Resumo: 1 semana após o enterro de Bellona e talvez Reyna esteja em um dilema sobre fazer ou não a apresentação de última etapa do concurso.

***

P.O.V. Reyna

O que eu iria fazer agora? O que eu iria fazer se mal conseguia levantar da minha cama? Se eu não tinha ânimo para nada? Se eu tinha deixado que minha mãe morresse antes que eu pudesse fazer algo?

As pessoas dizem que há sete fases para se superar o luto, mas parece que eu estou vivendo ele em um loop infinito, todas as vezes que eu me lembro dela, da minha mãe, eu só consigo sentir um vazio dolorido se abrindo no meu peito, e antes mesmo que eu consiga respirar fundo, estou chorando sem ter a mínima vontade de levantar da cama.

Faz uma semana que minha mãe teve morte cerebral e o hospital me ligou avisando, faz só uma semana, porque todos os dias quando acordo sinto que acabo de receber a notícia, todas as noites eu durmo achando que é só um pesadelo, e quando acordo ele ainda é real. Tão real quanto a escuridão do quarto e o fato de eu e Hylla só estarmos dormindo no quarto de nossa mãe, tentando sentir um último cheiro de seu perfume antes que ele saia das cobertas. Esse é o nosso pior pesadelo.

E tem as mensagens no meu celular, elas não param de chegar, a maioria delas desejando pêsames que não fazem sentido e perguntando se eu estava bem. O que essas pessoas esperam que eu responda? Que eu estou pulando de alegria?

Eu já nem sei mais quem eu sou, e o pior, hoje está destinado a ser o segundo pior dia de todos, porque vai ser a missa de sétimo dia da morte da minha mãe. Ela iria querer isso, mas só de pensar em estar na igreja com todos me encarando enquanto eu tento não chorar... Isso parece demais. E sei que Hylla sente o mesmo.

"Pronta?" ela pergunta, Hylla está com um macacão preto e por cima dele está um casaco preto, peludo e grosso, "Tio Marte está esperando pela gente."

"Eu não sei se consigo levantar da cama."

"Eu sei." ela diz segurando as lágrimas, "Ainda me pergunto como eu consegui sair, mas você já está vestida, e eu sei que dentro do seu coração vai encontrar um pouquinho de força para uma última homenagem à mamãe."

"Vou?"

"Vai sim, você sempre dá um jeito."

"Eu não consegui dar um jeito na cirurgia da mamãe, e eu cheguei tão perto, se ela pudesse esperar até essa semana, eu faria a apresentação e ganharia por ela."

Hylla se aproxima me puxando para um abraço.

"Quando é a final do concurso?"

"Hoje," eu digo, "Vai ser ao vivo."

"E vocês vão se apresentar?"

Dou de ombros, aquilo já não importava mais, o objetivo pela qual eu comecei aquilo já não estava mais ali. Eu sinceramente não me sentia disposta a dançar com tanto peso dentro do meu peito e a falta que a minha mãe fazia.

"Que horas você deveria estar nos bastidores do programa?"

"Eu não quero me apresentar," explico, "Não faz mais sentido."

"Eu só perguntei que horas aconteceria, ia ser legal poder ao menos ver como Piper, Leo e Jason vão se virar."

"Vai acontecer às nove da noite."

"E eles já sabem que você não vai dançar?"

"Sabem, e eles entendem. Eu fico um pouco mal de ter feito eles irem até o fim e, no final, desistir, mas eu não me sinto bem para isso agora."

"Dançar, hm?" Hylla pergunta, "Sabe, eu sei que a falta da mamãe dói, e está doendo em nós duas, e por mais que eu queira ficar aqui nesse apartamento para sempre, você sabe o que a mamãe diria... Ela primeiro contaria sobre como foi difícil perder o papai tão cedo, mas depois ela olharia para a gente daquele jeitinho dela e diria..."

"O sol vai se pôr e voltar a nascer, a terra vai continuar girando independente do que aconteça, então só siga em frente, cariño." Nós duas dizemos ao mesmo tempo.

"A memória da mamãe não precisa ser só tristeza, ela provavelmente ressuscitaria se te visse desistindo dos seus sonhos."

"O meu sonho é que ela ainda estivesse viva."

