Pure Imagination escrita por Sweet Death, SaltedCaramel


Capítulo 11
Fear of the Dark. Are you afraid of it?


Notas iniciais do capítulo

Yey!!! o/ Como vocês estão? Eu estou muito MUITO bem.........Muito...bem.... T^T tudo bem, são lágrimas de emoção, porque eu recebi mais recomendações!!! O que deu em vocês?? 5 recomendações?? É mais do que meu coração aguenta T^T muitíssimo obrigada a todos, porque suas palavras sempre me incentivam e me fazem querer melhorar a escrever sem parar!!! Agradecimentos sinceros e sentimentais a Milk Cullen (uma escritora que eu admiro e cujas palavras na recomendação me ajudaram a escrever o capítulo haha Muito obrigada!) Kuroko Mei (não sei se todos se identificaram com o Allen, mas muitas e eu com certeza hahaha, vamos chorar litros, mas de rir por enquanto hahaha muito obrigada pelos elogios!) !!!
—Fear of the dark! Fear of the dark! I have constante fear that something's always near!!!~ cantando Iron Maiden, porque é o título do capítulo hahaha aproveitando, vejam essa curta de terror:http://kotaku.com/horror-short-will-make-you-sleep-with-the-lights-on-fo-1545880532?utm_campaign=Socialflow_Kotaku_Facebook&utm_source=Kotaku_Facebook&utm_medium=Socialflow
—tentando escrever rapidamente, os capítulos acabam saindo mais superficiais e curtos haha não revisei nem li e talvez esteja curto em termos de história...
—Boa leitura o/



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/464859/chapter/11

–Tudo bem, tudo bem- repeti para mim mesmo- não é como se fosse tão...er...ruim assim...né, Kanda?

Kanda resmungou alguma coisa.

Depois de conseguir uma cabine especial no trem (é, uniforme de exorcista faz coisas maravilhosas) e ter andado a pé uns bons 20 km depois de descer, chegamos sãos e salvos até a pequena cidade. Ou quase. Salvos sim, apesar de termos quase nos matado, presos na cabine e brigando de minuto em minuto. Agora sobre sanidade, sentia que estávamos prestes a perdê-la.

–Tudo bem...- repeti novamente.

Encontrávamos-nos, no momento, logo na entrada da cidade. Cercada de mato e mais mato, havia estradas de terra e paralelepípedos mal colocados, o arco que dizia (com espaços incompletos por letras perdidas e não recolocadas): “Be –vin o a Vila do Lamaçal”, um nome muito legal a propósito, que devia ser colocado mais adiantado para sinalizar o que esperar do lugar...porque eu estava pisando no maldito lamaçal!

–Ótimo- disse, conferindo o estrago que fazia nas botas da Ordem que usava- quem é que dá um nome desses para uma vila? Espera, quem mora em uma vila??

–Tsc. O tipo de pessoa que não nos quer em uma vila. Quem é que isola uma cidade no meio do matagal? Idiotas.

Com os pés fazendo barulho na lama de entrada, Kanda seguiu em frente a passos fortes que espirravam a gosma em mim.

A vila era pequena, parecia que estávamos voltando no tempo: casebres de madeira e tijolos alinhados, ruas desertas, sem fios elétricos, vacas e cavalos passeando calmamente e...aquilo era um lampião pendurado ao lado da porta?

Arrepiante.

Estava com um pouco de medo de alguns moradores saltarem com machados ou algo do tipo. Eu vi muitos filmes enquanto ficava deitado na cama com o aparelho de respiração asmático. Isso aqui daria um perfeito cenário para assassinatos frios.

Não que eu estivesse animado por isso...

O Sol despontava querendo sumir entre as árvores abundantes na paisagem ao fundo e eu sentia que a noite seria fria e barulhenta. Uma impressão que me desanimava.

Komui tinha razão, 40 e poucos desaparecimentos era um número ENORME para aquele lugar. Talvez fosse por esse motivo que fosse tão horrivelmente silencioso e vazio.

–Kanda- sussurrei, não sei o porquê...talvez fosse a necessidade de combinar com o clima- Kanda. Kanda.

Ele não virou para me olhar.

–O quê?- perguntou, quando fui abrir a boca para chamá-lo de novo.

