Jogos Divinos - A Faísca escrita por


Capítulo 4
Nico


Notas iniciais do capítulo

Capítulo de Desenhada a Lápis. Obrigada pelos comentários e favoritos, significa muito para mim e para minha irmã também. Próximo cap vai ser ponto de vista de Katniss.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/464403/chapter/4

Nico

Vi o vagão escurecer de repente o que indicava que havíamos entrado em um túnel ou a noite ali chegava de forma estranha, o que eu não duvidava considerando como as coisas ali eram estranhas. Não era possível enxergar muita coisa naquele escuro que se instalara, mas eu podia ouvir a respiração de Rue que certamente continuava sentada não muito próxima de onde eu me encontrava a mais de duas horas. Em uma breve olhada com o canto do olho para a janela ao meu lado constatei que estávamos de fato passando por um túnel. Sem dúvida um túnel comprido.

Imaginei como seria a capital, me assustava com a possibilidade de serem todos como Sophia em suas vestes cintilantes prateadas, cabelos azuis escuros e sotaque afetado que soava em meus ouvidos de uma forma tão irritante e persistente que poderia ser comparado à uma cobra conversando ao pé do seu ouvido, isso é, se cobras falassem. O trem começou a desacelerar e finalmente a luz voltou ao vagão, como esperado Rue continuava sentada, agora tamborinando com seus dedos no braço da cadeira. Desejei que voltássemos ao escuro onde eu não poderia vê-la e ficar imaginando Hazel, eu ter sido enviado justamente para o distrito em que menos me encaixo sem dúvida não fora mera coincidência. Estaria Hera me ameaçando silenciosamente? A presença de Rue era um lembrete, que dizia claramente “Nós sabemos sobre a filha de Plutão, falhe em sua missão e a mandaremos de volta ao mundo inferior.” Mas como eu poderia ter sucesso em minha missão se não sabia qual era ela? Se meu objetivo ali fosse vencer os Jogos Hera não teria enviado sete semideuses, mas...

Rue se levantou e correu para a janela, seu rosto se iluminou em um misto de fascínio e medo. Era quase como se ela estivesse comtemplando o Olimpo em toda sua imponência. Imaginei que deveríamos ter chegado à Capital. Não podia negar certa curiosidade em relação àquele lugar, mas minha curiosidade não era tão grande ao ponto de obrigar-me a ir até a janela e contemplar o lar de pessoas completamente estúpidas que se divertiam com a morte de crianças. Imagino se algo parecido passou pela mente de Rue, pois ela se afastou timidamente e voltou a sua cadeira me dirigindo um rápido olhar antes de baixar a cabeça para seus dedos que voltavam a tamborilar a cadeira. O trem parou indicando que havíamos chegado à estação.

***

Eu estava no Centro de Transformação há pelo menos uma hora e meia. A minha maldita equipe de preparação insistia em cortar meu cabelo e me dar banho. O que quer dizer que eu estava a pelo menos uma hora e meia discutindo com gente estranha em roupas bizarras. Eu achava Sophia ruim, mas isso foi antes de conhecer uma mulher sem sobrancelhas e cabelo rosa em vestes roxas com os lábios encrustados de lantejoulas. Não era porque estava no futuro que iria permitir que fizessem o que queriam comigo, mesmo que isso significasse me adequar a sua moda estúpida.

– Precisa cortar este cabelo! – disse um cara estranho segurando uma tesoura de forma impaciente. Seu sotaque me parecia ainda pior do que o de todos os outros, falava de uma forma aguda que não era compatível com sua voz grossa o que fazia tudo que saía de sua boca parecer um lamento forçado.

– Não vou cortar o cabelo. – repeti pela milésima vez, com minha expressão completamente inalterada.

– Deixem-no. – disse a voz de uma mulher com o sotaque da capital tão acentuado quanto o do cara estranho, mas menos grotesco. Olhei para a entrada e me deparei com uma mulher de pele tingida de azul, lentes de contato brancas, batom roxo florescente e um vestido tão incrivelmente armado que me fazia indagar como ela havia passado pela porta. – Imagino que seu cabelo lhe dará um ar selvagem como o que exibiu ao se voluntariar. – ela soltou um risinho fino e irritante. Naquele momento percebi que eu sem dúvida a odiaria. – Prazer Nicholas, eu sou Andria, sua estilista.