"E quando ela ainda estava viva, Rey? Qual era o seu sonho?" A voz de Hylla é veludo puro, mas as palavras me esfaqueiam com um sentimento ruim que não consigo identificar.

Eu fico em silêncio por um minuto, é difícil pensar no antes quando o agora quer se fazer tão presente, então eu prefiro mudar de assunto.

"Vamos para a igreja."

[...]

Não é como o enterro, não tem o caixão da minha mãe ali com ela rodeada de flores e com o aspecto falso de quem está apenas dormindo. Não, a missa de sétimo dia é mais normal do que eu imaginava.

É uma missa comum, a única coisa que a torna especial é o fato de chegarmos antes para pedir à secretária do local que digam o nome da nossa mãe nos ritos iniciais e finais e pagar uma taxa de cinco dólares.

Aquele era o valor da lembrança da minha mãe: cinco dólares.

Eu não consigo pensar muito sobre o que acontece durante a cerimônia ou em quem está ali para homenagear minha mãe, é apenas um borrão dentro da minha cabeça pensando onde eu errei e tudo o que poderia ter feito enquanto ela ainda estava viva, no final, sei que a culpa não é minha, ela queria partir, mas mesmo assim, é como se minha cabeça não entendesse. A culpa persistia.

Me pego fazendo uma prece para minha mãe pedindo para que ela seja meu anjo da guarda, para que ela me mostre o que eu preciso fazer para seguir em frente e nunca me deixar esquecê-la, eu peço um sinal de como superar tudo isso.

Alguém me cutuca enquanto eu termino a minha prece, e quando eu finalmente abro os olhos, Piper está ali. Ela usa uma combinação escura de azul e vermelho e seus cabelos que geralmente ficam trançados estão num rabo de cavalo alto. Não há nenhuma maquiagem no seu rosto, e por isso posso ver como seus olhos parecem inchados de choro. Ela me entendia.

"Oi." digo num sussurro choroso.

"Eu sinto tanto." e pela maneira que ela fala, eu sei que sente, ela sente tanto quanto eu, e isso também fica explícito em seu abraço apertado e a maneira como me acolhe quando eu começo a chorar sem me importar se a missa terminou ou não.

Ela não me solta e eu não tenho coragem de me soltar dela.

"Como você está? Do fundo do seu coração." ela pede, e não é porque quer fazer uma pergunta superficial, é porque ela quer saber como pode me amparar.

"Como se eu estivesse presa dentro do meu pior pesadelo e não conseguisse acordar. Eu consigo sentir tantas emoções dentro de mim que sinto que vou explodir, e ao mesmo tempo, não queria ter saído da cama hoje. Torna tudo mais real."

"Eu não consigo imaginar tanta dor, mas eu sei que você não teria desmoronado se não fosse uma dor intolerável. Eu quero que saiba que, independente de qualquer coisa, sua mãe está orgulhosa de você."

"Obrigada."

"De nada," ela diz, e acrescenta: "Hylla falou que você não se sentia bem para dançar hoje, eu vim aqui para te dizer também que se você não achar que consegue dançar, tudo bem, eu e os meninos vamos nos esforçar o bastante para dedicar essa final para sua mãe e vencer."

"Dedicar essa final para a minha mãe?"

"É! Querendo ou não foi a tia Bellona que fez a gente chegar até aqui, foi por ela, e ela merece essa homenagem." Explica, "E talvez assim alguma ONG comece uma campanha para facilitar essa conscientização sobre doações de órgãos e etc."

"Obrigada." é o que sai do fundo da minha garganta, eu me aconchego no abraço da minha melhor amiga de novo e choro ali até que Hylla me chame para irmos embora. Eu entro no carro e algo passa pela minha mente automaticamente enquanto seguimos de volta para casa.

Mãe, penso, me manda um sinal se eu deveria tentar dançar na final, por favor, se eu vou ter forças para isso.

O carro em que eu havia entrado para num solavanco e é aí que eu vejo um anúncio aéreo da final do concurso.

Eu só posso estar ficando louca, penso.

"Tio Marte, teria como o senhor me deixar na avenida com a Broadway?"

[...]

As luzes estão apagadas e tem gelo seco o suficiente para que eu duvide da minha marcação na coreografia. As duas apresentações antes da nossa só tirou ainda mais da minha confiança.

