A Filha de Ártemis escrita por Karol Mezzomo


Capítulo 8
Uma nova profecia




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– O que você acha que ela quis dizer? – ouvi a voz de Jéssica ao meu lado.

– Não sei, mas com certeza não é nada bom. – respondeu Percy no meu lado direito.

– Deve ter alguma coisa a ver com os sonhos dela. – ouvi Annabeth argumentar.

– Bom, só sei que ela tem sorte em estar viva, concordo que a atitude dela foi corajosa pulando num monstro daqueles, mas... Se você não tivesse pulado no lago para pegá-la, filho de Poseidon, vocês agora seriam três e não quatro. – disse o que me pareceu ser a voz de Augias.

Devíamos ter retornado a casa grande. Sentei-me rapidamente e senti uma forte tontura.

– Ei, vai com calma. – falou Annabeth colocando a mão em meu ombro.

Eu estava em um sofá no meio da sala, havia uma coberta sobre mim e na mesa ao meu lado minha caneta (que Percy deveria ter resgatado do fundo do lago) e um copo cheio de um líquido parecido com suco de maça que reconheci ser Néctar, a bebida dos deuses que funcionava como a Ambrosia.

– Eu tenho que falar com Ártemis, agora! – disse eu tirando a coberta e colocando os pés para fora do sofá.

– Antes você vai se recuperar completamente. – insistiu Annabeth.

– Toma. – disse Jéssica me alcançando o copo de Néctar com cuidado como se ele fosse uma bomba prestes a explodir. – Como se sente?

Eu estava péssima, tomei um grande gole e senti um gosto maravilhoso que nunca havia sentido na vida, era todas as coisas que eu mais gostava juntas transformando-se em algo inexplicável, na mesma hora me senti melhor.

– Melhor. – respondi colocando o copo na mesa.

– Estamos lhe dando Néctar e Ambrosia desde quando desmaiou, estávamos preocupados, pensamos que já tínhamos lhe dado muitas doses, não sabíamos mais o que fazer. – disse Percy.

– Há quanto tempo estou desmaiada? – perguntei.

– Três horas. – respondeu Jéssica.

– O quê? – eu comecei a me levantar, mas Annabeth me empurrou para o sofá novamente.

– Você tem sorte de estar viva. Salvou a todos nós agora deixe que nós cuidamos de você.

– Eu preciso falar com vocês. – disse eu. – A sós.

Annabeth e Percy se entreolharam.

– Vamos lá para fora. – falou Percy.

Começamos a caminhar pela fazenda olhando os animais ao redor, estávamos muita agitados para ficar no mesmo lugar.

Á porta da casa grande estava deitado o enorme lobo branco em que eu havia montado. Ao me ver ele se levantou rapidamente.

Graças aos deuses você está bem. Disse ele.

Obrigado pela ajuda. Falei.

– Ele está aqui desde que tiramos você do lago, não sei para onde foram os outros. – disse Jéssica.

O que aconteceu com eles? Estão todos bem? Perguntei ao lobo.

Sim, eles receberam um chamado de Ártemis e tiveram que ir.

Mas e você? Por que não foi?

Tinha que ver com meus próprios olhos se você estava bem.

– Não precisa se preocupar. – falei em voz alta. – Eu quero que vá e descanse um pouco.

Quando precisar estaremos prontos. Disse ele, e com um último olhar correu até desaparecer na floresta.

– Os lobos receberam um chamado de Ártemis. – contei aos outros.

– Alguma coisa esta está errada. – disse Percy. – O que você quis dizer quando disse Nêmesis?

Eu suspirei e observei o lago ao longe que se aproximava enquanto caminhávamos. Tudo estava tão bonito que nem parecia que há poucas horas atrás uma guerra havia sido travada naquele lugar.

– Enquanto eu me afogava tive uma visão, uma visão real do que estava acontecendo naquele exato momento, mas em outro lugar. – comecei a contar. – Eu acho que agora sei o que aconteceu na noite passada, a noite sobre a qual Hera falava.

– Você teve uma visão? Isso... Bem não é muito bom. Quando um meio-sangue tem uma experiência desse tipo quer dizer... – Jéssica parou.

– Quer dizer que a visão tem relação comigo, não é? – completei.

– Sim, mas o problema é que não podemos nos dar ao luxo de mais uma missão. – disse Annabeth.

– Annabeth, o que eu vi ameaça a segurança do Olimpo. Não podemos ignorá-la. – disse eu.

