o sentimento de medo que há pouco o angustiava agora já o deixara. Naquele momento, somente o que tomava conta dos pensamentos de Samuel era a realidade incrível de que eles voavam.

Quando eles já estavam a uma distância segura do observatório, ela o interrogou:

– Tenho que deixá-lo em um local seguro. Onde você mora? Vou deixá-lo a salvo em sua casa. Guie-me para que possa retornar o quanto antes à minha base.

– Bem, aqui de cima é um pouco complicado de reconhecer, mas acho que encontrei o local onde moro. - respondeu ele.

Os dois voaram por cerca de vinte minutos antes de aterrissarem nas proximidades da casa de Samuel. O pouso foi suave e tranquilo. Ele ainda estava maravilhado em ter experimentado tal sensação. Quanto à moça misteriosa, já não tinha mais aquela aparência divina, pelo contrário, parecia estar abatida, ou melhor, parecia exausta com o esforço desprendido para realizar tamanha façanha. Ela novamente fez uso da palavra:

– Espero ter conseguido livrá-lo do encontro com os meus inimigos. Tenho certeza que você não seria poupado. Aconselho-o a desaparecer daquela universidade, e se possível, que retorne para sua terra natal. Não há mais nada de interessante para você nesta terra. - Ela falava com algum esforço, pois parecia esgotada.

Mesmo sem saber nada da natureza daquela garota, era fácil de se concluir que o que ela fizera demandava uma energia tremenda. Até seu ar superior era coisa do passado, o que se via agora era uma garota no limite de suas forças tentando manter-se consciente.

Samuel não queria seguir tais conselhos, tinha que terminar seu curso de mestrado, não poderia simplesmente largar tudo sem dar notícias. Mas a sequência de acontecimentos que se desencadearam naquele dia deixaram-no com a sensação de que tudo aquilo, todas aquelas suas preocupações, eram coisas bem menores diante dos acontecimentos que ocorriam em segredo, ocultos da humanidade, e que de alguma forma agora ele havia se envolvido. Não tinha como querer discutir, ele observara a preocupação no rosto daquela garota que, ele sabia agora, pertencia a uma outra realidade muito diferente da sua. Sem pedir maiores explicações, resolveu concordar:

– Está bem, eu vou sumir daqui. Mas como terei certeza que eles não irão me seguir onde quer que eu vá? - ele tinha razão em suas preocupações. Não tinha a menor ideia da extensão de poder dos adversários de sua benfeitora. - E por que essas fotos são tão importantes? Afinal de contas, em que eu me meti?!

– Não tenho tempo de lhe explicar e, quanto menos você souber, melhor para todos. Simplesmente entenda que você detém o conhecimento, ainda que incompleto, de informações importantes para os dois lados desta guerra. Portanto, é bom que você se mantenha o mais invisível possível, entende? - ela estava tentando ajudá-lo. - Tenho que partir imediatamente. Não posso perder tempo, devo entregar esse material o quanto antes aos meus superiores.

Ela ainda aparentava grande esgotamento. Samuel quis impedi-la de sair naquele estado, mas como não tinha a mínima ideia da importância daquelas fotos para aquela guerra louca, achou melhor não se intrometer ainda mais e acabar atrapalhando. A garota fechou mais uma vez seus olhos, mas dessa vez, ao invés de encher-se novamente daquela luz dourada, ela desfaleceu caindo no chão inconsciente. Havia se esforçado de mais para levar Samuel a salvo para sua casa e acabara por consumir todas as suas forças.

Samuel olhava para a moça caída na rua sem saber o que fazer. Por mais que tivesse percebido sinais de exaustão, não esperava que aquele ser tão impetuoso agora estivesse tombado no chão inconsciente. E daquela forma, desmaiada naquele chão duro, ela parecia ser alguém frágil, indefeso. Ele pensou um pouco e decidiu ajudá-la. Tinha uma dívida com aquela garota e não importava se acabaria por se envolver ainda mais com aqueles seres sobrenaturais, ele não a abandonaria. Rapidamente a pegou em seus braços e levou-a para dentro de sua casa. Não sabia como cuidar dela ou nem mesmo se poderia fazer alguma coisa para ajudar, mas ele sabia que aquilo era a coisa certa a se fazer.