O tema da final era ritmo eletrônico, o que sinceramente era uma pegadinha. Todo mundo sabe que na música eletrônica é você quem faz a dança, então é óbvio que os jurados querem ver se tudo o que conseguimos fazer é gravar coreografias ou se realmente conseguimos dançar.

A última apresentação conseguiu transformar "I Gotta A Feeling" do Black Eyed Peas em uma dança sobre prova de escola, literalmente colocaram um dançarino solo para ser o estudante com mil pensamentos enquanto fazia uma prova. E pareceu a coisa mais interessante do mundo. Eu faria milhões de provas escolares se fosse da maneira como eles dançaram, eles pareceram reproduzir aquelas cenas da Disney quando algum personagem está perdido ou bêbado ou tendo pesadelos.

Ainda sim temos gelo seco, e se tudo der certo, minha mãe estará disponível para cuidar da gente, ser o nosso anjo particular.

De repente começa o primeiro verso, as luzes ficam mais atentas em destacar a fumaça e deixar com que eu, Piper, Jason e Leo pareçamos fantasmas, vultos. 

Wish that you could build a time machine
So you could see
The things no one can see

Nós fazemos uma roda, girando em torno de nós mesmos, fazendo o gelo seco subir e praticamente grudar em nossas roupas brancas. O vestido que eu e Piper usamos se infla no meio da neblina no palco e quando os quatro de nós unimos as mãos e rodamos num círculo mais aberto, o efeito do vestido é suficiente para esconder que Jason e Leo estão escondidos por baixo da neblina quando paramos. 

E então só tem eu e Piper no palco, iniciando um padrão de danças diferentes pelo tempo, danças tradicionais e culturais, e até mesmo históricas, como a vitoriana. Com a organização que fizemos previamente, eu e Piper só precisamos ficar de costas uma para a outra e fazer posições de espelhos antes que os meninos apareçam novamente no palco com uma cambalhota no ar e depois deslizando pelo chão como um astro de rock. Quando eles fazem referência para tocar nossas mãos, parece como aquela pintura famosa de quando Deus e Adão estão prestes a compartilhar um toque de dedos. 

Feels like you're standing on the edge
Looking at the stars
And wishing you were them

As luzes piscam, e eu me concentro em fazer o passo certo, tomando impulso e me jogando em cima de Jason em tempo suficiente para que ele me ampare e me rode no ar, finalizando na pose final da Baby de Dirty Dancin', e não apenas isso, tendo força o suficiente para que eu usasse da barra do meu vestido para deslizar como uma daquelas artistas circenses. Eu não sei direito os passos que Piper e Leo estão fazendo, eles devem ser o casal solista da dança. Eu e Jason somos apenas um plano de fundo, uma espécie de relógio, nos dividimos nessa dupla por termos alturas mais parecidas, e portanto, menor dificuldade em fazer tantos movimentos de subida e descida. 

‪What do you do when a chapter ends?‬

‪Do you close the book and never read it again?‬‪Where do you go when your story's done?‬‪You can be who you were or who you'll becomeOh-oh-oh, oh-oh-oh oh, if it all goes wrongOh-oh-oh, oh-oh-oh oh, darling just hold on

Pelo canto do olhos posso ver um pouco da coreografia de Leo e Piper, a maneira como aquela parte da música faz com que façam passos que exigem mais de uma dupla. Eles buscam a mão um do outro e se aproximam como se fossem um livro se fechando, e então dão um giro para dentro onde os dois giram, e quando as notas altas se aproximam do refrão, posso ver a maneira como Leo dá impulsos para os pulos e piruetas de Piper para que termine resgatando seu corpo antes que ela se encontre com o chão.

1, 2, 3 e 4, 5, 6, 7 e 8.

Conto mentalmente o ritmo para que eu possa manter o foco na coreografia. Enquanto Piper e Leo mantém um jogo de dança em casais sendo o centro da apresentação, Jason me levanta como antes, mas dessa vez me dá impulso para que eu dê uma cambalhota aérea para trás, rapidamente passando por suas costas e depois por debaixo de suas pernas. 

A maneira como deslizo pelo chão destrói meu coque frouxo se desfaz como previsto e eu balanço mais a cabeça para dar um visual ainda mais caótico, a dança de Leo e Piper circula para o fundo e Jason desliza para o chão para se juntar a mim. 

