O Império dos Titãs. escrita por Martinato, Monsieur Noir


Capítulo 20
Uma visita divina na hora H.




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/466192/chapter/20

Os alarmes me irritavam. Aquele berro monótono pairando pelo prédio todo não cessava um minuto sequer. Obrigava-me a relembrar dos momentos angustiantes dentro das salas de aulas, nos quais a minha vida toda eu desejei ser levado para um sátiro, longe daquele mundo hostil e caótico, repleto de intrigas, pessoas falsas e sempre uns querendo passar por cima dos outros, todavia, o que tirava o foco dos tempestuosos pensamentos, vinha do fato da velocidade absurda que o elevador daquele prédio possuía. Não dera sequer dois minutos e eu chegara ao topo do edifício, com as portas se abrindo e fazendo a brisa forte dos céus repelir o eco das sirenes ambulantes. O barulho se calou, trazendo apenas a calmaria dos sopros do Norte. Bóreas parecia estar de bem com a vida, já que o clima afastava o frio daquele ambiente, ou talvez, tivesse sido realizado meu desejo da noite passada, no qual tratava-se de eu implorar por calor naquela região esquecida pelo Deus Sol.

Caminhei tranquilamente pelo terraço, pequenos pedregulhos eram atirados para longe ou vez ou outra escorregavam pelas solas dos tênis que usava, por sorte não vinham em tamanha quantidade, podendo, por ironia, me lançar de bunda ao chão. Não que isso já tivesse acontecido comigo, por sorte não, mas já tinha presenciado bastantes acontecimentos vindo dessas pedras abençoadas pelo capeta.

Circulando a área do elevador, no qual se fechou e foi quase que de imediato ao térreo, deparava-me com um cercado de metal, nele, cabanas se esculpiam aos céus, com diversos andares, madeiras ornamentavam cada cela, dando direito e deixando claro o espaço de cada um dos equinos ou outros tipos de bichos que frequentassem aqueles locais, tinham.

Não sabia ao certo como explicar, mas a forma como se esculpia no ar, me deixava intrigado, me obriguei a certificar se aquilo seria, de fato, seguro para animais tão graciosos se alojarem, ainda mais quando se tratava do meu Pégaso. Rondando o local, finalmente me deparei com várias lacunas de metais, fortemente prensadas no solo e em várias outras, dando um suporte firme e incapaz de ser desmontado até mesmo por um furacão. —— Ótimo. —— Balbuciei aplicando um chute leve, no qual me providenciou uma pequena pontada de dor, mostrando o quão forme e forte eram aquelas construções. —— Estou convencido, cacete. —— Brigava com o objeto inanimado, massageando a ponta do vans.

Depois do devaneio, me recompus e obriguei-me a adentrar daquele cômodo suspenso. Depois de me aventurar tantas vezes em alturas inimagináveis, nas quais eu sequer pensaria chegar, ao ar livre, claro, a altura tinha deixado de ser um fardo e eu, por bênção de algum deus, deixei de ter aquela sensação paranoica de que cairia a qualquer momento se fosse descuidado. Até conseguia me sentar e balançar as penas sob nada abaixo e em centenas de metros. Sensações que em alguns anos atrás, explodiriam meu coração de nervosismo.

O portão de metal possuía uma trava, simples e de fácil manuseio. Puxei-a e o metal rangeu, vindo para frente e dando passagem. Assim que pisei na grama presente, barulhos ecoaram por todos os lados, mas desta vez não tratava-se do vento que aos poucos soprava mais forte, e sim, aquilo me intrigava.

Sinceramente, não queria recuar, e nem iria, por mais que estivesse desarmado, sabia que meu Pégaso estava lá e se alguma situação de perigo acontecesse, ele viria ao meu amparo, como sempre fez. —— Agasias? Aparece ai. —— Murmurei, e para o meu alívio, trotadas se proliferaram à algumas celas acima, cerca de quatro ou cinco, tinham dezenas por andar. "Senhor! Que bom revê-lo!" Sua voz invadiu minha cabeça, e ela latejou pelo grito. —— Ei, ei, calma, assim você frita meu cérebro. —— Respondi, vasculhando o local, mas sem sinal do corcel. "Me desculpe, espere só um minuto, já estou indo." Assenti e cruzei os braços, me apoiando num compartimento de comida automático, cujo liberava as refeições diárias para eles. Ao lado, havia um pequeno cômodo, mais parecido com uma prateleira, e em sua porta, continha um bilhete colado e escrito em português:


"Este bilhete está escrito assim,

para que os Pégasos não consigam acesso ao açúcar ilimitado.

Caso queira alimentar um, diga MENTALMENTE:

Comando Resistência: açúcar, aperitivos, 01."

Lendo-o, pensei na frase exata, mas sem que minha telepatia fornecesse tal informação ao meu equino, seria uma dor de cabeça tremenda caso ele começasse a nova era de açúcar liberado por conta dos semideuses da Resistência. Se uma criança fica quase incontrolável com muita glicose em seu corpo, imagine Pégasos grandes, fortes e completamente loucos? Acho que nem o próprio Poseidon conseguiria acalmá-los.

A porta, instantaneamente se abriu, nem precisei mover um dedo. Dentro, tinham exatas sete prateleiras, e ao centro, na quarta, um pote com vinte torrões brancos e açucarados se destacava, com sua tampa avermelhada e o pote transparente. Soltei um leve sorriso e o peguei. Esse tal criador realmente era engenhoso. Mas tinha quase certeza que tratava-se do famoso cozinheiro Yash.

Finalmente, do quarto andar, encontrei as longas patas brancas do meu cavalo, que corriam céleres até o meu encontro. Suas asas estavam junto ao corpo, era difícil passar pelos becos criados ali, mas tinham espaços suficientes para que o fluxo deles fossem livre e sem problemas, contanto que andassem daquele modo. Ele saltou e abriu as asas, tomando altitude, planou um pouco acima de mim e pousou no terraço, um pouco distante do muro que os separavam de lá.

Tentei esconder o pote entre o casaco do Leão que carregava comigo, após ter o pego no meu dormitório, quando o sátiro quase jogou na minha cara que eu deveria ficar com ele ou fazer um bom proveito deste. —— Ocupado, é? —— Caminhei até sua direção, mas ele com seu longo focinho, começou a fungar a manta do Leão. "Nossa! Você conseguiu uma manta do Leão de Neméia?" Minha pergunta foi totalmente ignorada, mas o perdoei por isso, afinal, não era todo dia que alguém matava um daqueles monstros. —— Bom, sim, foi difícil, e claro que eu tive muita ajuda. —— Nunca fui de me exibir, e com isso, contei detalhadamente os fatos da noite, apesar dele, durante a explicação, ter achado os açúcar e implorado para eu lhe dar alguns enquanto falava, e obviamente, cedi ao pedido dele, quando me encarou com os enormes orbes negros.

