Abrace o que Sobrar escrita por Cathy Thesaurus


Capítulo 1
O Miserável




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O vento bagunçava os cabelos castanhos já meio grisalhos pelo tempo. As paredes pulsavam como se sentissem sua presença há tanto tempo esquecida.

Uma senhora distinta de conjunto de saia e terninho pretos, cabelos muito bem tingidos, olhos verde-azulados profundos em tristeza assinava alguns papéis no balcão próximo à entrada.

Jovens enfermeiras passavam por ele - aquele senhor que permanecia estático observando cada relevo, cada desenho que enfeitava a grande área.

- Senhor, a clínica é naquele corredor. – disse gentilmente uma moça no auge dos seus vinte anos.

A senhora de olhos tristes desviou os olhos das pastas e um sorriso nasceu em sua face enrugada. Ela caminhou em sua direção e abraçou-lhe surpreendendo aos funcionários.

- Como a Rachel está? A última vez que eu a vi ela tinha três anos. – perguntou fugindo do assunto que lhe levava àquele lugar.

- Então faz muito tempo que você não a vê... – pausa.- Por que não nos vemos ao fim do dia? Você conversa com quem quiser, resolve seus assuntos e no fim de tudo falamos sobre os velhos tempos. Hein? – uma lágrima pedia permissão para rolar.

- Tudo bem, Lisa?

- Vá explorar o nosso hospital, sim?

- Você indica algum lugar para começar?

- Termine em nosso pequeno refúgio, nos encontramos lá. – e saiu andando com as mãos em frente ao corpo impondo respeito.

Ele sorriu levemente e foi andando seguindo a doce enfermeira indo em direção à clínica.

Os cabelos loiros sobre os ombros e o sorriso sincero fizeram seu coração aquecer-se novamente vendo-a fazendo carinho na cabeça de uma criança e acalmando sua mãe explicando que não era nada grave.

Ela foi caminhando para pegar mais pastas quando o viu e soltou uma gargalhada.

- O Foreman e o Chase já tinham começado um bolão sobre quanto tempo depois daquilo você havia morrido. Eu fui a única a dizer que você estava vivo, eles me devem dinheiro. – com a mão na cintura olhou a forma daquele homem dos pés à cabeça.

- É bom saber que alguém ficou do meu lado. – quis gargalhar, mas algo prendeu a gargalhada na garganta.

- Me diga que você voltou pra trabalhar aqui. – seus olhos brilhavam como há anos haviam deixado de fazer.

- Acho que o novo oncologista-chefe é tão competente quando eu, provavelmente mais. Então... Departamento de Imunologia.

- Pois é... – um silêncio instaurou-se entre os dois.

- Como você... – olhou para os pés formando em sua cabeça o que diria. – Cameron, como ficou sua vida depois que ele se foi?

A pergunta pegou-a desprevenida, apesar de se preparar todos os dias para ela, era difícil dizer coerentemente como tudo ficou após a morte de Gregory House.

- Eu... Eu e o Chase nos casamos, mas é sempre como se ele falasse do House para me irritar de certa forma. Como se quisesse me ver vulnerável, usando a memória dele pra me abalar. Eu amei muito o House, Wilson... Acho que todos sabiam disso, ele inclusive. Eu tive a oportunidade de um encontro, eu tive a chance de beijá-lo, só que ele nunca deixou ninguém entrar... A morte dele veio para provar que certas pessoas entram nas nossas vidas nos marcam e saem sem que as conhecêssemos.

Eles se olharam significantemente, Wilson balançou a cabeça, deu um beijo na face dela e disse:

- Vou estar no hospital até o final do dia... Vou ver como as pessoas estão.

- O Taub e o Kutner estão na salinha jogando pinball. – um sorriso se formou em seus lábios enquanto seus olhos encharcavam-se.

