Pure Imagination escrita por Sweet Death, SaltedCaramel


Capítulo 21
Midnight bathroom talks are not just for girls


Notas iniciais do capítulo

Heeey!! Boa noite, como estão??
Quem aí tá afim de matar uma autora levanta a mão!!
Ok, desculpa...de novo. Eu sei que eu demorei. Mas, como sempre, tenho meus motivos.
Eu terminei Self Destruction, então agora posso me concentrar em BB e PI com mais facilidade e logo BB também vai estar terminando :(
Agora, eu atrasei porque: (1) bloqueio, (2) dificuldade em me concentrar em uma coisa apenas, (3) férias fazem as pessoas pensarem que eu devo sair todos os dias, (4) novas histórias invadindo minha mente, (5) eu encontrei meu caderno antigo de desenhos e decidi que vou eliminar os desenhos tenebrosos que eu fazia (calafrios) usando meu estilo atual para preencher o resto, (6) eu sinto falta das aulas de dança já :( ano que vem eu tô no terceiro e não vou ter muito tempo :( então eu me pego indo no youtube para, por exemplo, ficar vendo vídeos antigos das coreografias que eu mais gostava no So You Think You Can Dance hahaha, (7) eu tenho corrido ainda mais para fanfics inglês de pares dos quais não vejo muitas por aqui, (8) eu não consegui ir na Comic Con!!! ;-; e meu sonho de sentar no colo do Jason Momoa? (quê? haha) . Entre outras coisas como crises existenciais e de escrita. Nada novo. Então, o que eu fazia? Eu escrevia parte no celular para passar para o computador e eu não gosto de escrever no celular, mas eu dei uns jeitos e aqui estamos.
A propósito, para quem não viu, sei lá, eu postei capítulos de BB acho que mês passado haha (com direito a um desabafo sobre as eleições nas notas finais. Cara, eu gosto de falar de assuntos políticos e sociais, mas ninguém gosta de conversar sobre isso comigo ;-; então eu explodi aqui hahaha).
—Alguém tem alguma fic Original pra recomendar? Assim...só pra saber... Ou alguma que ame de paixão? Eu tenho sentido vontade de ler mais fics esses dias, mas nem sei por onde começar...pode ser original ou de qualquer outro casal haha (sei lá, eu quero saber também o que vocês gostam e shippam hahaha é legal saber sobre vocês :))
—Eu tento revisar sempre, agora eu não sou muito boa nisso, então...
—só cenas tsunderes (cof cof) quer dizer, de interação entre Kanda e Allen.
—Eu já falei demais, me desculpe por prendê-los (prometo não escrever um texto gigante que nem em BB...por enquanto). Eu percebi, com muita vergonha, que escrevo notas enormes...sorry... vou tentar me acalmar
—Obrigada por quem ainda pões esperanças em mim ;-; de verdade ;-;
—Boa leitura! o/



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/464859/chapter/21

Tudo ia direitamente como o plano. Até eu girar a maçaneta.

–Não, pai. Quero andar um pouco- o vento frio da manhã passou de calmante para estressante assim que abri a porta de casa. O vendaval que invadiu a casa e bagunçou o meu cabelo para cima do meu rosto como vários chicotes de vida própria fazia parecer um furacão raivoso se conciliando com um tufão. Voaram folhas e folhas aleatórias pelo corredor e minha visão ficou conturbada pelos fios brancos e pelo gelo que vinha da calçada para o ar em segundos-Tá um tempo bom para andar lá fora!- gritei, já que o barulho não me deixava falar-Hã...Fresquinho. Assim eu não suo nem nada do tipo. Lembra? Hiperidrose- VUUUUUUUUU, o vento não condizia com as palavras como se houvesse planejado tentar avisar Mana, escondendo no esvoaçar barulhento tudo que eu argumentava, mas não me parecia tão idiota no momento quanto na verdade era.

Mana me olhou de cima a baixo, algo que só vi entre as frestas dos fios de cabelo que chicoteavam meu rosto sem parar. Começava a doer como se fossem espinhos de gelo crescendo na minha testa.

O inverno chega assim. Ele nem bate, já arromba sua casa e leva sua lição de casa de ontem pelos ares junto da sua vontade de viver.

Pior que ele apenas o verão. Outro desgraçado.

–Certeza mesmo?-ele perguntou, a incerteza não eliminada pela minha tentativa de sorriso- Eu vou sair de qualquer jeito, Allen. Se precisar de carona... não há nenhum probl-

–QUÊ?

–EU VOU SAIR DE QUALQUER JEITO, FILHO! NÃO PREFERE UMA CARONA?

– NÃO-balancei a cabeça, parte por querer complementar a negação, parte porque o cabelo grudava no meu rosto e se entupia frente aos meus olhos- TUDO BEM. A ESCOLA É AQUI PERTO. EU QUERO IR ANDANDO E CONHECER MAIS DA VIZINHANÇA- eu gritei, parte por não ouvir o que eu falava, parte porque queria ser ouvido por ele- ESTÁ UM CLIMA...HÃ...FRESCO LÁ FORA!

–MAS ALLEN, FILHO, HOJE NÃ-

–OK, FALOU. TCHAU, PAI.

Não que isso tudo fosse realmente convincente, então por isso fechei a porta na metade de sua frase e desandei a enfrentar a neve que caía de baixo para cima na cidade.

Na verdade, não estava nevando. O gelo de ontem a noite que estava descansando em tapetes branquíssimos na rua subia por causa do vento furioso que resolveu se rebelar logo de manhã. Eu era um adolescente cheio de hormônios e conseguia me controlar melhor que esse maldito fenômeno da natureza que de lá para cá decidiu que seria um quase tufão.