Quando terminei, o quadrúpede empinou e relinchou bem alto, parecia ter se inspirado bastante e se motivado. "Ah, da próxima vamos lutar juntos, senhor! E com certeza acabaremos com vários, igual aos Grifos daquela tarde!" Sua euforia estava presente em cada palavra dita, mas o pesar invadiu meus sentimentos, como contaria a ele que estava planejando fugir? Foi ai que me lembrei dos barulhos e a demora que Agasias ocasionou. —— Mas me diga, por que demorou tanto? E... Quem mais está ai? —— O cavalo, mesmo inexpressivo em seu rosto, virou-se, deixando na cara que tratava-se de um assunto delicado. "Bom, não vou explicar, apenas chamá-los. Pessoal!" Foi então que vários Pégasos, grandes, musculosos, outros pequenos e inofensivos, foram saindo das casas, levantaram voo, planando como Agasias e pousando ao nosso lado. A minha sorte que os torrões tinha acabado e eu já tinha jogado no lixo o pacote tirado outrora.

Logo, o terraço estava dominado por cavalos, e eu era o centro das atenções. Bom, podia dizer que era um sonho realizado, e com muito mais, afinal, eles podiam voar e falar comigo! tinha coisa mais incrível? No momento, na minha cabeça, vazia e contemplada com o momento, nada havia. —— Nossa, isso é incrível! —— Meus olhos se arregalavam e ardiam por ficar com eles abertos tanto tempo sem piscar. Na minha mente, piscar seria uma ofensa ao momento que presenciava. "Você tem sorte, senhor, eles nunca aparecem totalmente. Apenas os que deixaram ser montados se mostraram aos membros desse lugar." Engoli seco, nunca tinha tido tamanha honra como estava tendo nessa tarde.

O brilho ofuscante do sol foi substituído por uma sombra, ela passou por mim duas vezes e eu usei o antebraço como uma aba de boné, para que o sol não danificasse minha visão. Não delongou e logo um corcel magnífico pousou ao lado de Agasias, era fêmea, seus cílios delicados, podiam ser visto de longe, assim como a crina caída e penteada em curva, jogada para o lado esquerdo. Uma bela égua e ainda por cima, educada e repleta de honra, pois na minha presença, se curvou, esperando meu consentimento de que sua vinda estava permitida, contudo, conforme ela executou o movimento, os demais cavalos a imitaram. Ela era uma espécie de líder daqueles quase indomáveis Pégasos.

Me aproximei, com cautela, tocando seu rosto pelo lado, com ajuda do meu braço e um pouco de força, ergui-a, e encarei seus olhos cinzentos. —— Não é preciso tudo isso, senhorita. —— Eu definitivamente não tinha ideia de como me proferir a ela, e Agasias pareceu notar e eu podia jurar tê-lo visto rir. "Me desculpe, mas nunca tivemos a honra de um filho de Poseidon nos visitar antes." Sua voz era bastante delicada, e tinha certeza de que se ela fosse uma ser humana, seria tão linda quanto algumas filhas de Afrodite. —— Oras, sem cerimônias, aliás, nenhum de vocês precisa dessa cortesia toda. Me sinto honrado por me tratarem assim, mas eu não sou nada demais. —— Meus braços faziam movimentos repetitivos, indicando o quanto eles exageravam e que medissem as suas ações, traduzindo, pedia menos, bem menos.

Um a um, eles iam se levantando e os filhotes se aproximavam de mim, rodeando minhas pernas como gatos, curiosos com o meu casaco, minhas roupas, e até com as partes do meu corpo, como braços, joelhos, pernas, etc. Alguns outros Pégasos relinchavam e os filhotes de afastavam, talvez fossem suas mães, pedindo para não me encher, mesmo eu não ligando. Acariciei todos que pude e tentei fazer daquela cena interminável.

Agasias se aproximou, abrindo caminho, junto com a fêmea ao seu lado. Ele andava ereto, como um líder nato, e ao seu lado, a Pégaso também mantinha um andar idêntico. —— Hm. —— Murmurei o provocando e os cavalo me advertiu com um leve tapa com sua asa esquerda, tínhamos criado tanta intimidade que somente o seu modo de falar tinha ficado educado, porém, não liguei, eu gostava desse tipo de relação. "Senhor, agora que podemos, gostaria de apresentar Helena." Mais uma vez, a reverência. Felizmente consegui cortar ela antes de terminar o ato respeitoso. —— Muito prazer, Helena! E por favor, chega disso. Eu sou Marti, meu apelido, mas meu nome mesmo é Vinicius, Vinicius Martinato, por isso do apelido e tals. —— A égua tinha um brilho visível nos olhos e eu me perguntava o porque disso, mas minhas respostas foram sanadas quando ela começou os dizeres. "Incrível, nunca imaginei que os filhos de Poseidon fossem tão... Liberais. Não que isso seja uma ofensa, senhor. Mas, é incrível." Soltei uma leve risada e me sentei no mesmo compartimento de antes. Eles seguiram meus passos e alguns voltaram aos seus afazeres, outros zanzavam pelo terraço, ou voavam próximo do teto. Gostavam de manter o anonimato.

Apoiei as minhas mãos atrás da nuca, relaxando um pouco. —— Ah, essa de cortesia pra cá, cortesia pra lá... Eu não sou nada demais, gente. Sou apenas um jovem, tá, tudo bem, sou filho de Poseidon, mas cara... Ele é o figurão, não eu! —— Ri, e pude ouvir as risadas dos dois penetrarem minha cabeça, o que me alegrou, afinal, não seria legal fazer uma piadinha e só eu mesmo ri dela. —— Mas então, Agasias... Sinto que tá faltando alguma coisa nessa apresentação. —— O mesmo elevou suas orelhas e arregalou um pouco os olhos, interpretei aquilo como um sinal de vergonha e surpresa. Juntos. Como se alguém chegasse e falasse: "Ei, você é a fim de tal garota, né?" E fosse ela mesma.

O Pégaso cavou um pouco o chão com suas ferraduras e se enrolou todo para continuar dizendo as palavras, que simplesmente não saiam. "Ai! Ele é todo corajoso para espantar as Harpias de ontem, e agora não consegue dizer uma coisa tão simples e visível? Francamente, Agasias! Seguinte, Marti, estamos juntos, desde que ele me salvou. É isso." Confesso que fiquei bastante feliz, mas a inveja tomou conta de mim, puta merda, até o meu cavalo tinha uma namorada e eu não. —— Ai sim, ein garanhão? —— Eles me olharam, confusos. —— Ah, desculpa, normalmente isso é legal para nós. —— Por sorte eles foram compreensivos e não pediram para eu explicar.

[...]