Durante dois dias a garota ficou inconsciente e, durante todo esse período, Samuel não saiu do seu lado.

******

Eram cinco da manhã quando a garota com olhos de tempestade acordou de seu sono prolongado. Durante esse período, coisas importantes aconteceram e Samuel aguardava ansioso o seu despertar para que ela pudesse responder suas perguntas.

De uma salto ela levantou-se da cama ao perceber que ainda estava na Terra. Samuel dormia ao seu lado em um sofá e despertou assustado ao ver que alguém estava de pé na sua frente.

– Nossa que susto! Você levantou de uma vez, quase me mata do coração! Então, já se restabeleceu? Como está se sentindo? - ele estava feliz ao ver que era sua hóspede quem estava em pé na sua frente depois de ter despertado.

– Me diga onde estou e por quanto tempo dormi. - ela estava confusa, queria organizar seus pensamentos.

– Hoje é quinta, dia quinze. Você dormiu por quase dois dias completos. Estamos na casa de um amigo meu chamado Phillip. Tive que sair com você da minha casa depois do que fizeram no observatório. Tive medo que nos achassem. Graças à Deus você acordou! - ele realmente estava feliz. Tinha passado por momentos de apreensão durante o período que ela ficou desacordada.

– Como?! O que aconteceu no observatório?- ela se esforçava para tentar entendê-lo.

– Mataram todos num raio de trezentos metros. - seu semblante era sombrio. - Acho que estavam procurando por essas fotos. - levantou o envelope onde guardara as fotos de Izacael. - As autoridades e a imprensa suspeitam de terrorismo, mas eu sei que foram os seus inimigos que fizeram isso.

– Você está correto nas suas suspeitas, mas confesso que não esperava uma atitude dessas por parte deles. Não que eles sintam alguma consideração pela vida humana, mas realizarem um extermínio assim não é comum, nem mesmo para eles. Imagino que devam estar apostando muitas fichas nessa tentativa de encontrarem Izacael.

– Eu cuidei de você enquanto estava desacordada. Confesso que tive medo algumas vezes de você não acordar nunca mais. E esperei ansiosamente por esse momento, para que agora você responda minhas perguntas. - ele se aproximou sentando na lateral da cama onde antes ela dormia. - Acabei me envolvendo mais do que deveria nessa história e agora quero saber no que me meti realmente.

– Entendo sua curiosidade e a acho justa. Pois bem, tenho uma dívida com você, faça suas perguntas e tentarei lhe explicar. Mas seja breve, pois como você já percebeu, a situação não está nada boa e tenho que fazer contato com meus superiores o quanto antes.

– Me diga então quem é você. Nesse tempo que passamos aqui pude vasculhar os arquivos do SRON e a única Tânia que consta nos arquivos é uma senhora de 52 anos. - Samuel, além de um físico brilhante, era um exímio hacker. - Então vamos começar assim, quem é você e por que veio atrás dessas malditas fotos?

– Algumas coisas não posso contar sem autorização de meus superiores, mas uma parte das suas questões eu posso responder. - ela sentou ao lado dele pensativa, estava buscando a melhor maneira de explicar toda aquela confusão. - Digamos que você não é o primeiro humano a ter contato conosco. Não me apresentei a você em minha forma real por uma série de fatores que não convém nesse momento me alongar para explicar, vou tentar simplificar muitas coisas porque não contamos com tempo para respostas muito extensas que demandariam muitas horas. Sou de uma raça muito anterior à sua. Há muito tempo somos os responsáveis pela organização do universo, já que o Primordial, aquele que tudo criou, há milênios tornou-se a sua própria obra diluindo-se nela. Nós, os primeiros de seus filhos, ficamos com a incumbência de cuidar de tudo o que “Ele” criou, inclusive de vocês humanos a quem chamamos de Posteriores. Já fomos chamados por vocês por muito nomes diferentes tais como deuses, seres elementais, espíritos da natureza, anjos e agora mais recentemente extraterrestres. Sempre foi complicado para vocês entenderem nossa natureza e organização. Se bem que não posso criticá-los porque desde muito tempo que proibiu-se a nossa presença em vosso meio sem uma autorização e finalidade específica.