Annabeth suspirou.

– Parece que vamos ter que salvar o mundo como nos velhos tempos, não é Percy? – disse ela por fim.

– Continue contando a visão Gabrielle. – pediu Percy pensativo.

Então eu descrevi tudo a eles, o lugar, a voz da menina misteriosa e a conversa entre ela e a deusa, até a parte em que ela percebeu minha presença.

Estávamos chegando aos estábulos agora, eu já tinha terminado a história há cinco minutos, mas todos ainda continuavam calados.

– Isso é ruim. Bem, Nêmesis é a deusa da vingança, não é uma das dez primeiras deusas que alguém gostaria de conhecer. E se ela está com a Caixa de Pandora... – disse Annabeth.

– Pandora foi a primeira mulher do mundo, criada por Zeus, certo? – perguntei.

– Sim. – respondeu Annabeth. – Zeus entregou uma caixa à Pandora e pediu para que ela nunca a abrisse. Ela ficou encarregada de manter a caixa segura. Mas um dia Pandora não pôde mais conter a curiosidade e abriu a caixa. Ao fazer isso libertou todos os males que havia nela, males que os homens nunca antes tinham conhecimento, tais como a mentira, as doenças, a inveja, a velhice, o furto, a guerra e a morte. Assustada Pandora fechou rapidamente a caixa, mas era tarde demais. Ela só conseguiu conter uma coisa lá dentro. A esperança.

Ficamos mais um tempo calados.

– Então é por isso que a humanidade ainda tem esperança, mesmo com todas as coisas ruins que acontecem no mundo. – falei.

– E é por isso que Nêmesis roubou a caixa. Ela pretende chantagear os deuses e na hora certa abri-la desse modo a esperança irá escapar, e eu não gostaria de ver como seria um mundo sem que ninguém mais lutasse por ele. – falou Percy.

– É a civilização que sustenta a existência dos deuses, eles nunca poderão ser destruídos a não ser que a civilização inteira seja destruída. Nêmesis ao se livrar da esperança fará com que a humanidade caia na escuridão só haverá males e não terá outro jeito a não ser os deuses obedecerem aos seus comandos. As pessoas ficarão mais fracas e será fácil implantar a vingança em cada coração a deixando mais forte. – disse Jéssica.

– Parece que vamos ter mesmo que salvar o mundo. – conclui.

– Hupf. Bem vinda ao clube. – disse Percy.

– Mas e o diário? – lembrou Annabeth.

– Ele possui segredos valiosos. – falou Percy.

Nós paramos à beira do lago.

– Sim, mas pelo que entendemos Nêmesis quer que Ártemis o troque por Gabrielle, e é aí que está a questão. Por que ela devolveria o diário a Ártemis se ele é tão útil para sua vingança e por que querer Gabrielle? – questionou Annabeth, o que era estranho porque ela geralmente não fazia questões ela as respondia.

Olhando para a água que ondulava levemente no lago me lembrei de quando Ártemis me incentivou para que não desistisse e que ela não permitiria que eu morresse. Será que ela me trocaria para tirar o diário das mãos de Nêmesis?

– Não sei. – respondi ainda olhando para a água. – Só sei que Ártemis tem as respostas e é por isso que temos que encontrá-la.

– Vamos voltar à casa grande e arrumar nossas coisas para partir. – disse Annabeth.

Os três começaram a voltar para a casa de Augias. Olhei para a lua que aparecia mesmo de dia, discreta e esperando que a noite chegasse para poder mostrar seu brilho.

– Obrigado mãe, vou recuperar seu diário. É uma promessa.

E então se virei para seguir meus amigos.

Voltamos à casa grande, tomamos banho (o que não fazíamos a um bom tempo) e pegamos nossas mochilas.

– Se cuidem. – disse Augias enquanto atravessávamos a porta.

Nós nos despedimos e seguimos até a entrada da fazenda. Ao chegarmos ao acostamento da longa estrada vazia paramos e olhamos para os lados. À frente onde a estrada desaparecia em uma curva surgiam nuvens pretas e ameaçadoras que traziam consigo relâmpagos que iluminavam como flashes as montanhas que rondavam a fazenda.

– Para onde iremos agora? – perguntou Jéssica.

Sentia que devíamos continuar seguindo para o oeste, parecia que se voltássemos estaríamos fazendo a coisa errada, se tinha alguma coisa a nossa espera ela deveria estar à frente.

