Visões escrita por Maria Martins


Capítulo 1
Capítulo 1




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O fogo da vela tremia com o vento. Ela era a única fonte de iluminação que havia no quarto. A cera já havia derretido mais do que a metade, deixando a chama fraca. Uma menina estava deitada na cama. Ela usava uma longa camisola branca, que ficava bastante folgada.

A menina tinha cabelos escuros, que estavam presos em uma trança. Ela se mexia constantemente e o suor estava presente em todos os lugares de seu corpo. Abriu os olhos rapidamente e se sentou na cama. Seu coração batia forte. Novamente estava tendo aqueles sonhos. Sangue, morte e gritos. Não sabia o que significava. Tinha uma opinião, mas se recusava a acreditar. Levantou-se da cama. Seus pés tocaram o chão frio. A menina estremeceu. Foi à mesa do seu quarto e pegou um pouco de água da bacia e molhou o rosto. Gostaria de contar para seus pais sobre os sonhos, mas sabia que não era uma boa ideia, eles poderiam pensar algo que os deixariam muito perturbados. Talvez eles falassem que eram bobagem ou que...

Ela balançou a cabeça rapidamente. Não podia se deixar dominar por esses pensamentos. Não precisava se preocupar, eram apenas sonhos. Eles ficam se repetindo porque eu não penso em outra coisa, pensou. Após enxugar o rosto, aproximou-se da janela e apoiou seus braços. Observou a floresta que cercava o castelo. Não fazia parte da nobreza e a monarquia já não tinha mais forças como em séculos passados. Seu pai, depois de conseguir bastante dinheiro com o comércio e herdado uma grande fortuna de um parente distante, decidiu comprar um castelo em ruínas longe da cidade e reconstruí-lo. Chamou grande parte de sua família para morar junto.

Seus olhos foram pesando e a menina deitou a cabeça no parapeito. Assim que adormeceu, as imagens voltaram a lhe perturbar. Via um garoto, devia ter a sua idade. Ele estava sozinho no meio da floresta. Havia sangue escorrendo pela sua testa e seu pescoço. Ele caminha desorientado. Sua pele estava pálida e ele parecia nervoso.

A imagem mudou. Não via muita coisa, apenas rabiscos de cor marrom, bege e vinho. Mas havia vozes. Isto era o que mais a incomodava. Aquelas vozes... Elas lhe diziam coisas sem sentido, mas pareciam ter certeza daquilo que falavam. Guerra. Sangue. Morte. Essas palavras eram as predominantes.

A menina acordou assustada quando alguém bateu na porta. Ela olhou para trás e viu sua mãe lhe olhando.

– Sally, querida, já está tarde. Vá se arrumar, seu pai vai fazer a festa hoje e terá convidados importantes – disse sua mãe com um grande sorriso no rosto. Sally já sabia a quem a mãe estava se referindo e isso não a deixava nem um pouco animada.

Sally coçou os olhos, agradecendo silenciosamente por sua mãe por ter a acordado. Ela disse que iria se arrumar, só precisava de um tempo. Sua mãe fechou a porta, deixando-a sozinha novamente. Sally se levantou e molhou novamente o rosto. Respirou fundo e tentou não pensar em mais nada relacionado aos seus sonhos. Abriu seu guarda-roupa e olhou para seus vestidos. Escolheu um simples. Era azul com a gola e faixa da cintura verde. Vestiu-se e depois se sentou em sua penteadeira. Soltou seus longos cabelos e os penteou. Quando isto vai parar de me perseguir? Fez duas tranças e calçou os sapatos. Ao sair do seu quarto, viu seus primos mais novos correndo pelo castelo. Obviamente estavam fazendo algo que não deviam.

Desceu até a cozinha. Sua barriga doía por causa da fome. Antes de entrar no cômodo, sentiu o aroma do doce. Sua boca salivou. Ela andou mais rápido e então viu uma grande cesta com pão doce. Pegou um, sem que as cozinheiras vissem e saiu. Quando terminou de comer, olhou no espelho do corredor e viu não tinha nada em seu rosto que lhe denunciasse. Sorriu satisfeita e foi ao jardim.

No jardim havia uma grande mesa com a toalha branca. Logo ela estaria cheia comidas que os cozinheiros preparavam. Havia várias pessoas rindo, conversando e dançando. Um grupo de cinco homens tocavam instrumentos de corda e sopro. Todos estavam se divertindo, isto deixava Sally mais animada.

– Sally!

A garota virou-se e viu seu pai. Ele era um homem alto e robusto. Tinha um grande bigode e o rosto corado. Ele estava ao lado de um homem e um garoto. O homem era um famoso comerciante da cidade e o garoto seu filho. Sally já os conhecia e infelizmente, aquele garoto havia sido escolhido, pelo seu pai, para ser seu noivo.