– Deixa eu ver se entendi direito, quer dizer que você é uma espécie de deusa?! - Samuel custava a crer naquelas palavras mesmo depois de ter presenciado as coisas incríveis que aquela garota era capaz de realizar.

– Durante um tempo muitos de vocês nos chamaram assim, chegando até a dar nomes a alguns de nós. Mas nunca gostei de ser adorada como uma divindade porque, na realidade, o único que tem essa prerrogativa é o Primordial a quem tanto nós Primogênitos quanto vocês Posteriores dependem a existência. Prefiro ser chamada de anjo, apenas uma mensageira “dEle” na verdade, porque estamos fazendo apenas aquilo que ele nos solicitou. Num de seus dialetos mais antigos chamavam-nos de Malakins, que quer dizer mensageiros. E é assim que a grande maioria prefere que seu povo se refira a nós.

– Bem, e qual é seu verdadeiro nome? Como devo chamá-la?

– Meu nome é impronunciável em qualquer dialeto humano por não necessitarmos de palavras para nossa comunicação, usamos apenas ideias e nos comunicamos pelo fluxo de nossos pensamentos. Já tive alguns nomes em algumas línguas humanas, sendo que muitos desses foram esquecidos ou acabaram simplesmente entrado em desuso. Nós Malakins concordamos, ao tratar com humanos, em adotar os nomes que nos foram dados por vocês há alguns séculos atrás quando tivemos um intenso contato com os seus ancestrais, isto antes da proibição de Metatron, claro. Nesse dialeto humano, chamavam-me de Ariel.

– Bem, Ariel, entendo então que a missão de seu povo é a de nos auxiliar, por que então outros como você exterminaram centenas de pessoas que estavam nas redondezas do observatório? - Samuel estava visivelmente indignado.

– Estamos em guerra há milênios por haver uma divisão em nosso meio entre os fiéis ao Primordial e os que querem usurpar seu poder e sua obra. Esse grupo rebelde, liderado por um que já foi o mais glorioso entre nós, não aprovou quando o Primordial criou os humanos. Na verdade, já estávamos em contenda antes mesmo da criação da raça humana e o Rebelde já havia sido retirado do nosso meio e expulso para o outro extremo do Universo, levando consigo um terço de nossos irmão, por destruir a criação do Primordial tentando apossar-se do poder nela existente. Quando viu ele que o Primordial havia utilizado sua última reserva de poder para criar a raça humana, quis se apossar de todo esse imenso poder. Para conseguir isso ele pretende aniquilar a humanidade inteira.

– Então esse rebelde é um verdadeiro demônio. - Samuel não conseguia ouvir a tudo aquilo e continuar calado. - Por que vocês ainda não acabaram com esse traidor?

– Realmente ele é conhecido como demônio entre os humanos. Na verdade, comumente chamam-no de Lúcifer. Nenhum de nós consegue se igualar a ele em força, por ter Lúcifer roubado grande parte do poder do Primordial ao retirar a energia de parte da criação que ele mesmo destruiu. Sem falar que ao seu lado estão muitos dos mais poderosos de minha raça. Passamos muito tempo em equilíbrio de poder, mesmo ele utilizando-se da destruição para ficar mais e mais poderoso. Mas ultimamente, esse equilíbrio vem se desfazendo e, lentamente, se desviado a balança do poder na direção dos rebeldes. Parte disso se deve ao fato da humanidade estar colaborando com Lúcifer na destruição deste planeta e na destruição de sua própria raça. Outro fator é que os rebeldes descobriram uma forma de destruir também os de minha raça, retirando nossa energia e absorvendo-a para si.

– Então o demônio existe mesmo! Não acredito que uma coisa que eu imaginava ser lenda é tão real quanto você. Me desculpe, mas sempre fui cético em relação a coisas metafísicas. E agora descobrir que Lúcifer é real, nossa...

– Na verdade, essa dimensão que agora estamos, sob a regência de leis tão limitadoras, é apenas uma das várias dimensões existentes. Estamos numa realidade que posso considerar densa, onde vigoram quatro dimensões apenas. É impossível para alguém nessa realidade vislumbrar as outras realidades existentes utilizando para isso apenas os cinco sentidos humanos e as ferramentas da física. Mas até nisso o Primordial pensou ao criá-los e dotou-os de uma parcela metafísica que os assemelha ao meu povo. Infelizmente muitos de vocês suprimem esse dom.