– Vamos continuar para o oeste. – falei.

– O problema é que não passa nenhum carro por aqui, não podemos ir caminhando a próxima cidade deve estar a quilômetros. – disse Jéssica.

– Eu tenho uma ideia. Alguém ainda tem dracmas? – perguntou Annabeth.

Tirei meus últimos dracmas da mochila, tínhamos gastado todo dinheiro mortal com o ônibus.

– Só uma vai chegar. – disse Annabeth pegando um dos dracmas da minha mão.

Segurando a moeda na mão aberta ela disse:

– Stêthi. Ô hárma diabolês!

No momento em que ela falou em grego antigo eu, como de costume, entendi perfeitamente.

– O que ela quer dizer com: “Pare, Carruagem da Danação?” – pedi a Percy.

– Espere e verá. – respondeu ele com um tom misterioso.

Annabeth atirou a moeda na rua e quando o dracma atingiu o asfalto ele afundou como se a estrada fosse areia movediça. Então no lugar onde a moeda havia caído o asfalto escureceu e se formou uma poça do tamanho de uma vaga de estacionamento e um táxi cinza-escuro irrompeu da poça.

A porta do carro se abriu e uma senhora com um longo cabelo grisalho que lhe cobria os olhos falou:

– A filha de Atena e o filho de Poseidon novamente. Mas estão com companhia e... Minha nossa! É a criança nascida da promessa quebrada. – disse a mulher com espanto e com uma voz estranha como se estivesse rouca.

– Deixa eu ver, deixa eu ver. – ralhou outra senhora a qual eu não conseguia ver direito e que estava sentada ao lado da mulher que abrirá a porta.

– Ei, eu deveria estar usando esse olho, eu é que estou dirigindo. – rosnou a que estava no volante.

– Vamos, vamos, entrem. – disse Annabeth nos empurrando para dentro do táxi. Meio desconfortáveis nos esprememos no banco de trás.

A mulher que se referirá a mim como “a criança nascida da promessa quebrada” fechou a porta e olhou para nós. Quando ela tirou o cabelo do rosto percebi com um choque que ela só tinha um olho, onde devia estar o outro havia apenas um buraco escuro como a cabeça de uma caveira.

Olhei para as outras duas mulheres ao lado dela, as duas tinham cabelos pegajosos, mãos ossudas e um vestido preto como a primeira, porém não possuíam nenhum olho, apenas órbitas vazias.

– Quem são elas? – murmurei para Percy.

– As Irmãs Cinzentas. – respondeu ele.

– As o quê?

– Para onde estão indo? – perguntou a que estava no volante.

Nós nos entreolhamos, não fazíamos ideia de para onde ir.

– Apenas siga em frente. – mandou Annabeth.

A mulher pisou no acelerador e o táxi disparou. Senti meu corpo colado no assento. O carro ziguezagueava e às vezes saia da estrada. Lá fora as árvores passavam como borrões e por pouco não batemos em outro carro que vinha na direção oposta.

– Eu acho que vou vomitar. – falou Jéssica.

– Sua idiota, está na contra mão. Vire para a direita. – disse a mulher que tinha um olho.

– Caso você não tenha percebido eu não posso enxergar Vespa, se ao menos você me desse o olho. – retrucou a mulher que estava ao volante.

– Você já ficou com ele o bastante Ira. – falou a que se chamava Vespa.

– Eu deveria estar com o olho, vai acabar o dia e eu ainda nem tive minha vez. – disse a mulher que estava sentada entre Ira e Vespa.

– Haa, cale a boca Tempestade estou tentando me concentrar. Você não ouviu o que eu disse Ira? Vire à direita! – gritou Vespa.

E mais uma vez passamos raspando ao lado de um enorme caminhão.

– Você me mandou calar a boca? – ralhou Tempestade. – Você me paga, me dá aqui esse olho!

Tempestade pulou sobre Vespa e o táxi saiu da estrada.

Eu me segurava tão fortemente ao banco que sentia meus dedos começando a amortecer.

– Peguei! – gritou Tempestade triunfante segurando o olho na mão e depois o colocando na órbita vazia de sua face. – A meus deuses Ira estamos fora da estrada.

Tempestade virou o volante para a esquerda e voltamos ao asfalto.

– Tempestade me dê o olho. – ordenou Ira.

– Eu recém o peguei. – retrucou Tempestade.