–Er... você não acha que esse lugar é estranho demais? Deserto, sem sons e sem sinal de pessoas até agora. Apesar de estarmos no comecinho dela... mas, mesmo assim...

–Você tá brincando, né?- ele rosnou- Sua primeira missão em Matel era uma cidade fantasma em ruínas.

–Aah...claro...

Quieto.

Melhor eu ficar quieto. Fico melhor sem abrir a boca. Não fico falando coisas comprometedoras.

–E-Eu...me esqueci disso também...deve ser o clima daqui, tenso demais... e quente...abafado... me faz esquecer coisas desse tipo...

Droga, Allen. Só cale a boca!

O moreno não respondeu nada e eu não me incomodei mais com o silêncio: ele me impedia de criar coragem para falar.

Argh! Por que eu não podia vir em uma missão com o Lavi? Comunicativo, inteligente, racional e meu amigo. Mas eu tenho que passar dias aguentando esse maldito samurai psicopata e sua katana de estimação. Honestamente, só quero resolver isso e sair daqui para reclamar para o Komui. Esse lugar me dá terríveis arrepios.

O jeito como sol se esconde, como as ruas são estreitas e mal construídas, como o lampião apagado range com o vento, como a letra “D” da placa atrás de nós pende a cair,como a árvore seca (como ela conseguiu ficar seca com tanta umidade??) perto da casa mais próxima curva-se distorcidamente, como aquela vaca mastiga o capim e aquele corvo idiota me encara... Droga. Perfeito para uma tragédia.

Observando como as janelas de uma casa, feita de madeira escura e esburacada, batiam com a força do vento, mal percebi quando Kanda parou de andar. Desviei por pouco antes de acabar enfiando meu rosto nas costas dele (Haha, riam porque eu sou baixinho...).

–Uou! Droga, Bakanda. O que foi, empacou que nem uma mula?

Recuei quando seu dedo indicador calou a minha boca. Ele me encarou com raiva e uma ordem explícita no olhar: Cala essa boca.

Obedeci. Fazer o que? É ele que tem uma espada cortante na cintura.

Ele recuou o olhar, passando os olhos por tudo em volta rapidamente, depois voltou a me encarar significativamente. Eu não sei ler pessoas, então ergui-lhe uma sobrancelha. A resposta foi um aceno sutil de cabeça que eu não notaria se ele não me encarasse com tanto alarme nos olhos. Indicava um ponto atrás de mim.

Com cuidado, girei o pescoço, o mais calmo que conseguia. Só logrei em ser sutil porque, convenhamos, a situação era assustadora demais.

Encontrei uma casa alguns metros acima do solo, com uma escadinha subindo até uma varanda, com uma rede de se deitar e um lampião ao lado da porta branca de madeira. A casa inteira era de tábuas desgastadas. Seria um lugar muito fofo, se não fosse tão velho e mal cuidado,o que fazia a madeira adquirir um tom doentio de poeirento e quebrado.

Rolei o lugar inteiro com cautela, mas meus olhos se fixaram por um segundo a mais na janela fosca de tanta poeira. Exibindo-me um rosto de pares de olhos observadores e arregalados.

Estremeci, mas acho que mais paralisei do que tremi.

Voltei o rosto para Kanda com a mesma calma, só então notando que atrás dele, uma casa também tinha janelas com moradores que nos observavam determinantes.

–Kanda...

–Shhh. Seu olho não apitou, não são akumas.

Fingi entender. E também fingi não ligar para o medo que sentia das pessoas (tomara que sejam...) que nos observavam. Sussurrávamos tão baixo que só conseguíamos nos ouvir por causa dos corpos quase colados.

–Você...- sussurrei- acha que estão armadas?

–Definitivamente. Só não acho que são armas de fogo.

–Por favor, diga que são humanos e não fantasmas ou zumbis ou qualquer troço do tipo.

Ele ergueu as sobrancelhas.

–Tá, isso eu não posso dizer.

–Ótimo- disse, mais para mim mesmo- ótimo...só...vamos nos mover devagar e sair daqui, isso tá me dando arrepios...

Não sei se ele concordou com a cabeça, mas decidi seguir em frente. Movia-me devagar, como que para não chamar atenção, sem realmente pensar em quanta atenção em chamava com toda aquela lerdeza. Percebi que Kanda não movia para os lados como eu: sua mão escorregava para sua própria cintura.

