Pare de Fumar escrita por dakotap


Capítulo 1
Capítulo Único




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Pare de Fumar

Capítulo Único

Toda vez que paravam alguma pessoa, Rafael admirava seu colega discorrer sobre o mau hábito, passando a mão em seu rosto avermelhado ou puxando um pouco de sua franja castanha para os olhos, quando percebia o quanto alguém poderia ficar desconfortável com aquilo. Metido em um projeto de escola chamado Pare de Fumar, ele e seu grupo não só distribuíam panfletos como paravam pessoas fumantes para uma “conversa conscientizadora”. Eric, o líder do grupo acanhado, não obstante parecia um pastor, pregando sua palavra. Mas ele era muito radical e Rafael, por mais que concordasse com as palavras, não achava que era o melhor tentar achar cada fumante daquela cidade – ou pelo menos, daquele bairro – para tentar trocar-lhes as ideias.

Ao virarem em uma esquina, Eric foi logo em direção a um homem com um cigarro pendendo na boca. Rafael hesitou em segui-lo junto do pequeno grupo. O cara não era tão mais alto que os estudantes, mas era visivelmente uns bons anos mais velho e sua expressão não era das mais simpáticas e o cabelo castanho-avermelhado era cortado desregulado, o que piorava a expressão. Ele tirou um molho de chaves da calça escura e enfiou em um portão grande cinza que abria de baixo para cima, enquanto soltava a fumaça.

Rafael pensou que eles deviam pelo menos se ater a jovens, para que não desenvolvessem o hábito, e talvez, a pessoas visivelmente mais simpáticas, porém Eric já estava na cola do moço.

— Olá, senhor — o garoto disse e o cara o olhou de sobrancelhas franzidas. Talvez fosse pelo “senhor”.

Ele puxou o portão para cima quando o olhou, revelando algumas geladeiras e todo sorte de bebidas. Era uma loja e se Eric tivesse prestado atenção ele viria logo acima uma placa azul bem estrutura com o nome “Adega” bem grande com outras letrinhas pequeninas.

Rafael aproximou-se devagar, tentando manter uma distância segura.

— Que é? — o homem soltou deixando claro, se sua expressão já não fosse suficiente, que ele não era um dos mais bem-humorados para se mexer pela manhã.

— Nós estamos em um projeto da escola. Temos a missão de espalhar um pouco de conscientização e informação para fumantes.

— E eu com isso? — o homem perguntou se virando para alcançar suas chaves presas na fechadura do portão. Rafael apertou os lábios, com vontade de rir.

— Bem, o senhor é um fumante, claramente — Eric disse, sua voz saiu incerta, mas não parecia com vontade de desistir. Porém foi ignorado, enquanto o dono da loja jogou as chaves no balcão que cortava o estabelecimento logo atrás, tirando o cigarro da boca e soltando a fumaça para o lado.

— Faz ideia do quão apenas uma tragada dessas pode afetar a sua saúde? — o garoto apontou para um dos cartazes com imagens que uma colega segurava. — O seu pulmão—

— Garoto — rosnou o homem. — Eu sou um adulto, não preciso de um bando de moleques sem pelinhos questionando minha vida. Vazem daqui antes que eu me irrite.

Eric ficou boquiaberto e Rafael que observava sua reação, ficou surpreso quando ele resolveu falar novamente.

— Bem, nós vamos embora, mas será que poderia, ao menos, aceitar nosso panfleto? — estendeu o papel com letras digitalizadas e uma pequena imagem.

O homem o ignorou novamente, jogando a bituca do cigarro na rua e entrando.

Rafael viu o exato momento em que a boca de Eric abriu para reclamar da ação, e então, em um ato de coragem, se aproximou do colega, pegou o panfleto das mãos dele e então foi em direção ao homem mais velho, amassando o papel quando o enfiou no bolso de trás da calça jeans escura que ele usava.

Um rosto raivoso virou-se para si e ele tratou de fugir logo, empurrando Eric, quando pegava a bituca do cigarro, ainda queimando. Apagou no asfalto e jogou em uma pequena caixa que outro carregava, era a pequena caixa anti-poluição, onde jogavam as bitucas que achavam.

E então, ele e seu grupo atravessaram a rua, desaparecendo na esquina.

~x~

Na reunião da escola, em que todos apresentavam seu projeto e informações, o pastor do grupo, Eric, comentou animado o progresso de seu grupo pelas ruas. Também fez questão de falar sobre o estranho assustador, dono de uma adega, dispondo no rosto uma expressão de horror. Alguns comentários foram feitos como “Algumas pessoas não têm noção”. Outras dissertaram um pouco mais fundo no comportamento de alguns, e como era uma pena que pessoas como o cara da adega insistissem em ser rudes, além do hábito.