– Você quer dizer roubou. – falou Vespa com os braços cruzados indignada por terem lhe tirado o olho.

– Elas têm apenas um olho? Um olho para as três? – perguntei.

– Sim. – respondeu Annabeth. – Mas não se preocupe elas são muito responsáveis.

Eu não sabia dizer se Annabeth estava tentando acalmar a mim ou a ela mesma.

– É claro que somos. – concordou Ira. – Já levamos gente famosa nesse táxi. Vocês se lembram de Teseu?

– Mas que anta isso foi a três mil anos atrás, ainda não tínhamos um táxi. – disse Vespa.

– O que você disse? – Ira largou o volante e pulou sobre Tempestade para alcançar Vespa.

Agora as três estavam brigando e não havia ninguém dirigindo o táxi.

– Acho que é melhor nós descermos. – falei.

– Ótima ideia. – disse Percy.

– Nós vamos descer! – gritou Annabeth.

Imediatamente as três pararam de brigar.

– Viu Tempestade se você tivesse me dado o olho no começo nada disso teria acontecido. – concluiu Ira voltando ao volante.

Tempestade suspirou.

– Pega ele de uma vez. – disse ela arrancando o olho e o entregando a Ira.

Ira o colocou.

– Bem melhor.

Ela então parou o táxi e nós descemos, ao longe dava para se enxergar as luzes de uma grande cidade e a tempestade que se aproximava, tínhamos andado vários quilômetros em poucos minutos.

– Adeus, quando precisarem é só chamar. – falou Vespa nos dando uma última olhada.

É claro. No dia em que eu quiser vomitar e correr risco de morte.

– OK, adeus. – despediu-se Jéssica parecendo feliz em sair do táxi. Seu rosto estava verde e ela parecia prestes a vomitar.

Ira deu a partida e a última coisa que ouvi foi Vespa reclamando que queria o olho.

Caminhamos até o topo de um morro e observamos a cidade ao longe com seus enormes prédios. Fechei os olhos e tentei me concentrar nos sons. Mesmo estando a quilômetros de distância eu conseguia ouvir os carros e as pessoas que andavam pela cidade.

Entre o barulho dos carros ouvi a voz de uma garotinha.

– Mamãe, mamãe. Papai disse que vai comprar uma bicicleta para mim de aniversário.

– Que bom minha querida.

Escutei o estalar de um beijo.

Lembrei-me de minha família. O que será que estavam fazendo? Uma lágrima escorreu por minha bochecha sem que eu percebesse.

De repente ouvi um som estranho, o rastejar de um animal. Uma cobra.

Empurrei Annabeth na hora em que ela passava por nós como um raio e desaparecia entre a mata.

– O que foi isso? – perguntou Percy acionando a espada.

– Uma cobra. – respondi tirando minha espada da mochila, não teria como usar arco e flecha contra um animal que se movia tão rápido, não daria tempo nem de erguer o arco.

– Mas uma cobra não faz parte dos trabalhos. – disse Annabeth sem entender.

– Então diz isso pra ela. – falou Jéssica apontando para a enorme cobra que vinha devagar em nossa direção.

A poucos metros de distância ela parou e ergueu a cabeça como fazem as najas quando se preparam para dar o bote. Quase metade do seu corpo estava de pé.

– Ninguém se move. – falei.

Uma coisa eu sabia sobre as cobras, elas não enxergavam bem, mas detectavam movimentos tão bem quanto um sensor.

A serpente era tão grande que faria uma jibóia adulta se passar por filhote, ela deveria ter pelo menos uns dez metros e sua pele escamosa era marrom com listras pretas. Eu tinha certeza que só sua cabeça poderia engolir um de nós com tremenda facilidade, sem contar suas presas venenosas que perfurariam nosso corpo como se fosse gelatina.

– Não vai adiantar ficarmos parados, temos que fazer algo. – disse Percy.

– Eu conheço essa cobra, a vi em um livro. – falou Annabeth.

– Não é uma boa hora para aula de biologia. – murmurou Percy.

Annabeth fingiu não escutar.

– É a serpente Píton. Ela nasceu do lodo da terra e foi morta por Apolo quando descobriu que Hera havia mandado a cobra para violar Leto que estava grávida dele e de Ártemis.

Aquela cobra tinha sido enviada pra matar minha avó. Nossa esse pensamento foi estranho.

– Tudo bem, no três. – disse eu. – Um... Dois... Três!

