A Filha de Ártemis escrita por Karol Mezzomo


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Uma parte da verdade se revela



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Meu nome é Gabrielle.

Tenho 14 anos de idade. Levava uma vida normal até meses atrás, quando tudo virou de cabeça para baixo (mas isso eu conto depois). Eu moro com minha mãe, minha irmã mais nova e meu pai em uma pequena casa.

Minha mãe é a pessoa mais legal que eu já conheci, seus cabelos são curtos e encaracolados e ela tem lindos olhos castanhos. Às vezes eu penso que fui adotada, eu sei que isso é idiotice, mas eu simplesmente não sou parecida com ninguém na minha família, muito menos com minha mãe.

Meu cabelo é comprido liso e ruivo e meus olhos são cinza, não um cinza penetrante, um cinza brilhante igual ao da lua. Nunca vi ninguém com olhos iguais aos meus, uma vez pedi a minha mãe se podíamos ir ao oculista para saber por que meus olhos eram assim, mas ela disse que era porque eu era especial. Depois disso ela saiu da minha presença por algum tempo, meio desnorteada.

Mas isso não é nada, há alguns meses atrás foi que as coisas realmente começaram a ficar estranhas.

Era uma fria manhã, eu estava indo para a escola, não dava para enxergar muita coisa a minha frente, por causa da serração que cobria a manhã como um manto gélido. Enquanto eu pisava na grama coberta pela geada, lembrei-me de como eu gostava do inverno. Não sei explicar direito, mas eu nunca gostei do calor, odeio o sol, para a mim a noite é melhor. Não há nada como a noite, serena e misteriosa.

De repente um vento gelado soprou em meu rosto, e eu olhei para baixo, vi minha corrente balançando pendurada ao pescoço, era feita de prata e tinha um pingente redondo do tamanho de uma moeda de vinte e cinco centavos, desenhado no pingente havia a cabeça de um lobo com a lua de fundo.

Desde que me conheço por gente, eu tenho essa corrente, minha mãe disse que foi um presente de minha avó que ganhei quando eu era pequena. Estava pensando nisso quando a palavra presente em minha mente lembrou-me que hoje era meu aniversário, limitei-me a sorrir, não costumava dar bola para aniversários.

Mal pus os pés na entrada do colégio e Jéssica me atacou:

- Feliz aniversário! – ela disse com um sorriso e me puxando para um abraço.

Deixe-me apresentá-la para você: Jéssica é minha melhor amiga (e única), quase não tenho amigos, (na verdade eu não tenho nenhum além dela!) veja bem, eu sou considerada uma adolescente meio problemática pelo colégio, ninguém quer ser amigo de alguém com dislexia, transtorno do déficit de atenção e hiperatividade.

Jéssica foi a única pessoa que se aproximou de mim, ela é nova na escola, começou depois de um mês do início do ano letivo, e desde que ela chegou nos tornamos grandes amigas. Ela é uma pessoa muito simpática, está sempre vestida com roupas coloridas, é uma amante da natureza, seu cabelo é ruivo e ondulado, seus olhos são verdes como uma folha que nasce logo no início da primavera.

- Quer falar mais baixo? – eu disse a ela enquanto olhava ao redor, torcendo para que ninguém a tivesse escutado. – Sabe que não gosto de aniversários.

- Qual é? – ela disse enquanto caminhávamos para a sala. – Aniversários tem de ser comemorados, são maravilhosos!

Eu sorri. Isso era bem típico da Jéssica.

Tivemos uma aula chata como todas as outras. Eu nunca conseguia prestar atenção nelas direito, acho que devia ser o transtorno do déficit de atenção. Também estava preocupada com Jéssica, ela não parava de tagarelar nas aulas, mas a aula transcorreu sem que ela abrisse a boca.

Virei a cadeira para ela, que sentava atrás de mim.

- Algum problema? – perguntei. – Você está tão calada.

Ela levantou os olhos da redação de português.

- Mais ou menos. Já teve a sensação de estar sendo observada?

- Não. – eu menti. Na verdade isso era o que mais me acontecia e de uns tempos pra cá vinha piorando.

Ela olhou para mim desconfiada e então encolheu os ombros voltando-se a sua redação.

Quando o sinal do fim da aula tocou foi um alívio, eu não estava mais aguentando ficar naquela sala. Peguei a mochila e me despedi de Jéssica.

