Era muito tarde quando saí do trabalho aquela noite. Quase quatro da manhã... Em breve o sol nasceria. Eu não gostava, ainda não gosto, de pegar o último turno do lugar onde trabalho... Mas, aquela noite, valeu a pena.

A caminho de meu apartamento, enquanto passava pelo parque escuro e vazio, eu o vi. Ele era extremamente charmoso. Estava parado, sentado em um dos vários bancos, sozinho. Apesar do horário e da atmosfera sombria o local, ele não parecia nada incomodado ou preocupado. Limitava-se a fumar e permitir que sua mente vagasse para muito longe.

Algo nele me atraiu automaticamente. Talvez eu tenha passado uma primeira impressão negativa a meu respeito, ao sentar subitamente ao seu lado, sem dizer ou explicar coisa alguma. O caminho para casa podia esperar.

- Eu não conheço você, conheço? - Ele foi o primeiro a dizer qualquer coisa, sem mover os olhos um milímetro sequer - Eu posso... Ajudá-lo?

Bem me lembro que naquele instante, uma chuva de questionamentos me atingiu. O primeiro e, naquele instante, mais importante deles era “por que ele não olha nesta direção?”. Após alguns minutos de conversa, minhas duvidas foram lentamente sanadas...

Ele havia perdido a visão a poucos dias... Então, aquela era a razão pela melancolia em seu olhar. Eu nunca fui de sentir pena ou compaixão, mas, aquela noite, eu senti um misto dos dois dançando em meu estômago enquanto a conversa se discorria.

Quando o sol surgiu e eu tive que partir, conheci outra sensação a qual nunca tinha sido apresentado: o medo. Sim, o medo de não vê-lo de novo.

“Por sinal...” gritei, enquanto o observava partir, ligeiramente descoordenado “Me chamo... Gackt.”

Menti. Ele percebeu. Não importava, nunca importou... Qualquer que seja o nome pelo qual ele me chamasse, eu atenderia. Ele não era o único a me chamar daquela forma, mas somente quando saia dos lábios dele o nome “Gackt” soava realmente maravilhoso.

“Hyde.” ele também mentiu, deixando um belo sorriso dançar em seu rosto.

 Por sorte, aquela não fora a última vez que nos encontramos. Na madrugada seguinte, ele estava lá novamente... E na outra... E na outra...

 Eu me acostumei com a presença dele na minha vida, pouco a pouco. Quando dei por mim, estava levando bebidas para nós dois e perdendo madrugada após madrugada de sono. Eu mudei meus hábitos completamente... Tudo por causa dele.

Eu me dei conta que estava obcecado... apaixonado... viciado em Hyde de tal forma que não conseguiria mais viver longe dele. Eu não precisava contar-lhe meus sentimentos confusos e abstratos, só a sua presença era o suficiente para me fazer feliz.

Parecia inacreditável que ele não podia enxergar. Seus olhos eram sempre tão belos e vívidos... Perdidos, como se mirassem o nada.

Ele confessou, certa vez, que queria saber como eu era. Tocou meu rosto com suas mãos quentes. Como conseguir segurar meus impulsos? Impossível! Juntei nossos lábios em um curto e doce beijo, repleto de sentimentos... Dos meus confusos e abstratos sentimentos.

Sentimentos que ele fora capaz de aceitar completamente. Eu só queria que ele tivesse dividido comigo também o que sentia.

Despedimos-nos pela manhã, e eu nunca mais o vi. Ele nunca mais apareceu no parque. Eu achei que tivesse sido recusado. Ainda assim, eu continuava indo àquele lugar, o nosso lugar, todas as madrugadas, com esperança de vê-lo novamente.

Ele nunca chegou a aparecer, mas uma noite, a algum tempo atrás, um rapaz estava ali. Ele disse que estava me esperando, me deu um bilhete e desapareceu na escuridão.

Por meio deste eu soube que Hyde havia se libertado de sua cegueira e de todas as dores deste planeta. Eu soube que ele não agüentava mais... Eu compreendi. Queria segui-lo, mas ele me pediu para continuar vivendo. Ele me prometeu que cedo ou tarde nos veríamos novamente.

E é por causa dele que, hoje em dia, eu continuo vivendo.