Jogar conversa com o novo casal foi incrível, as coisas fluíam bem para Agasias, até o momento em que contei para ele os meus planos, Helena também se ofereceu para ir junto comigo, tranquilizando o corcel que apoiava a ideia, mas tive de contradizê-los e usar a frase que pensara jamais ter que usar: "E isso é uma ordem, ou querem questionar um filho de Poseidon?" Não tinha ideia do quão ressentido Agasias ficou, mas ele estava bem acompanhado agora, e se os deuses permitissem, poderia até mesmo iniciar uma família. Ele não podia ser egoísta a ponto de abandonar tudo aquilo. Eu não abandonaria.

Esperava o elevador, e alguns filhotes ainda me espiavam de longe, quando olhava, eles recuavam e voltavam aos seus esconderijos nada bons. Podia ver a calda de um, patas de outro, a cabeça de mais um e o corpo inteiro praticamente de mais outro. Ria suavemente enquanto o elevador não chegara, ele parava em cada andar e tardava cerca de cinco minutos, deveriam estar interditados com a chegada de todos os outros semideuses que antes estavam no Acampamento quando este foi atacado.

As pontas finalmente se abriram, este se encontrava vazio é claro, até porque o único louco de ficar zanzando naquela área seria eu. Entrei, acenei para os Pégasos pequenos, que pularam de seus esconderijos e fizeram algumas graças como empinar, relincham e etc. As portas se fecharam instantaneamente, quando apertei o botão para o andar de número trinta e três (33). Local em que minha cama se encontrava com outras centenas.

Os andares trinta e três e trinta e dois eram dormitórios masculinos, o trinta e um e trinta, femininos, já o vinte e nove, banheiro e vestiário feminino e o vinte e oito, banheiro e vestiários masculinos. Se alguém ousasse entrar de fininho para espiar, a mágica tomava conta do engraçadinho e o expulsava com ondas elétricas sendo miradas nos países baixos. Cada andar tinha essas engenhocas fincadas nas paredes, que se ativavam quando preciso.

Quando o andar parou, encontrei o recinto totalmente vazio, o que praticamente seria impossível de encontrar. No quadro negro que existia em cada andar, se não fosse no sétimo, que seria do de avisos gerais, em vermelho se destacava-se o alerta:

"Todos os membros da Resistência, favor dirigirem-se ao andar térreo. Aos novatos, aguardem a organização!"

Dei de ombros e dobrei meu manto, seja lá o que ele significasse, descobriria mais tarde, além do mais, tinha de focar nos planejamentos antes de sair de lá sem que percebessem minha fuga.

Escondi o casaco debaixo dos meus travesseiros, e me deitei com o corpo virado para a parede. A sombra invadia boa parte do meu lado, visando que várias beliches se posicionavam na frente das janelas existentes. Não tive dificuldades em adormecer, pois sonecas no meio da tarde eu fazia sempre que podia, antes dessa vida começar.

[...]

O som de passos rondando pelo quarto me tiraram o conforto, embora o sono tenha sido bastante prazeroso. Rendeu mais do que imaginei, e sem infortúnios, já bastava os que passava acordado, tê-los em meus sonhos também não seria nada agradável.

Me levantei, sentando-me na cama e apoiando os pés no chão. Minha cabeça latejava um pouco pela forte luz do quarto, ela cintilava acima e permitia uma claridade bastante significativa. Finalmente a vontade prevaleceu e consegui me levantar, mas antes de me afastar da cama, peguei algumas vestes e o casaco debaixo dos travesseiros, sendo assim, rumei em direção ao elevador, no qual possivelmente estaria interditado, como todas as horas do dia, infelizmente ninguém tinha a mesma ideia do que eu: usar as escadas.

Segurava todos os meus pertences quando a alavanca de emergência era destravada pela minha mão. Nele, alguns semideuses caminhavam entre as escadas e as luzes azuis que rodeavam o local. Eles pareciam animados, e os números eram intensos. Desci os andares até parar no vinte e oito, e assim que o abri, trombei com Biel, ele esbarrou em mim, com a camisa em seu ombro, e portando uma tolha envolta de seu pescoço. O jeans surrado cobria suas pernas e ele usava chinelos. Nunca tinha visto ninguém do fandom de chinelos. —— Caraca, você tá vivo! —— Ele berrou, e detrás, alguns rostos conhecidos forma surgindo.

Cody, Nico, Thalles, Lyu e Tomi se aproximavam, felizmente eles estavam vestidos, alguns deles só não utilizavam camisetas, como Biel, e o vapor dominava o âmbito em que eles se encontravam. Felizmente, as garotas que passavam pelas escadas tinha suas visões barradas, assim como nos seus vestiários, paredes se formavam, dando acesso para uma área de armários e bancos, e por ultimo, mais afastados, vários boxes fechados com inúmeros chuveiros instalados. Todos gostavam de privacidade, por isso não tinha lá uma aparência tão americanizada. —— Achamos que você tinha sido engolido pelo Dragão. —— Murmurou Tomi, amarrando os cadarços e vestindo sua camisa tradicional do Flash. O mais engraçado era que a camisa que vestiria depois do banho tratava-se justamente de uma igual àquela. —— Bom, fui salvo por Agasias. —— Respondi, adentrando no recinto e depositando meus pertences num pequeno cômodo vago.

O cadeado aberto, se trancou magicamente depois que meus dedos afastaram-se dele. Só voltariam a abrir se a minha mão o tocasse, até mesmo o dono daquela magia era negado desse serviço, porque quis. Yash às vezes me surpreendia com seus métodos justos. —— Nossa, foi uma loucura por lá... —— Informou Cody, secando suas madeixas negras pouco volumosas. —— Conte-me os detalhes. —— Instiguei-os a permanecer a conversa. Todos pareciam estar desanimado, como também seguiam as instruções de comando dos painéis da Resistência, afinal, seria uma coincidência bastante improvável, ver todos eles, ao mesmo tempo, indo tomar banho.

Lyu terminou de se trocar, colocando uma camisa roxa escura comum, sem estampa alguma. Ele se sentou ao lado de Tomi, também já trocado e passou desodorante que havia retirado de sua mochila portátil. Ofereceu ao rapaz ao seu lado que pegou sem cerimônias. —— Nem vai querer saber. Foi péssimo. Aliás, péssimo é elogio. —— As palavras de Lyu vinha com pesares enormes. —— Bom, fizemos o possível, mas não recebemos instruções de como domar ou matar um dragão. —— Thalles tentou dar um humor naquela tensão, mas foi em vão. Admirava sua tentativa. —— Perderam alguém conhecido? —— Indaguei, tirando a camisa e pegando uma das toalhas empilhadas. —— Não perdemos, mas... Bom, foram levados. E por vontade própria. —— Aquilo me atingiu desprevenido, como eles teriam sido lavados? A mensagem de Ana não os fortaleceu o suficientemente para lutarem ao lado dos Deuses? Francamente, tinha perdido uma boa parte daquela luta. —— Marti, muitos foram levados, eles montaram no dragão e sei lá, os olhos deles ficaram estranhos, todos ficaram do mau, cara sombria, não sei dizer, foi terrível. Por sorte, não morreu ninguém, mas o acampamento foi totalmente destruído, tudo pegou fogo... —— Nico não era a pessoa mais viável a dar explicações, mas seus detalhes me convenceram nitidamente, mesmo ele gaguejando um pouco a cada sílaba.