‪The sun goes down and it comes back up
‪The world it turns no matter what

Oh-oh-oh, oh-oh-oh oh, if it all goes wrongDarling, just hold on

O verso toca, Jason passa suas mãos pelos meus braços e eu lhe dou um breve sorriso terno, ele coloca suas mãos em cima das minhas e de braços estendidos, ele guia seus movimentos como se estivessemos dando uma volta ao mundo, mas é apenas movimentos de 180 graus para a esquerda e depois para a direita, finalizando com um giro que nos separa e depois me puxa de volta para ele, enrolando nossos braços e nos deixando próximos. Posso sentir como nós estamos ofegantes e desejo que as câmeras não consigam enxergar isso, o trabalho de um bom dançarino é execultar a dança mais complexa de todas como se fosse fácil.

Jason me olha como um aviso, indicando que falta pouco para que a música acabe, e de fato posso sentir isso. Eu queria que acabasse, mas ao mesmo tempo não, pois havia sido o maior tempo em que me concentrava em outra coisa que não fosse o luto. 

Eu não queria voltar a me focar no luto. 

Oh-oh-oh, oh-oh-oh oh, darling, just hold on
Oh-oh-oh, oh-oh-oh oh

Jason se desenrola de mim e eu o puxo para o chão de uma forma em que ele rola sob minhas costas antes de ficar em quatro apoios no chão. Eu faço o mesmo gesto para deslizar por suas costas antes de me ver na mesma posição que ele, porém, meu passo exige que eu deixe as pernas alongadas para dar uma maior sensação de leveza.

Sinto um peso sob minhas costas logo depois e Piper fica ao meu lado em quatro apoios. Posos ouvir a plateia ficar confusaJason se desenrola de mim e eu o puxo para o chão de uma forma em que ele rola sob minhas costas antes de ficar em quatro apoios no chão. Eu faço o mesmo gesto para deslizar por suas costas antes de me ver na mesma posição que ele, porém, meu passo exige que eu deixe as pernas alongadas para dar uma maior sensação de leveza.

Sinto um peso sob minhas costas logo depois e Piper fica ao meu lado em quatro apoios. Posso ouvir a plateia ficar confusa e esperar por uma finalização boa, uma que lhe faça ficar surpresos. 

It's not over 'til it's all been said
‪It's not over 'til your dying breath
‪So what do you want them to say when you're gone?‬
‪That you gave up or that you kept going on?

Ainda em quatro apoios, eu, Jason e Piper fazemos uma pequena onda através de uma corrente de braços, a ideia é que o solo de Leo nos dê uma ambientação de ondas se quebrando contra rochas. Foi uma ideia de Leo, ele disse que em todos os melhores filmes de danças e superações tem uma cena solo com rochas e ondas quebrando contra elas. Ele fez um slide sobre isso.

E eu percebo que acertamos em lhe ouvir, porque posso ver o fascínio do público durante o solo de Leo, e pela empolgação quando ele faz uma cambalhota e pousa em pé em cima de mim, Piper e Jason, posso sentir que seus passos foram precisos. 

Quando ele dá impulso novamente, é questão de tempo até que ele esteja ao lado de Piper na mesma posição que nós, e é quando fazemos uma ponte seguidos de passos arriscados e acrobáticos para formar a estrutura de um laço branco em pé. O gelo seco dá a ideia de drama que estávamos esperando e assim finalizamos nossa apresentação. 

A platéia aplaude alto e eu quase me sinto surda por tamanho barulhos, demora tanto tempo para que possam controlar a situação que é feita uma chamada de emergência para os comerciais.

É só quando o contra-regra diz que estamos fora do ar que tudo se acalma e assistentes são enviados para nos dar garrafas de água enquanto aguardamos ali que consigo voltar a respirar. Acabou, fizemos nossos melhor, agora só temos que esperar a decisão dos jurados e voltar para os bastidores até que estejamos com o resultado da final.

Demora pouco mais de cinco minutos para estarmos de volta ao ar, até que o apresentador chegue ao palco, os assistentes já tiraram o gelo seco do local e recolheram as garrafas de água vazias. 

Ele se aproxima de nós com um sorriso imenso no rosto, e demorou um pouco para que eu finalmente percebesse o quão sincero ele é por estar ali, é quase milagroso saber que todos ali do set e da produção são compreensivos e parceiros. 