Quando deu alguns passos, achando que era discreto o bastante, ouvi algo bater de alguns dos lados e um som metálico cortante. Olhei rápido para trás: alguém se aproximava correndo com um machado.

–Irgh!- resmunguei me desviando do golpe, mais rápido do que esperava.

O homem bateu com o machado na rua, o objeto afundou a lâmina entre os paralelepípedos. Só para garantir, bati em suas costas e o derrubei. Ouvi outro choque de lâminas, mas não me tinham como alvo.

Kanda havia satisfatoriamente (mesmo que ele não parecesse muito animado) interrompido uma outra lâmina a caminho de seu corpo, com sua própria espada. O homem que segurava o machado assustou-se, caindo com força no meio dos paralelepípedos que, mal colocados, ficavam bem afastados um do outro na rua.

–Tsc- Kanda resmungou.

–Irgh!- gemi, de novo- eu levei um susto! Eu estava sendo tão cauteloso.

Kanda embainhou a espada. Resmungou algo ofensivo sobre minha cautela.

–EI!!- ele gritou, quase rosnando- Saiam dessas merdas de barracos!!

Nada aconteceu. O mesmo silêncio. Não via nem ouvia ninguém, talvez não houvessem mais pessoas.

–Muito bem, acho que vou ter que cortar todo mundo para ter respostas. Estava esperando para cortar alguma coisa.

Sua mão desceu para a espada. E foi como uma súbita ação conjunta: várias portas se abriram de uma vez. Os rangidos das dobradiças enferrujadas preencheram a rua. Kanda estalou a língua, em seu som típico, tirando a mão da espada , apesar de soar meio contrariado fazendo. Aposto que ele falava sério sobre cortar as pessoas.

Estava prestes a desviar de qualquer ataque que fosse. Mas ele não veio.

Compreendi ao ver as pessoas que saíam de uma vez das casas. Recuei a posição de combate na hora: não haveria combate, de qualquer forma.

Mulheres puxando tecidos grossos contra o corpo, andavam cautelosamente em nossa direção. Ah, é desse jeito que se anda cautelosamente. Estava fazendo muito errado antes.

Homens carregando qualquer objeto aleatório que devem ter pego em casa para caso de ataque. Crianças...apenas meia dúzia, escondidas entre as pernas dos pais. Olhavam-nos como se carregássemos armas mortais...espera, nós realmente carregávamos armas!

–Kanda...-sussurrei, duvidando que ele me ouvisse- abaixe a espada, deixe-a no chão. Está assustando as pessoas e não poderemos conversar direito se acharem que estaremos prestes a matá-los.

Resmungou algo incompreensível, mas mesmo assim tirou a bainha da cintura e a jogou no chão. Irônico mais do que real levantou as mãos em um pequeno gesto rápido de trégua.

–Pronto- disse- vai ficar mandando mais por aí ou já acabou, moyashi?

–Era só não obedecer...- sussurrei, sem certeza de que ele tenha ouvido, mas não importava.

As pessoas relaxaram minimamente com o ato. Os homens abaixaram os objetos ao chão logo depois.

Estávamos os dois grupos desarmados e atentos.

E em total silêncio.

O silêncio sempre esteve comigo e eu estava familiarizado com o fato de sempre trazê-lo em todas as situações. Porém, minhas roupas estavam sujas, meu rosto estava suado, meus olhos pendiam de cansaço e Kanda estava a um passo de me bater até a morte por ter lhe dado uma ordem.

Era necessário falar alguma coisa.

Estava elaborando um plano de paz na cabeça quando um dos homens-adulto em seus quarenta anos, talvez- se adiantou em nossa direção, apontando o indicador para alguma área em nossos corpos.

Olhei para baixo, procurando o alvo de sua indicação.

Ah, rose croix, símbolo da Ordem Negra.

–Uma cruz...- ele disse.

–Ah- eu resmunguei, um ótimo jeito de começar uma conversa...-sim. Er...hm... bem...é que...

–Somos exorcistas mandados pela Organização Religiosa Negra- Kanda completou- vocês devem ter visto os caras de uniformes brancos. Eram funcionários inutilmente nossos. Agora, será que vocês podem contar logo o que acontece para a gente resolver essa merda e voltar para a ordem?

Nem tinha o que completar. Isso sintetizava a situação e impunha uma ameaça. Uau, Kanda.

