Angeline Morgenstern escrita por Ana Carolina


Capítulo 1
Prólogo




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/467945/chapter/1

Londres, 2000

Aquele com certeza era um dos dias de inverno mais frio que Londres já tinha registrado. Quase ninguém estava nas ruas. Ninguém era louco o suficiente para enfrentar o frio nas ruas. Os bares haviam fechado mais cedo por causa da forte nevasca e da pouca clientela. Os mundanos não queria encher suas caras com álcool naquele dia. Apenas queriam ficar em suas casas, com suas roupas pesadas, protegidos dos frios. Em uma casa, uma criança estava enrolada em um cobertor, com os dedos juntos por dentro da meia e os punhos fechados cobertos por luvas. A boca ligeiramente aberta ajudava na respiração. Por várias casas, a imagem era quase a mesma nos quartos das crianças. Mas em uma a imagem era completamente diferente.

Angeline Anne Morgenstern.

Era esse o nome da menina que estava parada, descalça e com uma fina camisola rosa, em frente à cama dos pais enquanto os observava dormir. Tinha nas mãos a primeira lâmina serafim que tinha ganhado de seu pai quando fizera 10 dez. A ponta afiada estava apoiada no dedo indicador longo e fino da menina enquanto a mesma girava a lâmina de um lado para o outro, sem tirar os olhos do pai e da mãe que estavam deitados lado a lado, as mãos juntas, os dedos entrelaçados. Em outra ocasião, talvez Angeline achasse aquilo romântico e desejaria que acontecesse com ela o mesmo que aconteceu com os pais: amor verdadeiro. Mas o tio a tinha ensinado que amar era destruir. Nunca conseguiu e nem conseguiria amar alguém de verdade.

O que está esperando, Angeline Morgenstern? Um convite? Mate-os!

Angel balançou a cabeça, os fios loiros quase prateados indo para o rosto, tampando um pouco a visão dela. Ela os retirou com um gesto impaciente e voltou a atenção nos pais. Queria não ter que fazer aquilo, queria que a voz saísse de sua cabeça. Queria ser uma menina normal, uma Caçadora de Sombras normal, sem nenhuma voz na cabeça pedindo que assassinasse os pais. Queria que o tio não tivesse desenhado aquela marca nas costas dela. Mas as coisas aconteciam e não se podia mudar o passado. Olhou para a Marca recém-feita no braço. Silêncio. Os pais nunca a ouviram ali e só a veriam quando abrissem os olhos, tomados pelo desespero, sabendo que a morte estava mais próxima do que eles imaginavam.

Angeline subiu na cama com cuidado e se ajoelhou no meio dos pais, perto de onde as mãos estavam entrelaçadas. Perguntou a voz quem deveria matar primeiro e sua cabeça virou automaticamente para o pai. Jared Blackwell. Os cabelos castanhos claros estavam molhados por conta de um suor, só o Anjo sabia de onde, que tinha aparecido na testa. Os olhos azuis claros que Angeline tinha eram herdados dele. Uma pequena herança Blackwell que a menina tinha, já que o resto todo predominava pelo lado Morgenstern. Os cabelos quase brancos, a palidez, o temperamento, o sarcasmo, a inteligência... Uma lista sem fim.

Raabe. – Angeline sussurrou o nome do anjo e a lâmina serafim brilhou em sua mão.

O sorriso frio e calculado apareceu no rosto da pequena menina e ela passou a lâmina pela fina pele do pescoço do pai. Jared abriu os olhos espantados e encarou a filha enquanto a mesma enfiava a arma na testa do pai, penetrando o crânio, matando-o na hora antes que ele emitisse qualquer ruído. Jared soltou o ar preso nos pulmões e morreu com os olhos azuis cravados no das filhas. Angeline fez força para tirar a lâmina da cabeça do pai e se virou para a mãe.

