Eu não sei dizer ich liebe dich escrita por aka Rla


Capítulo 1
Capítulo 1




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Estou deitada na beirada da piscina do condomínio com apenas os cabelos dentro da água. As ondulações da água fazem meu cabelo balançar e me traz uma sensação boa. Meus olhos estão fechados e cobertos pelos óculos escuros, mas sei que o sol de meio de dezembro ainda está bem forte porque o sinto em minha pele deixada à mostra pela parte de cima do biquíni.

Eu quero ficar aqui pra sempre.

O sol se vai e sinto frio. Abro os olhos instintivamente e sorrio, antes mesmo de perceber, pra pessoa fazendo sombra em mim. Me levanto de um salto e me jogo nos braços do meu melhor amigo. Os braços dele deslizam pela minha cintura, num abraço de urso enquanto me ergue do chão. Meu cabelo loiro pinga nas minhas costas e nos braços dele.

-O que você está fazendo aqui? - pergunto no ouvido dele.

-Uma surpresa – ele responde. Inspiro o perfume da pele dele.

Só agora percebo que ele está sem camisa.

-Você deveria estar na Alemanha agora. - sussurrei de novo.

Victor me coloca no chão e me afasta de seu corpo. Ele me analisa por inteiro, desde os pés até o topo da cabeça. Me sinto corar.

-Eu já disse, Anna, estou te fazendo uma surpresa.

Victor e eu somos amigos desde que eu tinha dez anos, quando ele se mudara para o meu condomínio no alto dos seus doze anos. Ele está morando na Europa desde ele tinha quinze anos e eu treze. Hoje eu tenho dezessete e ele dezenove. Desde que ele se mudara para Alemanha, só nos vimos pessoalmente uma vez, numa eurotrip que eu fiz no meio do ano passado. E pela webcan não dá pra perceber o quanto ele tinha mudado. Ele está mais alto que eu. Ele sempre fora, mas está ainda mais. O cabelo está mais claro. Ainda é escuro (principalmente se comparado ao meu), mas definitivamente mais claro. E com o queixo e nariz mais retos do que eu me lembrava. Com mais cara de homem. Mas existem coisas que não mudam. Como seus olhos profundamente azuis (com os quais eu nunca me acostumei. Eu sou a loira aqui. Meus olhos deveriam ser azuis). Como a felicidade no meu coração de perceber que ele está aqui.

O sorriso permanece intacto na minha boca. Eu não consigo falar, eu não consigo me mexer. Tudo o que eu quero é ficar aqui pra sempre. Ele sorri de lado ao perceber que eu estou parada. E me abraça de novo. Nenhum de nós fala nada. Não é preciso. Meus braços apertam seu pescoço. Tudo o que eu consigo pensar é que ele ainda está vivo, que ele é real e que está me abraçando. Nesse. Exato. Momento.

Quando eu me solto (não consigo deixar de pensar que ele continuaria me abraçando), ele pega minha toalha do chão e eu calço meu chinelo. A gente anda até o elevador.

-Você me disse ontem que estava num hotel em Londres com seu pai. Lãguiner. - resmunguei, apertando o botão para chamar o elevador. Ele ri pelo nariz e joga a minha toalha em seus ombros. Os braços dele estão mais fortes também. Como é que eu não percebi tudo isso na webcan?

-Lügner – ele corrige meu terrível alemão. - É engraçado que você esteja mais corada na sombra do que quando estava no sol – ele comenta. O elevador chega. A gente entra e as portas se fecham. Fico do lado dele para não ter que encarar seu sorriso sacana de quem sabe mais. - Já estava tudo programado. Eu já sabia que teria essas férias em dezembro desde outubro. E aí eu comecei a juntar uma grana e procurar passagem e... te enganar. Tive que ligar pra sua mãe e pro seu pai e pro seu irmão e fingir que estava tudo uma merda lá na Alemanha e que eu não ia te ver tão cedo. Ontem eu estava mesmo num hotel, só que já era em São Paulo.

Coloco a mão na testa indignada. Todo mundo sabia que ele viria, menos eu. Ele estica o braço pra tirar minha mão de lá e vejo a tatuagem no antebraço dele. É um símbolo japonês. Ou talvez seja chinês, eu não sei a diferença.

-Tattoo legal – comento – O que significa?

-E o símbolo em chinês para blazí.

Rio da pronúncia dele. Eu tenho certeza de que não é assim que se pronuncia Brasil em chinês, mas eu entendi. Ele ri comigo. Eu o abraço. E aí o elevador para de funcionar.

Eu sinto uma crise se apoderando de cada parte do meu corpo de cada vez.