Meu humor não estava bom, algo me botava pra baixo, talvez fosse o motivo de ter recusado a ajuda de Agasias e o deixado construir uma família aqui, por um lado ele seria recompensado, mas será que era a hora de parar com suas aventuras? Normalmente me pego pensando no que se passaria na cabeça dos outros, depois de uma atitude tomada, ainda mais por minha conta. Coração frágil, como muitos diriam. —— Bom, eu vou tomar um banho, tentar melhorar esse humor. Encontro vocês depois, pode ser? —— Os demais assentiram, e foram um a um saindo, mas Biel ficou um tempo, me encarando. —— Sinto que você tá planejando alguma coisa. —— Impressionante como eu deixava informações passarem sem nem ao menos me dar conta. —— Como assim? —— Querer ser ator tem suas vantagens, interpretava bem algumas mentiras, ainda mais quando estava a fim de esconder algo. —— Não sei, tudo bem que você deve estar chateado com a morte do Joe e confuso com o que aconteceu, mas se me permite ser franco, mas já sendo, você tá com um ar de: "foda-se". —— Não consegui evitar e cai nas risadas, ele sorriu, mas desconfortavelmente. —— Olha, estou de "foda-se" pra esse maldito demônio que se chama Pallas, quero que ele arda no fogo do inferno, ou submundo, ai! Fica difícil agora pronunciar as palavras. Religião é uma coisa que não sai fácil da sua cabeça, enfim! Só estou puto com os acontecimentos e tudo tão... Monótono. —— Ele ficou com sua típica expressão avaliativa. —— Seguinte. Quando eu terminar de tomar banho, converso com vocês. Passo as informações e explico como as coisas funfam por aqui. Pode ser? —— Ele concordou silenciosamente, saindo com passos curtos e silenciosos. —— Não quero que nenhum detalhe me escape. —— Foram suas ultimas palavras até a porta se fechar. —— Sim, senhor. —— Fiz uma saudação forçada e irônica, e assim, caminhei até um chuveiro.

[...]

O refeitório estava completamente enfestado de cabeças se movendo de um lado para o outro, sem contar o som indecifrável de milhares pronunciando frases e debatendo sobre quaisquer assuntos levianos. À frente, próximo da entrada a cozinha, uma mesa extensa foi posta, com um total de sete lugares. Nele, apenas o da ponta estava vago, contudo, quando os seis preencheram seus respectivos lugares, um som metálico soou pelo recinto, obrigando todos a se calarem, um a um, até o silêncio reinar e eu ser o único de pé.

Como estava andando em busca de um lugar para me sentar, virei o centro das atenções, não propositalmente, mas aconteceu. Todos me encaravam como se eu fosse pronunciar alguma coisa, dar um alerta ou explicar algo, mas no fundo, eu só queria uma mesa vaga pra me sentar. —— Caham! —— O som da garganta de Giu destacou-se, ela me encarava e erguia uma de suas sobrancelhas. —— Tô procurando um lugar, calma ai. —— Disse, levantando as mãos como sinal de inocência. Alguns riram bastante e outros apenas caçoaram.

Sentado e com o silêncio novamente dominando o lugar, a filha de Afrodite cedeu a vez para um garoto alto, moreno e com uma regata preta, cujo a maioria dos presentes sabiam quem era. Dan, o filho de Hefesto e engenheiro de grandes utensílios do prédio em que muitos recentemente estavam morando, inclusive um dos membros do conselho. Este se afastou de sua carteira e foi até a frente, ficando ereto e com o olhar severo, o que me pareceu bastante contraditório, por sempre vê-lo sorrir e caçoar de alguém. —— Bom, soubemos do fardo que vocês presenciaram na noite passada. De fato, isso é bastante triste, perderam muitos amigos, muitos os abandonaram, traídos, essa é a palavra certa, pois que seja, não podemos deixar o inimigo convicto de nossos sentimentos negativos, até porque ele poderá utilizar isso contra nós mesmos. Não vou ficar aqui dando uma aula de autoestima, sobre como pensar ou como agir nessa situação. Todos vocês sabem, e isso vale até pros mais dramáticos. Recomponham-se e se mantenham de cabeça pra cima. Agora, meu aviso realmente começa: Todos os que vivem aqui desde as ultimas semanas, conhecem o nosso sistema e como vivemos em uma sociedade colaborativa com serviços úteis em todas as necessidades em que uma casa precisa. Vocês, acolhidos, não fugirão destas regras. Seus nomes estão sendo preenchidos neste exato momento por Yash, na cozinha, e hoje, como amanhã, suas tarefas já serão postadas no quadro diário, portanto, se viu o seu nome, o que não é difícil, em todos os andares há centenas de TVs, vá e a faça o mais rápido possível, para se livrar. Caso alguém não concorde com o que irá fazer, a porta está aberta. Pode-se retirar e viver por conta própria. Aos que acham que são espertinhos, não se esqueçam que temos um exímio mago presente, e isso o fará detectar quem cabulou o serviço ou deixou ele muito mal feito. Caso isso ocorra, a expulsão será imediata. Creio que fui bastante claro. —— Tiveram muitos murmúrios e bastante gente reclamando baixo, mas ninguém seria louco suficiente para encarar uma vida de perigo, sozinho no meio de tamanhas feras sempre na espreita, buscando sangue fresco e um pedaço farto de nossas carnes.

—— Cara, nunca vi o Dan tão nervoso assim. —— Biel comentou, e quando me virei, lembrei sobre muitos momentos em que ele passara com o filho de Hefesto. Ele o considerava seu melhor amigo, talvez fosse recíproco o cargo para Rezende na mente de Dan. —— Ser chefe disso tudo e ainda ficar horas trabalhando para sempre ter uma melhor opção de vida aqui... Bom, isso deve ser difícil. —— Respondi, averiguando o cardápio, quando detrás das mesas, Lélo e Yash subiram e se sentaram junto com os demais, ainda dando espaço para alguns lugares. Possivelmente alguns conselheiros deveriam ter morrido ou estavam em busca de algo inovador. Eles se arriscavam bastante nesse prédio, por isso, ficava bastante complicado saber do paradeiro dos ausentes.