O professor estava sentado em sua mesa, apenas observando essa parte do debate, assim como fazia Rafael, escorregando em sua cadeira no meio daqueles de seu grupo do Pare de Fumar.

~x~

Rafael espiou a rua por trás da casa da esquina. Conseguiu ver a loja de bebidas aberta e nenhum sinal do tal dono assustador.

Há três dias, ele e seus colegas incomodaram aquele homem por seu hábito de fumar e desde então, em seu caminho para casa, sempre passava ali, espiava para aquele lado como se o homem fosse sair e o perseguir com um taco. Ou só com o punho mesmo, achou ser mais a cara dele.

Estava sentindo-se mal ainda pelo jeito que o abordaram, e ainda como forçadamente o fez ficar com aquele panfleto que ele deve der ateado fogo logo depois. Bem, se se importasse tanto assim.

Ajeitou a mochila no ombro, olhando ao redor, como se estivesse com medo de estar fazendo algo fora da lei e alguém o pegasse no flagra, ligando para os policiais.

Com passos pequenos, atravessou a rua e chegou em frente à loja, entrando hesitante.

Não era um local grande, na verdade, parecia uma garagem velha de uma pequena casa. Havia duas geladeiras perto da entrada, um freezer grande ao fundo perto do balcão, e em frente à uma porta de madeira negra.

O homem do dia anterior estava guardando algumas cervejas para gelar e o notou entrar imediatamente. Os olhos cinzentos de pálpebras levemente caídas o miraram.

— O que é? — perguntou e seu tom não tão agressivo como escutou da última vez fez Rafael relaxar um pouco.

Ele vestia uma regata preta com um calça larga presa por uma blusa amarrada na cintura, e tinha tênis velhos nos pés, os mesmos do outro dia, reparou. Atrás da orelha, um cigarro pendurado.

— Er...

O cara logo ficou impaciente e Rafael apressou-se.

— U-um Lucky Strike, por favor — disse. O garoto conhecia a marca pela sua mãe que fumava anos antes.

— Você não é aquele moleque com aquele grupinho do outro dia? — Rafael decidiu não responder, entregando-se. — É de menor ainda, garoto, o máximo que sai daqui pra você é um refrigerante.

Um refrigerante! Por que não fora com isso? Pareceria menos hipócrita e ridículo.

Dali não sabia mais como proceder.

— É, hum... Desculpe pelo outro dia. Meu amigo... Ele só estava lutando pela causa dele, entende?

O mais velho dali pegou mais algumas latinhas para organizar no freezer.

— E você não, né? Vindo comprar um maço para mostrar-se rebelde na escola?

Rafael demorou um bocado para processar as palavras dele e suas bochechas queimaram.

— Eu... eu não fumo, eu vim me desculpar... — respondeu, mas o dono do local não parecia lá muito interessado no que tinha para dizer, distraído ao passar um pano pelo freezer. — Eu não ligo, sabe? — ainda insistiu, sentindo-se bastante Eric e tapado, por cima. — Acho que cada um faz suas escolhas, né? Mesmo que não sejam tão boas — deu de ombros timidamente.

Não obteve resposta, mesmo depois de tentar um pouquinho. O cara simplesmente apoiou os cotovelos em seu balcão, alcançando um isqueiro jogado de lado e acendendo o cigarro antes apoiado em sua orelha.

Um cliente chegou pedindo um maço e um energético e enquanto era atendido, Rafael ficou ali, em pé, perto das geladeiras, sem saber o que fazer. Em sua mente não passou a ideia de ir embora, o menino era mesmo desajeitado socialmente.

Quando o cliente saiu, Rafael continuava ali e o homem ergueu a sobrancelha para ele, que resolveu que talvez seria melhor falar qualquer coisa.

— Você trabalha sozinho aqui?

O fumante o analisou por alguns segundos, antes de suspirar e Rafa achou que seria jogado para fora. Ao invés disso, porém, o outro empurrou de trás do balcão um banquinho e hesitante, Rafael aproximou-se, sentando.

— Você não vai sair daqui até me fazer abrir a boca, uh?

“Ou até que me expulse” completou o jovem em pensamentos.

Mas, na realidade, o homem não parecia assim tão incomodado com sua presença, apesar da expressão pouco agradável. Talvez tenha sido pela aproximação amigável e hesitante.

— Tenho dois caras que me ajudam nos fins de semana e feriados — contou, apoiando o rosto na mão, e jogando as cinzas do cigarro no cinzeiro que já estava cheio de bundinhas de cigarro. — Na semana é parado assim.