- Até amanhã. – ela disse. Seu rosto estava um tanto misterioso como se ela estivesse pressentindo algo.

- Tem certeza de que esta bem? Eu posso acompanhá-la até sua casa. – me ofereci. Sem dúvidas alguma coisa a estava deixando com medo.

- Sem problemas. – ela respondeu, e se virou para sair. Com uma última olhada ela disse quase como uma súplica. – Cuide-se.

Eu não entendi direito. Arrumei a mochila nas costas e me dirigi à saída.

A minha tarde sozinha em casa foi estranha. As palavras de Jéssica não saíam de minha cabeça, e eu não conseguia repelir ao impulso de olhar por cima do ombro de vez em quando, para ver se havia alguém.

Finalmente a noite foi chegando, meu pai chegou casa lá pelo fim da tarde como habitualmente, eu havia ido pegar minha irmã no colégio onde ela estudava e nós duas estávamos sentadas na sala assistindo TV. Quando minha mãe chegou, nos deu um breve “oi” seguido de um beijo, e dirigiu-se a cozinha para falar com meu pai.

Tentei ouvir a conversa, mas eles estavam sussurrando, minha mãe estava estranha não se lembrara nem mesmo do meu aniversário, e agora cochichava com meu pai, os dois com uma cara séria.

Após algum tempo ela foi até a sala avisar que o jantar estava pronto. Sentamos-nos à mesa. Minha mãe abriu a geladeira e tirou de lá um bolo coberto com glacê e com os dizeres “Feliz aniversário” gravados na parte de cima. Imediatamente todos começaram a cantar os parabéns e por um instante tudo pareceu normal.

- Feliz aniversário minha filha. – disse minha mãe me dando um forte abraço. Ela então puxou um anel do bolso e me entregou. Parecia ter custado caro, era feito de ouro e havia a frase “Nós te amamos” gravado no lado de dentro dele.

- Mãe... Eu não sei o que dizer... Muito obrigado. – consegui falar.

Ela deu um sorriso, me olhou, mas parecia que seus olhos estavam longe, talvez em alguma lembrança perdida no passado. Ela então se recuperou do transe e se sentou para comer.

Após o jantar eu se encontrava sentada em minha cama terminando alguns temas da semana anterior, que já deviam até terem sido corrigidos, mas que estavam em branco no meu caderno. A luz do luar penetrava em minha janela e eu olhei para a lua. Olhar para a lua sempre me fazia pensar, era como se ela me encantasse, como se fosse alguém olhando para mim.

Minha mãe abriu a porta devagar e colocou a cabeça para dentro do quarto.

- Filha, pode vir até a sala um pouco, por favor? Seu pai e eu queremos falar com você.

Eu acenei a cabeça. Ela fechou a porta.

- Estaremos esperando lá na sala.

Eu fechei o caderno, havia algo errado, minha mãe e eu nunca havíamos tido uma conversa séria. Eu não sabia o que esperar.

Aproximei-me da sala devagar, por algum motivo fechei a mão em volta do pingente da minha corrente. Minha irmã devia estar dormindo porque minha mãe conversava com meu pai em silêncio. Ao me virem eles pararam.

- Sente-se. - disse meu pai apontando para o sofá vazio a frente deles.

De repente algo passou por minha cabeça, ou eles haviam descoberto minha péssima nota na última prova de literatura, ou eu finalmente iria descobrir o mistério sobre o meu nascimento (particularmente eu preferia a péssima nota da prova).

Sentei-me na cadeira e esperei a verdade me atingir.

- Gabrielle, depois de muito conversar-mos eu e seu pai chegamos a uma conclusão. – ela parecia estar fazendo força para prosseguir, meu pai pousou a mão sobre a dela encorajando-a. – Sabíamos que uma hora teríamos que contar a você, quer dizer... Você já tem 15 anos, já é grandinha o bastante.

Um nó começou a se formar em minha garganta. Não, eu não iria chorar. Minha mãe continuou.

- Você... Você chegou aqui de uma forma especial. Como um presente.

Eu não aguentei mais, a encarei. As lágrimas agora escorriam e eu não conseguia contê-las.

- Está dizendo que fui adotada?! -disparei contra ela.

Meu pai fitou o chão. Minha mãe permaneceu forte, me encarando.