Bem, talvez não, mas com certeza não saí por aí jogando neve para cima ou me tacando na mesa dos outros para esconder papéis e qualquer coisa que estivesse pela frente. Ainda. Dê-me mais meia hora na escola e eu posso acabar preso por arrombar algumas portas.

Havia uma parte de mim muito grande que tinha vergonha de pedir um hambúrguer na lanchonete, quem dirá começar uma baderna. E havia uma outra parte- não precisamos falar sobre ela- que gostava de gritar sem som algum no quarto quando descobria que, forças divinas nos acudam, um personagem preferido havia morrido ou algo do tipo.

De qualquer jeito, eu não sabia direito qual parte de mim era a que me fez decidir que sair no meio da crise existencial do vento seria tão boa ideia quanto matar aula. Primeiro porque nenhum casaco protegeria o meu rosto da crueldade do frio, segundo porque tínhamos acabado de nos mudar e além da escola eu só conhecia a minha casa e o mercado na esquina. Ou seja, eu não tinha ideia de lugares apropriados para matar aula se o único lugar que me vinha a cabeça era a própria escola. E eu tinha certeza que o maldito Sr. Toninho, fofoqueiro por preferência, não iria guardar segredo nem que eu comprasse seu mercado inteiro.

Bom trabalho, Allen Walker.

Isso que é um trabalho bem feito.

Orgulho da família.

Não estava com vontade ou mesmo coragem de dar meia volta e mentir mais uma vez para Mana que, sei lá, havia descoberto que estava na realidade sentindo uma recaída iminente e precisava de uma boa dose de cobertores, chocolate e abraços.

Eu só sabia que se não morresse de fome por me perder nos caminhos confusos, com certeza morreria de hipotermia. Poderia imaginar? Quem me encontraria no meio de tanto branco? Eles poderiam estar pisando em mim e falando que a neve estava gemendo de dor.

Eu ficaria desaparecido por séculos.

Foi por medo de trombar com o vendedor e me sentir pressionado a mentir mais uma vez que dei meia volta e decidi ir pela esquina contrária ao caminho normal. Tudo que eu seguia eram as cores fracas além da chuva branca que vinha do chão e da minha cabeça.

Apertei o casaco grosso (que agora enfrentando o frio parecia fino demais) contra o pescoço, tentando compensar a falta de um cachecol. Passo por passo, tropeço por tropeço, caminhei pelas ruas que via pela frente, fazendo uma anotação mental das ruas e lojas que via, porque não queria ser o João e Maria da era contemporânea.

Não estava muito preocupado em encontrar pessoas que suspeitassem das minhas andanças àquele horário. Pessoas sensatas não sairiam de casa nesse frio absurdo enquanto o sol ainda estava pensando em se espreguiçar pelo horizonte. Mas eu nunca fui uma pessoa sensata, quem dirá uma que está sempre acordada para olhar o dia começar.

Rodei de rua em rua sem me importar com o caminho, contanto que guardasse os pontos de referência. Eu tinha que saber que ao lado no monte de neve branco havia outro monte de neve branco mais branco que o outro ao lado do campo branco de neve.

Decidido a continuar com a decisão inconsequente -agora eu via- apenas abaixei a cabeça e apertei-me contra o próprio corpo para seguir em frente e evitar olhares. Apenas me concentrava nas falhas do concreto do chão, brincando com os pés toda vez que passava por algum, fingindo uma caminhada casual no meio de um furacão.

Quando os dedos congelados dentro dos tênis finos começavam a doer e as mãos começavam a endurecer, o sinal para parar de andar e aceitar a derrota estava claro. Levantei a cabeça da calçada cinza, pensando que as dores significavam uma grande caminhada. Um lugar longe, como eu queria de início.

Mas eu não esperava que estivesse em frente a um cemitério.

Quer dizer, eu sabia que eu exalava essa aura mórbida de vez em sempre, mas ser atraído por corpos era uma coisa nova para mim.

Havia um movimento extraordinariamente movimentado. Os vendedores amontoados no portão e ao redor dele lucravam de flores coloridas enroladas em buquês. Havia alguns carregando sacolas, outros, crianças e as barracas na fachada do lugar faziam suas vendas rapidamente diante do público numeroso.

E as pessoas entravam em grupos. Famílias.

Foi nesse momento que a realização espancou a minha mente e eu quis mais do que tudo apenas entrar lá e pedir para ser enterrado vivo em algum buraco conveniente. Ao invés disso, apenas gemi pelos pés doloridos e os braços gelados, desisti de qualquer pudores higiênicos e me joguei sentado na calçada, observando as grades de ferro do portão decorado, guardando nada mais nada menos que corpos de entes que, uma vez, já estiveram dessa lado da terra.

Era dia de finados.

Um feriado.

As pessoas visitavam cemitérios e traziam lembranças.

E não tinha aula.

Ninguém iria para a escola.

E essa é a interessantíssima história de como eu matei aula sem que ela ao menos existisse.

Bom trabalho, Allen Walker.

Isso é que é trabalho bem feito

Orgulho da família.

Levantei, derrotado demais para dar meia volta. E pensei que talvez não fosse uma má ideia encarar a realidade que os portões escondiam enquanto rumava no fluxo dos grupos.

–X-

OoO

–X-

Não era como se noites fossem torturantes. Eram frescas como eu sempre as apreciava, cobertores não faziam falta, eu podia sentir o cheiro de mato da madrugada, não havia ninguém mais além de mim para companhia das sensações noturnas e o medo coletivo da enfermaria fazia-a um isolamento complicado e sem perturbações.

Porém, aquela estava além de qualquer calmaria.

