Eu e Ele escrita por scarecrow


Capítulo 1
Capítulo único.


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem ♥ De verdade.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/467846/chapter/1

Eu e Ele

Eu nunca fui boa com as palavras.

Elas sempre escaparam de minhas mãos com muita facilidade, e demoravam meses a voltar. Nunca tive o dom para usá-las. As palavras vinham, mas cumpriam seu dever apenas de vez em quando. Muitas vezes, eu permanecia calada, vendo letras se misturarem todas as vezes que eu fechava os olhos. Outras vezes, eu apreciava o silêncio de quando elas partiam, e demoravam de mais a voltar.

Porque independente do que eu faça, as palavras nunca iriam se comportar muito bem comigo. Então eu simplesmente convivia sem elas. Todos os dias.

Viver sem as palavras é como esperar um inverno rígido corroer todos os seus ossos, de baixo para cima. No fim, você se acostuma com a ausência delas. O que não me importava muito, já que eu tinha uma adorável paixão pelo inverno.

Achei, por inúmeros meses, que nunca fosse precisar aprender a usar bem as palavras. A confusão de não saber usá-las ocorria durante alguns instantes, e maltratava violentamente durante esse tempo. Ao passar, no entanto, o silêncio volta, e a calmaria também. Por isso, acho que posso dizer que estava vivendo muito bem até conhecê-lo.

No dia em que eu conheci John, as palavras se tornaram extremamente necessárias. A falta delas corria-me de dentro para fora, e eu queria falar tantas coisas ao mesmo tempo, que permaneci quieta ao seu lado.

John e eu tínhamos alguns amigos em comum, e em um dia qualquer no bairro de sempre, eu o conheci cheio de sorrisos e assuntos, encantando-me com apenas o seu jeito de ser.

Então, pela primeira vez, a necessidade de falar me obrigou a tentar, e eu quase quis isso o suficiente para conseguir. E John, com toda sua simplicidade, apenas continuava suas conversas bobas comigo, como se não houvesse mal algum naquilo tudo. E aos poucos, eu fui entendendo que realmente, não havia mal algum em nada.

Eram apenas palavras, afinal.

Os problemas eram outros, e me incomodavam infinitamente mais do que minha triste incapacidade com as letras.

Quando você se acostuma com o silêncio, qualquer ruído é muito alto. E todas as minhas conversas com John perturbavam de modo incomum tudo o que esteve quieto em mim até então. Eu e John nos tornamos amigos, porém, de alguma forma, eu só me tornei uma pessoa pior com isso.

“Eu não sei me expressar muito bem.” Eu lhe contei um dia, durante uma explicação falha minha sobre qualquer assunto.

“Isso é notório, Sam.” Ele respondeu, eu sorri e quis chorar.

John e eu conversávamos sobre todos os assuntos que pareciam certos no momento, e na maioria das vezes, não eram sobre nada importante. Conversávamos todos os dias, e eu estava me acostumando com aquilo cada vez mais. E por isso, no meio de tantas falas, eu não sei dizer quando foi que me apaixonei por ele.

Sinceramente, não sei dizer qual dos dois acontecimentos – minha paixão e seus aparentes motivos, ou a vontade quase controlável de falar – foi pior. Todas as vezes que conversávamos, eu tinha uma longa necessidade de lhe contar diversas coisas que mantiveram caladas dentro de mim por tanto tempo. Quis, por muitas vezes, forçar-me a ser algo melhor para John.

Não consegui, no entanto.

Cada fala mal feita e sem motivos minha só minha fazia ter mais certeza de que, talvez, seria melhor nunca ter me apaixonado por John. Tudo aquilo que eu conseguia, depois de extremo esforço colocar em palavras, ele não compreendia ou detestava.

John e eu levamos, desde minha iniciativa com as palavras, uma relação maçante, que me destruía cada vez mais, todos os dias.

E então, a vontade de falar tornou-se uma atividade mais difícil. As palavras começaram a vir com sentidos embaralhados, e eu confundia nossa amizade cada vez mais. Eu e John brigamos várias vezes. E todas, provavelmente, por minha causa.

No fim, acho que eu só estive tentando criar algo com nossa amizade, baseado em minha ilusão inquebrável de que eu poderia ser alguma coisa que não fosse eu mesma. Não sei dizer se estive enganada o tempo todo. Acho que, apenas no início, eu realmente acreditei que minha amizade com John poderia se tornar um laço bem feito entre duas pessoas, como eu costumo ver nos livros que sempre leio.

Descobri, ao passar do tempo, que não é possível manter uma boa amizade sem uma boa conversa. Porque quanto mais palavras eu usava, mais certeza eu tinha de que não deveria usar nenhuma, já que cada uma delas parecia desgastar John e eu. E de tanto todas as palavras parecerem erradas, eu me senti errada. Completamente desnecessária fazendo algo que obviamente eu não sou boa. Porque eu não sou boa com as palavras. Nunca fui.

Talvez, seja por isso que eu tinha tanto a impressão de existir algo extremamente errado entre John e eu. Desde o início, nossa amizade era deturpada de alguma forma.

Eu e John nunca nos encostamos, de nenhum modo. Nunca houve toques de despedida ou palavras extremamente carinhosas vindo de nenhum lado. John nunca me elogiava, eu nunca sabia como elogiar ninguém. Eu sempre me confundia, e John nunca tentou me entender. Eu sempre vivi de modo errado, e ele sempre me culpou muito por isso.

John detestava o inverno que existia dentro de mim.

Éramos distantes, eu e ele.

Por isso, eu e ele nunca seriamos um nós. De modo algum. Nunca, nunca. John gostava de me lembrar isso uma ou duas vezes todas as semanas que conversávamos.

E o que quer que aconteça, eu saberia que o problema que existe comigo e as palavras não poderiam ser aturadas por ninguém, muito menos, por ele. John era uma pessoa de coração bom e simples decisões, que não precisava de muito barulho em sua cabeça como eu fazia. A minha necessidade de conversar sempre parecia perturbá-lo.

Então, decidi calar-me novamente. Eu não sabia mais como conter minha ansiedade em palavras, e não conseguiria manter minha amizade com John sem elas. Bastava-me então aturar meu rígido inverno mais uma vez, afogando em minhas próprias e frias mágoas nunca ditas, até o dia em que eu explodisse.

E eu explodi, acho.

Por isso, agora, por mim e por ele, eu permaneço calada. Todos os dias.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!