Cada uma das pessoas encarou uma pedindo que se pronunciasse com alguma fala. O mesmo homem resolveu arriscar.

–Ordem Negra...uma organização um tanto estranha e rara-resmungou- tudo bem. Acompanhe-me. Os levarei à prefeitura para conversar sobre seus propósitos.

Suspirei aliviado. Tudo que queria era poder sentar e descansar. Se tiver comida, melhor ainda. Estava faminto de tanto estresse contínuo. Abrimos uma fenda na pequena multidão sussurrante de moradores enquanto passávamos a caminho do lugar, seguindo com confiança o homem. Estava mais que explícito nas atitudes quietas e hesitantes das pessoas que não éramos tão confiáveis assim.

Tudo que queria era descanso e alimento.

Mas minha mente vagava sozinha pensando no que havia me metido.

Ou no que estava para me meter.

–X-

Não sei sobre vocês, mas quando ele me avisou que estávamos indo para a prefeitura, imaginei um grande prédio branco, cheio de detalhes, majestoso em todos os simples aspectos, com grandes colunas, funcionários bem arrumados correndo de um lado para outro.

Considerando o resto da cidade, com certeza foi burrice minha em não prever o jeito como ela era. Não esperava um barraco um pouco maior que os outros, apenas, com uma grande placa pendente pendurada no telhado: “Prefeitura”. Feito de tijolos, o lugar poderia até ser aconchegante, se você gostasse de coisas não aconchegantes. Meu deus, o que acontece nesse lugar?

Uma escada de madeira roída subia em três degraus na elevação onde estava o lugar. Era uma simples casa de um andar feita de tijolos, porta de ferro com uma pequena janelinha de vidro, janelas bem arrumadas (comparadas com as outras da cidade, que eram totalmente arregaçadas).

Não que eu estivesse ligando muito...

Tá, eu estava. Aquilo ficava mais arrepiante a cada segundo.

Com o canto do olho, espiei o companheiro de missão: sem nenhuma mudança emocional significativa.

Porque ele é sempre tão estático assim?

Sem sentir e sem demonstrar. O quão bom deve ser a vida desse jeito? E o quão ruim isso me parece quando penso na insensibilidade daqueles com quem já cruzei antes e que me deixaram cicatrizes terríveis no corpo e na alma?

Não sei calcular isso. E nem quero.

Estou com fome, tudo que sei calcular no momento é o preço de uma pizza. Questões quantitativas/qualitativas emocionais estão totalmente fora de questão. E fora de sentido.

O homem subiu as escadas e adiantou-se a abrir a porta.

–Espero que tenha comida...- resmunguei, quase sem querer, dando ouvidos aos roncos de meu estômago.

–Tsc. Maldito esfomeado...

–Não reclama, Kanda! Estou sem comer há...há...

–Três horas. E você devorou o lanche que os caras do trem ofereciam.

–Ora- meu rosto esquentou- e-eles ofereceram, seria rude recusar.

–Então aproveite a fome. Vai comer algo daqui?- ele questionou com um certo aviso- péssima ideia, idiota.

Como que para que não precisasse protestar com palavras, meu estômago roncou, ou melhor, rugiu pedindo algo para acalmá-lo.

–Mas e você, Kanda?- tentava puxar assunto enquanto o homem procurava a chave certa em um molho retirado do bolso- Você não comeu nada no trem e não te vejo com fome.

Ele bufou.

–Eu não sou fraco como você. Um exorcista forte sabe que precisa passar fome. E não ficar choramingando porque passou da hora do lanchinho dele.

Estava zombando de mim. Zombando. De. Mim.

Hunf. De novo.

Esse japonês anoréxico filho de uma...

–Que seja- resmunguei.

Ouvi o tilintar de ferro, para então perceber que a chave do homem encaixava-se na fechadura, finalmente e a porta se abria. Apressei-me a subir as escadas, dessa vez deixando o moreno para trás nos poucos degraus.