As coisas não paravam. Estivesse eu dormindo...

...ou estivesse eu acordado.

O que, de fato, eu estava. Afinal, como se pode dormir quando há um alien se revirando para sair no seu estômago? Mesmo com a cabeça enfiada para fora da janela, tentando aliviar o suor, o enjoo continuava ali, entre o cansaço anormal por estresse e talvez o excesso de jantar por ansiedade.

É. Definitivamente o quantidade desnecessária de comida.

Parte de mim queria enfiar a cabeça em uma privada e acabar com isso. A outra parte esperava que a sensação passasse com o tempo na brisa noturna. Então eu apenas me apoiei com o tronco no peitoril e afundei o rosto no ar, esperando que respirar o vento puro e gelado pudesse aliviar o modo como meu corpo inteiro se ansiava.

Acontece que não aconteceu. Então eu era apenas uma cabeça em alguma janela daquela torre enorme, olhando para baixo como se não tivesse medo de altura, esperando que nenhum pássaro engraçadinho que mora entre as rachaduras achasse que era hora das necessidades noturnas.

Deveria estar virando madrugada. Eu me lembro de ter apagado por algum tempo depois do toque de recolher -mais um aviso do que algo imposto- mas mesmo lá no mundo dos sonhos eu não podia construir algo agradável. Não era como se fossem pesadelos fortes que ficariam imprensados na minha memória com facilidade, nada sangrentoou tenebroso. Não era como as noites de estresse em que acordava em meio às alucinações tão reais da quais não podia me mover. Era mais as sensações torturantes de medo e receio que a minha pessoa enfrentava diante de algo que eu não lembrava e a qual muito menos me importava. Eu só sentia.

Então eu acordava com medo do escuro. Com o coração a mil, como se tudo fosse verdadeiro, como se fosse aquilo que eu deveria sentir no momento. Com medo de me mover e perceber alguém nas sombras refletindo meus movimentos.

Se eu acendesse a luz, a enfermeira viria ao meu encontro e quando eu não preciso ficar sozinho são os momentos em que eu quero estar sozinho. E o que mais eu diria?

Ah, sim, enfermeira-chefe, eu tive um pesadelo. Não, eu não me lembro dele. Não, eu não quero falar sobre ele. Não. Eu só quero que pegue aquele bisturi e tire esse enjoo do meu estômago, por favor.

Eu seria jogado pela janela. E acho que ouvi um lobo faminto próximo da base.

–Ok-disse a mim mesmo, sussurrando contra o vento no meu rosto-Allen Walker, você precisa colocar tudo isso pra fora -um uivo deslocado se seguiu do meio da floresta, o que me fez instintivamente mexer a cabeça rapidamente para olhar e acabar por provocar um enjoo maior- ignore o lobisomem, foco aqui.

No nível entre o “que seja” e o “não há outro jeito”, deixei-me inclinar ainda mais, fechando os olhos para expirar e tentar tirar a dor.

Antes eu era bem acostumado as dores sem cura que pintuavam-se pelo corpo quando queriam. Alguns dias aqui e já passo a esquecer como era? Quer dizer, como era sentir uma dor que não pode ser facilmente aliviada?

Porém era um tipo de dor diferente. Não era dor de forças-divinas-chegou-a-minha-hora, mas de nunca-mais-como-sete-pratos-de-comida. E isso era um bom sinal.

–Talvez eu não esteja morrendo-uma força veio pela minha garganta e desequilibrou meu tronco para frente num movimento perigoso- mas se eu continuar aqui na janela é capaz de eu morrer de verdade.

Desequilibrei o corpo de volta para a cama fria da enfermaria, seguindo com os olhos as rachaduras do teto manchado que seguiam como galhos de uma grande árvore negra. O lugar cheirava a remédio e dores e em nada isso ajudava.

Assim ficou decidido que a quantidade de suor e o mal estar não combinavam com uma noite trancado naquele quarto. Muito menos com uma boa noite de sono. Levantei com pressa, tentando encontrar o equilíbrio entre rapidez, quietude e tontura enquanto tropeçava meu caminho até a porta no escuro.

Com o tanto de coisas que eu atrapalhei tentando adivinhar onde era chão e onde não era, agradeci por ser o único na Ordem Negra inteira que teve a proeza de se machucar o bastante para ir parar na enfermaria e ainda fraco o bastante para ter que ficar lá, porque o barulho das bandejas e maletas metálicas caindo no piso não era algo nem um pouco perto da quietude.

Corri até a porta, ignorando tudo que caía pelo caminho e tão logo estava na calmaria dos corredores da Ordem na madrugada. Era estranho de se pensar, mas lá o vento parecia mais forte, entrando pelo pijama largo- assim mesmo, nessa intimidade- desde os calcanhares e me deixando com a aparência de um marshmallow andante.

Havia tanta coisa acontecendo no meu corpo- o sono tremendo, o enjoo, as dores de cabeça e a estupidez natural- que andar em linha reta sem mais que os gemidos e os arrepios era impossível. Apertei os braços contra mim mesmo, tentando tirar o volume extra do ar dentro da roupa e esquentar meu corpo frio.

Com passos apressados pelo gosto ruim que indicava a tragédia próxima, nem havia percebido que já havia encontrado o banheiro da Ordem até que estivesse me agarrando a sua porta, ofegante para tentar recuperar alguma energia e controle que por mal havia já fugido. Olhei para o piso cinza e molhado, tentando focar os olhos pesados em algo real.

O impulso na garganta subiu com força, me fazendo ajoelhar apoiado na parede da entrada.

–Que droga-eu resmunguei, com os olhos já começando a lacrimejar-tomara que essa umidade no chão não seja o que eu estou pensando que é.