-Calma. Respira. - ele diz, me empurrando delicadamente pelos ombros pra que eu sente – Coloque a cabeça entre os joelhos, feche os olhos e respire.

Faço o que ele manda. Porque em todas as minhas crises de claustrofobia em que ele esteve comigo eu consegui ficar quase bem. E não sei quando ele vai estar comigo de novo. Talvez esse tenha sido um pensamento bastante errado pro momento, porque, agora que pensei que ele vai embora logo, minha respiração acelera de novo. Victor está tentando falar na portaria, mas ninguém atende. Eu só consigo pensar que está quente escuro e apertado demais aqui dentro.

Ele se agacha e me abraça. Por alguma razão, a diminuição de espaço e ar não pioram a minha situação. Ao contrário, a proximidade com a pele quente dele me faz respirar menos superficialmente.

A porta do elevador abre e saio tão rápido de dentro dele que Victor meio que cai no chão. Estou curvada, com as mãos apoiando o tronco nos joelhos, como se eu tivesse corrido uma maratona. Parece que só se passaram dois segundos, mas ele já está do meu lado de novo e o elevador já fechou a porta. Victor está parado na minha frente, esperando eu me recuperar. As luzes automáticas do hall já apagaram quando eu me sinto bem o suficiente pra me erguer.

-Ok – digo. Só pra ele parar de me encarar daquela forma.

A gente anda em silêncio até a porta do meu apartamento. É estranho que a gente converse tanto online e tão pouco ao vivo. Como se os nossos corpos falassem mais por si mesmos do que qualquer palavra poderia expressar.

Não tem ninguém em casa ainda. Meu irmão está na casa da namorada e os meus pais no trabalho. Fecho a porta quando ele entra e comenta que tá tudo diferente desde a última vez em que ele esteve ali. Ele está olhando para a sala, de costas pra mim.

-Já fazem quatro anos, bobão – digo, pegando minha toalha do ombro dele e vou até a cozinha beber um copo de água. Só quando o líquido fresco escorre pela minha garganta é que eu me sinto realmente calma.

-Me dá um copo aí – ele pede, entrando na cozinha. Eu pego um copo, encho de água e o entrego. Eu e ele nos encostamos na pia e bebemos a água nos encarando pelo canto do olho. Existe um fluxo de informações tão grande acontecendo agora. A quantidade de coisas passando pela minha cabeça durante o minuto em que bebemos água é tão absurda, que fico até com certo medo do que ele pode estar pensando.

Victor baixa o copo antes de mim e sorri, sem quebrar nosso contato visual.

-Ganhei.

Não consigo impedir a risada e cuspo água pela cozinha inteira. A gente ainda ri por muito tempo antes de eu conseguir ao menos secar meu rosto. Minhas bochechas doem quase tanto quanto minha barriga, e ainda assim eu não consigo parar de rir. Quando a situação passa de gargalhada histérica pra risinho frouxo, eu coloco o copo na pia.

A gente anda até meu quarto e sentamos na minha cama. Os dois com as pernas cruzadas, um de frente para o outro. Eu sorrio. Ele sorri de volta.

-Eu realmente não acredito que você está aqui. - sussurro. Ele gira os olhos e joga os braços pra trás, se apoiando neles.

-Não acredite então.

-Talvez eu devesse mesmo não acreditar – digo. Sinto meu corpo sentir o peso das próximas palavras antes mesmo de elas se formarem – É mais fácil pra quando você for embora.

Ele desvia o olhar e para de sorrir.

-Anna, eu acabei de chegar. - ele diz, encarando um porta-retrato na minha penteadeira. É uma foto que eu tirei no ano em que ele se mudou, quando a gente tinha ido num parque de diversões. A primeira vez em que eu saí sem meus pais. E, de novo, Victor estava lá. Parece que ele esteve em todos os momentos importantes da minha vida.

-Eu sei. Isso não muda o fato de que você vai voltar pra Europa e eu vou ficar aqui e...

-Cala a boca – ele fala, voltando o olhar pra mim – Por que, de todas as que a gente tirou o ano passado, é essa a foto no porta-retrato? Eu tô com mó cara de moleque.

Sorrio, me levanto e pego o porta-retrato. Entrego-o pra ele e deito em seu colo.

-Eu não sei – respondo – Eu acho que gosto mais dessa porque... bom, você ainda estava aqui.

-Eu estou aqui agora – ele retruca, ainda encarando a foto. A mão dele que não está segurando o porta-retrato começa a fazer carinho no meu cabelo. Ele ainda olha para a fotografia, então o gesto parece completamente involuntário. Exatamente como meus olhos se fechando. Ou talvez isso seja só eu pensando que pode ser involuntário.