Biel e eu pedimos nossos pratos, apesar de muitas mesas estarem lotadas, nós conseguimos ficar em uma vazia e com um espaço considerável das demais. —— Então? —— Indagou ele, avistando seu prato chegar flutuando, baixou sua cabeça momentaneamente, tempo de pedir as preces ao seu pai, e como deduzi que o prato dele vinha, obviamente o meu seria em seguida, portanto fiz o mesmo, agradecendo que a maioria dos meus amigos tivesse vindo e ao mesmo tempo, pedi proteção para que ele me acompanhasse na minha busca pela alma de meu irmão, seu filho, Joe.

Assim que terminei, os pratos repousaram com as medidas certas que comeríamos naquela noite, por incrível que pareça, o meu não estava tão cheio, eu até brigaria, mas tinha certeza que enquanto comesse, a fome sumiria, pois meu apetite não era um dos melhores naquela noite.

Abocanhamos algumas vezes a macarronada e depois de saciar minha sede com um belo copo de coca gelada, olhei para Rezende, que me encarava impaciente. —— Bom... —— Iniciei. —— Acho que depois da palestra do Dan, eu não preciso dizer como isso aqui gira. —— Ele deu de ombros, e notei que se interessava mais no que planejava, do que como as coisas aconteciam ali. —— Certo, e eu... Bom, estou pensando em fugir. —— Acho que escolhi o momento errado para dizer tais palavras, pois o semideus cuspiu toda a coca que havia posto na boca e berrou, chamando atenção de muitos, eu instintivamente, consegui pensar rápido numa coisa. —— POIS É! TU ACREDITA? HAHAHAHA! —— Forcei as palavras com a risada, e ele entendeu o meu disfarce. Os olhares aos poucos se findavam e todos voltavam a conversar e comer.

Respirei calmamente, olhando sério para o filho de Apolo. —— Da próxima vez, se quiser que todos saibam, pega uma cartolina e escreve: "O Martinato vai fugir! Vamos ver?" —— Ele riu baixo, e se desculpou, terminando de comer e em seguida, passou o guardanapo em seus lábios, retirando o resto de molho que sempre ficava grudado na boca de qualquer um. —— Certo, mas para onde você vai? —— Sua curiosidade me incomodava um pouco, cada informação que eu lhe contava, mais chances ele teria de ir comigo, e eu não queria isso. —— Não vai se exaltar? —— Ele negou, e eu suspirei. —— Submundo. —— Imaginei uma reação bastante perplexa, porém, o jovem somente agarrou o pano fixado na mesa e expressou uma cara de espanto, mas segurando fortemente o berro em sua garganta.

Expliquei minhas causas e informei-o que sequer sabia como chegar naquele lugar temido pelos mortais, que agora o chamavam de inferno, mas poucos sabiam que o paraíso ficava no andar debaixo, e não no de cima, que tratava-se do Olimpo. —— Olha, você pode chamar o Nico ou o Cody. Eles são filhos de Hades, não? Talvez eles consigam naturalmente achar uma passagem. —— Infelizmente, a razão rodeava as palavras de meu amigo. —— Bom, quer queira quer não, vou ter que escolher um pequeno grup... —— Não terminei a frase, pois senti uma mão repousar em meu ombro, e olhei de relance, vendo unhas compridas pintadas de rosa. —— Escolher um pequeno o que? —— Engoli seco. —— Um pequeno grupo para treinar amanhã e me levar pra conhecer o Pégaso dele, Marti me prometeu no Acampamento. —— Bingo! Como adorava quando meus amigos me salvavam, certamente estaria em risco se fosse pego planejando uma fuga. A filha de Afrodite encarou os olhos de Biel, mas ele os manteve firme e inexpressivos. —— Entendi. —— Giu pareceu acreditar, voltando a me olhar fixamente. Junto dela, estava Dan, que rapidamente foi até Biel, pulando em cima dele e partindo para um abraço. Eu ia zuar, mas os olhos penetrantes da conselheira do prédio me faziam não querer desviar. Mais atrás encontrava-se o filho de Tânatos, Lélo. —— Então, Marti, eu sei que seria muito puxado, mas... Como você não compareceu hoje de tarde no chamado, tivemos que escalar você para patrulhar novamente essa madrugada. Espero que não ache ruim. —— Uma raiva invadiu meu coração, prestes a explodir, estava exausto e tinha praticamente perdido metade do meu rosto na ultima aventura protegendo a única entrada do covil, entretanto, quando a garota sorriu, toda aquela amargura sumia lentamente e aos poucos fui aceitando a ideia, o que me parecia ter opções. —— Tu-tudo bem... —— As palavras saíram dos meus lábios sem que eu percebesse, e com isso, a semideusa riu baixo e de modo fofo, se afastando e dando um tchauzinho, o que fez meu coração palpitar um pouco forte.

Dan e Lélo se aproximaram de mim, eu ainda estava com um sorriso besta nos lábios e avistando a prole da deusa do amor de longe, até que um famoso "pescotapa" me atingiu em cheio, me despertando do encanto. Dan, Lélo e Biel riam baixinho, já eu, fiquei sem entender nada, apenas aos poucos os fatos vinham preenchendo a minha mente. Eles me encararam até eu entender perfeitamente o que se desenrolou na nossa conversa. —— PORRA! —— Bradei e os três começaram a gargalhar. Sim, eu tinha caído no truque mais previsível das filhas de Afrodite, o charme. —— Porcaria, vou ter que patrulhar isso de novo? Que merda! —— O braço longo de Dan ficou envolta do meu pescoço. —— Eu até te ajudaria, mas sabe como é né? Sou o homem máquina daqui. Pelo menos temos filhos de Hefesto novos, isso vai amenizar meu trampo um pouco. —— O moreno se levantou e deu um soco de leve no meu peitoral. —— Boa sorte. —— Levantei levemente a minha mão, acenando para ele.

Lélo sentou do meu lado, e deu um leve toque em meu braço, e eu olhei para o mancebo no mesmo instante. —— Eu vou contigo de novo hoje também. Relaxa. —— Isso me aliviou, depois de ter lutado contra o leão junto do semideus, e em inúmeros outros caças, sabia que teria um bom aliado. —— Beleza, mas então... Eu quero chamar os novatos de hoje. —— O filho da morte expressou uma reação duvidosa, mas deu de ombros, se afastando, voltando para suas tarefas daquele momento.

[...]

Não sei porquê, mas algo em minha cabeça cogitou um grupo bastante específico, Lélo achou até que nossos esforços estavam bastante superiores ao nível de que as rondas normalmente possuíam. Três dos três deuses mais poderosos estavam num mesmo elevador, e o temor incomodava os outros dois e Lélo, dizia ele, antes, em nossa luta contra o Leão, que os filhos dos três grandes possuem uma energia instável demais e que todos os outros semideuses acabavam sentindo uma pressão, impossível de se explicar.

Exalávamos poder.