–Não. A não ser que você não consigo controlar sua bexiga, é água da torneira.

A voz que se seguiu me deixou envergonhado e assustado ao mesmo tempo. Não por causa da possibilidade de um fantasma do banheiro ou um desconhecido assassino ter puxado um papo sobre urina no piso. Muito pelo contrário, eu já sabia quem falava.

Levantei os olhos me preparando para a possibilidade de levar um soco.

–Está bloqueando o caminho-Kanda rosnou, sempre me surpreendendo nas piores horas- moyashi.

Depois de sair da paralisia medrosa, me joguei mais para o canto da parede, torcendo para que o que ele tinha falado sobre água fosse verdade.

–Pode ir agora- avisei.

Ele franziu as sobrancelhas. Não que fosse algo novo, suas sobrancelhas sempre estavam franzidas quando me viam.

Mas talvez fosse porque eu estivesse sem a menor paciência para aguentá-lo ou talvez porque eu soubesse que eu estava parecendo uma versão pior do Smigol de Senhor dos Anéis. Aliás, não seria uma comparação muito justa com o Smigol.

Como que para piorar a situação, algo lhe disse que seria uma boa ideia se ajoelhar ao meu lado e tentar ser “atencioso”. Aquilo era assustador.

Eu não o vi sentar, falando em realidade, mas vi pelo reflexo da pequena poça de água entre as minhas pernas seu vulto embaçado e desproporcional sentando ao lado do Smig- quer dizer, de mim. Eu continuei concentrado nos padrões do piso, pensando que talvez, quem sabe, sua presença não passasse de uma projeção dos problemas que me atormentavam.

Seria muito melhor se fosse.

Não é muito fácil tentar equilibrar a aura ameaçadora ao lado quando seu jantar está quase arranhando sua garganta.

E também não acho que fosse fácil para ele. Qual o motivo de ficar sentado ao meu lado se vai, de fato, apenas ficar sentado ao meu lado?

–Sabe?-a voz firme que eu planejava saiu mais como um gato com disenteria intestinal-Se for para ficar ao meu lado como se fôssemos dois adolescentes depressivos fugindo da apresentação em grupo no banheiro da escola, talvez você ganhe mais indo para o seu quarto dormir para a missão amanhã. Porque pelo que parece eu com certeza não vou conseguir dormir.

–É uma comparação bem específica.

A risada que saiu pelo meu nariz me causou um arrepio.

–Nem me fale-ajeitei os joelhos para que pudesse me apoiar ainda mais neles- mas, sério, não leve à risca o que o Komui provavelmente falou para você. Não precisa ficar em cima de mim o tempo inteiro. Eu sei que esse não é seu estilo...e não entenda essas frases de outra forma, porque isso soou um pouco estranho.

–Que forma?

–Esquece. Esquece. É a minha mente mandando minha boca falar coisas estúpidas de novo. Mas eu falei sério sobre o Komui. Eu tenho ideia de que ele deva ter falado coisas sobre “cuidar de mim” e “me proteger”, isso é bem a cara dele- uma crise de tosse invadiu meu discurso sem aviso algum- porém, devo acrescentar que não quero uma babá que não tem a menor vontade de cuidar de mim. Já tive algumas experiências desse tipo quando criança e não foi nada legal. Então, se não quisermos terminar a noite comigo me queimando no fogão enquanto você curte a novela na sala, creio que seja de bom grado que você curta sua madrugada no seu quarto. Boa noite.

Houve um grande período silencioso que interpretei como sua saída ou seu preparo para rasgar minha garganta. Talvez uma sequência dos dois.

Até podia vê-lo. As sobrancelhas se fechando, aquela veia característica saltando de sua testa ao tempo em que a boca soltava um terrível “tsc” teimoso. O problema era que não foi isso que aconteceu.

Quê?-ele soou genuinamente confuso, um tom novo para meu banco de voz que tinha dele- Eu não entendi nada do que você disse, moyashi. Tsc. Ainda se você soubesse falar...

Ri ironicamente, sem encontrar a graça nos seus pontos.

–Eu falei sério. Pode continuar seu caminho pelos corredores obscuros que cercam esta ilha de água, mijo e, se esperar mais alguns minutos, vômito, com certeza. Pode ir.

Seu modo de bufar ficou ainda pior no eco do banheiro vazio. Sua respiração forte soprou fios sobre meu rosto e causou outro mau arrepio.

–Infelizmente, moyashi-ele cuspiu a palavra como se nojo pulasse da boca- você não é o único enfiado nessa bagunça que você criou. Tsc. Se algo acontecer, sou eu quem vai se ferrar, então, não, não seria melhor eu ir pro meu quarto.

Não precisava olhar para entender que seu olhar deveria estar fervendo com “até parece que eu acredito no fato de você estar bem”. O que, na verdade, era uma afirmação totalmente normal e totalmente competente, considerando que essa era uma conclusão fácil.

Minha respiração tomou um rumo não muito bom ou saudável. Não era como se eu tivesse tempo para enfrentar ao mesmo tempo um desagrado intestinal e um japonês samurai assassino com uma lealdade ao chefe.

–Isso tem a ver com Alma?

Dali eu pude sentir o clima esfriando...quer dizer, não que houvesse algum clima quente para começar.

–Isso tem a ver-ele respondeu- com a sua incapacidade de ficar na enfermaria...ou mesmo no seu próprio universo. Por que você não usou o banheiro da enfermaria, a propósito?

–Você viu a situação daquele lugar? Alguém devia chamar algum esquadrão especial para interditar aquela área. Tipo, eu tenho certeza de que tem coisas lá que não são legais.