-Sua fraudin não falou nada sobre você vir pro Brasil sozinho? - pergunto. Não sei exatamente o porquê, já que esse é o típico tópico que faz o clima pesar no Skype. Não sei se é porque estou com os olhos fechados, mas eu não sinto tanto o peso do assunto 'Kirsten'. Pelo menos não até ele parar com o carinho no meu cabelo e meio que me erguer. Ele se levanta e vai até minha penteadeira deixar o porta-retrato no lugar.

-A gente terminou.

-Quando? Por quê? - pergunto. Ele devia ter me contado essas coisas logo que elas acontecem, não?!

É a vez dele de deitar no colo. Agora eu percebo que o carinho no meu cabelo era mesmo involuntário, porque minhas mãos acariciam seu cabelo castanho antes que eu sequer pense nessa possibilidade. É também a vez dele de fechar os olhos.

-No dia do meu voo, meu pai passou com o carro pela casa dela pra gente ir pro aeroporto e, em resumo, ela não queria que eu viesse. Porque ela sabe o quão importante você é pra mim e... bom, ela já sabia de você antes de a gente começar a namorar, então não tem razão pra crise que ela deu. Eu até me atrasei um pouco. A propósito, é freundin – ele corrige minha pronúncia mais uma vez. Dou um tapa na testa dele e volto a fazer carinho logo depois.

-Como você está? - pergunto. A testa dele, agora descoberta pela franja não tem mais as espinhas de quatro anos atrás. Ele tinha uma ruguinha de preocupação na testa que sempre denunciava se o que a gente ia conversar era bom ou não e essa mesma ruguinha está em seu rosto agora. Passo o dedo indicador pela testa dele e vejo a ruga se desfazer aos poucos.

-Agora bem. Eu chorei de raiva no caminho da casa dela até o aeroporto. Depois chorei dentro do avião quando peguei o tablet e vi uma foto dela. Mas aí passou. Quando eu cheguei na minha escala em Nova Iorque, eu já meio que tinha esquecido e tudo o que eu pensava era Anna, Anna, Anna. - eu amo o jeito como meu nome soa na voz dele. Eu amo como o cabelo dele escorre nos meus dedos. Amo o fato de ele ter terminado com a Kirsten porque ela claramente não gostava de mim – E o seu namorado? - ele pergunta quando abre os olhos e um sorriso de quem diz 'estou claramente zoando a sua cara'.

Giro os olhos. Eu não quero falar sobre aquilo. Não quero dizer em voz alta que eu não tenho um namorado. Não de novo. Não quando Victor sabe perfeitamente que eu nunca namorei na minha vida. Não quando parece que eu nunca vou namorar.

-Eu vou te bater, idiota – eu digo, ele ri e eu me deito do lado dele. Mas a cabeça dele ainda está no meu colo.

-Tudo bem, porque você ainda me ama.

-Ah, Victor, baixa tua bola, tá!? - o sorriso dele aumenta com o 'meu bordão', segundo ele.

A conversa que se desenrola a partir de então é basicamente banal. Mas vale cada segundo.

Meu pai é o primeiro a chegar e entra no meu quarto sem se preocupar em bater na porta porque, afinal, ela já estava aberta.

-Victor! - ele exclama. Me pergunto o que meu pai pensa ao ver a única filha só com o top do biquíni e mini short deitada na cama com um garoto mais velho sem camisa. A risada escapa pelo meu nariz.

Victor levanta e vai cumprimentar meu pai. E isso é estranho pra mim. Porque quando Victor morava aqui, eles quase não se falavam (fala sério, a gente era só criança), mas agora Victor é quase que meu amigo virtual. E eu sinto um bolo estranho no estômago.

Meu pai sai do quarto murmurando 'juízo' e só então a gente se dá conta de que a tarde acabou e que Victor tem que voltar pro hotel.

-Que horas você vem amanhã? - eu pergunto, estamos na frente do meu condomínio.

-Que horas você acorda? - ele pergunta, tentando sem sucesso conter um sorriso.

-Eu te mando uma mensagem, pode ser? - digo, sorrindo também.

E aí ele me abraça de novo.

Poucas coisas na vida são tão boas quanto abraços. Não sei quem inventou, ou como, ou por que, mas é provavelmente a melhor parte de ser humana. É sentir o calor alheio substituir o frio da noite e sentir o cheiro da outra pessoa tão perto que se pode distinguir o que é natural e o que foi comprado na perfumaria. Dessa vez é ele quem quebra o abraço. Ele coloca as mãos nos meus ombros e, de novo, me encara dos pés à cabeça.