— Mas poderia ter uma companhia ― aconselhou Rafael vendo o homem imediatamente dando de ombros, recusando a ideia. — Poderia me contratar — soltou impulsivamente.

— Como é?

— Eu... Não, é que eu... To precisando de um trabalho.

— Você mal chegou na adolescência, moleque.

— Eu faço dezoito em alguns meses!

O homem o olhou de cima a baixo, com o olhar descrente.

— É sério, posso te mostrar minha identidade — adiantou-se para pegar a carteira.

— Não precisa — a voz do homem cortou seu movimentos. — Vá atrás de uma lanchonete ou algum mercado.

— Por que não quer me contratar? — perguntou surpreso consigo mesmo. Quando foi que aquela conversa chegou em um momento em que pedia um emprego em uma loja de bebidas? E ainda mais insistia nisso?

— Primeiro, porque você está começando a me irritar — apontou o mais velho, e Rafael não duvidou em nada da afirmação, sentindo-se acanhado. — Segundo, você é só um garotinho de colégio. Isso não é para você — aproximou-se do garoto, quase rosnando. — Agora vaza.

Ele puxou o banquinho fazendo o jovem desequilibrar-se, e o empurrou com uma mão – ainda que parecessem pelo menos umas cinco, pela força –, até a saída.

— Eu serei um adulto em alguns meses — insistiu Rafael, em um tom de voz baixo,

— Idade não significa nada — foi o que ouviu ao ser despachado.

Quando olhou para trás, o homem lhe dava as costas, voltando para dentro.

~x~

Rafael decidiu que naquele dia não iria para a escola, as aulas de hoje eram bem inúteis, se convenceu, enquanto observava — espiava — de uma esquina, um homem caminhar até uma loja fechada, procurando as chaves nos vários bolsos de sua calça larga de algodão.

Aproximou-se devagar, a espreita. Mal acreditava que estava de volta ali, descobriu-se um tantinho cara-de-pau, pensou quando chegou perto do homem que tinha um pão na boca enquanto levantava o portão.

— Oi — Rafael disse e podia jurar que o cara se assustou, ao menos um tiquinho, e sua expressão de manhã piorou ao vê-lo.

— O que você quer?

— Só estou de passagem.

Realmente estava cara-de-pau.

O outro grunhiu, mastigando seu pão, e pegando um refrigerante de sua geladeira.

— Vá embora, garoto — se afastou, sentando bruscamente no banquinho que no dia anterior oferecera ao mais novo, enquanto tomava sua bebida em três grandes goles.

— Meu nome é Rafael.

— Não me interessa.

— Qual é o seu nome?

Então, ele enfiou o restante do pão na boca, segurou seu refrigerante e entrou pela porta escura que havia no fundo daquele local, a batendo com força quando entrou.

Rafael encolheu os ombros segurando a alça de sua mochila. Ele não queria irritar o homem, não mesmo. Ele queria... Bem, ele não sabia o que queria, mas uma conversa amigável seria ótimo para começar.

Aproveitando a ausência do mal-humorado, resolveu fuçar um pouco. Descobriu bebidas que nem imaginara que existia, perguntava-se se o homem sabia dizer o nome de todas dali.

No balcão, havia colada, uma lista produto-valor e achou estranho não ter um computador, mas pensando bem, não imaginava aquele homem com paciência para tecnologias, ainda das mais simples.

No canto, havia um cinzeiro ao lado do isqueiro, cheio de bundinhas de cigarro o que incomodou Rafael, e ele então jogou tudo no lixo próximo. Depois, observou distraidamente alguns produtos do balcão e pulou pelo susto quando percebeu uma mulher na loja. Ela parou bem em sua frente, mexendo na bolsa.

— Um Free, por favor.

Rafael abriu a boca pronto para informá-la que não trabalhava ali ou coisa do tipo. Mas ele estava sozinho ali, então mudou de ideia.

Ao seu lado, na altura da cabeça, uma caixa plástica aberta dividindo os maços pelas marcas e pegou o que a mulher pediu, o branco, já que ela não especificara nada. Deveria ser aquilo, certo?

Quase suspirou quando ela pegou sem reclamações e ela devolveu duas notas mais algumas moedas, afastando-se logo em seguida com um “obrigada” baixo. Rafael entrou em pânico, com aquele dinheiro que não sabia se era o certo.

Vasculhou pela lista, contanto o dinheiro e sentiu-se aliviado quando o valor bateu. Enquanto estava concentrado em contar as moedas, o dono da loja voltou, saindo da porta do fundo.

— O que você está fazendo?

O estudante pulou alto dessa vez, voltando o rosto para o homem que lhe observava com uma expressão dura.