Ele rosnou. Provavelmente pela sua falta de sorte e eu compreendia.

Eu levantei em um pulo, ignorando o trajeto no meu estômago.

–Bem, trabalho bem feito. Eu já estou bem depois desse descanso. Você pode voltar para o seu quarto e eu para a enfermaria. Boa noite.

O encarei, esperando que se levantasse e fosse para eu poder seguir minha vida no banheiro sem incômodos ou olhares. Não aconteceu. Mais uma vez.

–Pode ir- tentei enxotá-lo com um gesto que foi rebatido dolorosamente.

–Vai você primeiro.

Minha expressão fechou no momento em que ele respondeu. Talvez não porque ele estivesse tentando dar uma de esperto comigo, mas porque o impulso que invadiu a garganta fosse tão forte que me assustasse.

É. Definitivamente o impulso.

No segundo seguinte estava correndo para uma das cabines, ajoelhado no chão e fazendo um escândalo nada higiênico no vaso sanitário.

Não vi quando Kanda chegou atrás de mim, até ouvir um som enojado crepitar pelas minhas costas após a bagunça feita.

–Será que você nunca para de vomitar?

Entre as lágrimas e o fundo da garganta gasto, reuni a força necessária e possível para falar -ou ganir- sem que acabasse em um desmaio.

–Bem, não é como se eu gostasse disso. Até essa missão passar eu provavelmente vou ficar assim- até me surpreendi com o modo como soava frente ao calafrio inevitável misturado ao alívio- Quando eu estou nervoso, eu como para esquecer. Mas quando eu como, eu sei que estou comendo porque estou nervoso, então eu lembro que estou nervoso e como mais e...É. Você entendeu.

Meu raciocínio estava abalado pela má sensação, mas ainda assim funcionava pelo menos o bastante para tentar vasculhar respostas apropriadas para manter um nível de conversa descente.

Tentar.

–Mas, pense pelo lado bom- continuei, no ímpeto estranho que tinha de continuar uma conversa- você já está treinando para quando a sua esposa estiver grávida de uma bela, ou um belo, mini-samurai rabugento.

Mesmo com a visão embaçada, eu não precisava mais do que conhecimento para saber que ele rolava os olhos.

–Por que você acha que eu casaria com alguém?-rosnou de volta. Os dedos das mãos se apertavam como se fosse um cão esperando o sinal para ataque.

–Porque você a ama e que ficar ao lado dela para sempre?-ele me devolveu seu olhar incrédulo que mais soava como averso, como se eu estivesse perguntando se queria lamber meu rosto inteiro para limpá-lo.

–Entendi-ergui os braços em rendição- Esse negócio de “amar apenas o serviço” deve ser coisa do código samurai- tossi, enxugando com a barra da camiseta as lágrimas insistentes-Tudo bem. Escolha sua. Muitas pessoas não curtem muito esse troço de amor. É uma merda mesmo...-um súbito de coragem cresceu pelo meu peito quando voltei a olhá-lo, agora com a visão perfeita- ou... isso tem alguma coisa a ver com Alma?

Ele serrou as linhas de dentes. Peguei-me observando como isso fazia as linhas ósseas do seu queixo adquirirem um aspecto interessante.

–Por que está tão obcecado com isso?

–Por que você está tão obcecado com o meu cuidado?- ao cerrar os lábios com força no que seria um ato de provocação, acabei mordendo a pele sensível. Mesmo que isso fosse de render algumas lágrimas, tentei não mostrar o resultado. Eu já estava ajoelhado no chão de uma cabine de banheiro aos seus pés. Mais um pouco de humilhação e eu estaria lambendo suas unhas.

Eca.

Mas considerando o estado estranhamente perfeito do seu cabelo, não duvidaria que suas unhas estivessem perfeitamente limpas.

–Tsc. Escute aqui. É a última vez que vou dizer – pelo modo nervoso como as dedos buscavam fantasmagoricamente algo em sua cintura, a paciência já rara que ele guardava estava se esgotando- Komui acha que sua cabeça de idiota tem algum tipo de “poder”sobre esse lugar.- qualquer lesma entenderia o tom irônico que ele usava e eu gostava de pensar que eu não era uma- Por mim, eu cortava apenas ela e incendiava seu corpo, mas parece que como um paranormal de merda que você é, não funciona sem as duas partes juntas. Então eu estou preso nesse negócio todo porque você não sabe se cuidar e considerando que você quase morreu em uma única missão e não consegue ficar doze horas sem vomitar ou abrir essa boca maldita para falar coisas idiotas, duvido que consiga viver sem quebrar algum outro maldito limite de espaço, tempo ou qualquer outra merda que tenha nesse mundo.

Meus olhos trancaram em cima dele junto das palavras e da boca que cresceu como um grande zero. A falta de ações pareceu alarmá-lo quando desencostou da porta e me desafiou com a postura de quem espera algo ruim vir para poder esmagar em pedaços.

Ou seja, uma postura natural dele.

–Essa...-eu comecei, com o cenho enrugado- deve ser a sua maior fala na vida inteira. Eu nunca te vi falar tanto.

Ele suspirou, claramente segurando na garganta a vontade de me estilhaçar com os dedos enquanto podia -mas então lembrando que, bem, eu não funciono com as partes separadas- então deu as costas e rumou para longe.

Eu achei mais que justo e talvez um pouco animador que alguém como ele estivesse dirigindo palavras para mim, então me esforcei para achar um rumo de conversa. No entanto, era quase impossível encontrar algo que se encaixasse diferente de “eu sinto medo de não saber o que Alma tem a ver com tudo isso tanto quanto medo de saber”.