Dentro do pequeno compartimento de metal, estava eu, já completamente armado como na noite passada, apesar de que a minha lança desta vez, não possuía um cabo de madeira como as outras. Dan me dera ela poucos instantes de entrar no elevador com o grupo. A arma era longa e tinha algumas ondas desenhadas em sua haste, a ponta reluzia o bronze celestial, que em contato com qualquer luz, ofuscava um brilho forte e refletor. Nas costas, junto da proteção do peitoral, feita inteiramente de couro, preso por uma amarra, estava um escudo esférico de aço, mas um aço bastante resistente, pois tinha sido fundido com poucas partículas do ferro divino, extraído no Olimpo. Usava o casaco do Leão derrotado também, mas as mangas estavam arregaçadas, evitando que o calor se espalhasse por completo em meu corpo. Na cintura, uma espada de prata comum, a mesma que tinha pego no Acampamento, e tivera sido meu único armamento não perdido desde então. Podia dizer que tinha criado uma afinidade com tal utensílio. E por ultimo, mas não tão importante, carregava um cantil com água até a boca, o mesmo estava com uma alça presa pelo meu peito e ligada as costas, passada por um lado apenas do pescoço, seria bom ter água tão próximo de mim, ainda mais depois de um dia ensolarado como aquele, sem indícios de chuva.

Lélo estava ao meu lado, no outra ponta do lado esquerdo. Sua foice foi posta diagonalmente, devido ao tamanho superior. Ele trajava o mesmo tipo de armadura que eu, e em sua perna, como ultimo item, encontrava-se uma adaga de trinta centímetros, bem fixada e de fácil manuseio, se fosse preciso arrancá-la rapidamente para forjar um ataque ou ultima defesa.

Mais atrás, bem despreocupada e se distraindo com suas madeixas loiras, jazia Franchini. A filha de Zeus, armada com duas espadas de oitenta centímetros fixadas em sua cintura, olhava as pontas duplas de seus cabelos imaginando, talvez, como seria a noite, ou, porque foi chamada, quiçá estivesse mais interessada em jogar LoL. Ela usava braceletes de bronze celestial, armadura de couro e tinha uma adaga igualmente posta em sua perna, como Lélo. Uma guerreira de se intimidar, deveria assumir, independente da sua beleza jovial.

Do seu lado, no canto direito e bem quieto, rodeado por uma escuridão incomum, estava Cody. Ele vestia uma calça e camisa preta, usava a armadura por cima, por isso não o deixava tão "dark". Seus cabelos estavam mais compridos, talvez não tivesse reparado isso na guerra, assim como seu rosto um tanto mais inexpressivo. O rapaz tinha uma espada completamente negra presa na bainha, e em seu antebraço, um escudo redondo igual e do mesmo material que o meu.

Um fato a esclarecer era: Quando olhava para Cody ou Gio, podia sentir e visualizar com nitidez suas auras, por isso, não me surpreendia com o clima escuro perto de Cody se colidindo com faíscas azuis, cujo emanavam da filha de Zeus, já comigo, não conseguia ver nada, mas tinha certeza absoluta que, se eu chegasse bem perto deles, algo iria nos repelir, como se fôssemos inimigos naturais.

No ultimo canto do elevador, estavam os dois restantes, provavelmente não acostumados a sentir uma energia tão intensa como aquela. Rezende, o filho de Apolo, prendendo um arco de ouro entre seu peitoral, com uma aljava vazia - mas todos ali sabiam que era uma das aljavas mágicas -, uma espada em sua cintura e braceletes iguais ao de Gio, só que de aço, igual ao meu escudo, e obviamente vestia a armadura de couro. Ao seu lado, pouco próximo do rapaz, estava uma garota do seu tamanho, ela emitia a mesma sensação agora de quando encontrei Yash, diferente da primeira vez que a vi, no Acampamento. Luana Pimenta, a única do grupo que eu não tinha convocado, mas tinha sido mandada mesmo assim. Ela estava armada com uma espada roxa, não entendia o sentido, e duas adagas presas na cintura. No antebraço esquerdo o escudo se encontrava preso perfeitamente. A ruiva batia o pé freneticamente no chão, também se sentia incomodada como Rezende, estava implícito em seus olhos, se prestasse bem atenção.

O único tranquilo era o filho de Tânatos, que ficava com um sorriso desdenhoso nos lábios, rindo da impaciência dos outros dois.

As portas se abriram rapidamente, com Biel e Luana saindo as pressas e respirando um pouco mais aliviados. Lélo por terceiro e depois eu, seguido de Gio e Cody. Esperamos a garagem se abrir para sairmos, faltava o toque e a sirene muda avermelhada explodir iluminando o lugar, todavia, enquanto ela não se acendia, cada um decidiu ficar num canto sem se pronunciar. E eu não fiz diferente, me sentei sob umas caixas de cinquenta centímetros de altura, e para matar o tempo, remexia no cabo da espada, devido a lança estar apoiada bem ao meu lado.

—— Vinte minutos. ——

Soou uma voz pelas caixas de som, um tanto metálica devido o acústico, nunca a tinha ouvido, deveria ser uma das atualizações do sistema. Isso atraiu o olhar de todos, que miraram o único objeto no centro da sala, que ficava no centro do teto, colado com a luminária rosada - devido a pouca claridade do recinto -. Baixei meu olhar lentamente, poderia considerar um erro, devido um pequeno ocorrido, que me fez ficar bem impaciente, mais do que os dois semideuses dentro do elevador. Meu olhar se encontrou com os da filha de Hécate, remexendo alguns sentimentos guardados que há muito tempo não havia sentido. O coração acelerou e desviei o foco para o chão, me levantando e agarrando a lança, cruzando os braços com o armamento entre o peito. De relance, e mais imperceptível possível, tentava olhá-la, contudo, toda vez ela notava, e isso me deixou bastante enfurecido, e ela somente riu um pouco, de canto. Sorte que todos estavam desatentos.

Ficamos nessa troca de olhares cerca de quinze minutos, mas sem que deixasse muito transparente. Nenhum tomou iniciativa, e como de costume, pensamentos vinham me assombrar com ideias absurdas. Eu não iria falar nada, pelo menos não agora. Não estava psicologicamente preparado. O pior vinha do fato de eu já ter me envolvido com a garota, isso poderia se tornar mais fácil, mas justamente tornava as coisas mais difíceis.

A luz ofuscante se ascendeu inesperadamente, e sequencialmente as garagens se moveram, rangendo fortemente, deixando claro o quão pesado tratava-se do material que se posicionava na nossa frente. Tudo tinha mudado, incrível como uma mera noite de descanso e uma tarde mal acompanhada não faziam naquele mundo novo em que vivia.