Sally aproximou-se timidamente.

– James estava perguntando por você.

Ela olhou para o garoto e forçou um sorriso. James e Sally tinham a mesma idade, doze anos. Ele era magro, seus cabelos eram escuros e estavam penteados de lado. Usava roupas formais. James tinha um longo sorriso no rosto, que sempre parecia ser para chamar a atenção, não para mostrar sua felicidade.

– A senhorita está muito bela.

– Obrigada, senhor.

Sally olhou discretamente em volta, procurando qualquer coisa que pudesse lhe tirar daquela situação. Viu suas primas, mesmo elas sendo mais velhas, com seu quinze anos, decidiu que preferia a companhia delas a de James. Pediu licença aos homens e foi até o grupo de meninas. Elas estavam conversando sobre seus pretendentes e alguns encontros escondidos ou cartas que mandavam entre si. Sally suspirou. Decidiu ficar ao lado de sua avó, que estava bordando, enquanto observava as pessoas dançando.

Os cozinheiros saíram serviram a comida depois de duas músicas. Sally tentou sentar-se longe de James, mas sua mãe lhe colocou justamente ao seu lado. Ela disfarçou seu desconforto e olhou para frente. Para seu maior desconforto, lá estava Isaac. Isaac era filho do melhor amigo do seu pai, que há alguns anos, havia ido morar com eles por causa de sua falência. Ele tinha quinze anos, era alto e tinha traços fortes. Seus cabelos eram castanhos, assim como seus olhos. Isaac trabalhava com as ferramentas do castelo, o que havia feito seu corpo crescer mais do que os garotos da sua idade. E a quantidade que come ajuda para ficar imenso... pensou Sally olhando para o prato dele. Ela não gostava muito dele. Achava-o atrevido demais, não o considerava um homem decente. A forma que comia, como falava e como se vestia. Geralmente suas roupas estavam sujas por causa do seu trabalho. Isaac arrotou, sem se importar nas pessoas ao seu redor. Sally respirou fundo e continuou comendo, tentando evitar olhar para frente ou lado.

Após o almoço, Sally caminhou pela floresta. Era um lugar calmo e bem iluminado. Exatamente o que ela precisava, pois os pensamentos sobre seus sonhos haviam voltado. O som leve de animais deixava o lugar mais relaxante. Sally foi até o lago mais perto e se sentou. Abraçou os joelhos e apoiou seu queixo neles.

Escutou o som de folhas sendo pisadas. Imaginou que fosse um animal, ignorou e continuou em seu lugar. Então viu uma sombra. Olhou para trás quando percebeu que pertencia a um humano.

– Olá minha bela dama.

Sally suspirou e voltou a olhar o lago.

– Isto não é como uma dama deve agir – disse James.

– Sinto muito, senhor. Mas o momento não é muito adequado para conversar.

– Mas logo você será minha. Terá que se acostumar com minha presença.

O garoto se aproximou, erguendo sua mão, querendo tocar-lhe o rosto. Sally, por impulso, bateu em sua mão e se levantou rapidamente.

– Eu não serei sua. Não me trate como um objeto.

James a olhou furioso.

– Você é minha noiva. Você não tem escolhas e terá que me obedecer!

Sally sabia. Sabia que por trás daquele sorriso havia uma má pessoa. Alguém possessiva e amarga. Ela respirou fundo e deu as costas. Assim que começou a andar, James a puxou.

– Não vire as costas para mim!

Ele lhe deu uma tapa. Sally virou o rosto. Ficou sem acreditar no que havia acontecido.

– Ei!

Sally e James olharam para o lado. Viram Isaac saindo dentre os arbustos. Isaac aproximou-se rapidamente e segurou James pela gola da camisa. James engoliu em seco e seus olhos demostravam claramente que estava com medo.

– Gosta de bater? Por que não bate em mim?!

James olhou completamente apavorado para Isaac. Tentava sair das mãos dele, mas tudo que fazia era inútil. Sally, que até então estava em choque por causa da tapa, tentou se aproximar dos dois, para evitar uma briga maior, mas algo a impediu.

Seu corpo ficou paralisado. James e Isaac haviam sumido. Tudo ficou preto. O silêncio a preencheu. Segundos depois, Sally voltou a ver as árvores e o lago. James já havia se soltado de Isaac. Ele recuava rapidamente, até que tropeçou em uma pedra e caiu no lago. Isaac estava vermelho por causa da raiva. Ele se aproximou de Sally e perguntou se ela estava bem. Sally respondeu que sim, mas havia sido outra Sally que falara. A garota ficou confusa.

Estava vendo a si mesma.

James tentava sair do lago, mas não conseguia. Ele pediu ajuda, Isaac se aproximou, mesmo sem vontade e o puxou para fora. Um uivo tomou conta dos ouvidos dos três. Isaac falou que era melhor eles saírem, pois o lobo parecia estar perto. James esperou que Isaac se virasse, para pular em suas costas e prender sua respiração. Sally ficou parada por um tempo e depois correu na direção deles e tentou parar James, que apertava Isaac com mais força.