Com a pressa, rapidamente me dei licença a entrar na casa. A parte de dentro não era muito melhor que a de fora, mas imaginei ser definitivamente mais confortável que os outros casebres do local. O interior de tijolos vermelhos com marcas brancas entre um e outro, assim como os de fora, uma pequena lareira que não tinha certeza de que poderia ser usada, uma mesa de madeira simples com uma cadeira encostada, vi um corredor ao fundo, onde deveria haver quartos. Em cima da mesa, papéis e mais papéis amontoados. Não tive muito tempo para reparar em quaisquer detalhes, em um momento ouvi a porta fechar-se e ser trancada atrás de mim, Kanda já havia entrado e estava encostado em pé ao lado da porta. Pareceu-me uma ótima atitude e me dava uma segurança esquisita.

O homem, apressado jogou as chaves em um canto e logo retirou o casaco de trapos que usava, revelando roupas casuais que usava. Tinha cabelos escuros e curtos que tendiam ao grisalho, uma barba por fazer e olhos grandes e escuros. Se isso não fosse soar gay, eu diria que ele tinha ótima aparência para sua provável idade.

Ele me indicou o sofá maltrapilho próximo a lareira. Olhei de esguelha para Kanda, ainda na porta, que nem ao menos prestava atenção no que acontecia.

Ótimo.

Isso quer dizer que eu devo tentar tomar rédeas da situação.

Agradeci com uma aceno de cabeça e um sorriso, enquanto caminhava para me sentar no lugar indicado. Depois de uma caminhada de 20 km, de ter pulado em um trem e ter sido atacado por moradores de uma vila estranhamente isolada com machados, sentar era a coisa que eu mais queria fazer. Tentei não pensar no fato de estar sentado no sofá na companhia de um homem morador, assim como os que tentaram me matar com tanta determinação.

Seria uma conversa pacífica. Nem que eu tivesse que fazer dela uma.

De brigas eu já tinha um estoque enorme para usar em Kanda nessa missão. Não precisava de mais algumas desnecessárias e prejudiciais ao andamento do trabalho.

Sentado e ansiosamente nervoso, esperei até que o homem reaparecesse na sala, segurando uma caneca que imaginava estar preenchida de chá ou café. Ele se sentou a minha frente, em uma poltrona de costura rasgada.

Ele me encarou com aquele tipo de olhos juízes que sempre me assustam. Sabia que suas sobrancelhas estavam franzidas no ato, mesmo sem olhar. Observava a caneca intocada, imaginando que estava ali na sua mão para o caso de precisar usar algo para me abater.

Meus dedos nervosos sempre caminham pelo meu braço, puxando as mangas do sobretudo e coçando os pulsos. Sabendo que ele não falaria nada e continuaria a me encarar, tinha que falar.

–Então...- disse- cadê o prefeito?

Sem mover a expressão, ele respondeu:

–Está olhando para ele.

–Uau- ri, por falta de reação- ótimo. Nem havia pensado nisso. Deveria ter percebido antes.

Ouvi um resmungo atrás de mim. Kanda se pronunciava ainda ao lado da porta, no mesmo tom de educação de sempre:

–Tsc. Pare de enrolação, moyashi! Você acha que a gente veio para ficar conversando de coisas sem importância?

–Olha, Kanda- respondi- você tem que ser mais paciente. Fique calmo, tá?

–Calmo...- ele bufou- será que esqueceu o que nós viemos fazer aqui? Prefere ficar conversando se...

–Quem foi que disse que os finders eram idiotas? Foi você, Kanda. De repente você está preocupado.

Ele descruzou os braços.

–Não estou preocupado com inúteis. Estou dizendo que você deveria trabalhar para a gente poder voltar logo e deixar esse caso. Você continua o moyashi novato que apareceu se cagando de medo na Ordem. Agora, pare de ficar dando em cima do cara e tire logo informações úteis.

–Eu não estou dando em cima de ninguém! Isso se chama conversa civilizada, Kanda. Você não pode simplesmente soltar as perguntas em uma conversa.

–Tsc. Você pode, se for inteligente o bastante.

Ignorei. Suspirei. E me voltei para o prefeito.

–Hã...desculpe- disse- S-Seu nome?

Ele continuava com a mesma expressão.

–Aaron.

–Hm...O meu é Allen. Allen Walker. E aquele é Yuu Kanda. Hã... acho que o Kanda já disse, mas nós somos exorcistas da Ordem Negra e...

–Estão aqui para saber dos homens de uniforme branco que vieram aqui alguns dias atrás.

Assenti, relutante.

–São companheiros, certo?

–Mas nós viemos para completar o trabalho.