Com as mãos nos bolsos foi caminhando até a sala, onde percebeu que a decoração não havia mudado, camadas e camadas de tinta da mesma cor, móveis provavelmente reformados... Era um santuário de lembranças.

- Você está reparando que você está discaradamente roubando no PINBALL? – falou Kutner juntando as sobrancelhas.

- Você gosta que eu roube discaradamente algo seu. – confirmou Taub enquanto marcava mais um ponto. Wilson limpou a garganta fazendo os dois olharem.

- Posso me juntar à vocês? – apontando para o pimbolim. Kutner deu espaço para que ele também entrasse no jogo.

- Tudo bem, vocês fazem isso porque eu sou baixinho judeu. – Taub, marcando mais um ponto.

Já meio enferrujado, Wilson marcou poucos pontos. Aquele lugar todo lhe lembrava de vários pequenos ou grandes momentos... Ele resolveu perguntar.

- O que vocês sentiram quando o House morreu? – Kutner olhou para uma mancha na parede enquanto Taub estufou o peito incomodado.

- Ele era um médico brilhante e um homem desprezível. – resumiu Taub.

- Ele sempre tinha algo a ensinar, não esperava que o escutássemos, mas quase tudo ficou marcado. – Kutner falou olhando para Wilson que sorriu.

- Vocês têm horas? – perguntou Wilson.

- Meio-dia agora. – Kutner.

- Obrigado. Vou continuar minha caminhada... – e saiu pela porta que entrara mais cedo.

Ele vai caminhando em direção à cantina, onde encontra Foreman na fila para pagar, aperta seu ombro e diz:

- Posso almoçar com você e conversamos? – Foreman olhou para ele mostrando-se desesperado, e disse sim com a cabeça.

- Como você está? – perguntou Wilson.

Eric Foreman estava consideravelmente mais magro, olhos fundos como se não dormisse há muito, MUITO tempo.

- Ainda é difícil, sabe? No final da vida a Remy... Ela estava muito pior do que se não tivesse feito tratamento algum.

- As drogas falharam então...

- Completamente... Já faz um ano, ela até que durou mais, só que nenhum ser humano merece o estado em que ela estava. O House me avisou... – mordeu o lábio inferior já não contendo mais as lágrimas.

Wilson sentia uma séria compaixão e semelhança pela situação dele e ao mesmo tempo sentia como se toda a parte Amber de sua vida fosse pequena perto da dor daquele homem.

- Como... – Wilson começou a falar, contudo foi interrompido.

- Eu lembro como ela mudou com a morte dele, não sei se já era a doença falando mais alto, só que ela ficou paranóica, ficava repetindo vários chavões dele. Quando engravidou, ela queria Gregory, mas... Nasceu menina, ela pôs Janice. Eu não fazia mais parte da vida dela, o mundo inteiro era ela e suas memórias... - Wilson engoliu a saliva sem saber o que dizer. Foreman continuou a comer após a declaração.

- E você? Como ficou?

- Com a morte de quem? Do House? Da Remy? – silêncio. O barulho da cantina parecia mais alto naquele momento. – Da Remy eu não sai vivo, eu não estou aqui, não sou mais eu... Quando foi o House eu já estava cansado das comparações entre eu e ele, eu estava tão cansado que me fez pensar qual seria o meu fim e eu tive certeza que seria igual ou pior ao dele.

Eles terminaram de comer fingindo que aquela conversa não havia acontecido.

Já eram quase duas da tarde quando Wilson deixou Foreman, já na sala do Departamento de Diagnósticos, agora com o nome “Eric Foreman” escrito na porta.

Foi caminhando... Ainda faltava uma pessoa. Onde ele poderia estar? Parou em meio ao corredor olhando para os lados, quando algo lhe invadiu a mente.

 

Flash back.

- House, o que está acontecendo com você? – Wilson puxou o braço dele para que ele virasse para encará-lo antes de entrar em sua sala. Cuddy tentava conter para que os dois não brigassem.

