Um Conto de Ônibus escrita por FreudDepre


Capítulo 6
Paulo, O Reservado


Notas iniciais do capítulo

Vinícius continua intrigado com o que escutou de Paulo, e resolve retomar o assunto. Quando ele menos espera, Paulo se abre e mostra que não só nosso protagonista vive uma fase complicada. Mas essa não é a única surpresa com a qual Vinícius terá que lidar.



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Levanto da cama e me arrumo em um ritmo em que eu possa sair de casa alguns minutos antes do horário da saída do Instituto Apollo. Claro, não tenho pretensões de ter meu livro de volta hoje. Afinal, mal deve ter dado tempo do Lucas ler. Aliás, eu nem ligo se esse livro não for devolvido, ele é apenas a minha desculpa pra ver meu caranho estranho.

Para a minha sorte, o ônibus passa nove minutos após eu chegar no ponto. Eu calculei que ele estaria rodando com intervalos de dez minutos. Entro, me sento à janela com um lugar vazio ao meu lado. Até aqui, tudo certo.

Enfim, ponto do colégio do Lucas. Vários estudantes sobem no ônibus, e não o vejo na frente. Mas normal, aparentemente o passe dele não funciona, e sempre entra por trás, então fiquei observando.

E nada dele.

O ônibus acelera e pronto, morre a esperança do dia.

Chego na faculdade um pouco desmotivado, e logo ele se aproxima me fazendo relembrar da conversa de ontem:

– Boa tarde! - Diz Paulo.

– Fala aí, PV.

Bastou essa interação para eu relembrar que ouvi um "você vai acabar sozinho" ontem. E claro, com o humor em que eu me encontrava, não estava fácil digerir aquilo.

– Paulo. Sobre ontem, você falou "zoando" ou realmente acredita que, pelo que me conhece, terminei sozinho?

– Ih, relaxa, Vini. Eu estava apenas brincando, não imaginava que você ficaria martelando isso na cabeça. - Diz ele um pouco preocupado.

Como eu disse, não estava no meu melhor humor, e então soltei:

– É, fiquei martelando isso até agora, mas acho que não preciso me preocupar. Afinal, você também não tem experiência, do que serve o seu julgamento sobre vida afetiva? - Disparo eu com um cínico.

– Também não é bem assim. Não é porque a pessoa não tem experiência no assunto que a opinião dela deve ser desconsiderada. Eu não preciso entrar em um relacionamento para compreendê-lo, existem várias alternativas pra compreender esse tipo de coisa, a começar analisando o comportamento de uma pessoa.

– E quem te disse que eu não tenho experiência no assunto? - Emenda ele.

– Ué. Nunca ouvi você falar de ficante, namoradinha, nem nada do tipo. Tenho tudo pra acreditar que ao invés de ficar perseguindo estranhos que conhece no ônibus, você fica em casa jogando Mario Kart. Somos iguais, só muda o hobbie. - Alfineto.

– Acho melhor a gente parar por aqui. Você precisa entender que nem sempre é fácil falar sobre certos assuntos.

– Mas não somos amigos? Confiei à você, Paula e Maria meu maior segredo. Não mereço um voto de confiança?

– Não é questão de confiança. É questão de ser tão mal-esclarecido sobre certas coisas, que nem tem uma opinião a emitir acerca disso. Talvez o dia que eu conseguir lidar com essa confusão, consiga mostrá-la para vocês.

– Paulo... você...

– Deixa, me desculpe. Tudo em seu tempo. - Completo depois de compreender que ele vivia uma fase onde, aparentemente, estava tendo experiências com mulheres... e homens!

Bem, foi ao menos a primeira conclusão que me ocorreu.

– Vamos almoçar? - Pergunta Paulo.

– Ok, vamos. E depois a gente emenda com uma ida àquela exposição que está tendo no shopping e-

– Não começa. Você e suas desculpas para matar aula.

– Não tenho culpa se só temos professores chatos nas matérias legais, e professores legais nas matérias chatas. Se organizassem direito, eu só precisaria faltar metade das aulas. - Justifico.

– Você sabia que já está para reprovar em Língua Portuguesa? A professora nem conhece o seu rosto, Vini!

– E no que depender de mim, continuará assim. Não vou me render, já vi tudo que tá no programa dela enquanto aprendia sujeito e predicado no fundamental.

– Bem, você quem sabe.

Não me levem a mal. Eu não renderia nada nessas matérias durante as aulas. Eu ficaria no celular, papeando, cochilando, e consequentemente estaria desrespeitando o professor. Então prefiro nem ir. Sei muito bem que no final do semestre é só contar uma história triste ao professor que ele deixa você fazer a famosa prova final. Passei em duas cadeiras dessa forma no último semestre.

– Bem, vou para a aula. Você vem? - Pergunta Paulo após almoçarmos, com uma cara de "venha!".

– Ok, você me convenceu. - Respondo me dando por vencido.

O dia até que passa rápido, mas, claro, mato a última aula só pra não pegar o trânsito pesado que viria se saísse no horário certinho. Mais uma vez, ônibus lotado. Porém, trânsito fluindo. Um preço a se pagar.

Chego em casa, janto, e vou direto para a minha cama. Dessa vez, martelo na minha cabeça a barra pela qual acredito que Paulo está passando e, quando cochilo, mais uma vez sou interrompido pelo despertador.

Dormi muito mal. Era certo que dormiria em todas as aulas do dia, mas, claro, precisava pegar aquele ônibus. A vontade de rever Lucas era maior que meu cansaço.

Subo no ônibus, e novamente me sento à janela, com um lugar vago do lado, mas nem tudo ocorreu como planejei: dormi. Caí em profundo sono, um sono onde nem as curvas bruscas do coletivo ou as trepidações causadas pelo maravilhoso desnivelamento das estradas brasileiras conseguiram incomodar.

Mas consigo acordar. Isso ocorre quando sinto um peso extra sendo colocado no meu colo.

– "Toda pessoa traz em si uma dose de ópio natural incessantemente secretada e renovada...". - Uma das melhores dele, na minha opinião.

Diz Lucas, ali sentado ao meu lado fazendo um comentário sobre a antologia de poemas.


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