— Ah, sim, então... é...

— Você gagueja muito — reclamou o homem, o afastando do balcão.

— Uma mulher apareceu para comprar cigarro e eu vendi para ela. Tá aí o dinheiro — despejou de uma vez, antes que perdesse a coragem e levemente irritado com o comentário do outro, apontando para o dinheiro. — E tá certo — completou orgulhoso.

— Você é um moleque enxerido pra cacete — comentou o mais e Rafael abriu a boca para se defender, mas acontece que ele era mesmo. — Se eu o pegar mexendo nas coisas do meu negócio, eu te mato, garoto — o tom ameaçador voltou.

Pensou ainda em responder, pois em sua visão, acabara de fazer um favor para aquele cara, mas apenas cruzou os braços sentando-se no banquinho.

O mais velho o encarou com descrença.

— Que merda você pensa estar fazendo? — empurrou-o como no dia anterior, para fora da loja. — Vá embora. Vai para sua aula — avisou quando o colocou para fora, colocando outro cigarro nos lábios, voltando para seu balcão.

— Você não me disse seu nome — Rafael ainda voltou dois passos para dentro.

— Sai!

— Se me disser seu nome eu vou embora.

A careta que se formou no rosto do homem quase fez o mais jovem correr dali sem nome mesmo.

— O nome é Mark — respondeu acendendo seu cigarro.

— Oh, Mark. Legal.

— Saia.

— Eu acho que-

Mark levantou, disparando para fora do balcão e Rafael apavorou-se, correndo dali antes que fosse alcançado.

~x~

No fim de semana, Rafael estava entediado. Ignorando algumas lições de casa, se convenceu que nada tinha para fazer, novamente. Então rumou para a Adega onde ainda se iludia que era bem-vindo.

Ao chegar na esquina, parou para espiar primeiro.

Um carro velho, de entrega, parou em frente à loja aberta e um homem alto saiu dele e foi para dentro voltando uns instantes depois com uma caixa de cerveja, e atrás de si outro homem, loiro, carregando mais uma. Trouxeram ainda mais dois para o carro até o o homem alto entrar no carro e dirigir dali.

Foi quando Rafael decidiu ir até lá, entrando na loja devagar. Não viu quem esperava ver, ali estava o cara que ajudou o outro no carregar das bebidas para o carro. Ele lhe percebeu logo quando entrou.

— O que quer, garoto? — perguntou como perguntaria o dono da loja, mas seu tom era calmo e sua expressão neutra.

— Hum... Mark está?

— Tá lá dentro — respondeu e virou-lhe o rosto quando um homem bem mais velho que ele adentrou o ambiente. — Ei, Oscar — cumprimentou.

Como foi ignorado dali em diante, assumiu que era confiado para entrar pela porta escura no fundo da loja.

Quando a abriu, tão devagar que pareceram minutos, quase desistiu de avançar, já que não achava que caberia ali dentro. Havia uma escada em frente a porta, e os degraus estavam carregados, fazendo um degrade de cerveja. O cômodo da entrada era o para ser uma sala normal, e até havia um sofá único em frente a um cômodo com uma TV, porém ele também carregava bebidas. Mais para trás, havia uma cozinha que separava-se da sala por um balcão, lá tinha um micro-ondas, uma geladeira e um fogão mais velho. Também estava entupido com embalagens em caixas de bebidas.

E logo Mark apareceu vindo da porta ao fundo da cozinha, carregando mais e depositando a caixa ao lado de outras ali empilhadas. Ele vestia um jeans azul e uma camiseta escuras com as mangas curtas enroladas até os ombros. Rafael instintivamente puxou a sua própria manga direita, mostrando mais do braço, instintivamente.

O homem mais velho suava e Rafael observou os músculos se contraírem quando ele soltou o peso. Observou por mais tempo e com mais atenção do que um rapaz hétero deveria.

Mark esticou as costas e olhou-o, nada feliz, como de costume.

— Pelo amor de Deus — resmungou dando-lhe as costas e sumindo pela porta novamente.

Bem, pelo menos ele não o espancou ou jogou uma garrafa em cima dele. Rafael, então, fechou a porta e moveu-se um pouco para a sala, tentando não ficar no caminho.

Mark voltou, repetindo o ato de alguns minutos, empilhando mais cervejas.

— Você... Quer ajuda com isso aí?

O olhar do mais velho era o mesmo furioso que recebera outras vezes quando o irritou, mas ele fez um gesto com a mão.

— Vem aqui — chamou.

Rafael o seguiu até a outra porta na cozinha, onde ele achou que serviria de lavanderia caso não fossem as vodcas. Ainda tinha outra porta que aberta revelava um corredor para um portão menor que ficava ao lado da loja e ele já havia reparado naquela porta. Então ali era uma casa, e a loja era de fato uma garagem.