- Você não sabe Jimmy Boy? – um sorriso sádico preenchia-lhe os lábios, os olhos desconexos, pupilas dilatadas, bolsas pretas sob os olhos.

- Eu sei que você está acabando com você.

- Engano seu Jimmy, estou acabando com todos nós. – entrou em sua sala sem olhar para trás.

Flash out.

 

- Wilson? – ele conhecia aquela voz que lhe tirou de suas lembranças, de seu devaneio. Lembranças essas que eram o grande motivo de sua volta à Princeton, era melhor deixar o motivo de sua vinda para depois, hora de falar com quem falta antes do fim da tarde.

- Chase! Estava te procurando... – afirmou ainda meio distante.

- Então vamos caminhando e ficamos na sala dos cirurgiões conversando, tenho uma cirurgia hoje, quero dormir naquele sofá...

Foram caminhando e conversando sobre coisas triviais até sentarem-se no sofá com a grande televisão em frente a eles, ao ligar a televisão estava passando reprise de um episódio de General Hospital.

Atrapalhadamente Chase tentou trocar de canal, preferiu desligar a TV.

- Topa jogar cartas? – sem graça.

- Tudo bem Chase... Eu vim aqui lhe perguntar sobre o House. – ao ouvir isso de Wilson, Robert disfarçou, levantou pegou uma latinha de refrigerante.

- Quer um? – oferecendo ao Wilson.

- Não, Obrigado... É sério, o que você sentiu com a morte do House.

- No primeiro momento nada. Como com a morte do meu pai, era como se nada tivesse mudado, mas depois eu me senti... Agradecido, ele estava certo ao me demitir, tudo que eu aprendi seja isso bom ou ruim foi graças a ele. Eu não chorei, na minha vida, ele fez o que tinha que ter feito, tendo ele sabido que marcou minha vida ou não.

Apertando o ombro de Chase, Wilson sorriu. Robert Chase abaixou a cabeça e deu tchau.

Já era próximo o final do expediente e por um minuto ele duvidou de onde encontraria Cuddy. Ela disse “nosso refúgio”, pensou na sua antiga sala, na varanda... Até que entendeu o significado de “nosso” ao lembrar da última vez em que a viu, no telhado.

 

Flash Back.

Eles ficaram parados, nenhum dos dois sabia o que dizer.

Por mais que disfarçassem suas vidas nos últimos anos girara em torno da vida daquele homem que haviam enterrado mais cedo.

- Eu vou embora. – falou Wilson. Cuddy não ousou olhar para ele.

- Eu não tenho como deixar isso daqui. Por mais que eu queira. A Rachel é pequena, ela é tudo que eu sempre quis, Princeton é uma cidade pequena e excelente pra criação tranqüila de uma filha, ainda mais sendo solteira...

- Não vamos falar dele? – Wilson.

- Não. – Cuddy. – Deixe que os anos respondam nossas perguntas.

Flash Out.

 

Ao chegar lá ela estava olhando para o horizonte onde o sol se punha e foi caminhando em sua direção.

- Por que você veio? – ela perguntou sem olhar para ele.

- Eu precisava saber se todos perderam o que eu perdi. – chegando ao seu lado.

- Você quer saber o que eu sinto? Você precisa extravasar, eu em momentos de velhice pinto quadros e vários tem alguma lembrança daquela época como inspiração. Nós sempre fomos muito parecidos. Eu sinto que você quer usar essas memórias em algo. As nossas memórias, pokers, porres, noites mal-dormidas, o piano tocando uma música aleatória...

- Eu estou escrevendo um livro. Ouvi dizer que nossos fantasmas dormem em paz quando nos expressamos em palavras. – ele parou de falar, sentindo que ela precisava se expressar.