"Wow, alguém avisou para vocês que isso aqui era um show amador?" ele começa com uma piada para quebrar o gelo e nós rimos junto com a platéia, "R, P, J e L, vocês deram o que falar essa semana, na verdade, desde a primeira audição, já passamos vídeos de como foi a trajetória de vocês aqui e como trabalharam duro todos os dias. Antes das notas dos jurados, gostaria que nos dissessem porquê deveriam vencer esse concurso."

Respiro fundo e espero que algum de meus amigos assuma o microfone, mas Leo me empurra em direção ao microfone antes que outra pessoa de nós fale por mim.

"R, conta pra gente!" o apresentador incentiva. Eu sinto minhas mãos ficarem suadas quando ele posiciona o microfone na direção da minha boca, e é possível até ouvir minha respiração pesada antes que eu realmente consiga falar.

"Na verdade, o motivo já não está mais aqui entre nós." eu digo e prometo a mim mesma que não vou chorar antes dos resultados finais, preciso ser forte para todos ali, "O motivo de nós estarmos aqui hoje é porque minha mãe estava precisando de uma cirurgia em que minha família não seria capaz de arcar, chegamos aqui para que ela tivesse uma chance." respiro fundo e tento controlar a voz para que ela não embargue, e sei que dou tossidas excessivamente para ofuscar esse efeito, "Ela está orgulhosa agora e está tendo uma chance de me proteger lá de cima. Ela é meu anjo da guarda, nosso."

Ouço aplausos e não demoro para ir para os bastidores junto com Piper, Jason e Leo. Aquele era o meu discurso, eu tive o meu momento e eu estava em paz. Onde quer que minha mãe estivesse, agora eu tinha certeza do quão orgulhosa ela estava.

[...]

É um pouco mais de uma da manhã quando volto para casa, o sentimento de que algo está faltando ainda se arrasta por todo o local, parece não querer passar, mas eu sei que vai. 

Jogo minhas coisas para o lado e vou até o quarto de minha mãe, Hylla está dormindo lá, e eu já iria me juntar à ela, assim que eu tomasse água, fosse ao banheiro, trocasse de roupa e visse o vídeo que Piper havia me mandado no WhatsAap.

Minhas pernas estão realmente doloridas quando eu me sento de pijamas na mesa da cozinha bebendo água enquanto dou play no vídeo de Piper. É um trecho que ela achou nas redes sociais com os resultados da final do concurso Baila Conmigo daquela noite.

"E, com nota 10 pelos jurados, 10 pela platéia e 10 pelos especialistas, temos o grupo vencedor do concurso Baila Conmigo que ganhará não só bolsas de estudo na Academia de Dança Olympus como também o valor de cem mil dólares em cheque..." O apresentador fala animado, sons de tambores soam pelos alto-falantes e a câmera contorna os rostos de dançarinos de todos os grupos restantes na final, o meu parece tão tenso e fechado que eu me sinto estranha, "O grupo Mascarade Now! R, J, P e L subam no palco para pegar o prêmio!"

Todos nós parecemos atônitos quando a câmera foca em nós e parecemos uma bagunça comemorando e recebendo o prêmio, a plateia aplaude e tem papel repicado caindo sobre todo mundo enquanto uma música animada ecoa por todos os lados. O apresentador se aproxima de nós e pede um discurso final, eu estou chorando demais para falar, então é Piper quem assume o microfone. 

"Esse prêmio é dedicado à memória de Bellona Ávila Ramírez-Arellano que desde o princípio nos incentivou a dançar e correr atrás dos nossos sonhos, entramos nesse concurso para que ela tivesse uma chance de estar nos vendo aqui hoje, mas agora que ela está nos vendo lá de cima, pedimos que todos os telespectadores se conscientizem e doem órgãos para que uma próxima dançarina talentosa e seus amigos possam correr atrás dos seus sonhos também."

O apresentador passa o microfone por nós bem no momento em que eu sussurro um "eu consegui, mãe", e é o suficiente para que ele pare e espere eu fazer algo. E eu faço. Eu revelo a identidade de todos no grupo: Reyna, Piper, Leo e Jason.

O vídeo acaba assim como a água que eu estou tomando e eu me sinto leve o suficiente para finalmente ir dormir no quarto da minha mãe de peito aberto e sem tristezas.