Passos rápidos se aproximaram e dentre as árvores saiu um grande lobo. Os três ficaram em estado de choque. Apesar de nunca terem visto um e nem mesmo acreditar, sabiam aquela criatura não era apenas um lobo. Era um lobisomem.

A fera se levantou, ficando sobre duas pernas. Seu corpo parecia o de um humano, mas era coberto de pelos grandes e negros e sua altura era muito maior do que um homem adulto. Sua cabeça era a de um lobo.

Aproveitando, Isaac tirou James de suas costas e correu. Segurou a mão de Sally e a levou para longe. James continuou parado, caído no chão. Seus olhos não desviavam do lobisomem, que se aproximava lentamente, andando novamente sobre quatro patas.

Sally virou-se rapidamente. Isaac fez o mesmo ao ver que Sally havia parado. Sally disse que eles precisavam ajudar James. Mas antes que pudessem fazer algo, o lobisomem avançou sobre James.

James gritava, sentindo a dor provocada pelos dentes do lobisomem. O sangue rapidamente se espalhou pela sua roupa. Isaac cobriu os olhos de Sally e pode sentir as lágrimas que caiam. Em segundos, James se calou. O lobisomem o arrastou para entre as árvores, deixando apenas um rastro de sangue.

Sally voltou a si. Viu Isaac segurando James e gritando com ele. O que... pensou confusa. Nada daquilo aconteceu? Foram apenas coisas da minha cabeça? Sally olhou para os lados.

– Eu vou lhe mostrar o que acontece com homens que gostam de bater em mulheres!

James empurrou Isaac e conseguiu se soltar. Seu coração batia forte. Ele foi recuando, vendo o olhar raivoso de Isaac em sua direção. Desequilibrou-se após bater em uma pedra e caiu dentro do lago.

Sally ficou paralisada. Não pode ser... Foi apenas uma coincidência. Isaac respirou fundo e foi na direção de Sally.

– Você está bem?

– Sim, estou.

Ela engoliu em seco. Ele havia feito a mesma pergunta e ela havia dado a mesma resposta. Isto não pode estar acontecendo. Escutou James pedindo ajuda. Ele batia os braços desesperadamente.

– Socorro!

Sally olhou para Isaac, que a encarou por um momento. Suspirou e caminhou até o lago. Segurou no braço de James e o puxou, jogando-o no chão. Olhou para trás assustado quando ouviu um uivo.

– É melhor irmos. Esse lobo deve estar por perto.

Ele se virou e sentiu James pular em suas costas. Tentou se soltar, mas ele logo pôs a mão sobre seu nariz e boca. Sally olhava a situação assustada. Ficou perdida em seus pensamentos. Balançou a cabeça, dando-se conta da situação e correu até eles. Puxava James, mas ele não soltava Isaac.

Escutou passos se aproximando, olhou nervosa na direção que havia visto antes e um lobisomem apareceu em sua frente. Os três arregalaram os olhos, sem acreditar no que havia aparecido. Isaac conseguiu respirar normalmente. Percebendo que James estava olhando para a criatura, segurou suas pernas, que estavam presas em sua cintura, e o empurrou para trás. Segurou a mão de Sally e correu. Seus olhos estavam criando lágrimas. Lembrou-se do que acontecia em seguida e virou-se. Isaac parou e olhou assustado para trás.

– Precisamos ajuda-lo!

O lobisomem avançou sobre James, mordendo sua barriga. James começou a gritar. As lágrimas que estavam presas caíram sobre seu rosto. Logo depois a mão de Isaac cobriu seus olhos e ela só conseguiu ouvir o desespero de James. Mas aquela mão não adiantava, ela já havia visto que estava acontecendo. Os gritos de James pararam. Sally sentiu-se tonta. Havia realmente acontecido, tudo que ela tinha visto. Sentiu seus pés saindo do chão. Isaac a carregava e a levava de volta para o castelo.

Assim que os outros viram a expressão de Isaac e Sally, eles correram na direção dos dois. Isaac colocou Sally no chão. Ele explicava nervosamente o que havia acontecido. Sally não o ouvia muito bem. Eu vi tudo o que ia acontecer... Tudo realmente aconteceu... do mesmo jeito. Sally tentava manter a calma, mas não conseguia. Tentara evitar por muito tempo aqueles pensamentos, tentava ignorar os sonhos que tinha, mas o que aconteceu havia sido o suficiente para provar que o que ela desconfiava era verdade. Agora não tinha mais o que fazer, não havia mais como tentar pensar em outras explicações. Ela agora tinha certeza do que era. Ela era uma feiticeira.


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