-Boa noite. - ele diz.

-Boa noite. - respondo.

E a gente se encara em silêncio por algum tempo. Eu acho que nunca vou saber por quanto. Porque meu cérebro só consegue captar a visão dos olhos azuis do meu melhor amigo. De novo eu tenho a sensação de estarmos compartilhando muito mais do que deveríamos em um simples olhar. As mãos dele ainda estão em meus ombros. O que exatamente está acontecendo aqui?

-Boa noite – repito. Ele morde o lábio.

-Gute nacht – ele diz, tocando meu nariz com a ponta do dedo.

Observo Victor andar até o fim da rua. Ele não olha pra trás nenhuma vez.

O meu braço vai para a mesinha de cabeceira antes de mesmo de eu abrir os olhos num movimento automatizado pelo período das aulas e o despertador. Meu coração falha uma batida com o pânico de pensar que eu definitivamente acabei a escola. Esfrego os olhos e vejo que já passam das dez da manhã. Meus pais provavelmente já tinham ido trabalhar e meu irmão provavelmente ainda está dormindo.

Bom dia :)”, digito. Sem razão aparente, hesito ao enviar a mensagem para Victor. Eu tenho hesitado ao fazer qualquer coisa no último ano. Suspiro. Eu prometi a mim mesma que essas férias eu ia fazer tudo o que eu nunca fiz por medo porque elas são minhas últimas férias como, bem, criança. Ano que vem eu estarei, se tudo der certo, na faculdade. É o último verão sem reais responsabilidades. Aperto o botão de enviar com o olhos fechados.

Já posso te ver?”, Victor responde antes mesmo de eu começar a me levantar. Sorrio pra tela do celular e me levanto, sem responder. Só depois de tomar banho, escovar os dentes e arrumar a cama é que pego o celular de volta e respondo “Sempre”. Vou pra cozinha atrás de comida e André já está comendo.

-Bom dia – ele diz com a boca cheia. Não consigo evitar uma cara de desgosto.

André tem quinze anos e vai começar o segundo ano do ensino médio ano que vem. Já é muito ruim que ele tenha uma namorada aos quinze e que eu, aos dezessete, nunca me apaixonei. Eu não sou obrigada a ver isso. Na verdade, essa visão me faz perguntar mentalmente como é que a namorada dele aguenta isso.

-Bom dia – respondo, abrindo a geladeira. Sinto o celular vibrar no bolso do short jeans quando pego o leite. “O que a gente vai fazer hoje?”. Não faço ideia. E não me importo também. A manteiga derrete aos poucos no pão quente enquanto eu digito “Vem pra cá que a gente decide”.

-É o Victor? - André pergunta. Balanço a cabeça, confirmando. Só quando ergo os olhos do celular para o rosto do meu irmão é que percebo que estou mordendo meu lábio tentando não sorrir, sem sucesso. André tem uma sobrancelha erguida em desafio. Giro os olhos, mas o ignoro e tomo meu café.

O interfone ao lado da porta toca e André, que já ia sair, atende.

-Seu namorado tá aí, pode mandar subir? - ele meio que grita.

-Ele não é meu namorado! - respondo. É ridículo porque todo mundo sabe, ou pelo menos ainda acha que Victor tem uma namorada que não sou eu. E seria muito estranho namorar meu melhor amigo.

-Pode mandar subir – escuto ele dizer para Chico, o porteiro – Fui! - ele grita e eu escuto a porta bater. Ele saiu e eu estou sozinha em casa de novo.

A campainha toca, mas não sei porque. Victor sabe que eu estou sozinha. Eu abro a porta, ele entra e se joga no sofá. Fecho a porta e me jogo no outro sofá.

-E aí? - pergunto.

-E aí? - ele responde.

Olho pra ele e dou risada. Ele dá risada comigo, mas logo passa. Fecho os olhos por apenas dois segundos, mas quando os abro, Victor está me atacando com uma sessão de cócegas. Ele está sendo radical com as cócegas, mas nem precisa, porque eu sinto cócegas com o vento. Lágrimas de riso escorrem por minhas bochechas quando a gente cai no chão, eu por cima dele.

-Idiota – eu digo, me levantando. Ele ainda está rindo quando eu volto da cozinha com um copo de água.

-Vamos jogar? - ele pede, os olhos brilhando na direção do Xbox 360 que eu dividia com meu irmão.

-Sou mais o Play 3. - comento.


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Notas finais do capítulo

Glossário:
Lügner = mentiroso
Freundin = namorada
Gute nacht = boa noite



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