Dramático demais para uma conversa no banheiro.

Antes que pudesse tomar uma iniciativa, fui atingido por um papel higiênico certeiro que fez seu caminho até o meu nariz.

–Anda. Tsc. Sinceramente...Por que não te deixaram com o Usagi? Vocês se merecem-ele esperou com os braços cruzados enquanto eu me erguia e limpava o suor do rosto com o papel e água na pia. Evitei observar meu reflexo, porque tinha certeza de que estava arrebatador.

–Eu me pergunto a mesma coisa.

Segui direto para a porta, onde também evitei o olhar afiado, porque eu também tinha certeza de que era arrebatador. Ambos, seu olhar e minha aparência, podiam matar alguém apenas ao colocar os olhos.

Outro ponto em comum além do fato de que nenhum de nós tinha a habilidade completa de coexistir em sociedade.

–Virou minha escolta?-comentei, mais rápido do que o tempo que precisava para filtrar as palavras, vendo como ele esperava por mim próximo da porta.

Não precisei que ele verbalizasse o sentimento assassino quando apertou os olhos.

Agradeci mentalmente a falta da sua sempre presente espada enquanto passava rapidamente por ele e andava aos passos apressados para o corredor. Ele podia não ter uma espada, mas isso não o fazia menos ameaçador.

Kanda seria ameaçador vestido de princesa com um filhote fofo no colo e ninguém negaria.

Por um momento esqueci do vento forte que assombrava o corredor. Assim que saí fui tomado pela força que passou pelas minhas roupas e me desequilibrou sem esforços enquanto me cegava pela chuva de fios de cabelo que se voltaram contra mim. Eu teria sem dúvidas me estatelado no chão molhado, rolando severamente de volta para o banheiro se outra força- essa humana, até onde sei- não tivesse me empurrado equivalentemente.

–Hã...obrigado?

–Ande.

Desandei passos apressados -ao modo como o vento e as condições físicas me permitiam- seguindo os seus, que eram firmes e decididos. Kanda pisava no chão como se fosse feito de inimigos...e amigos, afinal duvido que ele não quisesse usar a mim e Lavi como tapetes estilosos. Ouvi-o resmungar cinco ou dez palavrões que com certeza tinham a ver com sua missão particular “24horas com Allen Walker”, mas nada fiz para arranjar uma resposta, aproveitando o refresco que o vento fazia no meu rosto.

Enquanto tentava mantê-lo sempre no campo de visão, corri as mãos pela grade do corredor circular, observando com interesse o buraco central fundo da torre cilíndrica. Eu podia ver milhares de portas circundando a descida e o fundo no escuro não passava de desconhecido, onde de dia podia-se ver o salão iluminado.

A Ordem era um lugar incrível. Ser exorcista era uma coisa incrível.

No entanto quando me abatia o sentimento de futuro, nada tirava o gosto ruim e sangrento que surgia na minha boca. E eu me pegava pensando: Será que é porque eu o conheço?

Antes que eu pudesse formular uma resposta, a barulho rangido de uma porta tirou minha atenção.

–Onde você está entrando?-sussurrei, sem motivo, enquanto Kanda abria uma das portas do corredor.

Ele pareceu encontrar mais um motivo de ódio no meu rosto pelo jeito como me olhou.

–No meu quarto?-ele respondeu, nem se incomodando em me falar mais nada enquanto balançava a cabeça negativamente. Ele parou por um momento, o que me deixou em alerta e tomando uma distância maior caso ele resolvesse que essa era uma boa hora para um homicídio.

–Você sabe onde é a enfermaria?- tentou confirmar, rosnando as palavras uma a uma.

Eu tentei rir para descontrair, já começando a andar.

–Em teoria eu sei- respondi, mas meus olhos se distraíam para a fresta aberta de sua porta. O quarto de Kanda. Estava exclusivamente escuro, por isso não dava para ver muita coisa com um campo visual pequeno, porém era notável a janela grande poeirenta e trincada e a cama de esqueleto metálico frágil. Um brilho me chamava a atenção, não só porque quebrava a escuridão, no entanto por ser de aparência incomum.

Uma flor rósea aprisionada dentro de uma ampulheta de vidro.

Uma lótus, algo dentro de mim conhecia. Uma pétala rapidamente se desprendeu e com graça desceu até a base da ampulheta.

Uma memória piscou dentro de mim, mas não teve tempo de se iluminar antes de minha visão ser obstruída pelo corpo de Kanda. Ele não parecia nem um pouco feliz em notar meus olhos bisbilhoteiros quando soltou mais um xingamento cuspido e bateu a porta no meu rosto.

Quando encontrei a enfermaria, a cama estava fria novamente. E o céu começava a clarear enquanto eu pescava o sono que tanto precisava.

Mal sabia eu que aquela seria a última vez que eu encontraria essa pequena paz dentro de mim mesmo.

–X-

oOo

–X-

–Então...-eu decidi começar. Meus dedos nervosamente se esfregavam no tecido da calça do uniforme quase que em modo automático. Eu arrisquei um olhar para Kanda ao meu lado no sofá da sala de Komui apenas duas vezes, já que à medida que o supervisor nos ditava os avisos sequenciais de sempre meus olhos se prendiam na figura sentada ao meu outro lado. Figura essa que não havia sido comentada até o momento, mesmo após vinte minutos de estadia. E isso estava me incomodando.

Pigarreei, buscando uma voz mais decidida e todos os três na sala se voltaram para mim.

–Então...-recomecei, jogando meus olhos para a pessoa ao lado buscando estudá-la de todas as formas-o que exatamente o Lavi está fazendo aqui?