Mark segurou uma caixa vermelha de cerveja e soltou o peso nos braços do garoto, que cambaleou.

— É só levar e colocar lá em cima — avisou, e caso não fosse o olhar duro, Rafa achou que ele poderia estar zombando de si.

Virou-se devagar e começou a dar alguns passos pequenos, quer dizer, os maiores que conseguiria com aquilo.

Já chegava na sala quando Mark tirou a caixa de suas mãos a apoiando no ombro e afastando-se. Quando isso aconteceu, Rafael achou melhor apenas correr até o sofá e sentar-se no espaço que conseguiu achar, ficando quieto.

Ele achava que tinha direito de não ter muita força, sendo jovem, com muito para desenvolver ainda. Além disso, era um tanto sedentário.

— O que você quer comigo, garoto? — O mais velho perguntou, alcançando um maço de cigarros perto da TV.

— Rafael — lembrou o rapaz. — Rafa, se preferir.

Talvez fosse melhor acostumar-se com os olhares raivosos que Mark lhe lançava.

— 'To aqui na paz, para conversar... — deu de ombros. — Pelo emprego.

— Já avisei que não vou contratar uma criança.

— E já avisei que faço dezoito logo.

E ficaram em silêncio.

O dono da loja apenas fez um gesto de descaso, provavelmente, já cansado para sequer discutir ou tentar o colocar para fora dali.

Rafa o observou fumar quietamente.

— Nunca pensou em parar?

Os olhos cinzentos do mais velho fecharam-se e ele suspirou pela tentativa de conversa.

Rafael quis poder pensar a tempo no que disse, para não o fazer. Depois da reação de Mark quando seu grupo da escola tentou o “conscientizar” era esperado que ele não queria ter esse tipo de conversa intrusiva. Mas Rafael estava genuinamente querendo saber, ou melhor, entender, porque ele, ou qualquer um, na verdade, deixar-se levar por um hábito tão ruim.

Rafael sempre teve uma certeza em sua vida: Não queria fumar. Não importa se o fizessem, nunca teve vontade e não o faria, ainda mais depois das informações que conheceu sobre o mal que faz.

Mas também sabia que queria aproximar-se daquele fumante mal-humorado.

Mark, então, o olhou.

— Todos pensam.

— E nunca tentou? — estendeu mais o assunto, sem querer.

— Já — contraiu o rosto, obviamente, não gostando da conversa.

— Bem, acho que não é muito difícil, né? Sem querer desprezar suas maneiras, mas com um pouco de força de vontade... — Então lembrou-se de algumas palavras de Eric que soltou para algumas pessoas. — Pode trocar por um “vício saudável”. Meu tio fez assim, ele gostava de construir casa de passarinhos. Não gaiolas, apenas umas estruturas de madeiras, afinal, pássaros têm que voar, né — Empolgou-se e se continuasse, poderia ir para sempre. — É estranho pensar como alguém pode parar de fumar para construir casas de passarinhos, mas ele gostava. Você tem algum vício saudável? Um hobbie? Alguma coisa que goste muito?

Quando parou para respirar, Mark o olhou intensamente tragando seu cigarro, antes de responder.

— Sexo.

— Oh — foi o que Rafael conseguiu dizer dessa vez. — Ah... É... Bem... Isso...

A porta em frente as escadas foi aberta e o homem alto do carro, de mais cedo, entrou, indo diretamente até a cozinha.

— Ei, Mark, a próxima é sua — avisou, enchendo um copo de água. — Quem é o garoto?

Rafael teria de acostumar-se com o 'garoto', aparentemente.

— Meu perseguidor.

Mark apagou o cigarro no cinzeiro na mesa da cozinha, e os dois homens seguiram para a loja carregando caixas. O outro homem não pareceu importar-se com a resposta do dono da loja.

“Talvez eu não seja ameaçador o suficiente” pensou Rafael. Então percebeu que estava sozinho. A porta não fora fechada, mas simplesmente o deixaram para trás.

Poderia ir embora, mas já estava ali. Mark não o empurrara para fora, então podia muito bem aproveitar para saciar um pouco de sua curiosidade.

Levantou batendo uma mão na outra, olhando para a escada e fazendo trejeitos incertos com os lábios.

Mas não demorou muito para decidir o que faria.

Teve que, pela lateral da escada, se pendurar em um degrau vazio mais em cima e empurrar o corpo para poder subir. Subiu silenciosamente, de repente com uma sensação infantil de que era um explorador em terras novas e desconhecidas.