Ele se arrumou, foi a primeira vez que sua expressão mudou.

–Sobre as crianças desaparecidas.

–Isso. Pretendemos resolver isso o mais rápido possível. Pode nos contar tudo que aconteceu. Detalhes, elementos estranhos, teorias, horários... Precisamos do máximo de informação para acabar com isso.

Ele pensou por um bom tempo. Tomou seu primeiro gole da caneca e depois se levantou.

–Vou dizer o que acontece. Gostaria de um pouco de chá ou café? Ouvi que estava com fome.

–X-

Tomei um poço do chá de camomila que havia me entregado. O líquido quente desceu tão macio pela garganta que relaxei na hora, não hesitando em tomar mais um longo gole e me deliciar com a sensação confortante que a bebida me causava.

Na verdade, apenas me preparava para a conversa que vinha a frente.

O homem ainda me observava. Apesar do olhar ter amolecido, ainda era forte o bastante para me fazer ficar desconfortável e apreensivo. Não que fosse preciso TANTA força no olhar para me deixar desconcertado.

Olhe para mim por mais de dois segundos e já acreditarei piamente que está: (1) bolando um plano para me matar, (2) rindo internamente de mim, (3) ou que seu amigo reparou na minha esquisitice e mandou você olhar discretamente na minha direção.

Tentei encarar na mesma intensidade. Falhei miseravelmente.

Praticarei esse ato o bastante até conseguir fazer com perfeição.

O homem ajeitou-se na poltrona. Aproveitei o momento livre para olhar de esguelha para o “companheiro-que-mais-parece-um-enfeite-de-parede-feio” procurando qualquer reação aos seus olhos verem o homem, talvez alguma expressão que ele estivesse fazendo para Aaron me ajudassem a examiná-lo como pessoa também. O problema era que ele não estava examinando o homem. Estava ME examinando.

Os olhos estreitos encaravam-me com uma expressão ainda não reconhecida por mim. Mas me deram uma tremedeira de insegurança preocupante. Não tive tempo de pensar. Tinha outras coisas para fazer, então desviei,antes que ficasse estranho demais porque ele não parecia ter a menor vontade de se mexer.

–Então, Aaron- disse, assim que ele se ajeitou completamente- pode nos contar tudo o que aconteceu.

–Allen, certo?- confirmei- tudo bem. Por onde posso começar?

Ele tomou um longo gole de chá. Eu sabia que era para organizar seus pensamentos e limpar a garganta.

–Nossa vila- ele começou- nunca teve muito mais contato com outros lugares, a não ser por questões comerciais ou medicinais. Nossas gerações se comprometeram a nunca se comunicar mais do que isso, eles sabem das coisas ruins as quais o mundo se submete lá fora.

–Espera- pedi- os garotos e garotas...se educam aqui?

Não havia visto uma escola, talvez estudassem no outro lado do lugar que ainda não explorei.

–Sim. Apesar de a maioria acabar saindo quando atinge a maioridade- ele suspirou- Nunca voltam. Acredito que são seduzidos pelo que há ao redor.

Identifiquei um brilho triste na sua expressão, mas surgiu tão rápido quanto o percebi.

–Bem, vamos pular para a parte que lhes interessa. Começou a pouco mais de três meses atrás. Os desaparecimentos. Em um dia, estava tudo bem, com as crianças. Tudo estava normal em todos os detalhes. No outro dia, uma criança sumiu ao amanhecer. Os pais acordaram e não a encontraram em lugar algum, os gritos deles chamando por ajuda acordaram a vizinhança inteira. Inclusive eu mesmo. Todos nos reunimos para saber o que estava acontecendo quando a mulher, em prantos, nos contou que a filha havia desaparecido e não a encontrou em nenhum lugar de que se lembrava. Confesso que nenhum de nós parecia entender do que ela falava, estávamos confusos demais, até que compreendemos o que havia acontecido. Não demos muito atenção. De vez em quando, crianças desaparecem por algum tempo, indo para a floresta ou fazendo birra. Mas ela não apareceu no outro dia. Nem no outro. Nem na próxima semana. Quando começamos a nos preocupar, sumiu a segunda criança. Uma semana depois, a terceira. Logo, três a quatro crianças sumiam por noite. Sem rastros. E nós sem ideias- ele suspirou, cansado- foi depois da 12º criança que contatamos a Ordem Negra e espalhamos a notícia. A última criança que desapareceu foi um garotinho de 10 anos, na última semana. Seus funcionários estavam tentando investigar qualquer vestígio de sei-lá-o-que-vocês-procuram, mas depois disso eles também sumiram. Da noite para o dia.