O ruivo me encarou de cima –maldita falta de altura- com olhos de quem não compreende a pergunta. Eu sabia que Kanda o ignorava porque preferia não pensar na sua existência e que Komui sabia porque simplesmente sabia, mas eu não me lembrava da missão envolver mais que duas pessoas. Essas sendo eu e Kanda, a propósito.

Não que eu odiasse o Lavi. Ele era meu amigo desde que eu havia chegado. Almoçava comigo todos os dias, sem contar os que eu sentava com o samurai por falta de lugares, sempre estava me chamando para ir desenterrar livros na biblioteca, quando eu não estava testando minhas habilidades na sala de treinamento com Kanda, e conversava direto comigo sobre os mais variados assuntos que sua língua elétrica encontrava, se eu não estivesse ocupado na briga violenta de olhares com o japonês.

Na verdade, eu nem sei por que eu me aparentei tão averso a entrada do Lavi na missão. Uma possibilidade grande ia para sua habilidade aprimorada em, bem, irritar o Kanda com uma palavra.

–Por quê?-ele perguntou, numa voz esganiçada que ele só fazia quando queria provocar- Você não me quer junto, Allen? Você quer ir só com o Yuu?

E desequilibrar o que já não aparentava equilíbrio.

Enquanto o bobão inventava um choro teatral disfuncional, o meu outro lado jorrava seu instinto mortal para todos os lados da sala. Eu não quero nem começar dizendo que eu estava no meio dos dois e dali eu não sairia inteiro se continuassem.

Cortei Kanda em meia palavra -“Não me cham-“- para falar com Komui antes que eu pagasse o pato.

–Então Lavi vai conosco –confirmei antes mesmo que ele afirmasse com a cabeça.

Ele nos jogou três pastas amarelas quase certeiras. A de Kanda voou pelo seu pé e se escondeu debaixo de outras folhas antigas, a minha veio direto na testa sem avisos e Lavi recebeu a sua diretamente no abdômen.

Folheei rapidamente o conteúdo, me prendendo a uma imagem desenhada do que me parecia um espelho com aspecto ficcional de conto de fadas.

Isso não parecia bom.

–Então...-eu comecei mais uma vez, sem tirar os olhos das folhas- nós vamos caçar briga com a Branca de Neve ou coisa do tipo?

O humor não pareceu alegrar muito a tensão. Mais por parte do irritadinho número um- que também atende pelo nome de Kanda- que por qualquer outra pessoa.

Komui, por exemplo, sorria como se não estivesse acabado de colocar o trio explosivo numa missão conjunta e esperasse que tudo corresse na perfeição.

–Talvez?-ele respondeu, girando-se na sua cadeira acolchoada- Não sabemos o que tem lá.

–Pra variar...-Kanda resmungou, quase arrancando uma risada sufocada de mim.

–Mas é um lugar próximo daqui-Komui continuou, ignorando a interrupção- por isso tomamos a liberdade de mandar mais pessoas, afinal o custo vai ser mínimo. É no outro lado da cidade.

–E...o contexto é...?-perguntei, querendo apressar aquilo.

–Um espelho-ele sorriu, como se eu pudesse captar tudo que precisasse em uma simples palavra.

–E...-eu cautelosamente perguntei- o que tem ele? Ele te faz feio? Ou fala quem é mais bonito que você para causar discórdia? Ou é daqueles que te transportam para um lugar estranho?

–Alice no país dos espelhos e Branca de Neve- Lavi resmungou, fazendo uma expressão impressionada- boa referência na piada.

–Obrigado...?

Komui riu.

–Boa teoria, mas não-ele pegou seu próprio arquivo na cordilheira de papéis da sua mesa- parece um espelho que reflete seu interior e projeta o futuro, ou coisa do tipo.

Estalei os dedos com a realização que me surgiu.

–Harry Potter! Deixei essa referência escapar na piada!

Lavi concordou rapidamente.

–Sabia que estava faltando algum. Se bem que não é bem o espelho de Ojesed...

Fui celebrado com um tapa nada amigável na nuca. Kanda me intimou a permanecer quieto apenas com o olhar que avisava “cale essa boca inútil ou vou fazer calar com um método nada convencional”.

–Por que os finders não o pegaram ainda?

–Por mais que espelhos sejam um tema abrangente na cultura pop- Komui continuou- aqui temos um grande problema.

–Pra variar...- eu e o Kanda nos assustamos com o tom uníssono entre nós, mas isso logo escapou.

Komui entrelaçou os dedos na sua frente e se inclinou sobre sua mesa.

–Ninguém pode tocá-lo e ultimamente as coisas que ele tem mostrado... Não são muito legais.

Pelo bufar intenso ao meu lado, o japonês rolava os olhos com força. Obviamente ele se familiarizava com coisas “não muito legais”. Ele se entendia com elas.

–Por isso, pensamos que exorcistas podiam terminar o trabalho.

–Então é ir lá, pegar e trazer o espelho?- Lavi riu, trombando seu ombro no meu- Fácil demais.

Komui torceu os lábios.

–Em teoria sim. Se nós soubéssemos onde é o “lá”.

–Como assim?

Ele deu de ombros.

–O negócio muda de lugar muito facilmente. Não dá para saber. Sem contar que o Conde com certeza sabe dessa innocence, se é que é uma.

As lembranças da última visão invadiram minha mente antes que pudesse ignorá-las. Tive calafrios repentinos envolvendo ácido e um rosto feio como o cão chupando manga.

–Então é ir, achar, pegar e trazer- eu completei- e sobreviver, se for possível.

–Sobreviver é uma boa ideia-Lavi concordou.