Saímos e montamos nossas posições. Biel ficou por trás, numa torre de cinco metros de madeira, cobrindo o campo aéreo e sendo um informante caso algo suspeito ao longínquo movesse-se. Gio o acompanhou naquela posição, o que deixou o rapaz contente. Na mesma posição da madrugada passada, estava Lélo, sentado nas barricadas, brincando com ossos, agora de um leopardo. Ele já tinha feito seu habitual campo de esqueletos animalescos se moverem ao redor, num ângulo de 180°, testemunhando a penumbra que só era iluminada pelos seres cadavéricos, ou os olhos de seu manipulador - pois é, mesmo na noite mais intensa, Lélo vivia com óculos de sol modelo aviador -. Uma das outras habilidades dos filhos de Tânatos, enxergar perfeitamente no escuro. Nem Cody ou Nico tinham tal dote.

Falando em Cody, o semideus se prontificou com o escudo apoiado nas caixas à frente, espada empunhada e olhos atentos. Do seu lado, um imenso cachorro surgiu, era peludo, bastante por sinal, e seu corpo tinha uma cor de castanho forte. —— Sortudo. —— Murmurei, invejando o poder do meu amigo, pelo simples fato de amar caninos, mesmo eles sendo cães do submundo que inclusive se alimentavam da minha própria carne, e sim, eu teria um desses numa boa. —— Inveja não é legal, sabia? —— A voz doce de Luana invadiu meus ouvidos, e eu me virei mais rápido do que esperava. A garota se surpreendeu e recuou alguns passos enquanto eu formulava alguma desculpa plausível. —— Me desculpa, hãn... Você me surpreendeu. Então... Inveja? Ah nem tanto, mas seria legal ter um daqueles, não? —— Luana riu e mexeu um pouco em seus cabelos, eles brilhavam um pouco no meio da noite, iluminando seu rosto, realçando seus olhos e deixando suas poucas sardas amostra. Ela era bonita, realmente bonita. —— Cody não é o único que pode ter um daqueles, sabia? —— Ela indagou, girando a espada e se apoiando no estufado presente, dando um belo conforto para se sentar ou ficar da maneira que ela estava, encostada. —— Hm. E você tem um? —— Percebi uma leve careta da parte dela, seguido de um sinal com seu rosto, indicando que eu olhasse para trás.

Sabe a morte? Então, achei que ela tinha aparecido naquela hora, quase conseguindo ver meu reflexo nas mandíbulas extremamente brancas do animal bastante similar ao de Cody, entretanto, um pouco maior e mais ameaçador do que o mascote de meu amigo asiático. —— Dá próxima vez, me mata de susto com você aparecendo por trás. —— Parei de apertar a barra de ferro que formava minha lança, tranquilizando as batidas no meu peito. A respiração se estabilizou e eu consegui formar frases compreensíveis de novo na minha cabeça. Desgraçada. —— Só não falar mais "hm" na minha frente, Flash. —— Arqueei as sobrancelhas e o animal demoníaco dela se posicionou em sua frente, deitando em frente aos pés da garota, mas seu corpo alcançava até a cintura dela, mesmo deitado. Momento algum ele deixava a guarda baixa e seu focinho permanecia inquieto.

Luana se sentou, olhando para o céu, e eu me sentei do lado dela, mas claro que o animal rosnou pela aproximação. A filha de Hécate teve que tocá-lo com seu coturno, liberando a minha passagem. —— Faz tempo que não ficamos a sós. Ou quase isso. —— Dizia, cabisbaixo e admirado com o porte volumoso do cão infernal. —— Verdade, a ultima vez você só me deu uma dica pra treinar com a minha irmã... E bom, ajudou, tá ai a prova. —— Ela apontou pro animal e deixou sua espada apoiada na coxa. —— Fico feliz em ter ajudado, já eu... Bom, ainda tenho dificuldades em conseguir dominar meus poderes. Às vezes sai, às vezes não. —— A filha de Hécate começou a balançar suas pernas, segurando com mais precisão o equipamento. —— Ah, talvez você esteja se esforçando pouco, não sei... —— Assenti e fiz o mesmo que ela, só que com a minha lança. Como o armamento era bem comprido, uma parte tocou a perna da garota que me olhou de relance, surpresa. —— Foi mal. —— Me defendi, e ela riu. —— Calma, até parece que você me agarrou. —— Eu ri brevemente, em sintonia com ela. —— Olha que eu agarrava, ein? —— Luana começou a rir mais, devia ter sido engraçado, mas o tapa que ela deu no meu braço não foi tão comediante assim. —— Isso doeu, tá? —— Empurrei o braço dela e recebi outro tapa em resposta. —— Larga de ser frouxo! —— Protestou a púbere. —— Frouxo é algo que eu não sou e você sabe disso, Luana! E oh! Eu matei um leão de Neméia, e você? —— Me gabei, mas por pura brincadeira, pois eu jamais era de me exibir sobre feitos passados, a não ser em ocasiões como essas, por puro entretenimento. —— Nossa, que fodão, ein Flash? Usou a super velocidade? —— Me virei, ficando mais próximo da jovem. —— Não, com isso, Ruiva. —— Destampei o cantil preso no meu peitoral e com a palma da minha mão, um cumprido e fino chicote d'água se alongou, por incrível que pareça, deixou a garota impressionada. —— Uau, Flash, virou o Aquaman agora? —— Depois da sua surpresa, seria contraditório ela não me caçoar. —— Quase isso, e você? Virou a mulher fósforo? —— Luana não entendeu muito bem o contexto, então agarrei suavemente uma de suas madeixas, que emitiam o brilho ofuscante. —— Ah... Estranho, não sei porque eles estão assim... —— Ela agarrou alguns fios, fitando-os, mas seu rosto não demonstrava dúvidas, apenas mistério.

Eu poderia ter ficado horas encarando o rosto dela, contudo, as madrugadas naquele prédio tinham tendências a serem bastante intensas e repleta de surpresas. Um brilho tomou conta do céu, como se o sol tivesse pairado no meio da noite, clareando tudo e deixando o céu alaranjado, como fim de tarde. —— Mas que porra... —— Lélo reclamava, por ter sido surpreendido, cogitei que ele tivesse levado um belo susto, assim como todos. Alguns metros, o ronco de um motor potente perturbava o silêncio, quebrando-o por completo. Árvores começaram a pegar fogo e eu senti um calor intenso emanar por todos os lados. Ouve uma pausa com o barulho de pneus cantando, e isso gerou uma bela combustão no meio da floresta, embora na mesma velocidade que o fogo surgiu, desapareceu magicamente, deixando todas as árvores intactas novamente.

Esperamos alguns minutos, armados e com os dois cães e o leopardo esquelético posicionados na dianteira. —— O que será que é? —— Perguntou a semideusa, do meu lado, um pouco tensa. —— Não sei, mas relaxa, nada de ruim vai acontecer com você. —— Por que eu disse aquilo? Como poderia ter tanta certeza? Infelizmente não tinha as respostas, mas eu tinha um pressentimento bom, mesmo estando bastante assustado.