Ao fim da escada, deparava-se com um corredor pequeno com quatro portas. A primeira porta estava semiaberta e ele empurrou lentamente. Era apenas um quarto comum, com a cama desarrumada, uma TV um pouco velha e uma cômoda perto da cama que carregava um cinzeiro, um isqueiro e algumas moedas e notas baixas de dinheiro.

Teve a impressão de ser o quarto de Mark. Não imaginou que ele morava ali de verdade, pois o vira abrir a loja por fora, mas alguém obviamente dormia naquela quarto.

Rafael não conheceu o resto do corredor.

Passou minutos entretido fuçando na cômoda e no armário que descobriu na outra parede. Foi até o banheiro – era uma suíte –, voltou, abriu a janela, tudo como um verdadeiro intrometido. Perguntou-se se Mark não tirava o lixo, pois o que tinha em seu quarto transbordava e ele ainda teve de jogar as bitucas de cigarro do cinzeiro. Quando devolveu o objeto ao lugar, sentiu ser agarrado pelo ombro.

Berrou, derrubando o cinzeiro e ouvindo seu coração retumbante.

— Cuidado com essa merda — a voz rouca indignou-se e Rafa virou-se para Mark, que abaixou para resgatar seu cinzeiro que, por sorte, não quebrou ou danificou alguma parte.

— Você me assustou — disse Rafael com a mão no peito.

O homem colocou o cinzeiro no lugar, virando-se e agora parecia ter perdido a paciência de vez, fazendo o rapaz recuar.

— O que você está fazendo aqui, mexendo nas minhas merdas como se tivesse direito?

Ele vinha em sua direção e o mais novo faltou com as explicações, nervoso.

— Eu... É que... Eu não queria...

— Pare de gaguejar, isso me irrita!

— Desculpe — murmurou. Era a única coisa que poderia fazer, realmente.

O mais velho aproximou-se o suficiente para invadir-lhe o espaço pessoal e Rafael reparou nos lábios pressionados com raiva bem na altura de seu nariz e engoliu em seco. Mark notou o olhar e estreitou os olhos.

— É por isso que você vem encher o saco? — perguntou e o garoto o olhou confuso. — Você está a fim de mim, garoto?

Os olhos castanho-esverdeados arregalaram-se com a pergunta direta. Rafael não negaria que algo no homem o instigava a ir até ele, mas... Sua voz não subiu de sua garganta e sabia que devia estar mostrando uma expressão patética.

O mais velho aproximou-se mais, os olhos o encarando bem de perto, o fazendo prender a respiração.

Rafael conseguia sentir o odor de suor e fumo, porém nunca imaginaria que essa combinação fosse tão... Excitante.

Mark, em um movimento lento e provocante, insinuou a língua pelos lábios comprimidos de tensão, do mais novo.

Rafa, então, não aguentou-se. Quando o outro afastou-se por um centímetro, foi ele que cobriu a distância e chocou seus lábios aos do mais velho. Este grunhiu inconformado com a ousadia do garoto, ainda que tivesse começado o gesto, porém não recusou. Agarrou o quadril de Rafael apertando o tecido da camiseta junto da pele.

O mais jovem sentiu o outro lhe corresponder e perdeu o fio da meada, pois quando o homem o beijou para valer, sua língua rude raspando na sua, não conseguiu acompanhar a experiência dele.

Era a primeira vez que beijava um cara, e ele ainda era bem mais novo.

Seu beijo tinha um gosto de cigarro que Rafael não gostava nem um pouco, mas ainda assim era viciante, como a nicotina.

Quase perdeu o equilíbrio quando foi empurrado para trás, e suas costas foram de encontro a parede. As mãos de Mark ainda o apertavam, mas agora era contra seu próprio corpo, tirando ainda mais o ar dos pulmões de Rafael.

Apenas o que conseguiu fazer foi passar os braços trêmulos pelos ombros do dono da loja de bebidas, o abraçando enquanto tentava corresponder o beijo com igual intensidade. Era difícil, Mark tinha o controle da situação, e quando começou a costumar-se com o ritmo, ele afastou os lábios. As respirações se encontraram e os peitos dos dois roçavam com a respiração ofegante, principalmente da parte do rapaz.

Rafael abriu os olhos devagar encontrando as orbes escuras o encarando seriamente.

— Conseguiu o que queria, garoto? — Mark soltou. Seu tom de voz estava mais baixo que o usual, mas a costumeira grosseira estava ali.

— C-como? — perguntou confuso, abrindo mais os olhos para tentar decifrar a expressão do outro. Estava como sempre estava, e o mais novo sentiu algo ruim no estômago. — Eu...

— Você quer mais? — Mark arqueou a sobrancelha. — Você, garoto, é um pequeno pervertido.