Quando disse que odiaria minha estilista eu não sabia que o faria com tamanha intensidade. Distrito 11, agricultura. Eu me parecia com uma plantação ambulante, novamente pensei em Deméter, deusa da agricultura, não podia ser coincidência. Hera realmente me odiava por algum motivo desconhecido. Pensando bem, ela sempre odiou todos os semideuses. Eu gostaria de poder dizer que não seria tão vergonhoso quanto eu pensava, eu estava fora de meu próprio tempo. Mas isso não era tão reconfortante quando Percy, Annabeth, Thalia, Travis, Connor e Clarisse estavam presentes. Eu temia que aquela se tornasse a situação mais humilhante em que já estive.

As duas equipes de preparação, a minha e a de Rue, nos levaram as presas para o nível inferior do Centro de Transformações, o lugar se assemelhava a um grande estábulo, o que me desagradou profundamente. Eu e Rue fomos colocados na carruagem do 11 e os cavalos relincharam em protesto. Não me queriam ali, sentiam cheiro de morte. Enquanto tentavam acalmar os cavalos que não paravam de bater suas patas no chão como se dissessem “Enlouqueceram de vez? Querem que carreguemos a morte conosco?”, olhei a minha volta percebendo a presença dos outros semideuses. Todos os humanos me observavam por conta do escândalo que os cavalos faziam. “Maravilha”. Pensei amargurado percebendo Travis e Connor falharem ao tentarem segurar suas risadas escandalosas. Eu sabia que eles não riam dos cavalos e sim de mim completamente envolto em folhas falsas com uma guirlanda se destacando no alto ne minha cabeça. Eu sem dúvida estava o mais ridículo entre todos nós.

Percy pulou da carruagem do 12 e veio até os cavalos que se acalmaram quase que imediatamente.” Poseidon, deus do Mar e dos Cavalos” me recordei. Fiz uma prece silenciosa para que Atena desse a Percy o mínimo de inteligência para que não fizesse a estupides de falar comigo. Atena não me escutou.

– Bela roupa Nico. – disse ele sorrindo. “Idiota.”

– É Nicholas. – eu disse friamente. Ele pareceu entender o recado.

– OK então. Boa sorte Nicholas. – disse ele com aquele sorriso idiota voltando para o lado da garota do Distrito 12 disfarçando muito mal ao passar por Clarisse que também não soube como controlar seus instintos, mas se conteve antes de gritar “Jackson, seu imbecil, para de olhar para mim rindo” em voz alta, mas claro que seria compreensível.

Chaff que assistia a nossa breve conversa franziu o cenho como se percebesse algo de errado. Eu havia falado friamente e Percy se saíra bem ao disfarçar sua estupidez, por sorte o nome Nico poderia muito bem ser apelido de Nicholas, mas mesmo assim a forma simpática como Percy havia falado comigo não passara despercebida, ele usara um tom que as pessoas normalmente utilizavam ao falar com pessoas que a muito conheciam. Fui tirado de meus devaneios pela voz de Sophia que me parecia agradável depois de uma conversa inteira com Andria e seu “S” sibilante que conseguia ser pior do que o de qualquer outra pessoa.

– Sorriam o tempo inteiro e acenem para o público. – disse ela.

– Sophia tem razão. – Chaff reforçou. – Sejam simpáticos e talvez consigam patrocinadores.

A música de abertura começou a tocar. Fui pego de surpresa pelo volume em que era reproduzida, por um momento temi que meus tímpanos explodissem o que por sorte não aconteceu. Logo depois as grandes portas foram abertas me possibilitando ver as ruas lotadas de pessoas esquisitas da capital. Eu não iria sorrir ou acenar para eles, apenas olha-los era o suficiente para enjoar-me. Em questão de segundos a carruagem do 11 passou pelas portas seguida pela carruagem do 12. Cruzei os braços e olhei fixamente para frente cumprindo minha promessa de não sorrir ou acenar o que se mostrara extremamente simples uma vez que eu não sentia o mínimo de alegria. Percebi que todos olhavam para Percy e a garota do 12 atrás de mim, não tive curiosidade o suficiente para olhar e descobrir, continuei sem me mover.

Eu podia ver Connor rindo na carruagem do Distrito 10 a minha frente. Sim, ele estava rindo, não sorrindo. E eu tinha certeza de que ele não estava rindo com a garota ao seu lado ou para agradar o público, estava rindo das pessoas da Capital abertamente sem se importar com o que pensariam. Na carruagem do Distrito 9 seu irmão Travis também ria escandalosamente. Admito que me impressionei ao constatar que Hera havia conseguido disfarçar um pouco o fato de serem gêmeos. De alguma forma fizera o cabelo de Connor se tornar mais claro e crescer de forma que chegava quase a seus ombros e caia sobre seus olhos enquanto o de Travis estava como de costume. Ainda assim se pareciam e se eles se esforçassem um pouco para não agir da mesma forma poderiam até mesmo passar despercebidos, mas é claro que isso não aconteceu e estarem rindo alto e juntos enquanto olhando para aquelas pessoas que os observavam só reforça a ideia de que aqueles dois tem muito mais do que somente a aparência em comum.