Victoria Morgenstern estava dormindo tranquilamente, sem perceber que algumas gotas de sangue do marido estavam manchando seu cabelo e sua camisola amarela. Angeline passou os dedos sujos de sangue pelo cabelo quase prateado da mãe e acariciou a bochecha magra de Victoria. Ela não se mexe, como Angeline tinha imaginado. Angeline e a voz em sua cabeça calculavam tudo com tanta harmonia que poderia dizer que era a mesma pessoa, apesar de que quando essa voz desaparecia da mente de Angeline Morgenstern, a menina não se lembrava de nada que tinha feito. Encarou a mãe mais alguns segundos até enfiar a lâmina no coração da mãe ao mesmo tempo em que esta abria os olhos e encarava a filha com confusão.

– Oh meu... – Victoria disse se engasgando com o sangue. – Angel, minha pequena menina.

E então se foi. Os olhos negros de Victoria foram sustentados pelos olhos azuis de Angeline até o momento do último suspiro. A menina suspirou e desceu da cama e caminhou até o grande espelho que tinha no quarto dos pais. Ela encarou a voz que fazia reflexo na superfície e sorriu enquanto se curvava um pouco. Tinha feito o que sua senhora pedia. A bela mulher que estava refletida sorriu também e em um piscar de olhos da pequena Morgenstern, ela havia desaparecido.

E com o desaparecimento veio a dor. A dor forte e insuportável na mente de Angeline. Ela quis gritar, mas não tinha forças o suficiente para fazer isso. Queria correr, mas não sabia para onde ir e nem se suas pernas aguentariam. Olhou para a cama e encontrou os pais mortos. Quis ir até eles e segurara a mão de ambos enquanto chorava pela sua morte. Mas não fez. Colocou as duas mãos na cabeça enquanto saía do quarto e caminhava em direção a porta da frente. O que faria no frio das ruas de Londres ela não sabia, mas tinha que sair daquela casa e recorrer ajuda. Mas a quem? Ela não tinha ninguém que confiasse lá e os mundanos não saberiam o que fazer. Começou a caminhar pela neve, os dedos dos pés começando a congelar e os dedos das mãos agarram seus braços para tentar proteger da nevasca que começava. Começou a bater os dentes enquanto arrastava os pés e sabia que morreria de frio em algum lugar. A dor física quase eliminava toda a dor mental que ainda estava com ela. Quis gritar, mas não conseguiu. Não sabia exatamente onde estava quando escorregou e caiu ajoelhada na calçada. Olhou para o lugar e parecia ser uma grande igreja. Uma igreja... O que ela faria? Rezaria para Deus ou para o Anjo por ter matado os pais ou rezaria para ser encontrada por alguém com bom coração para cuidar dela. Angeline se arrastou até as grades do portão e as segurou com força enquanto puxava uma grande quantidade de ar para os pulmões.

E então gritou. Pela primeira vez depois de um bom tempo conseguiu gritar e não parou de fazer barulho até que um homem totalmente coberto de preto a ajudou a levantar. Não sabia como foi para dentro da tal igreja, mas olhou para o homem. Ele tinha as mesmas Marcas negras que os pais e ela tinha. Caçador de Sombras. O homem a agarrou pelos ombros enquanto ela fechava os olhos, ainda em pé, e a sacudiu com força.

– Ei, vamos, acorde. – o Caçador de Sombras disse e a levantou no chão. – Por favor, anjo, não morra agora.

Angeline abriu os olhos novamente e olhou para o homem como se ele soubesse seu apelido. Mas ele apenas a encarou de volta, esperando alguma coisa.

– Meu nome... Meu nome é Angeline Blackwell. – Angeline usou o sobrenome do pai. – Meus pais... Eles foram... Foram mortos.

– E você fugiu?

Angeline apenas assentiu enquanto sentia o corpo esquentar por causa do homem que a segurava.

– Meu nome é Norman. Sou Caçador de Sombras e, pelo visto, você também é. Bom, seja bem-vinda ao Instituto de Londres, Angeline Blackwell.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Angeline Morgenstern" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.