O queixo de Rafael caiu um pouco. O que estava acontecendo ali, afinal? Aquele cara estava tentando dar algo, que achava que Rafael queria, a ele? Apenas para que fosse embora?

Rafael abaixou o olhar sentindo as mãos antes quentes em sua cintura, se transformarem em felo.

— Eu... É melhor eu ir — disse em voz baixa, afastando-se.

Ele saiu pela porta rapidamente, tropeçando. Mark o viu ir com a testa enrugada e os olhos estreitos.

Rafael pulou do degrau vazio para a sala e deu de cara com o homem que o deixara entrar, mais cedo.

— Oh, oi — ele disse.

— Oi, eu vou indo — avisou, quase correndo para a porta escura. E o fez ao chegar ao portão para a rua, sentindo-se um tantinho magoado e com raiva por sentir-se assim. Como aquele, praticamente desconhecido, conseguiu lhe colocar para baixo?

Aquele idiota.

~x~

Rafael estava quase a ponto de bater a cabeça na parede por ser tão fraco.

Ele estava na esquina, tentando esconder-se, e espiava a loja de bebidas, ainda fechada naquele horário da manhã.

Uma mulher o olhou estranho quando passou por si, mas não poderia importar-se menos, não era dela que escondia-se.

— Está me espiando? — ouviu de repente, a voz rouca e mal-humorada próxima o bastante para lhe fazer tremer.

Por aquilo ele não esperava.

— Porque você é péssimo nisso.

O garoto ficou em dúvida se corria sem olhar para trás ou fingia desmaiar.

Porém virou-se cautelosamente, os olhos claros com a luz solar, caíram em Mark, com o rosto inchado de sono. Ele tinha um lanche na mão com algumas mordidas, uma sacola de padaria pendurada no braço e um cigarro pendurado entre os lábios.

— Eu não estava espiando.

— E o que estava fazendo?

— Eu estava de passagem.

— Por dez minutos? Essa é uma longa passagem.

— O quê? Eu não-

— Eu estava observando dali — tirou o cigarro dos lábios e mordeu seu café da manhã.

— Então você estava espiando — devolveu Rafael.

— Eu estava observando que merda você estava fazendo assistindo minha loja como uma porra de um programa de TV. Achei que não viria mais, desapareceu por dias, achei que tinha ficado esperto. Mas não, fica por aqui espiando que nem um idiota.

— Não, eu... Essa é a primeira vez que eu venho.

— Hm — fez Mark, jogando seu cigarro mal acabado na calçada.

— Olha, isso não é muito legal — não conseguiu conter-se. A expressão de Mark foi exatamente a mesma de quando Eric o abordou. — Bem... acho que quando você quer fumar, ninguém pode se meter nisso, mas poluir desse jeito não é legal — disse receoso, mas disse, ao menos. Então fez a mesma coisa do dia em que vira o homem pela primeira vez.

Pegou o cigarro inacabado, apagou no asfalto e jogou dentro do lixo público próximo. Não olhou para Mark nenhuma vez, estava sem coragem e seu coração berrava dentro do peito. Então admirou o chão por poucos segundos.

— Eu 'to indo — avisou.

Mas antes que pudesse ir, Mark agarrou seu braço, resmungando e o arrastou em direção à sua casa/loja.

— É... hum... — balbuciou Rafael, tendo a impressão que não poderia o entender menos.

Mark queria que fosse embora, não queria? E agora o arrastava com ele, o forçando a ir até lá.

— Eu tenho escola — disse Rafael quando pararam em frente à entrada, Mark enfiando a chave e levantando o portão.

— Tá bem atrasado pra escola — apontou o mais velho. — Mentiroso.

Pode ser, mas Rafael queria ir embora. Não esperava encontrar Mark. A última vez que se viram e o que aconteceu foi o bastante para o constranger para a vida inteira. E lá estava ele de novo, na cena do crime.

— O que foi? Por que me trouxe?

Mark pareceu o ignorar, apenas o empurrando para dentro e logo fechando o portão novamente, os deixando em um semi-escuro.

— O que está-

Rafael tentou dizer, mas foi brutalmente interrompido pelos lábios de Mark.

E dessa vez não por um “vá embora” saindo deles, e sim literalmente pelos lábios grosseiros e a língua com gosto de cigarro e um frescorde creme dental. Seus lábios foram abertos e lhe foi exigido que participasse do beijo repentino. Porém foi pego muito desprevenido em uma manhã de escola para corresponder bem.

Segurou-se no dono da loja, buscando equilíbrio, porque suas pernas tornaram-se traíras.