Observei sem saber que reação ter quando ele afundou o rosto nas mãos, curvando-se quase entre as pernas.

–Nós não sabemos mais o que fazer- resmungou, a voz embargada sem eu saber se era por causa das mãos ou por tristeza- EU não sei mais o que fazer.

“Eu também não”, quase respondi, mas isso só ia piorar o clima.

–Hm...Tudo bem- respondi- eu...realmente sinto muito pelo sofrimento de vocês. Nós vamos descobrir o que aconteceu e vamos trazer as crianças de volta.

“Se elas estiverem vivas...”, quase completei.

–Suas informações foram úteis...hã...eu e meu companheiro agradeceríamos se tivéssemos um lugar para ficar a noite. Vamos pensar com frieza sobre as informações, prometo. Traremos uma resposta, nós vivemos disso, trabalhamos para isso e viemos aqui só para isso.

Ele levantou o rosto, devastado. Encarou a janela fosca, olhando o escuro tomar conta do ambiente lá fora e o sol sumir por entre as árvores da floresta. Pareceu temer com muita sinceridade a visão que tinha.

–Sim- respondeu com a voz rouca, sem tirar os olhos da noite que começava a aparecer- obrigado. Estaremos esperando respostas com bastante ansiedade. Mostrarei um pequeno casebre em que podem se instalar, não temos hotéis por nunca recebermos visitas.

“Então é por isso que nem se preocupam com a placa de ‘Bem-vindos’ na entrada...”, pensei.

Ele se levantou e eu segui o gesto. Porém, antes que pudéssemos chegar até a porta, Kanda o interceptou (tendo finalmente saído de sua posição inicial).

–Espera- disse e o homem obedeceu- qual foi a primeira criança a desaparecer, seus pais e o endereço?

–Hã...- ele pensou- foi a pequena garota Morgan. Emily Morgan, de sete anos. Os pais são William Morgan e Lilian Morgan. Moram nessa mesma rua, a casa de placa 57, com uma cadeira de palha logo na varanda da frente.

–Tsc- ele se virou para mim, sem nem ao menos agradecer pela informação. Mal educado- visitaremos lá amanhã.

–Poderão comer no restaurante da cidade. Duvido que seja como os que vocês estão acostumados, mas...

–Sim- disse, sorrindo, para compensar Kanda e sua má atitude. Eles tinham machados. Não os queria como inimigos na própria cidade deles- muito obrigado pela hospitalidade. Trabalharemos o quanto pudermos. Comeremos lá assim que nos instalarmos.

–Ah, sim- ele respondeu, finalmente guiando-nos para fora do lugar. Foi pouco o tempo que estivemos lá dentro, mas foi o suficiente para a lua subir e a escuridão tomar conta.

Os olhos de Aaron se prenderam por bastante tempo no céu negro.

–Desculpe por termos atacados vocês- ele disse, iluminado pela luz amarela e aconchegante que vinha de dentro de sua casa- o casebre fica ao fim da rua. Será o único não usado. A chave está embaixo da pedra redonda ao lado da porta. Hã...tenham uma boa noite.

Acenei, encarando mais a lua que jazia acima de sua casa.

Era cheia. A mais redonda que já vira. Iluminava com a luz sombriamente branca toda a cidade, banhando-nos com expectação e ansiedade.

Eu sabia por que ele tanto encarava a noite lá de dentro. Entendia porque ele tinha temor do escuro que estava surgindo com força aqui fora, enquanto olhava de sua casa.

Entendia que ele tinha medo da escuridão levar mais uma vez alguma pessoa querida.

Medo do escuro.

E do que ele era capaz de fazer.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Gostaram? Não? Ok... haha
Preview (não acabei de escrever o outro, mas aí está um preview haha):
—"-Claro- ele resmungou ironicamente de algum ponto lá dentro- sempre trago uma tocha acesa comigo."
—"Eu percebi que era uma batalha perdida."
Até!!!! o/ muito obrigada por lerem meus devaneios que acabo por postar aqui.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Pure Imagination" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.