– Mas então é verdade que possuímos um espírito? É de disso que você está falando, não é? - Samuel estava maravilhado com tudo o que Ariel lhe revelava.

– Pode chamar do que quiser. Mas é praticamente idêntico ao elemento que nós Malakins somos formados. Agora você consegue me ver e tocar porque me condensei, materializei-me para ficar semelhante aos humanos com o intuito de interagir com esse seu mundo quadridimensional sem chamar atenção. Quando estamos nesse estado, dizemos que estamos na forma tangível. Existem vários níveis na forma tangível, sendo que estou na forma mais densa, onde praticamente todo o meu poder está selado, deixando-me o mais semelhante possível aos humanos. Eu particularmente não gosto das limitações que essa forma nos impõe. A questão é que, para que essa matéria consiga suportar nossa essência, precisamos selar nosso poder. Por isso que falei que estou praticamente igual a vocês humanos. Caso isso não fosse feito, esse corpo material seria desintegrado rapidamente.- ela continuava sua explicação enquanto Samuel ouvia a tudo concentrado enquanto ajeitava seus óculos. - Para utilizarmos parte de nosso poder enquanto estamos na forma tangível, precisamos liberar alguns selos, mas isso sempre com precaução. Exterminando esse corpo material, extinguiríamos também grande parte de nosso poder que seria absorvido pela matéria em caos, seria uma espécie de Big Bang em escala bem menor, mas ainda assim bastante destrutivo. Dessa forma teríamos que encarnar, ficar presos à matéria como vocês, para conseguir sobreviver. Foi o que aconteceu com o Primordial e o Universo quando se fundiram logo após “Ele” ter utilizando todo o poder que ainda lhe restava na criação da humanidade.

– Então é por isso que você ficou desmaiada por todo esse tempo? Seu corpo estava se recuperando do tempo que ficou daquela forma estranha? Você retirou os selos que aprisionavam seu poder? - enfim ele começava a entender algumas coisas.

– Sim. Quando liberamos os selos, a velocidade com que nossas forças são drenadas é incrivelmente rápida. É muito arriscado ter que utilizar esse artifício, por isso Metatron nos proibiu de fazê-lo. Mas a situação não me deixou escolha e tive que desobedecê-lo.

– Você já falou outras vezes de Metatron. Quem é ele? É o nome do Primordial?

– Não. Metatron é um Malaki como eu. Nós também possuímos uma sociedade com subdivisões. Existe uma hierarquia entre nós bem semelhante a adotada pelos humanos. Metatron é como um tipo de governante. É ele quem nos lidera em nossa guerra contra Lúcifer. Ele é o mais sábio entre todos nós. Ninguém se compara a ele no conhecimento do Universo. Logo abaixo de Metatron existe um conselho que era formado antigamente pelos sete mais poderosos guerreiros do meu povo. Eles nos lideram na frente de batalha de forma semelhante aos seus generais. Eles estão em um nível de poder e habilidade bem superiores ao meu. Foram chamados pelos humanos, na aurora de seu povo, de Arcanjos. O líder dos sete recebeu um nome que ainda adota quando trata com os humanos, chamam-no de Miguel. Em outros tempos fora adorado e chamado por nomes como Thor, Zeus, Júpiter. Hoje em dia o conselho conta somente com seis Arcanjos. Um dos sete desapareceu em batalha e provavelmente foi destruído por Lúcifer. Izacael era seu discípulo mais próximo e naturalmente, pela escala de poder, seria o seu substituto natural. Só que Izacael não se conformou com o desaparecimento de seu mestre e ainda não se convenceu da sua morte.

– Então o tal meteorito é esse Izacael. O que ele veio fazer na Terra? E por que todos estão atrás dele?

– Essa é uma pergunta que não estou autorizada a responder. E já perdemos bastante tempo conversando, preciso entrar em contato imediatamente com meus superiores para confirmar que a atual localização de Izacael é o planeta Terra. O problema é que ainda estou muito fraca e não tenho energia suficiente para fazer contato.

– Então como fará para passar as suas informações?

– Leve-me a um templo humano e você verá...


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