–Sim- o supervisor se recostou na cadeira macia e jogou seu arquivo para um lado qualquer da sala, me mostrando como essa bagunça anormal surgia- agora vão fazer as arrumações finais. Sairão agora mesmo.

Lavi foi o primeiro a levantar, em um pulo. Ele resmungou algo sobre estar com sono e sobre seu avô tirano e correu pela porta se despedindo de mim com um beijo aéreo. Eu levantei com a preguiça natural e Kanda continuou sentado com cara de poucos amigos.

Komui me impediu de sair.

–Espere, Allen- seu tom estava sério como poucas vezes. Fez-me voltar rapidamente a sentar para ouvir o que vinha pela frente.

–Sim?

–Antes que saia, preciso que saiba-seu olhar foi de mim para Kanda e de volta para mim- Lavi está no grupo por mais que simplesmente acesso. Ele é um Bookman.

–O que significa que ele e sua linhagem absorvem histórias e conhecimentos ocultos sobre as épocas e sociedades- complementei- hã, e o quê?

–Talvez ele possa ter informações sobre Noahs. Eu conversei com o avô dele e ele acabou soltando algo sobre serem a família do Conde do Milênio que reencarna de tempos em tempos e cujos integrantes se dizem apóstolos de Deus verdadeiros. Parece que estão mesmo envolvidos em mortes desde algum tempo. Mas só.

–Mas-Kanda chamou a atenção ao soltar a voz pela primeira vez, soando como uma ameaça- isso também quer dizer que você coloca em risco o moyashi e a identidade dele- ele levantou os olhos de onde brincava com a espada-o Usagi tem uma curiosidade da porra.

Komui torceu os lábios firmemente.

–Um risco por um risco. Eu só quero ter certeza de que se algo acontecer lá e estiver relacionado, talvez Lavi saiba de algo ou reconheça. Apenas isso- ele saiu de trás de sua mesa e caminhou até mim apenas para esfregar os dedos na cabeleira branca. O ato me deixou extremamente calmo. E também triste- eu estou tentando, Allen. Vamos salvar Mana, não se preocupe.

Segurei o choro que subia inconsciente pela garganta.

Não era hora de fraquejar. Não ainda. Ficar parado lamuriando não traz meu pai de volta.

–Então eu vou indo- levantei, batendo no uniforme como se tirasse a sujeira impregnada- vou...arrumar uma mala rapidamente e descer mais rapidamente ainda. Até mais. Komui. Bakanda.

–Não me cham-

Batia porta.

Quando saí às pressas da sala, um pressentimento ruim me impedia de andar reto. Não apenas porque eu sabia que Noahs eram capazes do inimaginável mesmo sem ter trombado com nenhum deles pessoalmente. Mas porque eu sentia algo estranho, familiar e quente no modo como Kanda observava cada um dos meus movimentos com a precisão de alguém que sabe e reconhece.

Como se eu soubesse que algo ruim iria acontecer.

Não ao mundo envolvendo o Conde, mas a mim envolvendo a mim mesmo e coisas que eu deveria ter trancado no baú sentimental do esquecimento.

Há muito tempo atrás.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E é isso. Gostaram? Não? Reviews?
—Sentiram a tensão (sexual)? Não? Eu senti.
—Eu sei que disse que não iria escrever um texto. Eu planejava postar esse capítulo antes então pode estar um pouco atrasado o assunto, mas eu percebi que muitas pessoas não estavam sabendo dos protestos que estavam acontecendo em Ferguson, nos EUA. Cara, a coisa tá feia, apenas para mostrar como a polícia principalmente está terrível. Em suma (bem resumido mesmo) eles começaram após um homem negro, Michael Brown, ser baleado por um policial que achou que ele "ia machucá-lo" quando ele estava já rendido. Ele morreu e o policial não foi preso. E de tempos para cá, isso tem acontecido. Eric Gardner outro mais recente, foi morto por um policial (sob olhos e gravações) por estrangulamento e depois ainda tiveram a audácia de dizer que ele morreu por um ataque de asma (se não me engano). Hands up don't shoot e I can't breathe (últimas palavras de Gardner, que disso isso mais de dez vezes enquanto era morto), viraram gritos nos protestos. Os policiais não foram presos. E não é a primeira vez, porque isso não é apenas caso de desentendimento ou má conduta policial, mas de racismo que é exatamente o que os protestos tentam reverter. As coisas explodiram por lá e sugiro dar uma olhada nisso. Nesse link, uma demonstração da conduta racista e violenta da polícia, apenas um exemplo, um vídeo simples de uma família que foi parada por policiais, as crianças no banco de trás, e quando o homem foi se mexer, acharam que ele ia puxar uma arma (tipo, what??) e os policiais apontaram suas armas para ele, mas ele logo explicou que não tinha arma alguma. Óbvio que ele ficou com medo de sair do carro, mas os policiais insistem e do nada um deles quebra o vidro (??) tirando o homem violentamente. As crianças ficaram machucadas pelos cacos e obviamente assustadas. Tem uma descrição em inglês embaixo. Cara, eu fiquei paralisada de medo:
http://coffinforsweetlove.tumblr.com/post/103573465692/nakedorange-krysta-kicky-feet
E tem mais, principalmente nos protestos no México, mas eu queri falar de Fergurson porque realmente parecia que ninguém estava sabendo disso mesmo. Eu queria muito estar em todos os lugares para ajudar, mas infelizmente eu só posso espalhar a causa...;-;
E...eu acabei escrevendo um mini texto hahaha era para ser um resumo, juro. É que eu gosto de falar com vocês, então às vezes eu acabo trazendo esses assuntos...mas, enfim...
Muitíssimo obrigadíssima!!
O próximo deve ser Bad Boy :)
Até! o/