Nós atacamos, a cobra desviou e golpeou com o rabo Jéssica que tentava a pegar por trás. Com mais um giro ela se enrolou em Annabeth e começou a apertá-la.

– Larga ela agora! – gritou Percy correndo para a cobra e golpeando uma parte qualquer do seu corpo.

A serpente soltou um chiado estranho e avançou para Percy. Peguei uma pedra e mirei no olho da cobra.

Ela se voltou para mim.

– Percy cuide de Annabeth eu a distraio. – gritei para ele enquanto me preparava para o ataque.

Percy concordou e começou a correr para Annabeth que estava caída sem se mexer, olhei pra Jéssica mais ao longe e percebi que ela também ainda não havia se mexido.

Então sem avisar a cobra, que segundos antes mantinha a atenção em mim, se virou para Percy que corria em direção a Annabeth e o atacou.

Percy estava tão concentrado em Annabeth que não previu o ataque e foi jogado contra uma árvore.

– Não! – gritei.

A raiva começou a tomar conta de meu corpo, eu tremia sem parar. A tempestade chegou ao morro e senti pingos gelados por todo o meu corpo. Aquela cobra havia machucado meus amigos e agora ela iria pagar.

Meus super sentidos começaram a vir à tona. Eu podia ouvir a respiração da cobra, conseguia distinguir os pingos de chuva, a direção do vento, a distância das coisas. Era como se eu estivesse ligada a tudo ao meu redor. Eu estava mais atenta do que nunca como no treinamento que eu havia tido com Percy no acampamento.

A cobra atacou e por um momento foi como se o mundo estivesse em câmera lenta. Eu conseguia perceber cada milésimo do movimento da cobra como se ela viesse lentamente em minha direção, sentia o ar sendo deslocado enquanto ela se aproximava. É uma experiência difícil de explicar.

Imagine-se um lugar em que tudo se move em câmera lenta menos você. Um lugar em que você escuta e sente o mundo inteiro a sua volta. Se conseguir imaginar isso, tem uma boa ideia do que eu estou tentando descrever.

Desviei facilmente do ataque da cobra, ela tentou me golpear com o rabo, mas eu simplesmente ergui a espada e o cortei. Eu estava consciente de que esse ataque havia durado apenas dois segundos e me parecia ter durado trinta.

Sem conseguir explicar eu sabia que tinha uma árvore a dois metros de mim. Talvez fosse porque eu conseguia escutar os pingos de chuva bater nas folhas e nos galhos dela.

A cobra atacou e eu esperei o último milésimo para sair da frente. Eu era tão ágil que nem mesmo a serpente conseguiu desviar o curso e acabou batendo na árvore. Com um golpe de espada eu aproveitei o momento e decepei sua cabeça.

A serpente estava morta. Corri para Percy, Annabeth e Jéssica, eles pareciam bem, deviam apenas ter desmaiado.

Levei os três para baixo das árvores para tirá-los da chuva e me sentei ao lado deles. Coloquei a cabeça entre os joelhos e fechei os olhos. Eu desejava poder abrir os olhos e estar na minha casa, na sala com minha irmã sentindo o cheiro do maravilhoso bolo de chocolate que minha mãe fazia todos os domingos.

– A vida da voltas, não é?

Tomei um susto, ergui a cabeça e vi um homem sentado ao meu lado, escorado em uma árvore. Demorei um tempo para associar o sorriso brilhante e o corpo perfeito com o deus que estava ao meu lado. Meu tio.

– Apolo. – falei.

O corpo do deus brilhava quase tanto quanto o seu sorriso era difícil se manter olhando pra ele.

– Vejo que a Píton foi derrotada novamente. Essa cobra não toma jeito. Acho que não foi o bastante para ela provar das minhas flechas. – disse Apolo.

– Por que a cobra nos atacou? Ela não faz parte dos doze trabalhos. – observei.

– Não, não faz. Ela os atacou porque sabe que estão indo atrás do diário.

– Nêmesis a mandou?

– Sim, e ela mandará muitos outros monstros para impedir vocês de pegarem ele.

– Mas por quê? Ela tem a Caixa de Pandora para usar contra o Olimpo. – falei.

Apolo sorriu.

– O diário tem algo mais, algo que se você descobrir poderá ajudar a acabar com os planos de Nêmesis. – respondeu ele.

– Como o quê? Mais uma profecia? – disse eu ironicamente.

– Você é boa. – falou o deus.

– O quê? – disse eu sem acreditar. – Há mesmo mais uma profecia sobre mim?