Mais à frente, na carruagem do Distrito 5, Thalia havia assumido uma postura que claramente mostrava sua má vontade em estar ali. Não olhava para ninguém, seus braços cruzados juntos na frente de seu corpo e sua cabeça erguida em desafio. Imaginei se Hera havia pedido permissão para Ártemis ao trazê-la. Provavelmente não, do contrário Thalia estaria se comportando melhor para cumprir corretamente a missão dada pela deusa da Lua. Mas uma vez que a missão lhe foi dada pela odiada rainha dos deuses Thalia se sentia contente em mostrar o quanto estava contrariada.

Na carruagem do Distrito 2 ao longe não podia ver com clareza Clarisse, mas tinha certeza de que não sorria ou acenava, provavelmente mostrava total indiferença quanto tudo aquilo, na verdade ela parecia estar olhando feio para a plateia escorada em um lado da carruagem, zombando daquele momento que deveria ser intenso, ela tratava tudo que estava acontecendo ao seu redor com tamanho desdém e pouco caso que eu senti até certa admiração pela filha desaforada de Ares. Ainda mais a frente Annabeth estava realmente bela, pintada com spray prateado e vestida em uma túnica cintilante repleta de joias, o Distrito 1 produzia artigos de luxo e pelo que ouvira eram os favoritos todos os anos. Mas naquele ano as coisas pareciam ter mudado, pois o público gritava pelo 12 e Katniss Everdeen mesmo quando Annabeth acenava e sorria. Ela não deveria estar sentindo o mínimo prazer naquilo, mas como filha de Atena deveria ter achado que agir daquela forma lhe era conveniente por bons motivos. Talvez eu devesse seguir seu exemplo, afinal ela sabia o que fazia, mas não tinha a mínima disposição e o que eu estava fazendo era fichinha diante de Clarisse que quase virou a carruagem, escorada na beirada com descaso.

As doze carruagens andaram pelo que deveria ser o Círculo da Cidade e pararam em frente à mansão do presidente Snow. Os edifícios que cercavam o Círculo tinham todas as janelas e varandas lotadas de pessoas claramente animadas com o grande evento. O presidente Snow deu as boas vindas e fez um breve discurso do qual não ouvi uma única palavra. Não queria ouvir, a imagem daquele homem me era tão desprezível que nem mesmo olhei em sua direção, durante o período em que ficamos parados em frente a ele eu fitei meus próprios pés descalços. Mas quando o hino tocou e vi que todos sabiam canta-lo não pude evitar levantar minha cabeça e fingir que acompanhava. Algo que até Travis e Connor tiveram o bom senso de fazer.

Ao fim do hino as carruagens desfilaram uma última vez pelo Círculo da Cidade e desapareceram no Centro de Treinamento onde fomos imediatamente rodeados pela equipe de preparação que nos tirou da carruagem e me repreendeu inúmeras vezes por ter agido de forma contrária a suas ordens. Como se eles pudessem me dar ordens.

“Muito bem Nico di Angelo, você fez muito bem”. Disse uma voz irritantemente conhecida em minha mente. Hera. “Escute bem o que vou lhe dizer agora, ajam como bem entenderem, apenas choquem e desafiem a capital, não me importa como desde que mostrem aos distritos que devem se rebelar. Não faça perguntas agora, meu tempo para lhes falar é limitado e já está no fim, apenas se lembrem de que vocês são a faísca que ascenderá as chamas da rebelião.”

Eu estava em completo choque, Hera estava simplesmente nos ordenando a desobedecer todas as regras e criar à revolta dos Distritos. Ao levantar minha cabeça meus olhos se encontraram com os olhos azuis elétricos de Thalia. Ela parecia aborrecida e ao mesmo tempo animada quando sorriu para mim, naquele momento confirmei que Hera não havia falado somente comigo. Travis e Connor largaram suas respectivas equipes de preparação e se abraçaram rindo escandalosamente, agora eu conseguia entender porque trazer gêmeos para o futuro. Pouco depois estávamos todos juntos, havíamos aceitado a missão que a odiada Hera nos impôs. Percy se aproximou de mim sorrindo:

– Imagino que esteja furioso por estar aqui, Nico. – riu ele colocando a mão em meu ombro direito.