Finalmente, do meio da mata, um homem alto, musculoso e com um cabelo parecido com o meu, só que mais trabalhado, surgiu, vestindo uma camisa social branca, uma calça preta jeans e um tênis da nike, julguei ser bem caro pelo modelo bordado em ouro. —— Hey, kids! —— O homem acenou, ele era extrovertido, usava um óculos de sol bastante similar ao de Lélo, mas sempre com detalhes de ouro, mostrando que deveria ser bem rico. Ele emitia um forte calor, como se você estivesse num dia radiante de sol, em uma bela praia. Seus dentes eram num tom branco inimaginável, e quando eu digo que brilhavam, não era apenas modo de dizer, pois quando o homem sorria, parecia que tinham ligado uma lanterna dentro da boca dele.

Os cães infernais sentaram e o Leopardo voltou a ser apenas ossos. Não sentiam medo, simplesmente se curvaram, como se estivessem na presença de um Deus. —— Pera... —— Murmurei e o loiro caminhou até próximo de mim, só que com o olhar para cima, onde Biel mirava uma flecha, que se fosse disparada, seria um tiro certeiro. —— Vai mesmo atirar no seu papai, filhão? —— Dizia ele num tom amigável, não consegui apontar a lança pra o adulto, depois de dizer tais palavras. Biel e assim como todos, fizeram que nem eu. —— O senhor é... —— Tentei terminar a frase, mas fui cortada com um belo grito de Rezende, que saltou e pulou na barricada e correu para um abraço. —— Pai! Quer dizer, senhor Apolo! —— Ele notou o que tinha feito e se recompôs. —— Nem esquenta, garoto. —— O Deus Sol agarrou seu boné, analisando-o e repousou sua mão nos curtos cabelos de meu amigo, que sabia se tivesse fios mais compridos, agora eles teriam sido bagunçados. Logo em seguida, deixou o objeto do mesmo jeito que estava antes. —— Apolo... —— Terminei a minha frase e me senti um lerdo. Pelo menos poucos notaram.

Lélo se aproximou e fez uma breve reverência. —— Senhor. —— O Deus assentiu, liberando sua formalidade. —— Por que está aqui? —— Indagou Biel, eufórico e muito contente por sinal. —— Calma rapaziada, isso me fez pensar numa bela melodia: Na noite que não é noite, vira um dia feito uma relíquia! O sol que aparece, ilumina a "rapaziadazinha" alegre! Tá ótimo! —— Ele anotou num pequeno bloco de papel que surgiu de repente na sua frente, assim como uma caneta modelo bic, todavia, o que me deixou mais curioso, foi querer entender como ele tinha achado tal frase boa para uma melodia. —— Nossa. —— Disse, com Luana ainda pasma admirando ele, senti um leve ciúmes, mas não sabia o motivo. —— Incrível a sintonia, não? —— Ele se virou, me encarando. —— Ah, sim, ótima! —— Concordei, tentando botar o máximo de verdade nas minhas falas. —— Ah, você não gostou? —— Ele se entristeceu por alguns instantes. —— Hãn? —— Como ele tinha descoberto? —— Eu sou o Deus da verdade, Vinicius. Sei quando alguém mente para mim, assim como você. —— Ele piscou para mim e eu fiquei completamente perplexo. Eu tinha uma habilidade de um filho de Apolo? Biel me pareceu notar isso também.

Apesar do momento para o filho de Apolo estar ótimo, Cody interveio, até tinha esquecido sua presença ali. —— Senhor Apolo, qual o motivo de vir nos visitar? —— Ele fez a atenção se voltar para nós, relembrando o real motivo de estar ali. —— Verdade! Me esqueci! Até parece que me perdi! Outra ótima! —— Ele riu e anotou de novo no bloco mágico. —— Certo, vou ser direto, porque o tempo, não é afeto:

"Um objeto, terão de encontrar, no submundo, onde irão vagar.

A passagem vai se abrir, quando o filho do pós-morte sorrir.

O caminho é longo e a escuridão vasta, se perderão, na cegueira farta.

O filho do mar, irá de encontrar, outro meio-irmão, criado por lá,

e assim poderá, quem sabe retornar, com a alma do irmão, que foi deixada por lá." —— O deus da medicina e das artes terminou sua pequena profecia, e tocou minha testa. —— Pronto, assim não vai se esquecer, netinho. Agora vou ir lá, e cuidado, filhão, se você vacilar, eles vão te matar! Incrível, hoje estou muito inspirado! Anotei tudo, enfim, até qualquer dia, mês ou ano. Quem sabe? Só nós, os deuses, engraçado, não? Bom, fui. E ah, todos aqui deverão partir agora, sem atrasos, os suprimentos estão ali. —— E assim, sem mais nem menos, o céu voltou a se escurecer, e Apolo não mais se encontrava ali. Todos me olharam, e acharam cada um uma mala da sua cor favorita.

Uma vermelha, minha; uma azul, de Rezende; outra rosa, imaginei ser da Luana; uma cinza, para Lélo; a mais destacada, dourada, para Gio; e a ultima, preta, destinada a Cody.

Lélo agarrou sua mochila e fixou a foice em suas costas, num suporte, deixando ela na diagonal, como no elevador, não tocando o chão, mas isso não significava que os galhos seriam fácil de desviar. —— Sem perder tempo, agora vamos. —— Luana se levantou e foi até Lélo. —— Não acha que é preciso avisar? Sei lá, e não está muito em cima? —— Antes que Lélo respondesse, Gio saltou como Biel, empunhando uma de suas espadas e pegando sua bolsa. —— Linda, ele disse que nós todos deveríamos ir agora, nem fodendo que vou deixar de ir numa missão! Tivemos até uma profecia! —— Cody se aproximou, colocando a sua nas costas. —— Não deveria ser o Oráculo a nos dar uma profecia? —— Biel, pondo seu arco no peito e tirando a espada da bolsa, para poder lutar melhor em movimento, se aproximou de Cody, apoiando seu braço no ombro do rapaz. —— Ele é Deus dos oráculos também, quer honra maior? —— O moreno pulou a barricada e se aproximou de Lélo.

Dei de ombros, pulei também, segurando a minha lança e colocando a mala, depois o escudo de novo, pronto para correr e matar algumas feras. A profecia em minha mente me fazia imaginar mil e um motivos, mas sentia que cada ligamento dela já fazia parte de minhas escolhas. —— Se o Deus Sol mandou, então não tem porque ainda ficarmos aqui. Vamos, Ruiva? —— Me aproximei dela, sorrindo, como se a desafiasse. Ela aceitou o confronto e foi caminhando do meu lado, com sua cão do outro. Cody nos liderava, junto de Lélo. —— Alguma ideia de onde vamos? —— Ambos na frente viraram e responderam em uníssono...

—— Não. ——


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Império dos Titãs." morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.