Apolo não respondeu, ao invés disso observou as luzes da distante cidade.

– Como Zeus foi capaz de me dar uma missão como essa sabendo que há uma profecia sobre mim e Nêmesis em jogo? – perguntei.

Apolo se virou para me olhar. Ao longe se ouviu um trovão poderoso que iluminou o lugar onde estávamos e fez tremer o chão enquanto a chuva aumentava.

– Zeus não sabia dessa profecia. Ela foi feita pelo Oráculo quando você nasceu. Ártemis foi quem a ouviu, ela tentou contar a Zeus, mas ele estava tomado pelo ódio, não queria escutar uma palavra sobre o seu nascimento, ele queira matá-la imediatamente. Ártemis pediu ajuda à Atena, a quem Zeus sempre ouve, e esta o orientou a esperar que você crescesse para ver o que fariam. – contou Apolo.

Eu observei Annabeth que ainda estava inconsciente, se não fosse pela mãe dela, eu poderia estar morta.

Apolo continuou.

– Zeus declarou o assunto encerrado, todos no Olimpo estavam proibidos de tocar no seu nome. Ártemis então não pôde lhe contar a profecia. Quando você assumiu idade suficiente e monstros começaram a atacá-la Zeus concluiu que estava na hora de tomar uma decisão e então mandou que você cumprisse os doze trabalhos de Hércules para testar se você merecia viver. Agora a primeira profecia sobre você parece que está prestes a acontecer. Ártemis a revelou a Zeus na noite passada, ele não esperava por isso, mas disse que não pode voltar atrás. Você terá que cumprir a missão e a profecia juntas.

Baixei a cabeça e fitei o chão.

– Só você pode chegar perto de Nêmesis e impedi-la. Se um de nó, deuses, se aproximar dela ela abrirá a caixa imediatamente. O Olimpo depende de você. – disse Apolo.

Ainda com a cabeça baixa falei:

– Pelo menos devemos estar no caminho certo se não Nêmesis não teria mandado a Píton para nos impedir. – disse eu tentando ver o lado bom nessa história toda.

Apolo pousou a mão sobre meu ombro e senti um forte calor percorrer meu corpo.

– Continue seguindo para o oeste, o diário está onde a vida não existe e a escuridão domina.

Ergui a cabeça e olhei para ele.

– O Mundo Inferior. – sussurrei.

Apolo piscou um olho.

– Essa é a minha sobrinha. Bem, agora eu tenho que ir. – disse ele se levantando.

– Obrigado. – falei.

Ele sorriu.

– Acho que vai querer contar as novidades aos seus amigos.

E então estalou os dedos. Na mesma hora Percy, Annabeth e Jéssica começaram a acordar. Houve um forte clarão e quando olhei ao redor Apolo havia sumido.

Depois de acalmar os três falando que a serpente estava morta e que tudo (na medida do possível) estava bem, falei a eles sobre a visita de Apolo e tudo que ele me contara. Houve um minuto de silêncio e por fim Percy disse:

– Estamos todos juntos nessa, o que tivermos que enfrentar a mais enfrentaremos, iremos ao Mundo Inferior, pegaremos o diário e não importa qual seja a profecia nós sabemos que você derrotará Nêmesis, porque você é filha de Ártemis, é uma meio-sangue poderosa e o mais importante, nunca desiste.

– É isso aí. – concordou Annabeth. – Zeus não mais lhe verá como um erro, mas sim como uma heroína.

– Vai deixar sua mãe orgulhosa. – falou Jéssica.

Eu queria poder dizer a eles como eu estava agradecida por tudo. Eram os melhores amigos que alguém poderia ter e eu sabia que eles nunca me deixariam na mão.

A chuva diminuiu e por fim parou.

– Vamos conseguir. Vamos mostras a Nêmesis e ao Olimpo que ainda existem bons heróis. – disse eu.

Sorrimos uns para os outros, contamos piadas no meio da noite que surgia. Não conseguia me lembrar de ter me divertido tanto. Por um momento esquecemos as preocupações, esquecemos que o mundo dependia de nós e vivemos alguns minutos como adolescentes normais.

Quando o sono por fim ganhou nos acomodamos para dormir sobre a proteção das árvores usando as mochilas como travesseiro e antes de pegar no sono escutei o uivar de um lobo à distância.

– Boa noite, amigo. – disse em silêncio e então me virei para dormir.


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