Chaff franziu o cenho surpreso e eu senti prazer em responder Percy:

– Eu estava no meio de uma coisa muito importante quando aquela maldita me trouxe.

– Ela também lhe roubou sua arma? – perguntou Thalia juntando-se a nós – Ela me arrancou a lança e o arco e nem ao menos avisou à minha senhora que me enfiou numa chacina.

– Contracorrente ainda está comigo. – disse Percy sorrindo.

– É obvio que está. Aquilo não é gigante e nem parece mortal. – disse Thalia.

– Minha lança. – disse Clarisse se aproximando – Aquela maldita me arrancou a minha lança. Eu sabia que você tinha um dedo nisso Jac... Digo, Snow.

– Eu não fiz nada! Se pudesse estaria longe daqui. Não sei por que você implica comigo dessa forma filha de...

– Não xingue. – disse Annabeth interrompendo-o antes que falasse “filha de Ares”.

Ele fingiu que ia realmente soltar um palavrão e ficou em silêncio, mas então sorriu para Annabeth:

– Você está linda, mas sabe disso, imagino. – ele tocou os cabelos encaracolados chamando ainda mais atenção das pessoas.

Provavelmente Hera estava satisfeita, porque Percy não disfarçava seus sentimentos pela garota.

– Deixem para se babar quando não tiver pessoas aqui, Snow. – disse Clarisse com seus braços cruzados.

– E AÍ GALERAAA! – Travis deu um tapão nas costas de Clarisse pegando-a de surpresa.

– Estão todos um arraso essa noite. E devo dizer, Nico, você está simplesmente f-a-n-t-á-s-t-i-c-o. – disse Connor.

– Imbecil. – falei com os braços cruzados.

– Como você ousa me bater, seu grande idiota?! – exclamou Clarisse levantando seu punho cerrado e segurando Travis pela gola das roupas estranhas que vestia.

– Não toque no rosto. – disse Travis – Ou então vou acabar como as pessoas dessa cidade. Rasgue as roupas, ah, e também vale socar a barriga, mas vê se não dá um golpe baixo, não queremos ser indecentes.

– Idiota. – Clarisse o soltou e deu-lhe um chute onde eu imaginei que fosse exatamente o lugar em que Travis referiu-se como “golpe baixo”.

– Fui atingido. – Travis grunhiu se encolhendo.

Annabeth e Percy ficavam flertando a todo instante; Clarisse, Travis e Connor discutiam e eu e Thalia conversávamos sobre aquela maldita missão repentina, sem citar nomes de deuses ou qualquer coisa que nos entregasse, mas mesmo que o fizéssemos éramos o alvo dos olhares de todos ao redor, as equipes e os próprios tributos nos observavam em choque, pelo que conseguia entender, pessoas de Distritos distintos não se conheciam e não era natural que tributos ficassem tão próximos e até mesmo se divertissem uns com os outros. Era algo novo e estranhado, não sem motivo, pois em breve eles deveriam estar matando uns aos outros.

– Fred e Jorge? Isso é sério? Harry Potter? Não existia nada mais óbvio não? – ouvi Clarisse repreendendo Travis e Connor.

– Pior você que escolheu Clarissa. – protestou Connor.

– Nada original, nada original, nenhuma criatividade, decepcionante. – Travis fez movimentos negativos com a cabeça desaprovando claramente tudo aquilo.

Voltei-me para Thalia novamente, mas fui interrompido por Sophia que nos olhava com seus olhos arregalados completamente assustada com nossa afinidade.

– Nicholas, - chamou ela com seu sotaque acentuado da capital agravado pelo tom aborrecido e confuso. – Temos que subir.

Eu anui e me despedi de Thalia batendo minha mão e dizendo:

– Durma bem, se puder.

Eu, Chaff, Sophia e Rue subimos juntos aos estilistas e à equipe de preparação por um elevador até o 11º andar. Todos dentro do elevador me olhavam desconfiados, estranhando-me.

A partir daquele momento nós semideuses do passado éramos a faísca, o que na verdade poderia ser algo bom e eu de certa forma iria até gostar de por fogo naquela tal de Panem que jogava crianças no meio de um banho de sangue, só de ver a cara que aquelas pessoas ridículas da Capital faziam enquanto me olhavam ou vê-las desconcertadas ao meu lado já valia a pena. Talvez começar um grande incêndio acabasse sendo divertido afinal de contas. E talvez Hera não fosse tão vadia quanto todos nós pensávamos, não, Hera continuava vadia.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!