- Nós tentamos namorar três vezes e as três falhamos miseravelmente. Eu amava demais o House e não tem um dia da minha vida que eu não lembre dele ou uma decisão que eu tomo que eu não imagino o que ele diria... Mas você sabe o que eu senti quando ele morreu? – finalmente olhou em sua direção, maquiagem borrada, as lágrimas escorriam pretas, porém a voz não demonstrava nenhuma comoção real, eram gotas de nostalgia que vertiam de seus olhos. – Eu senti alívio.

Ele não sabia o que dizer, era uma revelação e tanto.

- Nós nos conhecíamos há mais de vinte anos, ele estava na minha vida desde que eu tinha dezenove... Eu estava cansada, eu me senti aliviada como se ele tivesse podido descansar e eu também. – silêncio.

- Naquela semana ele nem conversou comigo, nós tínhamos... Nos resolvido naquele mês, não sei se você lembra. – pôs as mãos sobre os olhos pensando em como ele falaria aquilo. – Nós somos e sempre fomos realmente muito parecidos... Eu amei o House mais do que eu disse a ele, mas eu consegui demonstrar... Eu acho. Ele não era mais ele mesmo, ele piorou, era um monstro.

 

Flash Back.

Dessa vez não era só metadona, não era só vicodin, só Bourbon... Era tudo. A bebida ele não estava bebendo, a dor devia estar rasgante, pior do que jamais fora.

Era isso que eles queriam acreditar, Wilson conversou por meia-hora com Cuddy que disse que daquela vez, não poderia fazer nada, NADA.

No carro, no caminho para a casa, o apartamento 221B, ficou pensando no que poderia fazer e no que encontraria ao chegar. Estacionou o carro, ligou o alarme, andou, abriu a porta... Olhou pelo apartamento.

Encima do piano tinha um copo meio-vazio de algum líquido, parecia Bourbon.

- Não, não, não... Você não fez isso comigo. – largou o casaco sobre o sofá e aproximou-se do piano.

Abaixou-se, dessa vez, ele não chegou na hora certa, ele chegou tarde demais.

Flash Out.

 

- Eu sabia que ia perder ele. Quando ele morreu eu me senti... Sozinho. Eu era o único amigo dele e só quando ele partiu percebi que ele era meu único amigo. A gente tinha você, mas não era a mesma coisa... Você não confiava totalmente em nós e vice-versa. Eu me vi completamente sozinho.

- Como está em Nova York?

- Não é Princeton... – começaram a rir, ambos de olhos marejados.

Wilson foi embora com um sentimento de dever cumprido. Ao terminar o seu livro que de certa forma contava a vida de House do infarto na perna à sua morte e como influenciou todos à sua volta.

 

Epílogo de “O Miserável”:

Esse ser miserável era provavelmente a pessoa que mais amei na vida. Gostava tanto de fazer-se superior, de provar ser quase não-humano, desprovido de sentimentos que ficou marcado a ferro e fogo no coração de todos que conviveram realmente com ele.

O hospital continuou o mesmo, como se o esperasse entrar com duas horas de atraso.

Uma nova geração de médicos enche os corredores, as salas de cirurgia, os consultórios do Princeton-Plainsboro Teaching Hospital, pessoas que jamais terão o desafio de superar o brilhantismo de um homem impossível, de sobreviver são ao seu lado.

Um homem que conseguiu arrancar suspiros sem dar nenhum, inspirou fingindo não ter emoção, morreu deixando saudades mesmo sem saber que dele iriam lembrar eternamente.

No dia em que eu fui ao nosso hospital, completava quinze anos de sua morte, e era o último dia de trabalho de Lisa Cuddy, ela foi embora, libertou-se das memórias visuais.

E eu percebi, ao vê-los todos juntos que Gregory House ainda está ali, abraçando os restos e fazendo-os se juntarem.

O Miserável foi também a pessoa mais amada marcando a vida de aproximadamente oito vidas.

 

À memória de meu velho amigo, Gregory House.

 

 

FIM. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


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