- Não exatamente minha pequena. Sua... Sua verdadeira mãe a deixou aqui, alegando que não podia cuidá-la. Ela parecia desesperada como se estivesse fugindo de alguém. Ela me entregou você em um berço de prata que brilhava como a lua, e me entregou esse colar. – eu olhei para o colar em meu peito. – Me fez jurar que eu cuidaria de você até que tivesse idade suficiente para cuidar-se sozinha.

Eu me levantei do sofá, não queria mais ouvir uma palavra. As lágrimas teimavam em escorrer. Minha mãe se levantou também.

- Por que nunca me contou? Por que justo agora?

- Minha filha, quando eu te contasse você estaria correndo perigo, quanto mais você soubesse mais perigoso seria e você era muito pequena. Entenda, sua mãe queria que fosse assim. Sua mãe é uma...

- Chega! – eu tampei os ouvidos. – Eu preciso de um tempo sozinha, por favor.

Fui para o meu quarto e peguei um casaco no armário.

- Aonde você vai? – pediu minha mãe parada a porta. Seus olhos estavam vermelhos como se acabasse de ter enxugando as lágrimas.

- Eu não sei. – respondi passando por ela. Atravessei a sala, ninguém tentou me impedir, estavam os dois sem saber o que fazer.

Abri a porta da casa e encarei a noite que se estendia pela cidade. Eu sei o que você deve estar pensando, que coisa mais idiota sair de casa assim, sem rumo. Mas desafio você a ficar no mesmo lugar que seus pais após eles lhe contarem uma história dessas.

Estava tão absorda em pensamentos que nem me dei conta de onde estava indo. Passei por casas grandes, pequenas, terrenos baldios, uma praça e lugares esquisitos que eu não reconheci. Olhei ao redor, estava totalmente perdida. Sentei-me no meio fio em baixo de um poste de luz, cruzei os braços e deitei a cabeça sobre eles. O que iria fazer agora? Não fazia ideia de como voltar para casa.

- Perdida mocinha? – disse uma voz atrás de mim.

Levantei em um pulo e olhei para o que parecia ser uma forma volumosa escondida nas sombras de uma árvore de uma das casas. Usava um manto preto e um capuz que lhe cobria a cabeça. Ele saiu das sobras e tirou o capuz, a menos que eu estivesse muito enganada, ele devia ter uns três metros de altura e (a não ser que eu estivesse ficando louca) apenas um enorme olho no meio da testa.

Lembrava-me de ter lido algo sobre alguma coisa parecida com isso. Na mitologia grega eu acho. Havia gigantes com um só olho no meio da testa, conhecidos por ciclopes. Mas isso não existia, era impossível!

- Por que não me deixa ajudá-la a achar o caminho de casa?

Eu queria dizer “não obrigado”, mas estava paralisada, o gigante avançou para mim numa velocidade incrível, rápido demais para o seu tamanho, e eu de algum jeito consegui desviar.

Ele virou-se para mim.

- Hum... Nada mau filhote de deus.

Filhote de deus?

Não tive tempo para pensar nisso, me desviei de mais um ataque do ciclope. Não sei como fiz aquilo, não sabia que eu tinha reflexos tão bons, era como se eu estivesse atenta a tudo.

O ciclope avançou dessa vez com os braços estendidos eu rolei no chão para desviar e enquanto ele passava dei um chute na lateral de seu corpo e ele se desequilibrou. Mas não foi o bastante. Ele tirou um bastão de algum lugar e atacou. Eu desviei, mas ele foi mais rápido, com outro golpe de bastão, me atingiu o peito e eu fui atirada contra um muro.

O mundo começou a girar e me senti tonta, o ciclope se preparava para outra investida, ergueu seu bastão, mas algo aconteceu. Alguma coisa pulou das sombras e o atacou. Parecia um cachorro, mas era grande demais para ser um.

O ciclope recuou, em seu braço havia uma mordida enorme, que pingava sangue.

- Não pense que fugirá criança! Eu voltarei! – gritou o ciclope enquanto corria de volta para a rua escura e desaparecia.

Eu não soube o que dizer, estava tonta demais, consegui ver o vulto novamente, e definitivamente era um cachorro, mas não existiam cachorros tão grandes, só poderia ser um lobo, mas também não existiam lobos na cidade.

Eu percebi que iria desmaiar. Olhei para os olhos do lobo.

- Obrigado. - Murmurei.

Mas depois não vi mais nada e a escuridão me envolveu.


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