Mark o segurou firme com um braço envolvendo suas costas. Quando ele o apertou forçando-o a dar passos para trás, um raio de luz atravessou a mente de Rafael que o fez tentar interromper o gesto.

Afastou-se do beijo, quase não conseguindo, pois Mark seguia sua boca novamente.

— N-não. Eu não venho por causa disso — disse um tantinho desesperado e o mais velho apenas o olhou aborrecido. — Eu não quero–

Eu quero, garoto — falou por entre os dentes e voltou a beijá-lo.

Rafael tentou protestar ainda, mas sentiria-se envergonhado no futuro quando percebesse que na verdade não o fez com ânsia.

Menos relutante, depois de ouvir as palavras do outro, Rafael pensou que talvez quisesse aquilo também, só um pouquinho, bem lá no fundo.

O abraçou pelo pescoço quando Mark o arrastou até o balcão o erguendo desavergonhado, e o sentando no balcão com as pernas abertas ao lado do corpo maior, interrompendo o beijo por um milésimo.

Nesse um milésimo Rafael ofegou incerto de todas as coisas na sua vida, menos de que queria afastar-se do contato.

Mark apertou suas coxas por cima da calça jeans quando voltou a beijá-lo e o rapaz não tinha certeza como agir com as mãos. Não podia imitá-lo, as coxas dele estavam bastante distantes de seu tato, apenas conseguiu apertar as pontas dos dedos nas costas largas, por reflexo, com o estímulo.

Mark afastou-se de repente, interrompendo o beijo, mas continuou perto, dando a chance para o outro respirar melhor.

— Tudo bem aí, garoto? — ele o olhou com suas pálpebras caídas e Rafael retribuiu.

— Rafael — lembrou-o. — E tudo... Tudo bem... Ótimo.

Os lábios do mais velho alargaram-se em um sorriso cínico e Rafael sentiu as bochechas queimarem.

— Eu sabia que você era um garoto pervertido.

Rafael nem tentou discutir. O pervertido era ele, o agarrando daquele jeito. Mas quando seus lábios encontraram-se mais uma vez, seus pensamento esvaíram-se e ele aproveitou o que o outro tinha para lhe dar.

Agora menos tenso, conseguiu acompanhar o beijo melhor e sentiu-se satisfeito que Mark teve uma resposta, aproximando-o de si, como que gostando do beijo.

As mãos dele agora desceram pelas suas costas e caíram no balcão apertando sua pele bem no começo de sua bunda e Rafael remexeu os ombros dobrando mais seus braços ao redor do pescoço de Mark.

Pararam de se beijar aos poucos e quando Rafael parou para respirar ainda abraçando Mark, este afastou-se tirando seus braços de cima de si, para dar a volta ao balcão. A sacola que o mais velho segurava mais cedo foi jogada no chão perto da entrada, mas ele agora parecia preocupado em achar outro isqueiro, o que tinha guardado no bolso não funcionava mais.

— Você vai fumar? — perguntou Rafael virando-se e vendo que ele colocava um na boca. — Hm.

— Você acha que por trocar uns beijos comigo, vai conseguir fazer com que eu esqueça meu cigarro?

Rafael ficou um pouco magoado, mas sabia que uma convivência com aquele homem não sairia sem sua grosserias, teria de não levar muito a sério.

— É, pelo jeito nem te distraiu — não conseguiu enrolar a língua, como sempre.

Mark o olhou, o cigarro ainda não acesso na boca.

— Você com aquele seus papos de hobbies que podem te fazer largar o vício... Eu não disse que eram meros beijos de um estudante que poderiam me fazer distrair.

Rafael pensou um segundo para se situar em sua mente sobre o que ele falava e o sangue subiu até para sua testa quando lembrou-se da indiferença que Mark lhe disse outro dia "Sexo", ao lhe contar inocentemente do seu tio que construía casa de pássaros.

— Pode fumar o quanto quiser — ditou então, pulando do balcão depois de testemunhar outro sorriso atrevido do mais velho.

Quando pousou os pés no chão, porém, sentiu-se ser agarrado novamente, sua cintura recebendo marcas dos dedos de Mark, que o beijou daquele jeito abrupto ainda com o maldito sorriso no rosto que agora não deixava Rafael irritado, apenas querendo poder cravar mais os dedos nos ombros dele. Beijaram-se com energia.

E o cigarro do dono da loja foi esquecido no balcão.


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Notas finais do capítulo

eu escrevi essa história já faz um pouco mais de um ano, sem pretensão e achei ela esses dias. Tenho um carinho por essa one, mesmo não sendo grande coisa, então postei. Se alguém gostar, por favor, deixe um comentário, e qualquer erro, avisem pfvr :3